CONCEPÇÕES DE AVALIAÇÃO E PRÁTICAS AVALIATIVAS NA ESCOLA: ENTRE POSSIBILIDADES E DIFICULDADES MENEGHEL, Stela Maria – FURB [email protected] KREISCH, Cristiane – FURB [email protected] Eixo temático: Políticas Públicas e Gestão da Educação Agência financiadora: Não contou com financiamento Resumo Desde 1960 o tema da avaliação tem ganhado espaço significativo na agenda e nas políticas públicas de educação. O presente texto tem por objetivo fazer conhecer mudanças e tendências nas concepções e enfoques de avaliação da aprendizagem das últimas três décadas e refletir, por meio da literatura especializada, sobre suas implicações para os processos formativos à medida que incorporadas pelas instituições de ensino. Para tal, está estruturado em duas partes: a princípio faz uma reflexão sobre os fundamentos das principais concepções de avaliação vigentes no campo educacional e, em seguida, tece algumas considerações sobre as possibilidades e limitações das práticas avaliativas nas escolas. Como procedimento metodológico foi privilegiada a revisão bibliográfica de autores conceituados no campo da avaliação da aprendizagem. Os resultados apontam a relação direta entre concepções/práticas avaliativas e visão do professor sobre o processo de construção de conhecimento/ensinoaprendizagem. A análise da bibliografia também permitiu identificar três grandes tendências de práticas de avaliação nos meios escolares: (i) classificatória: ocupada de ‘atribuir nota’ ao estudante com referência na reprodução do conteúdo ditado pelo professor; (ii) diagnóstica: identifica dificuldades e avanços do processo de aquisição de conhecimento, podendo ser utilizada para classificar o estudante ou subsidiar a continuidade da aprendizagem; (iii) emancipatória: promove a reconstrução do saber. E embora a ênfase dos estudos esteja na concepção emancipatória, em suas múltiplas vertentes, como ideal para o crescimento intelectual e cidadão dos sujeitos, nas escolas (assim como em diversas políticas públicas) ainda prevalecem práticas classificatórias. Para isso contribuem tanto a cultura avaliativa herdada da escola tradicional quanto o desconhecimento/falta de formação do professor quanto às concepções de avaliação e suas implicações para a aprendizagem, uma vez que nos cursos de formação de professores está ausente a orientação sobre este tema. Palavras-chave: Concepções de Avaliação. Avaliação da aprendizagem. Formação para avaliação. 9820 Introdução A avaliação sempre se fez presente nos meios escolares e, ao longo da história, tem sido usada de diferentes formas, com distintas funções, objetivos, metodologias. Na Antiguidade não havia processos de avaliação institucionalizados. Na antiguidade, não havia nenhuma organização institucional da avaliação. O discípulo acompanhava o mestre, o saber transmitia-se sob forma de diálogo e interrogação. Esta abordagem supõe o sujeito como lugar de construção do saber, o que levou, por um lado, a centrar o ensino nele; mas também considerar de uma certa maneira, o saber como se fosse algo previamente inscrito no sujeito. (CHARDENET, 2007 p. 147). Nos anos recentes, ela tem sido alvo de discussões acaloradas entre os diversos atores sociais, em um contexto onde os resultados dos processos avaliativos promovidos pelo Estado são indicadores de qualidade da aprendizagem e, ainda, de eficácia da aplicação de recursos públicos. CHARDENET (2007) relata que as primeiras investigações sobre avaliação se deram na Europa, na década de 1930, quando Henri Piéron criou a ciência da medida em exame. [...] ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, a gestão das tarefas e parcelização no processo de produção industrial conduzem os responsáveis de dispositivos de formação a enfatizar a noção de objetivos. R. Tyler procura determinar em qual medida os objetivos de educação podem ser atingidos pelo programa de estudos (currículo) em um curso. Elaboram-se testes que impõem a descrição de objetivos precisos. É uma ruptura com procedimentos sem referências, uma abordagem input/output, mas o centro de interesses fica no programa e não no aluno. Procura-se verificar conhecimentos precisos, fora de situação de aplicação das competências. Entra-se então na era industrial da eficácia. (CHARDENET, 2007, p.149). Ainda segundo este autor, na segunda parte da década de 1960 a noção de avaliação se espalha pela divulgação alargada deste termo nos discursos especializados da educação. A docimologia crítica de Piéron foi sucedida pela docimologia construtivista, que propunha métodos para diminuir a subjetividade do avaliador com uso de critérios objetivos - de ensino e avaliação – que faziam a atividade avaliativa, independente do avaliador. A partir disso, duas vias de pesquisa são desenvolvidas e se complementam até 1980: (i) as relações entre objetivos de aprendizagem e objetivos de avaliação; (ii) e ao que se interessa no julgamento da avaliação. 9821 As concepções atuais sobre avaliação foram desenvolvidas a partir de 1980 quando a avaliação, tendo entrado nos discursos sociais, especializados ou não, adquiriu certo reconhecimento público. A análise dos discursos dos professores mostra que os procedimentos que há cerca de vinte anos eram designados sob o nome de dever, testes, controles, deste o início de século XXI, passaram a ser designados pelo termo que os engloba: avaliação. (CHARDENET, 2007). Mas, para além disso, houve uma mudança na própria percepção dos docentes e da sociedade quanto aos fins e meios da avaliação, incorporada à escola por seu caráter pedagógico e político. Fazendo um recorte da década de 1980, podemos observar que a avaliação e suas concepções eram denunciadas como instrumento repressor, alienante, por que não dizer autoritário, contrariando o que era posto, ou seja: a escola como espaço de construção da cidadania, de autonomia e exercício do direito à democracia. (CIPRIANO, 2007 p 45). O presente texto, elaborado com suporte em estudo bibliográfico, debate as principais concepções de avaliação da aprendizagem destacadas pela literatura especializada nas últimas três décadas. Busca, desta forma, fazer conhecer as mudanças de perspectiva efetuadas nas práticas avaliativas e, ainda, debater suas implicações para os processos formativos. Ao final, são feitas breves considerações sobre possibilidades e dificuldades da avaliação constituir-se efetivamente como instrumento de emancipação e de reconstrução do saber. Tendências das Concepções de Avaliação A idéia de avaliação remete a diferentes metodologias, concepções, contextos em que pode estar inserida. Mas, para compreender o que fundamenta seus objetivos e procedimentos, cabe questionar o seu lugar no processo de ensino aprendizagem; ou seja: qual a relação entre avaliação e construção de conhecimento? A resposta a essa pergunta é essencial para a compreensão de como ocorre a avaliação no meio educativo, em seus objetivos e estratégias. E, de forma geral, apesar de existirem diversas correntes e nomenclaturas para identificar as práticas avaliativas nos meios escolares, podemos dizer que a literatura aponta três grandes tendências: classificatória, diagnóstica e emancipatória. 9822 Quando a avaliação tem por foco a capacidade de reprodução de determinado conteúdo repassado pelo professor, são bons alunos os de maior capacidade mimética. Nessa perspectiva, ela é realizada apenas no final do processo de aprendizagem, a fim de medir seu produto final, atuando como instrumento de coleta de “nota” Luckesi (2000) que classifica os alunos como “bom”, “médio” ou “inferior” sem considerar um processo de reflexão autônoma. Por isso diz-se que esta avaliação tem caráter classificatório. A avaliação classificatória é, portanto, herança do ensino tradicional em que a metodologia de ensino é centrada na reprodução de uma técnica/conteúdo e na aquisição de habilidades, de modo que há ênfase no ‘fazer’ ditado pelo professor e não no conhecimento construído pelos estudantes. Com isso, não há processo de reconstrução do saber, mas, sim, a preocupação com avançar no conteúdo previsto nas unidades do livro. Ou seja: o papel e a função da educação, para o qual contribui a avaliação, é fazer dos alunos cópias fiéis/reprodutoras do que foi ditado pelos professores, chegando à perfeição do original. Como é realizada apenas no final do processo de aprendizagem, tendo o poder de impedir a trajetória escolar do estudante, também se diz que a avaliação classificatória possui caráter frenador e que traz danos a este. Sua função constitui-se num instrumento estático e frenador do processo de crescimento. [...] O educando como sujeito humano e histórico; contudo, julgado e classificado, ficará para o resto da vida, do ponto de vista do modelo escolar vigente, estigmatizado, pois as anotações e registros permanecerão, em definitivo, nos arquivos e nos históricos escolares, que se transformam em documentos legalmente definidos (LUCKESI, 2000, p.35). Para Luckesi (2000), com esta perspectiva o professor apenas domestica seus alunos, sem contribuir para desenvolver seu potencial. Os instrumentos de avaliação têm ênfase quantitativa (pois mensuram o acúmulo de informações) e as notas finais, coletadas em geral por meio de provas, visam apenas aprovar ou reprovar o aluno, não intervindo para o crescimento do estudante. Boughton; Cintra (2005) mencionam que a avaliação classificatória tem suas contribuições e desempenha muitos papéis importantes na educação. 9823 [...] O primeiro diz respeito às avaliações nacionais para todo o sistema, feitas para fornecer informações estatísticas aos órgãos federais sobre o desempenho dos estudantes, estes inseridos em diversos subgrupos divididos por critérios, tais como gênero, carga cultural, região e assim por diante. (BOUGHTON; CINTRA, 2005 p. 376). A avaliação classificatória pode ser “medida de temperatura” por permitir aos órgãos federais uma visão geral do sistema educativo por meio de provas padronizadas, cujos resultados podem ser analisados em termos do desempenho de grupos específicos. Elas também podem ser “catracas”, determinando o acesso a oportunidades educacionais - como o ingresso em instituições de educação superior. Mas, como esclarecem Boughton; Cintra (2005 p. 378), a medida promovida por avaliações classificatórias é uma atitude desenvolvida com o propósito de quantificar as qualidades. E a quantificação não é, por si, uma avaliação. Nessa linha, o resultado do teste ou da prova está desvinculado da avaliação, pois extrai somente um produto. Ele pode auxiliar os professores a estimar o que os alunos aprenderam, mas é apenas parte de um processo capaz de identificar isso. Do mesmo modo, a atribuição de nota permite fazer um julgamento sobre um certo grau alcançado dentro de um critério particular. Mas restringir o desempenho ou a capacidade de um aluno a um valor - seja número, letra, conceito - indica extremo reducionismo do processo educativo. Além disso, quantidade de conhecimento ou de conteúdos nem sempre é sinônimo de qualidade. Neste sentido, Hadji (2001) aponta que a multicorreção (ênfase do quantitativo pelo professor na sua prática, sem preocupação se o aluno está interiorizando o conhecimento e superando suas dúvidas) não é o melhor caminho a ser seguido. Mas, à medida que o professor tira o foco da transmissão de conteúdos e avança em estratégias que promovam a aquisição de conhecimentos de forma que, paulatinamente, os estudantes desenvolvam mecanismos para busca e reflexão sobre informações e se mostrem capazes de atribuir a estas significados diversos, a avaliação passa a ter outros objetivos. Nessa perspectiva, a princípio, a avaliação adquire caráter de diagnóstico. Para Penna Firme (1994), avaliações diagnósticas são conduzidas com o propósito de identificar as fraquezas e as potencialidades dos estudantes, com o intuito de informar futuras estratégias ao professor e ao aluno. Este conceito está fundamentado na idéia de que, para o professor, a atenção ao desempenho do estudante é elemento primordial à prática pedagógica; ou seja, 9824 cabe ao educador desenvolver estratégias que lhe permitam conhecer os erros e acertos do aluno a fim de promover o seu objetivo cognitivo. Neste sentido, os dados adquiridos numa abordagem classificatória não possibilitam a superação diante do conhecimento (ato de reconstrução de saberes), mas são mecanismo de diagnóstico da situação e ponto de partida para o avanço e o crescimento, não a “estagnação disciplinadora”. (LUCKESI, 2000, p. 32). O diagnóstico propiciado pela avaliação pode ser, portanto, a depender de como o professor interage com o aluno depois da avaliação, limitado ao seu caráter classificatório ou, ainda, antecedendo a tomada de decisão quanto à continuidade dos processos pedagógicos, a partir do diagnóstico estimular o aluno para a reflexão do saber. Dessa forma, o ato de avaliar não serve como pausa para pensar a prática e retornar a ela; mas sim como um meio de julgar a prática e torná-la estratificada. De fato, o momento de avaliação deveria ser um “momento de fôlego” na escalada, para, em seguida, ocorrer a retomada da marcha de forma mais adequada, e nunca como um ponto definitivo de chegada, especialmente quando o objeto da ação avaliativa é dinâmico como, no caso, a aprendizagem. Com a função classificatória, a avaliação não auxilia em nada o avanço e o crescimento. Somente com a função diagnóstica ela pode servir para essa finalidade. (LUCKESI, 2000, p. 34-35). Para Oliveira (2001), a avaliação diagnóstica é um constante olhar crítico sobre o que se está fazendo. Citando diversos estudos, a autora identifica as contribuições desta concepção e estratégias de avaliar: permite ao professor identificar os caminhos percorridos por ele e seu aluno, tomando decisões quanto às metas a serem perseguidas. (LUCKESI, 2000); é realizada no presente, mas com vista para o futuro, em processo de construção permanente de investigação e questionamento sobre as ações realizadas (CANEN, 1997); tem como elemento essencial o processo de construção de conhecimento, respeitando o indivíduo em três aspectos fundamentais: a integridade, a dignidade e a privacidade. (PENNA, 1994). O diagnóstico é essencial para chegar à avaliação emancipatória que visa, basicamente, a promoção de sujeitos. As discussões em torno dessa avaliação foram propostas no final de 1960, por Scriven, tendo como princípio que os alunos pudessem ser capazes de se orientar por si, ao analisar suas dificuldades e agindo para superá-las (HADJI, 2001). Nesta perspectiva, a avaliação tem por objetivo possibilitar a construção ou o aperfeiçoamento do saber, ou seja: “tem o objetivo legítimo de contribuir para o êxito do ensino, isto é, para a construção de saberes e competências pelos alunos” (HADJI, 2001, p. 15). 9825 Para Luckesi (2000) a avaliação emancipatória visa promover os sujeitos, a libertação dos modelos classificatórios e de estagnação social, proporcionando seu crescimento. Deste modo, não pode ser o momento final da aprendizagem, mas, sim, parte deste processo, de modo que haja a percepção, a crítica e a prática dos agentes (aluno e professor). Cabe ao professor mediar a interação do aluno com o objeto de conhecimento, proporcionando-lhe meios para que a construção dos saberes ocorra. E professor e aluno devem aprender com a avaliação: o primeiro, ao perceber os limites e o estágio de conhecimento do aluno em relação a determinado tema/assunto; este, por sua vez, ao detectar os temas em que tem dificuldade. A avaliação emancipatória caracteriza-se como um processo de descrição, análise e crítica de uma dada realidade, visando transformá-la. [...] Está situada numa vertente político-pedagógica cujo interesse primordial é emancipador, ou seja, libertador, visando provocar a crítica, de modo a libertar o sujeito de condicionamentos deterministas. O compromisso primordial desta avaliação é o de fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam a sua “própria história” e gerem suas próprias alternativas de ação. (SAUL, 1995, p. 61). A perspectiva emancipatória privilegia a avaliação processual, em que o docente analisa todas as atitudes do estudante ao executar uma tarefa de avaliação e, após a mesma, faz considerações relevantes para um processo de reconstrução e aprimoramento do saber. Para tanto, os instrumentos são diversificados, contínuos, e os alunos respeitados em suas diferenças. (HOFFMANN, 2000; SAUL 2000). Nos anos recentes têm sido elaborados diversos estudos que, a fim de promover estratégias para atingir a avaliação segundo a concepção emancipatória e com o ideal de formação humana, propõem modelos avaliativos com focos e elementos específicos. Apresentamos alguns deles, que assumem denominações diversas, visando propiciar ao leitor uma visão das possibilidades de promover processos avaliativos em perspectiva bastante diversa da tradicional abordagem classificatória. A avaliação formativa ou formadora visa fornecer aos alunos um feedback de seus progressos, considerando avaliações feitas em diferentes momentos e instrumentos. Segundo Hadji (2001) a avaliação formativa é um ideal que pode tornar a avaliação verdadeiramente útil em situações pedagógicas ao permitir a crítica da realidade, a libertação dos sujeitos, a saída do imediatismo pedagógico, ao permitir ao aluno questionar e refletir sobre determinado assunto. 9826 Uma avaliação formativa ajuda o aluno a compreender e a se desenvolver. Colabora para a regulação de suas aprendizagens, para o desenvolvimento de suas competências e o aprimoramento de suas habilidades em favor de um projeto. Um professor comprometido com a aprendizagem de seus alunos utiliza os erros, inevitáveis sobretudo no começo, como uma oportunidade de observação e intervenção. Com base neles, propõe situações-problema cujo enfrentamento requer uma nova e melhor aprendizagem, possível e querida para quem a realiza. (MACEDO, 2007, p. 118). Para Cipriano (2007) a avaliação formativa reforça a idéia de que a avaliação, no desenvolvimento global do currículo, é uma ocasião a mais de aprendizagem e não uma interrupção da mesma, tampouco um “prestar contas” mecânico e rotineiro “de” e “sobre” a informação recebida e acumulada previamente. A avaliação, em sua intenção e função formativa, transcende os resultados da prova e da qualificação, pois somente a partir de um interesse técnico e de controle se pode confundir o instrumento, o recurso - como o exame com a atividade – avaliar. A avaliação mediadora, por sua vez, segundo Hoffmann (2005), refere-se à ação docente no processo avaliativo. Ela exige do professor maior tempo de permanecia em sala de aula e atendimento individualizado ao aluno para acompanhar o processo de construção do conhecimento, favorecendo o desenvolvimento do estudante com a oferta de novas e desafiadoras situações de aprendizagem, novas leituras ou explicações, sugestão de investigações, oportunidade de vivências enriquecedoras e favorecimento da tomada de consciência progressiva sobre o tema estudado. Na avaliação dinâmica, embora o centro seja a formação do ser humano e a aproximação e envolvimento do professor no processo de ensino aprendizagem, o foco da atuação está no estudante. 9827 A Avaliação Dinâmica está baseada na crença de que o ser humano é “altamente plástico”, isto é, tem a capacidade, o potencial de modificar-se. Esse olhar é diferente do olhar da escola. Enquanto a escola está preocupada com o nível de funcionamento real, observável do sujeito, a avaliação dinâmica está centrada na possibilidade desse sujeito de aprender, de modificar-se, de aprender a aprender. A avaliação é denominada “dinâmica”, pois avalia o sujeito de forma não estática, pontual. Avalia seu modus operandi, na trajetória entre o não aprendido ao aprendido. Muito mais que uma lista de conteúdos aprendidos, a avaliação dinâmica possibilita ao professor conhecer quais de suas interferências possibilitaram insigbts ao aluno. Mais do que uma nota pelo conjunto de tarefas resolvidas, a avaliação dinâmica quer saber porque razão uma ou outra tarefa não foi possível de ser resolvida e, principalmente, como ajudar esse aluno a resolver tais tarefas, consideradas a princípio difíceis (MÉIER, 2007, p. 130-131). Segundo Méier (2007) a avaliação dinâmica é quantitativa num primeiro momento, pois é necessário conhecer o ponto de partida do seu desenvolvimento real. Mas, num segundo momento, ela é qualitativa, permitindo ao professor e ao aluno conhecer seus processos metacognitivos, revelando assim velocidade, modalidades de apresentação mais significativas, áreas de interesse maior, formas de raciocínio mais eficazes. Esse tipo de saber/conhecimento a respeito do desempenho do aluno está em uma dimensão muito além da nota e das provas tradicionais, auxiliando-o a observar seu próprio progresso, particularidades no processo de aprender, estilo de aprendizagem. Deixa de ser apenas conhecimento, cognição, para ser metacognição, ou seja, conhecimento sobre os processos de conhecer (MÉIER, 2007). Também com foco no aluno está a avaliação apreciativa que valoriza o trabalho do autor, ou seja, a produção dos estudantes. O avaliador, ao invés de direcionar o foco de atenção para problemas e aspectos que não funcionam bem, ao encontrar-se com seus avaliados pede que analisem e descubram o que ocorre com sucesso. Solicita então que visualizem, imaginem o que ocorreria com tal organização ou processo se aquilo que está acontecendo com êxito acontecesse mais freqüentemente. E assim, com base no que já era melhor, os envolvidos elaboram seus planos para as desejadas mudanças. Não se trata de inventar um modo de avaliação, mas sim de tornar a avaliação significativa e de estimular a criatividade do processo com maior satisfação dos envolvidos, com honestidade e integridade na comunicação (PENNA FIRME, 2007). É importante destacar que a ênfase na direção positiva da avaliação apreciativa não elimina a percepção dos aspectos negativos; ela apenas ressalta os positivos para que se fortaleça a capacidade de admitir falhas, problemas e a iniciativa em resolvê-los. (PENNA FIRME, 2007). 9828 Finalizando, destacamos a meta-avaliação - termo introduzido por Michel Scriven, em 1969, que significa avaliação da avaliação. Ela pode ser tanto avaliação de avaliadores quanto do próprio processo avaliativo, em procedimentos e instrumentos. Para Letichevsky (2007), o debate sobre os mecanismos de meta-avaliação é o mesmo da qualidade do processo avaliativo. Portanto, é fundamental que ele considere os princípios seguidos pelo avaliador na condução da avaliação. Conduzir a meta-avaliação é importante para avaliadores, gestores e educadores. Avaliadores profissionais precisam de um retorno sobre a qualidade de seu trabalho para assegurar um constante aperfeiçoamento da sua prática profissional. Os diferentes usuários dos resultados da avaliação precisam saber a qualidade das informações que recebem. (LETICHEVSKY, 2007, p. 21). Como vimos, as possibilidades de fazer da avaliação elemento/subsídio para construir conhecimento está presente em diversas propostas avaliativas, surgidas nos últimos anos, fundamentadas em uma concepção emancipatória. Veremos, a seguir, algumas das dificuldades destas serem efetivamente incorporadas ao cotidiano dos docentes e das instituições de ensino. Sobre os limites e possibilidades da avaliação Na década de 1980 já se pensava o potencial da avaliação para além de um instrumento seletivo capaz de ‘medir a aquisição de conteúdo’ para reprovar ou permitir a continuidade dos estudos; ou seja, despontava seu potencial de contribuição para uma reflexão permanente sobre a realidade e para o acompanhamento, passo a passo, da trajetória do educando na construção do conhecimento. (HOFFMANN, 1993). A avaliação é um exercício de reflexão, capacidade única e exclusiva do ser humano, de pensar os seus atos, de analisá-los, interagir não só com o mundo, mas também com os outros seres, e de influenciar na tomada de decisões e transformação da realidade. Desta forma, pode contribuir para o aluno “ter a consciência do inacabado do ser humano, impulsionando os sujeitos à invenção da existência, à criação de um mundo não natural na busca de superação dos desafios postos pela própria existência, levando-os assim à construção contínua da cultura, da história, da sociedade” (FREIRE, 2000 apud CIPRIANO, 2007, p.48). 9829 No entanto, embora diversos estudos recentes sob a concepção de avaliação emancipatória anunciem, em múltiplas vertentes, estratégias para promover o ideal de aprendizado e crescimento intelectual e cidadão dos sujeitos, as práticas avaliativas das escolas e das políticas públicas - visíveis em exames de larga escala, como o SAEB e ENEM permanecem privilegiando procedimentos meramente classificatórios. Desta forma, mesmo que seja defensável a atribuição de notas/conceitos por docentes em busca de elementos indicativos da promoção dos estudantes, assim como a elaboração de índices de desempenho pelos governos, permitindo gerar uma referência nacional de qualidade do ensino, cabe reconhecer que os processos avaliativos em vigor pouco ou nada contribuem para a construção de conhecimento dos estudantes. Para a dificuldade de avançar nessa perspectiva concorrem tanto a cultura avaliativa herdada da escola tradicional quanto a falta de conhecimento dos professores sobre as concepções de avaliação presentes nos procedimentos que empregam – ou seja, falta de formação quanto às possibilidades de contribuição da avaliação para os processos de ensinoaprendizagem. No que diz respeito à cultura avaliativa, não podemos esquecer a base autoritária e disciplinadora que constituiu e que ainda fundamenta a organização pedagógica e burocrática das escolas de ensino fundamental. As práticas educativas, inclusive as avaliativas, refletem o caráter sócio-histórico-cultural da educação, do mesmo modo que esta perpetua e alimenta determinadas práticas sociais. Sendo assim, como ressalta Cipriano (2007, p. 45), embora tenhamos nas escolas um discurso de desejo de formação dos alunos por meio de processos de aprendizagens significativos, de promover sujeitos, emancipar mentes e transformar o meio social via formação reflexiva e crítica, a avaliação permanece repressora – conteudista, sem considerar o histórico e o processo de cada aluno, sem auxiliar o docente a elaborar estratégias para práticas de ensino futuras. A avaliação na sala de aula tem que estar para além do autoritarismo” fundamentada numa concepção de conhecimento, sociedade e educação, que possibilite ampliar a compreensão do processo avaliativo para além da verificação. O autoritarismo da avaliação exclui ou ignora um fazer com a responsabilidade pelo aprender. Ela não é para dominar, não é para o professor, mas para a emancipação do aprendiz.[...] (LUCKESI 1980 apud CIPRIANO, 2007, p. 45). 9830 Quanto aos professores, políticas recentes de órgãos governamentais (como o INEP e a CAPES), entidades profissionais (como a ANFOPE) e periódicos acadêmicos têm sido unânimes sobre a necessidade de rever currículos e processos de formação. Não cabe, aqui, fazer um rol de todos os pontos criticados por estes agentes, mas uma análise ainda que breve das grades e ementas das disciplinas dos cursos de Licenciatura de todo o país permite atestar que, com raríssimas exceções, a formação destes não contempla estudos sobre a avaliação da aprendizagem. Com isso, depois de diplomados, os professores tendem a simplesmente reproduzir as práticas avaliativas que vivenciaram quando discentes (HOFFMANN, 2000), via de regra classificatórias e com vistas a ‘coleta de notas’, sem conhecer as bases e concepções que as fundamentam. Desta forma, passa por uma formação profissional que não lhes permite apreender as possibilidades da avaliação em seu potencial de contribuir para os processos de ensino-aprendizagem, segundo uma abordagem emancipatória. Considerações Finais O atual discurso sobre a promoção da qualidade na educação tende a ampliar a aplicação de procedimentos de avaliação no campo educacional – seja em programas educativos, estudantes, instituições, professores. Mas, ainda que o objetivo dos diversos atores sociais envolvidos nestes processos esteja imbuído do ideal emancipatório - ou seja, de promoção de sujeitos e contribuição para a aprendizagem - a herança cultural da avaliação classificatória da escola tradicional, aliada à falta de formação e conhecimento dos professores sobre práticas formativas, não permite contemplar estes objetivos. A complexidade das questões relativas à avaliação, assim como a multiplicidade dos atores envolvidos nos seus processos, não permite propor ações imediatistas com o intuito de reverter dificuldades no curto prazo. Distante de imaginar que a mera inclusão de uma disciplina/conteúdo na grade de formação seja capaz de alterar o quadro aqui descrito, para que avanços ocorram tanto na teoria quanto na prática, parece-nos necessário que instituições encarregadas da formação de professores, em todos os níveis (graduação, pós-graduação, formação continuada), atentem para a importância deste tema. Do mesmo modo, cabe aprofundar pesquisas sobre como os professores pensam e elaboram os processos avaliativos, investigando os fundamentos das suas práticas. Tais medidas devem merecer atenção das políticas públicas, podendo ser chave para elevar os índices resultantes dos testes de larga escala. 9831 REFERENCIAS BOUGHTON, Doug. Avaliação: da teoria à prática. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). 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