O papel da teoria saussuriana na fundação da Linguística Moderna como ciência
Roberta de Oliveira Guedes1
INTRODUÇÃO
Em seu programa de epistemologia comparada, notamos que o filósofo
contemporâneo GILLES-GASTON GRANGER (1967, 1979) propõe conceitos
significantes sobre a construção da ciência da linguagem à luz da teoria linguística
proposta por FERDINAND DE SAUSSURE (1916).
Segundo Oliveira (2003), a tese de Granger sobre o pensamento formal estende
o alcance do conhecimento transcendental à linguagem, sob o enfoque de uma
epistemologia que investiga as línguas naturais como objeto científico paradigmático às
demais ciências humanas. Além disso, a autora destaca a relevância em se compreender
a teoria linguística desenvolvida por Saussure apresentada e analisada nos trabalhos de
Granger, uma vez que o autor caracteriza a obra saussuriana como marco de
sistematização da ciência da linguagem.
Dessa maneira por meio da leitura de Granger, podemos encontrar citações dos
estudos saussurianos, especialmente a obra Cours (1916) mencionada como ponto de
partida de uma problemática ainda não resolvida no que diz respeito aos estudos da
linguagem.
Além disso, ao analisarmos a concepção de Granger, destacamos a visão do
autor que entende a epistemologia da linguagem em seu caráter transcendental,
admitindo ser o conhecimento científico uma atividade semiológica.
Já no que diz respeito à produção saussuriana, enfatizamos neste trabalho, as
questões de ordem filosóficas, entre elas: a noção de língua como sistema, o conceito de
signo linguístico, a teoria do valor, entre outras, uma vez que ao estudar o lugar da
linguística em relação às outras ciências é necessário apresentarmos uma interrogação
sobre o seu objeto como propõe Benveniste (1966, p.35):
Naquilo que pertence à língua (Saussure), pressente certas
propriedades que não se encontram em nenhum outro lugar a não ser
aí. Com o que quer que a compare, a língua aparece sempre como algo
1
Professora, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar).
de diferente. Mas em que ela é diferente? Considerando essa
atividade, a linguagem, à qual tantos fatores estão associados,
biológicos, físicos e psíquicos, individuais e sociais, estéticos,
pragmáticos, ele se pergunta: a qual deles pertence à língua?
Ainda a respeito da relação da linguística com as outras ciências, Lemos (2002)
nota que Saussure colocou a linguística em relação aos outros estudos científicos de
uma maneira bastante particular, isto é: “Não se trata, pois, simplesmente de relacionar
um campo a outro, mas de dar uma direção a essa relação, de ordená-la a partir da
língua e da linguística (LEMOS, 2002, p.28).
A construção do objeto científico da Linguística, a partir da teoria saussuriana, no
olhar de Granger
De acordo com Oliveira (2003), Granger sustenta a tese de que os modelos
formais são importantes na explicação dos fenômenos humanos, desde que se considere
haver uma mudança conceitual do termo “formalização”, que para a autora envolve:
“(...) em primeiro lugar, a análise e a interpretação das práticas científicas no processo
de construção de seus objetos e, em segundo lugar, que o objeto científico seja um
projeto de determinação transcendental” (p.9).
A partir dessa proposição, podemos visualizar dois momentos específicos no
projeto epistemológico de Granger. O primeiro consiste na explicação de como se dá o
pensamento formal, que se culmina com a construção do objeto científico. No que diz
respeito ao segundo momento, observarmos a ocorrência da interpretação e da análise
semiológica do objeto.
Conforme Oliveira (op.cit), esses dois momentos estão intrinsecamente
relacionados, uma vez que a interpretação semiológica tem como ponto inicial a análise
das práticas científicas na construção de seus objetos, os quais funcionam como projeto
de determinação transcendental e remetem às categorias enquanto formas a priori do
pensamento formal.
Adicionamos aos dois momentos mencionados no projeto epistemológico de
Granger, a presença do estruturalismo nesse período histórico científico, uma vez que
ele possibilitou a organização da linguagem no processo de construção do objeto das
ciências humanas. Segundo o estudioso francês, o objeto científico é completamente
estrutural, uma vez que é composto de leis lógicas que comandam a sua estruturação por
meio da determinação de elementos e da definição das relações existentes entre eles.
Em relação aos elementos e as relações que constituem o objeto, Granger afirma
que eles jamais poderão ser considerados como interferência do vivido da experiência,
visto que são compreendidos como propriedades formais que constituem o sistema
simbólico que o representa.
Ainda no que diz respeito ao estruturalismo, destacamos a posição de Oliveira
(2003) ao acrescentar que “(...) a estrutura estabelece a forma em que a experiência
traduzida pela linguagem se constitui como matéria que explica o ser humano e o
mundo”. (p.11)
Além do estruturalismo, enfatizamos a chamada “categorias derivadas”,
entendida por alguns estudiosos, entre eles Granger, como metaconceitos, estabelecidos
na história da ciência como paradigmas suscetíveis a um processo de mudança
imanente, por estabelecer um novo estágio na pesquisa científica e estar predispostas a
ter seus alcances superados, dando, assim, a ideia de progresso científico.
Oliveira (op.cit) assevera que as “categorias derivadas” são as responsáveis pela
formação de diferentes temas de pesquisa, na medida em que:
(...) possibilitam uma sustentação geral à descrição de diferentes
domínios de objetividade devido ao caráter histórico que possuem e
por oferecerem uma forma aos dados empíricos, tornando-se guias
transcendentais para os conteúdos empíricos das ciências. São por
exemplo, o conceito de língua em Saussure (GRIFO NOSSO); o
conceito de mito em Claude Levi-Strauss; de histeria em
Freud...”(p.24)
Em relação às ciências humanas, que para Oliveira “tratam da objetivação de um
vivido”, o sentido do conhecimento sintético a priori pressupõe a cultura como caráter
constitutivo na determinação do objeto, ou seja, abre para uma interpretação que
conjectura o sujeito como elemento ativo na construção das situações propostas por ele
a si mesmo ou que lhe são legadas pela sua civilização. Dessa maneira, segundo a
autora, Granger utiliza o projeto de Saussure como o primeiro exemplo históricoempírico da estruturação do fato humano -que é a língua- por permitir o estudo
científico de um objeto estrutural retirado daquilo que foi vivido.
Ao estudarmos a obra de Granger, notamos que o estudioso aborda o fenômeno
linguístico sob o ponto de vista específico da comunicação simbólica enquanto matéria
da Semiologia, uma vez que a ciência de modo geral necessita de um sistema linguístico
para se realizar como comunicação de um saber e enquanto tal constitui-se por atos
comunicativos ou sêmicos, ou melhor, por significações, na medida em que é realizada
no meio social. Dessa maneira, entendemos os motivos que levaram Granger a recorrer
para Semiologia, visto que ela oferece as bases para uma epistemologia que pretende
analisar e interpretar a objetivação dos fatos humanos através de uma construção
linguística.
De acordo com Oliveira (2003), é justamente a análise e a interpretação do
simbolismo linguístico realizada por Granger que vai permitir à epistemologia uma
compreensão de como os fenômenos se objetivam na linguagem, uma vez que ela parte
da ideia de que uma língua, entendida como sistema de formas organizadas através de
estruturas abstratas, que tem como ponto de partida o recorte do fenômeno totalizante e
ativo, fruto do trabalho de construção e ratificação de um vivido, simbolizando na
linguagem.
Nessas acepções, entendemos que Granger converge o termo sistema no sentido
conferido por Saussure, - o qual se define como um conjunto de relações abstratas entre
os elementos que são por eles determinados- ressaltando a estreita associação entre a
noção de sistema e a ideia de regulação, pois o caráter decisivo do conceito de regulação
é a determinação de um sistema pela sua própria imagem. Em outras palavras, isso
equivale a dizer que a língua se apresenta como um fenômeno de regulação, uma vez
que exige certa “estabilização do sistema pela imagem global que ele mesmo, de certa
maneira, inclui” (GRANGER, 1979, p.121)
Dessa maneira, para Granger, são as regras que possibilitam delimitar as
prescrições à construção dos enunciados, tornando-se bens comuns ao locutor e do
receptor. Nesse ponto, entrecuzam-se a proposta de epistemologia da linguagem de
Granger e a teoria linguistica de Saussure quanto à assertiva de ser a língua uma
convenção de regras passada como herança de geração a geração. Portanto, a língua por
ser um sistema simbólico particular de comunicação, se institui como expressão verbal
que, através da escrita e da fala, veicula informações em uma dada comunidade de
indivíduos falantes, fundando o comportamento linguístico.
Segundo Oliveira, a decisão de Saussure de estudar a língua em sua imanência
considerando a sua lógica interna e sua relação com a realidade extralingüística expressa
pela função nominal tem o objetivo de justificar a autonomia da ciência da linguagem.
Constituindo tal estudo uma superação do que até a sua época se concebia em relação à
linguagem, uma vez que antes de Saussure a postura científica impunha leis que
estabeleciam que os fenômenos linguísticos eram explicados segundo os princípios que
regiam as ciências naturais. Por outro lado, havia o perigo de subjetivar a língua de tal
maneira que se poderia acreditar que ela não passaria de uma produção arbitrária dos
sujeitos falantes. Saussure, no entanto, foi atento o suficiente para evitar ambas as
posições, pois logo evidenciou que qualquer inovação linguística só passaria a fazer
parte de um idioma quando institucionalizada.
Daí Granger (1979, p.15) tecer o seguinte comentário:
Mesmo que pareça justo todo cômputo feito, falar-se a este
propósito de revolução “saussureana” não se pode esquecer que,
de diversos lados, dentro do meio século que começa com o
ensinamento parisiense depois genovês de Saussure, não
somente a tecnologia do estudo das línguas, mas também a
noção de objeto linguístico foram profundamente renovadas...
No ano de 1967, encontramos na introdução do Pensamento Formal (Pensée
Formelle) de Granger a posição do autor acerca dos estudos de Saussure ao afirmar que
o linguística de Genebra opera a redução do fenômeno ao objeto abstrato que é a língua,
afirmando ser essa uma estrutura independente como podemos notar a seguir:
De todo o contexto das atividades concretas de expressão e de sua
evolução histórica, constitui um objeto de ciência legitimamente
demarcado, formando um sistema cujas determinações intrínsecas
podem ser descritas como tal (1967, p.1).
Nesse contexto a língua é vista como sistema, uma vez que:
(...) seus elementos definidos através das suas relações de oposição
com todos os outros; cada um dos elementos é, de certo modo,
“incolor”, e só adquire valor, função e sentido em relação aos
elementos de que se distingue, no interior de todo o sistema (id.ibid)
Devido à oposição de valor dos elementos que constituem o sistema linguístico,
é possível, para Granger, estruturar a língua. Daí a importância atribuída, segundo o
autor, às taxionomias e o caráter estático de “uma tal linguística”(GRANGER,
1979,p.127) naquele momento histórico.
Além disso, ainda de acordo com Granger, Saussure explica cientificamente a
linguagem humana por meio das definições de língua e linguagem, em especial no que
diz respeito à primeira definição, na qual podemos encontrar os conceitos de “estado de
língua” e “fato de língua”, conforme assevera Oliveira (2003). Segundo a autora,
predomina nessa visão:
(...) a impossibilidade de uma revolução, ou melhor dizendo, de uma
mudança geral e repentina na língua, uma vez que a língua é um fator
histórico de transmissão de conhecimento. Porque é repassada aos
seus falantes pelos antepassados como uma herança que se constitui
num acervo de regras que determinam o comportamento linguístico
(OLIVEIRA, p.86).
Dessa maneira, segundo Oliveira, ao definir a língua como um sistema de regras,
a linguística adquire autonomia com Saussure ao ter seu objeto identificado e
devidamente separado das outras ciências sem deixar de manter as correspondências
necessárias com outras áreas estabelecendo, portanto, interdisciplinaridade.
A importância do fenômeno linguístico e das definições de língua e linguagem
saussuriana para a construção da ciência da linguagem
Oliveira (2003) assevera que o fenômeno linguístico é fundamentalmente
histórico e ligado aos acasos temporais e sociais. Porém, o linguista que direciona a sua
pesquisa para a descrição sincrônica da língua tem que abstrair os fatores que
condicionam ou que constituem uma mudança no sistema, pois a referência ao passado
torna ininteligível o estudo da organização sistêmica.
O estudo do fenômeno considera a descrição das relações existentes entre termos
contemporâneos e o modo como se organizam. Para Saussure (1975, p.105), descrever
um estado de língua é como descrever uma determinada posição do jogo de xadrez:
(...) numa partida de xadrez, qualquer posição dada tem como
característica singular estar libertada de seus antecendentes, é
totalmente indiferente que se tenha chegado a ela por um caminho ou
outro; o que acompanhou toda a partida não tem a menor vantagem
sobre o curioso que veio espiar o estado do jogo no momento crítico;
para descrever a posição, é perfeitamente inútil recordar o que ocorreu
dez segundo antes. Tudo isso se aplica igualmente à língua e consagra
a distinção radical entre o sincrônico e o diacrônico.
Assim, segundo Saussure (1975, p.113), o fenômeno linguístico pode ser
examinado a partir do “eixo das simultaneidades-sincronia-, ou do “eixo das sucessões”diacronia.
Segundo o autor, é sincrônico tudo quanto se relacione com o aspecto estático da
nossa ciência, diacrônico, tudo que diz respeito às evoluções. Do mesmo modo
sincronia e diacronia designarão respectivamente um estado de língua e uma fase de
evolução.
Antigamente, os estudiosos convergiam seus estudos estaticamente, ver a
gramática de Port-Royal, por exemplo. Nesse contexto, encontramos a gramática
tradicional que ignorava partes inteiras da língua como, por exemplo, a formação das
palavras. Dessa maneira, podemos afirmar que sua natureza era normativa e um de seus
objetivos era promulgar regras em vez de comprovar os fatos; faltando-lhe visão de
conjunto, amiúde, ela chega a não distinguir a palavra escrita da palavra falada, etc.,
uma vez que a fala não era considerada, sendo que nela podemos constatar uma possível
evolução da língua (SAUSSURE, p.97/98).
O fato de sincronia é sempre significativo e apela sempre para dois termos
simultâneos como exemplifica Saussure em: não é Gaste que exprime o plural e sim a
oposição Gast:Gaste. Já no fato diacrônico, é justamente o contrário que ocorre: não
interessa mais que um termo e para que uma forma nova (Gaste) apareça, é necessário
que a antiga Gast lhe ceda o lugar.
De acordo com Sausure (1975), na língua, as mudanças não se aplicam senão a
elementos isolados, que repercute todo o sistema. Entretanto, não cabe ao individuo
essas mudanças, visto que a língua não premedita nada; é espontânea e fortuita
(SAUSSURE, p.105)
Dessa maneira, podemos constatar que a sincronia conhece somente uma
perspectiva, a das pessoas que falam, conforme propõe Saussure.
A Linguística Diacrônica, pelo contrário, deve distinguir duas perspectivas: uma,
prospectiva, que acompanhe o curso do tempo e outra retrospectiva, que faça o mesmo
em sentido contrário, daí um desdobramento do método. Assim, cabe a ela estudar as
relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência
coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema entre si (SAUSSURE,
p.116)
Já a Linguística sincrônica se ocupará das relações lógicas e psicológicas que
unem os termos coexistentes e que formam sistemas, tais como são percebidos pela
consciência coletiva, uma vez que seu objeto é estabelecer os princípios fundamentais
de todo o sistema idiossincrônico, os fatores constitutivos de todo estado da língua.
Em outras palavras, notamos que a sincronia pertence a tudo o que se chama
gramática geral, pois é somente pelos estados de língua que se estabelecem as diferentes
relações que incubem à gramática (SAUSSURE, p.117).
No que diz respeito à fala, Granger diz que Saussure contribui enormemente
para o avanço do estudo acerca desse tópico, especialmente quando ressalta que ela é
necessária para que a língua se estabeleça, uma vez que historicamente a fala se impõe
primeiro que a língua.
Nesse contexto, Granger especifica o uso do termo “fala” às realizações
sintagmáticas efetivas de formulação da língua, cuja intervenção é essencial para a sua
expressão e o seu conteúdo, porque o estudo da fala em Saussure, segundo o filósofo
francês, já comporta a consideração das condições empíricas da comunicação, e,
comporta, ainda, condições reguladoras transcendentais que “não constituem a falaobjeto produzida, mas dirigem, por assim dizer, o seu uso. De tais condições
reguladoras revelarão, entre outras, uma retórica e uma estilística tomada a um de seus
níveis” (GRANGER, 1979, p.51).
Todavia, Granger aponta um problema que consiste em ser a fala uma
manifestação individual e momentânea, o que dificulta uma sistematização teórica.
Diante de tais dificuldades é que Saussure estabelece a língua como principio ordenador
da linguagem, sendo, por conseguinte, “princípio de classificação”:
É necessário colocar-se primeiramente no terreno da língua e tomá-la
como norma de todas as outras manifestações da linguagem. De fato,
entre tantas dualidades, somente a língua parece suscetível de uma
definição autônoma e fornece um ponto de apoio satisfatório para o
espírito (SAUSSURE, 1975. p.16)
Nessa perspectiva, o estudo da fala está subordinado ao estudo da língua,
havendo uma Linguística da Fala e uma Linguística da Língua. Essa última considerada
por Saussure como a Linguística propriamente dita. Mas, a Linguística se encontra
vinculada a uma outra ciência denominada de Semiologia (do grego sêmeion, signo),
que possui como objeto de estudo “a vida dos signos nos seios da vida social”
(SAUSSURE, 1975, p.24) . Há, então, uma relação intrínseca entre a Linguística e a
Semiologia, sendo que a primeira se beneficiaria com a descoberta da segunda como
assevera Saussure (1975, p.24):
A Linguística não é senão uma parte dessa ciência geral: as leis que a
Semiologia descobrir serão aplicáveis à Linguística e esta se achará
vinculada a um domínio bem definido no conjunto dos fatos humano.
De acordo com Oliveira (2003), a Semiologia, por ser a ciência que estuda os
significantes correlaciona-se com todas as ciências humanas na medida em que explica
o fato humano segundo a construção de sistemas significantes que adquirem o estatuto
da linguagem e que somente passam a se constituírem em línguas quando existem duas
articulações dos significantes denominadas de monemas- articulação das letras do
alfabeto, por constituírem-se em códigos.
Isso posto, Granger considera a relação estabelecida por Saussure entre a
linguística e a semiologia como fundamental para a explicação sobre o processo de
construção do objeto das ciências humanas, advindo a sua concepção de ser o modelo
semiológico como o que melhor explica a redução do fato humano para o seu processo
de objetivação, uma vez que há, primeiramente, correlação entre a necessidade de ligar
a pesquisa sobre a língua à pesquisa dos outros sistemas semiológicos e, em segundo, a
importância dada ao sistema linguístico com relação aos demais sistemas semiológicos.
Além disso, para Oliveira (op.cit), o primeiro momento mencionado por Granger
ressalta que os estudos científicos da língua por estabelecer modelos abstratos que
orientam as pesquisas, fornecem explicações concernentes à organização de sistemas de
significantes, esquemas de concatenação dos diferentes níveis de constituição das séries
de signos admissíveis numa língua e, ainda, esquemas de comunicação realizadas pela
língua, possibilitando a criação de diversas teorias semiológicas que, segundo Granger
(1979, p.197):
Orientam essencialmente suas visões explicativas de língua em três
direções concorrentes e complementares: explicar a organização de
sistemas significantes, fornecer esquemas de concatenação nos
diferentes níveis de constituição das séries de signos admissíveis
numa língua, fornecer enfim esquemas de comunicação realizadas
pela língua.
Já o segundo aspecto, segundo Oliveira (2003, p.90) admite a língua como um
sistema inteligível, uma vez que o seu processo de reformulação interna à sua própria
história passa a ser conhecido e explicado, o que garante a linguística um lugar especial
entre as ciências humanas, principalmente devido ao principio de arbitrariedade,
introduzido por Saussure.
O principio de arbitrariedade se caracteriza por ser unificador da teoria
linguistica na medida em que Saussure reconhece que os diversos fatos linguísticos são
ramificações deste princípio. A questão primordial abordada por este principio é a da
arbitrariedade da conexão entre o som e a ideia que compõem o signo linguístico.
O laço que une o significante ao significado é arbitrário, ou então, visto que
entendemos por signo o total resultante da associação de um significante podemos dizer
mais simplesmente: “o signo linguístico é arbitrário” (SAUSSURE, 1975, p.81).
Adicionamos à arbitrariedade do signo a questão do valor linguístico, que é de
fundamental importância por constituir-se no ponto mais original da teoria de Saussure
e por introduzir o problema da identidade linguística, isto é, a identificação de duas
ocorrências de uma mesma expressão conforme Oliveira (2003, p.92)
Em seus estudos, Saussure verifica que não é através da consideração das
substâncias psicológicas e fônica que se dará o reconhecimento de duas ocorrências de
uma mesma expressão, pois, levando-se em conta a execução individual, só se dará
tornando-se por referência o seu valor, ou seja, a sua relação com os outros termos que
formam o sistema, uma vez que “o mecanismo linguístico gira todo ele sobre
identidades e diferenças, não sendo estas mais que a contraparte daquelas”
(SAUSSURE, 1975, p.126).
Conclusão
A partir da elaboração deste trabalho, pretendemos enfatizar a importância da
teoria saussureana para a construção de um novo paradigma científico referentes aos
estudos acerca da linguagem.
Ao colocar o problema da linguagem em seu verdadeiro terreno, que não é
psicológico, mas lógico, Saussure direcionou o rumo da pesquisa sobre a língua natural,
que teve seu aprofundamento com a análise estrutural do funcionamento linguístico até
as suas fórmulas mais lógicas.
Além disso, compreendemos que o conceito de língua em Saussure, segundo
Granger, delimita e define a língua como um objeto científico e, como tal, constitui-se
em um campo de observação na medida em que dá uma forma aos conteúdos empíricos
da linguagem sem, no entanto conduzir a um sistema dogmático, fechado com teses
acabadas, uma vez que a partir dele outras teorias tiveram origem, dado o seu caráter
transcendental.
Compreendemos que o que caracteriza esse conceito transcendental é a
constatação de ser ele um guia para o desenvolvimento da ciência da linguagem, visto
que a categoria derivada da língua está submetida a uma história transcendental, cujo
processo de transformação interna tem como referência histórica a Linguística de
Ferdinand de Saussure, que possibilita uma sustentação geral para a descrição do
domínio da objetividade da linguagem.
As marcas do movimento de Saussure não só permitiram colocar em relação o
que até então, erigia-se autônomo, mas, sobretudo, apontar que o seu trabalho na
fundação da linguística não começou, conforme assevera Silveira (2003, p.129) “(...) no
comparativismo e terminou na sincronia. Não começou nas aulas e terminou na edição
dessas por seus alunos. Não começou nos anagramas e terminou na teoria do valor”.
Em outras palavras, a obra saussuriana não se limitou ensimesma, avançou e se
fez presente em inúmeros estudos e pensadores de diferentes épocas e correntes
contribuindo para uma produção que mais tarde foi nomeada fundação da linguística
moderna.
BIBLIOGRAFIA
BENVENISTE, E. Problémes de Linguistique Generale. Paris: Gallimaid,
1966.
GRANGER, G.G. Language et Épistémologie. Paris: Klincksieck, 1979.
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LEMOS, M.T.A. Língua que me falta: uma análise dos Estudos em aquisição
da linguagem. Campinas. Mercado das Letras, 2002.
OLIVEIRA, R. C. A construção do objeto das Ciências Humanas segundo a
epistemologia da Linguagem de Gilles-Gaston Granger (A Linguística de Saussure
como paradigma de Ciências Humanas). Dissertação de mestrado-UNICAMP.2003.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Trad. Antônio
Chelini, José Paulo e Izidoro Beinkstein. São Paulo; Cultrix, 1975.
SILVEIRA, E. As marcas do movimento de Saussure na fundação da
Linguística. Tese de doutorado. UNICAMP, 2003.
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