PROTEÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL COMO FORMA DE ESTÍMULO AO DESENVOLVIMENTO Glaucio Josafat Bordun1 SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Considerações acerca da abrangência da propriedade intelectual; 3. A propriedade intelectual na legislação brasileira; 4. Conclusões; Referências. RESUMO: Intui-se por intermédio do presente texto efetuar uma breve abordagem acerca da propriedade intelectual como fruto da capacidade inventiva do intelecto humano, que reflete no desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural da sociedade. Demonstrar-se-á, ainda, que a proteção a propriedade intelectual está inserida na parte dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988, bem como que o sistema da propriedade intelectual é formado pelas categorias denominadas direito de autor e conexos, propriedade industrial e direitos sui generis, os quais possuem regulamentação específica pelo legislador brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Propriedade intelectual; Proteção jurídica; Desenvolvimento. 1. INTRODUÇÃO A propriedade intelectual decorre diretamente da capacidade inventiva do intelecto humano de seus criadores. A sua proteção e regulamentação tem por escopo a ideia de que o titular da propriedade seja livre para usá-la, bem como possa impedir que terceiros a explorem sem o seu consentimento. O seu uso deve se atentar ao disposto nas normas legais, evitando a interferência no direito de 1 Autor: Advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (2007), cursando especialização LL.M. em Direito Empresarial Aplicado pela Escola da Indústria – FIEP/PR. E-mail: [email protected]. 2 terceiros e vedando qualquer forma de exploração do seu objeto sem que o titular do direito expresse anuência. Nesse sentido, a propriedade intelectual serve como estímulo à atividade criativa humana e ao desenvolvimento econômico e social, eis que protege o investimento aplicado ao seu incremento, e possibilita ao seu criador o direito de explorá-la para fins produtivos que visem retorno econômico-financeiro, além de proporcionar à coletividade o acesso aos seus benefícios, de forma a usufruí-los. Desta forma, o presente artigo pretende analisar, sucintamente, os aspectos legais mais relevantes acerca da propriedade intelectual, explorando o regime jurídico-normativo que a rege no âmbito nacional. 2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ABRANGÊNCIA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL Em uma época de intensa competitividade, os direitos que recaem sobre a capacidade inventiva da inteligência humana estimulam o surgimento constante de novidades e soluções tidas como diferencial perante a sociedade, exploradas por todos os segmentos do mercado, tais como grandes corporações, pelas micro e pequenas empresas, e empreendedores individuais. Acerca das benesses viabilizadas pela proteção à propriedade intelectual, discorrem os Professores Luiz Otávio Pimentel e Welber Barral: Os direitos de propriedade intelectual são instrumentos que permitem uma posição jurídica (titularidade) e uma posição econômica (exclusividade). A proteção jurídica tende a garantir, ao seu titular, a recuperação de investimentos na pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que podem ser públicos ou privados, diretos ou indiretos. Garante também uma posição econômica privilegiada e lícita nos mercados regionais ou nacional, para uma empresa em concorrência com outra, ao permitir a exclusividade de processo industrial, de comercialização de um produto ou serviço, de seu 2 signo distintivo, de obra literária, artística ou científica. Conforme o disposto na Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), a propriedade intelectual é apresentada como a soma dos direitos relativos às seguintes áreas: 3 às obras literárias, artísticas e científicas; às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão; às invenções em todos os domínios da atividade humana; as descobertas científicas; os desenhos e modelos industriais; às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais; à proteção contra a concorrência desleal e “todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.3 De acordo com os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho, a propriedade intelectual “compreende tanto as invenções e sinais distintivos da empresa, como as obras científicas, artísticas, literárias e outras. O direito intelectual, deste modo, é o gênero do qual são espécies o industrial e o autoral”.4 Gladston Mamede5 faz uma ligação da expressão propriedade intelectual com a denominação ativo intangível, ante a característica de imaterialidade do intelecto. Nos termos das lições dos Professores Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro, a propriedade intelectual é definida da seguinte forma: Cabe ressaltar que ao conjunto de direitos resultantes da atividade intelectual e criativa do ser humano atribui-se a denominação de direito intelectual ou direito imaterial, que por sua vez é dividido em dois grandes grupos: a) direito autoral, relacionado à propriedade literária, científica e artística; e b) direito industrial, relacionado à propriedade industrial.6 O sistema da propriedade intelectual é dividido pelas seguintes categorias: a) direito de autor e conexos; b) propriedade industrial; e c) direitos sui generis. A categoria direito de autor abrange as obras literárias, novelas, poemas, obras de teatro, filmes, obras musicais, obras artísticas tais como desenhos, pinturas, fotografias, esculturas e projetos arquitetônicos e obras científicas, enquanto que os conexos tratam dos direitos de interpretações artísticas e execução, fonogramas e transmissões por rádio e televisão. Por sua vez, a propriedade industrial aborda a proteção dos direitos relacionados às patentes de 2 BARRAL, Weber; PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade intelectual e desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 11/12. 3 Artigo 2º, VIII, da Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em Estocolmo em 14 de julho de 1967. 4 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 143. 5 MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 266. 6 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 114. 4 invenções, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, além de tratar da repressão à concorrência desleal, que se caracteriza por práticas anti-competitivas no mesmo segmento do produto.7 Os direitos sui generis são considerados como parte integrante da propriedade intelectual, todavia, não estão inseridos nas categorias de direito de autor, conexos ou propriedade industrial. São exemplos de direitos sui generis a proteção de novas variedades de plantas, topografia de circuito integrado, conhecimentos tradicionais e manifestações folclóricas. Desta forma, verifica-se que a proteção dos direitos inerentes à propriedade intelectual é de grande valia para o desenvolvimento da sociedade, eis que, na maioria das vezes, a ela são direcionados os esforços despendidos pelos seus criadores. 3. A PROPRIEDADE INTELECTUAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA O Brasil é signatário de diversos Tratados Internacionais relacionados à propriedade intelectual. A adesão brasileira aos acordos internacionais demonstra o intuito de incentivo às variadas formas da atividade criativa do intelecto humano, de maneira a promover e difundir o desenvolvimento tecnológico, comercial e cultural da nação. Os Professores Luiz Otávio Pimentel e Welber Barral, listam as principais Convenções Internacionais que o Brasil é partícipe: Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (Decretos nº 75.572/1975, nº 635/1992 e nº 1263/1994); Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (Decreto nº 75/699/1975); Acordo sobre a Classificação Internacional de Patentes (Decreto nº 76.472/1975); Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (Decreto 81.742/1978); Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais (Decreto nº 3.109/1999); e Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio da Organização Mundial do Comércio – OMC (Decreto nº 1355/1994).8 7 Definição adotada pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), http://www.wipo.int/aboutip/es/, acessado em 09/09/2014. 8 BARRAL, Weber; PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade intelectual e desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006, p. 15. 5 No âmbito da Constituição Federal de 1988, a proteção da propriedade intelectual possui enquadramento na parte dos direitos e garantias fundamentais, através das seguintes premissas: - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.9 Acerca dos direitos do autor sobre suas obras, José Afonso da Silva tece as seguintes considerações: O art. 5º, XXVII, que assegura o direito autoral, contém duas normas bem distintas. A primeira e principal confere aos autores o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras, sem especificar, como faziam as constituições anteriores, mas, compreendido em conexão com o disposto no inc. IX do mesmo artigo, conclui-se que são obras literárias, artísticas, científicas e de comunicação. Enfim, aí se asseguram os direitos do autor de obra intelectual e cultural, reconhecendo-lhe, vitaliciamente, o chamado direito de propriedade intelectual, que compreende direitos morais e patrimoniais. A segunda norma declara que esse direito é transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.10 Nelson Nery Costa define que o direito autoral possui dois aspectos, sendo o primeiro consubstanciado no direito do autor em ser reconhecido como criador da obra, e o segundo no que tange ao direito à integridade da obra, que não pode sofrer alterações sem o consentimento do autor. Arremata o raciocínio de que se tratam de direitos indisponíveis, “por serem morais e perpétuos. Não obstante, podem ser objeto de contrato, os direitos autorais, que pertencem ao autor, artística, intérprete, executante e produtor na área científica, intelectual e artística”.11 9 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 5º, XXVII, XXVIII e XXIX. SILVA, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo; Malheiros Editores, 2006, p. 275/276. 11 COSTA, Nelson Nery; Constituição Federal Anotada e Explicada. 4ª ed. Rio de Janeiro; Forense, 2009, p.24. 10 6 No que tange aos direitos vinculados à propriedade industrial, Silva os definem como bens incorpóreos: Trata-se de propriedade de bens incorpóreos: privilégio de invenção industrial, que assegura ao inventor (criador de objeto capaz de propiciar novos resultados industriais) o direito de obter patente que lhe garanta a propriedade do invento (ou de modelo de utilidade, objeto prático suscetível da aplicação industrial, com nova forma ou disposição, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação) e o direito exclusivo de utilização do objeto da patente e o conseqüente direito de impedir que terceiro o faça; a proteção, pelo registro, à propriedade de desenhos industriais, das marcas e seu uso exclusivo; à propriedade das marcas de serviços; à exclusividade dos nomes de empresas e de outros signos distintivos12 Waldo Fazzio Junior considera que o artigo 5º, incisos XXVII e XXIX, da Constituição Federal, é o fundamento de validade da proteção da propriedade intelectual no Brasil. Sobre os direitos de propriedade industrial, aduz que se tratam de “um conjunto de princípios e normas voltados à manutenção da inviolabilidade da produção autoral e, sob a perspectiva econômica, dedicados à preservação de sua utilidade e exploração exclusivas”.13 A fim de regular os direitos e garantias inerentes à propriedade industrial no Brasil, criou-se o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), através da Lei nº 5.648/1970. Mencionada autarquia federal é responsável pela análise dos registros de marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, programas de computador e topografias de circuitos, as concessões de patentes e as averbações de contratos de franquia e das distintas modalidades de transferência de tecnologia.14 Também foram editadas diversas leis que resguardam os interesses dos detentores de direitos da propriedade intelectual – que abrange os direitos de autor e conexos, propriedade industrial e direitos sui generis – sendo as principais delas as Leis nº 9.279/1996 (regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial); nº 9.610/1998 (direitos do autor e conexos); nº 9.609/1998 (programa de computador); nº 9.456/1997 (proteção de cultivares); nº 11.484/2007 (topografia de circuitos integrados); nº 12.529/2011 (defesa da concorrência e concorrência desleal); nº 4.131/1962 e nº 8.955/1994 (contratos de licenças, transferência de tecnologia e franquias). 12 SILVA, 2006, p. 278. FAZZIO JUNIOR, Waldo; Manual de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo; Atlas, 2012, p. 85/86. 14 http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/conheca_o_inpi, acessado em 10/09/2014. 13 7 Desta feita, a propriedade intelectual, por ser agasalhada pela Constituição e Leis Federais, torna-se relevante ferramenta de proteção às diversas modalidades inventivas oriundas da capacidade intelectual de seus criadores, gerando benefícios que estimulam o aprimoramento de técnicas, acarretando no contínuo desenvolvimento econômico, tecnológico e cultural de uma nação. 4. CONCLUSÃO A proteção e regulamentação da propriedade intelectual possibilitam que o seu titular decida qual é a melhor forma de explorá-la, desde que sejam respeitadas as normas legais, bem como impeça o seu uso por terceiros não autorizados. O resguardo dos direitos inerentes à propriedade intelectual fomenta um mercado em contínuo desenvolvimento, na medida em que são colhidas as benesses das criações, que servem de estímulo aos seus articulistas. Os benefícios gerados pela propriedade intelectual são explorados desde o pequeno empreendedor até as grandes potencias empresariais, sendo, portanto, salutar a implementação de políticas de estímulo às novas criações, com investimentos em projetos e infra-estrutura capazes de fomentar o desenvolvimento das atividades inerentes à capacidade inventiva do intelecto humano. Finalmente, deve-se ressaltar que somente a detenção de um direito da propriedade intelectual não vincula necessariamente o seu titular à obtenção de lucros. O retorno financeiro somente será viável desde que sejam explorados corretamente os potenciais inventivos, mediante elaboração de contratos comerciais, contratos de licença e/ou cessão de direitos, entre outros, tornando-se imperiosa a atuação de profissionais atentos ao mercado, capazes de auxiliar e assessorar os detentores dos direitos inerentes à propriedade intelectual. REFERÊNCIAS BARRAL, Weber; PIMENTEL, Luiz Otávio. Propriedade desenvolvimento. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. intelectual e BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4. ed. São Paulo: RT, 2008. 8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume 1. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. COSTA, Nelson Nery; Constituição Federal Anotada e Explicada. 4ª ed. Rio de Janeiro; Forense, 2009. FAZZIO JUNIOR, Waldo; Manual de Direito Comercial. 13ª ed. São Paulo; Atlas, 2012. MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2013. SILVA, José Afonso; Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo; Malheiros Editores, 2006. Convenção que institui a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, assinada em Estocolmo em 14 de julho de 1967, Artigo 2º, VIII. Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), http://www.wipo.int/aboutip/es/, acessado em 09/09/2014. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, artigo 5º, XXVII, XXVIII e XXIX. http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/conheca_o_inpi, acessado em 10/09/2014.