III FÓRUM IDENTIDADES E ALTERIDADES
EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E QUESTÕES DE GÊNERO
11 a 13 de novembro de 2009
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A ARTICULAÇÃO ENTRE A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E O
FEMINISMO NEGRO NA ANÁLISE DE THE COLOR PURPLE
Raphaella Silva P. de Oliveira1
INTRODUÇÃO
Considerada um modelo de estudo tridimensional, a Análise Crítica do Discurso
(ACD) surge como uma forma de análise que visa buscar um diálogo entre lingüística
crítica e as ciências sociais com um propósito de promover mudanças na situação
daqueles(as) que estão opressos(as) pelo discurso de determinado(s) grupo(s) hegemônico.
Nesse contexto, a ACD é uma proposta de análise discursiva que se encontra em
sintonia com a(s) teoria(s) feminista(s) que buscam a desconstrução do discurso patriarcal,
androcêntrico, sexista que exerce hegemonia na sociedade.
Dentro da literatura feminina afro-americana a articulação entre ACD e o
feminismo negro é de total relevância para analisar o discurso que estas autoras utilizam
para, através de seus personagens denunciarem a condição de mulheres negras em uma
determinada época. Nessa compreensão Bonnici explica que “autoras feministas
apropriam-se de linguagem como: voz, discurso, silêncio e imitação para investigar o
discurso entre o patriarcalismo e a condição da mulher” (BONNICI, 1999). De fato, as
escritoras afro-americanas imbricaram graça e beleza para abordarem as questões de seu
grupo dentro da literatura. É o que fez a autora Alice Walker em seu romance The Color
Purple2.
1
Graduada em Letras com Inglês pela Universidade do Estado da Bahia, membro do grupo de pesquisa
sobre Gênero e Sexualidade Diadorim/UNEB; Especialização em curso em Tradução da Língua Inglesa na
Universidade Gama Filho. E-mail: [email protected]
2
A Cor Púrpura. Romance traduzido para o português publicado pela Editora Marco Zero em 1986.
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(RE)CONHECENDO A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
A Análise Crítica do Discurso (ACD) constitui um modelo de análise teóricometodológico que se consolida no fim da década de 80 com a publicação do livro
Language and Power de Norman Fairclough, maior expoente nesse tipo de análise.
A ACD estuda a linguagem como prática social que está interconectada a outros
elementos sociais, sendo, pois, de total interesse para a ACD o contexto onde o sujeito está
inserido. Ela estuda as relações entre linguagem, discurso e poder, buscando “mapear as
relações de poder e recursos lingüísticos utilizados em textos” (RESENDE & RAMALHO,
2006: p.9). è importante ressaltar que este texto pode ser falado, escrito, além de
contemplar os recursos semióticos existentes no mesmo. Sendo assim, este modelo de
análise não é somente interpretativo, mas também descritivo.
A linguagem pode ser considerada um espaço de luta pela hegemonia. Nela os
discursos são construídos de forma que revela a relação entre dominador e dominados. De
acordo com Magalhães “o discurso é visto como o uso da linguagem como forma de
prática social, implicando em modo de ação e modo de representação”. (MAGALHÃES,
2001: p. 17). Isso porque, o discurso é carregado de elementos culturais e ideológicos, pois
este é historicamente situado. Resende e Ramalho pontua que “nisso consiste a dialética
entre discurso e sociedade: o discurso é moldado pela estrutura social, mas é também
constitutivo da estrutura social.” (RESENDE & RAMALHO, 2006: p. 26-27). Desse
modo, pode-se considerar a Análise Crítica do Discurso como um modelo de análise
tridimensional que investiga:
a) o texto,
b) a prática discursiva, que pode ser entendida como a dimensão do uso da
linguagem,
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c) a prática social, que seguindo conceito de Magalhães (2001), compreende a
“dimensão relacionada aos conceitos de ideologia e poder que estão imbricados e são de
total relevância para a compreensão da tessitura das relações de poder”.
Partindo deste princípio, a ACD, que pode ser considerada como uma abordagem
transdisciplinar e multidisciplinar de estudo e se encontra em sintonia com a filosofia
marxista da linguagem, a qual ver o signo como “um fragmento material da realidade, o
qual a refrata, representando-a e constituindo de formas particulares de modo a instaurar,
sustentar ou superar formas de dominação”. (RESENDE & RAMALHO, 2006: p. 15). A
partir desse entendimento, faz-se necessário salientar que a Análise Crítica do Discurso,
visa contribuir “tanto para a conscientização sobre os efeitos sociais de textos como para
mudanças sociais que superassem relações assimétricas.” (RESENDE & RAMALHO,
2006: p 22), visto que, como é defendido por Fairclough, a análise crítica do discurso
prover base científica para questionamentos críticos da vida social em termos políticos e
morais.
DISCURSO, HEGEMONIA E IDEOLOGIA.
Para Fairclough “discurso é mais que apenas que o uso da linguagem: é uso da
linguagem seja ela falada ou escrita, vista como um tipo de prática social”
(FAIRCLOUGH, 1992 apud MAGALHÃES, 2001). Levando em consideração que o
discurso é uma ferramenta de manutenção, bem como de desconstrução das relações de
poder existentes entre as camadas, pode-se afirmar que o discurso, o poder e a hegemonia
se conectam.
Norman Fairclough caracteriza hegemonia como “domínio exercido pelo poder de um
grupo sobre os demais, baseado mais no consenso do que no uso da força”
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(FAIRCLOUGH, 2001 apud RESENDE & RAMALHO, 2006). Ninguém desconhece que
a sociedade se organiza de forma hierárquica, e é regida por uma normatividade que busca
determinar o comportamento, os pensares e fazeres, busca estabelecer fronteiras e limites
aos(as) indivíduos(as) que a constitui.
Com o ideal de “adestramento das camadas” a relação de dominação é exercida
principalmente no campo ideológico, onde o sujeito constrói sua realidade, seus
significados. Nessa perspectiva pode-se afirmar que hegemonia e ideologia dentro do
discurso estão ligadas. Unidas, elas formam bases fundamentais para a sustentação do
poder. Contudo, vale dizer que a hegemonia é um ponto instável, portanto a qualquer
momento a dominação pode ser rompida, pois esta é um espaço de luta entre aqueles(as)
que exercem o domínio e aqueles(as) que são dominados.
Considerando que ideologia e hegemonia atuam com um ideal de manter o status de
determinado grupo, a universalização ou até mesmo a perpetuação dos privilégios, a
Análise Crítica do Discurso “cuida tanto do funcionamento do discurso na transformação
criativa das ideologias quanto do funcionamento que assegura sua reprodução.”
(RESENDE & RAMALHO, 2006: p.47). Nessa perspectiva, a ACD, age com o propósito
de investigar o discurso e cooperar para a desmistificação do discurso que trabalha na
manutenção do poder. Segundo Resende e Ramalho (2006: p.49):
A concepção crítica postula que a ideologia é, por natureza, hegemônica,
no sentido de que ela necessariamente serve para estabelecer e sustentar
relações de dominação e, por isso, serve para reproduzir a ordem social
que favorece indivíduos e grupos dominantes.
Essas relações de poder se dão de formas desiguais e tem como objetivo sustentar a
relação de dominação.
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Todavia, o campo discursivo é também um local onde a mudança social e cultural
pode ocorrer. Pedreira ressalta que “o poder não se origina na linguagem. Entretanto, é
possível na linguagem, valer-se do próprio poder para desafiá-lo ou, mesmo subverte-lo,
alterando-lhe a distribuição em curto ou longo prazo” (PEDROSA, 2006: p.5).
A partir dessa análise, pode-se afirmar que o poder desloca-se de grupo para grupo
à medida que este passa a ser capaz de exercer o controle sobre determinada situação social
através do texto, lembrando que este texto não é somente o texto falado.
A Análise Crítica do Discurso torna-se de suma importância nesse contexto: por
investigar de que forma o poder é construído e sustentado dentro do discurso. A
importância da ACD faz-se no sentido de permitir inter-relacionar a lingüística com as
ciências sociais, observando o discurso hegemônico e ideológico que sustentam as relações
de dominação.
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E O FEMINISMO NEGRO: UMA
PARCERIA QUE DÁ
Levando em consideração que a ACD pode ser considerada uma ciência que dirige
uma ótica mais profunda para as minorias, além de permitir a análise do discurso
ideológico que desencadeia a opressão, é de total relevância o diálogo entre esta e a teoria
feminista.
Dirigindo o olhar para o Feminismo Negro, a feminista afro-americana bell kooks coloca
que “ as mulheres negras, no século XIX, eram mais conscientes da opressão racista que
qualquer outro grupo de mulheres na América” (hooks, 1992). De fato, as brancas
feministas não desejam romper com o status que as diferenciavam das mulheres negras.
Além disso, essas mulheres negras buscavam romper com a estrutura patriarcal criada
pelos homens brancos, mas que era reproduzida também pelos homens negros
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Nessa ótica, a articulação entre a ACD e o Feminismo Negro torna-se relevante
também por estas entenderem o discurso como um espaço onde as relações de hegemonia
se manifestam. É importante salientar que a linguagem controla a realidade. Nesse
contexto, autoras africanas e afro–americanas em suas narrativas têm buscado mostrar a
condição das mulheres negras, sendo estas consideradas “duplamente colonizadas” visto
que ao mesmo tempo em que estas passaram pela experiência da colonização, também
viveram a experiência do patriarcado.
Reconhecendo essa realidade, Alice Walker, escritora estado-unidense, militante do
Movimento dos Direitos Civis na década de 60 do referido país através da sua poética
literária denunciou a situação de descriminação, opressão, violência e coisificação das
mulheres negras dos Estados Unidos.
A parceria entre a Análise Crítica do Discurso e o Feminismo Negro torna-se
importante pelo fato da ADC ser uma teoria que “propõe a desconstrução de discursos
hegemônicos” (GABRIELLE, 2008). Na análise de uma obra literária é relevante por este
tipo de análise permitir através dos recursos lingüísticos, o estudo das relações de poder
que permeiam o discurso a fim de promover mudanças sociais.
FAMILIARIZANDO-SE COM THE COLOR PURPLE
The Color Purple foi o livro de maior sucesso da escritora Alice Walker o qual lhe
rendeu o Prêmio Pulitzer. A referida obra de fato causou grande polêmica no período do
seu lançamento, devido sua linguagem direta e coloquial, além de “transparecer” a
violência doméstica que homens negros praticavam com suas mulheres também negras.
O livro aborda questões como: sexualidade, racismo, sexismo, violência de gênero
e solidariedade feminina. The Color Purple é uma narrativa, escrito em forma de cartas e
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todo enredo gira em torno de Celie, a narradora-personagem que aos quatorze anos é
violentada sexualmente pelo homem que ela pensa ser seu pai, mas na verdade é seu
padrasto. Como resultado dessa violência, Celie engravida duas vezes, uma vez de um
menino e na segunda, de uma menina, porém suas crianças são retiradas dela logo após o
nascimento. A mãe da personagem principal morre em seguida e esta passa a contar apenas
com sua irmã mais nova, Nettie.
Celie, agora estéril é dada em casamento a um homem o qual ela chama de Mister,
um viúvo, que já tem vários filhos e é apaixonado pela cantora de blues Shug Averí.
Vítima de violência doméstica, sem notícias de sua irmã, Celie vive uma vida na qual a
palavra felicidade tem pouco ou nenhum significado. Um dos filhos de Mister, Harpo, o
mais velhos e submisso dos herdeiros, casa-se com Sofia, uma mulher negra de
personalidade forte. Com a chegada de Sofia, de Shug Averí e posteriormente o retorno de
sua irmã, Celie passa a ter acesso a uma rede de solidariedade feminina formada por
mulheres negras que coopera para a mudança de sua história.
ANALISANDO THE COLOR PURPLE
Na obra em questão, busco analisar cinco recortes da personagem secundário Sofia
Butler. Nos primeiros, busco analisar como o texto é investido de aspectos sociais ligados a
formações ideológicas e formas de hegemonia, ou seja, sua prática social. No último
recorte, analiso o texto gramaticalmente, em seu significado mais literal, embora este nível
de análise também exija interpretação, visto que é um material simbólico.
Buscando ler o romance com as lentes da Análise Crítica do Discurso toda e
qualquer prática social produz e faz uso de gêneros discursivos particulares. De acordo
com Fairclough “genres are the specifically discoursal aspect of ways of acting and
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interacting in the course of events” (FAIRCLOUGH, 1992: p.70 apud FAIRCLOUGH
2001).3 Os gêneros discursivos variam de acordo com o grau de abstração, havendo assim
duas distinções:

os pré-gêneros, “categorias abstratas, que transcendem redes
particulares de práticas sociais e que”participam” na composição de gêneros
situados” (SWALLEN, 1990 apud RESENDE & RAMALHO);

e os gêneros situados, considerado um tipo de linguagem usado na
performance de uma prática social particular.
A narrativa é considerada um pré-gênero, sendo assim conta com um alto grau de
abstração. Esse pré-gênero pode ser encontrado em filmes, documentário e também em
romances como é o caso de The Color Purple, uma narrativa ficcional. Durante toda a
história, a personagem principal ao escrever suas cartas-diário, primeiro para Deus e
posteriormente para a sua irmã, Nettie (que é afastada dela ainda jovem), além de narrar
fatos da sua própria vida, o faz também com os demais personagens que é apresentado ao
longo do romance. É importante salientar, que Celie utilizando uma linguagem coloquial
(visto que a esta não foi permitido estudar) e frases curtas, apresenta e constrói esses
personagens segundo sua posição enquanto sujeito. A sua condição de mulher negra,
marcada pela violência, direciona as impressões que ela tem do outro.
Uma personagem que Celie freqüentemente “direge o olhar” na obra é Sofia Butler,
casada com Harpo. Segundo descrição de Celie, Sofia é uma morena clara, com o cabelo
preso em tranças e forte. Contudo, Sofia também é vítima da violência de gênero de acordo
com a fala da personagem:
3
“gêneros são especificamente os aspectos discursivos de modos de agir e interagir nos acontecimentos”
(tradução livre)
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All my life I had to fight. I had to fight my daddy. I had to fight my
brothers, I had to fight my cousins and my uncles. A girl child ain′t safe
in a family of men (WALKER, 1985:p. 42).4
Nesse contexto é importante salientar que o campo discursivo é um espaço em que
as relações de poder se manifestam, criando, recriando ou sustentando hierarquias. A
hierarquia social sempre coloca o homem fisicamente e intelectualmente superior à mulher
independente de raça ou classe social. Pontua Paul Simpson:
patriarchy is endemic to all types of social interaction and organization,
and as language is crucial to the way society is organized, it is not
surprising that language has been identified as a site of struggle by many
feminist linguists”5 (SIMPSON, 1993: p. 161).
Com essa visão, mulheres passam a ser pesquisadoras e também objetos de
pesquisa, em um propósito de investigar o discurso patriarcal e sexista que estão presentes
no texto, muitas vezes de forma dissimulada, e que acaba por se naturalizar no cotidiano.
Voltando os olhos para “The Color Purple”, a primeira briga entre Harpo e Sofia é
fomentada por um diálogo entre Celie, Mister e Harpo. Nesse diálogo, Harpo deseja saber
o que fazer para Sofia obedece-lo. Ele conta para seus ouvintes que disse à Sofia “your
place is here with the children” (WALKER, 1985: p.37)6. Nessa frase, a linguagem que
reproduz o modelo patriarcal ressalta uma divisão de gênero que regula as relações entre
homens e mulheres, definindo seus papéis e regulando que é socialmente aceitável. Ainda
nesse diálogo, Mister pergunta e aconselha o filho: “you ever hit her? (...) Well how you
spect to make her mind? Wives is like children(...) Nothing can do that better than a good
4
“Toda minha vida eu tive que lutar. Eu lutei com meu pai. Eu lutei com meus irmãos. Lutei com meus
primos e meus tios. Uma menina não está segura numa família de homens” (tradução livre)
5
“o patriarcado é endêmico em todos os tipos de interação e organização social, e como a linguagem é
determinante na maneira que a sociedade é organizada, não é surpresa que esta tenha sido identificada
como um espaço de luta por muitas feministas lingüistas”. (Tradução livre)
6
“Seu lugar é aqui com as crianças” (tradução livre)
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sound beating” ( WALKER, 1985: p.37)7. Nessa idéia, homens constroem uma posição de
supremacia que exclui e oprime mulheres, o que é pontuado por Dale Sprender (1985) ao
fazer uma conexão entre o tipo de dominação lingüística e a existência da ordem patriarcal.
Segundo ela:
1.
Homens fazem à linguagem;
2.
A linguagem controla a realidade;
3.
Homens controlam a realidade;
4.
Homens controlam as mulheres.
Esse controle muitas vezes é ideologicamente naturalizado pelas mulheres, como
Celie demonstra em sua fala:
“I like Sofia, but she don′t act like me at all. If she talking when Harpo
and Mr._ come in the room, she keep right on. If they ast her where
something at, she say, she don′ t know. Keep talking.(…) Beat her. I say”
(WALKER, 1985, p.37).8
Deve-se salientar que a ACD não está preocupada com os gêneros textuais, mas
como a linguagem contribui para a manutenção das relações de poder. Posto que uma
análise crítica dos recursos lingüísticos pode revelar elementos que sustentam a relação
desigual de poder dentro do discurso, é de total relevância a utilização dessa ferramenta
como forma de promover mudanças nas práticas discursivas.
Analisando agora a estrutura gramatical em mais uma cena da personagem
secundário, Mister vai conversar com o xerife para visitar Sofia, posto que em um
7
“Você já bateu nela?(...) Como você espera que ela lhe obedeça? Mulheres são como crianças(...) Nada
pode ser melhor que o som de umas porradas” (tradução livre)
8
“Eu gosto de Sofia, mas ela não age como eu. Se ela está falando quando Harpo e Senhor entra na sala,
ela continua. Se eles perguntam alguma coisa ela diz que não sabe e continua falando. (...) Bate nela, eu
disse” ( tradução livre).
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determinado momento da obra ela é presa por desacato. Segundo narrativa de Celie, o
diálogo entre os dois ocorre da seguinte forma:
Sheriff say, She a crazy woman, your boy’s wife. You know that?
Mr.___ say, Yassur, us do know it. Been trying to tell Harpo she crazy
for twelve yars. Since way before they marry. Sofia come from crazy
peoples, Mr.___ say, it not all her fault. And then again, the sheriff know
how womens is, anyhow.
Sherrif think bout the women he know, say, Yep, you right there”
(WALKER, 1985: p.91). 9
Olhando através das lentes da análise crítica do discurso, ao utilizar o termo boy’s
wife no caso genitivo, a relação estabelecida é possuidor e posse. Desta forma, ainda que
separada de Harpo, a referência dada a Sofia é como um objeto cujo marido é o dono,
sendo esta uma das marcas da sociedade patriarcal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos trechos analisados, é revelado o discurso patriarcal e sexista, ideologicamente
construídos e que se torna hegemônico, visto que este passa a ser considerado como o
natural, determinado e aceitável. Esse discurso legitima o homem como ser superior
fisicamente e intelectualmente às mulheres remetendo-as a uma condição de inferiorização
e depedência. Legitima também, a violência contra a mulher que se manifesta
independente de raça, classe social, grau de instrução e se apresenta em múltiplas facetas.
Vale ressaltar, que as mulheres não estão expostas ao mesmo tipo de violência. Existem
grupos mais vulneráveis a essa situação, é o caso de mulheres negras e pobres, como bem
representa a personagem enfocada nesse trabalho.
9
“O xerife diz, ela é uma louca, a mulher do seu filho, você sabe disso?
Senhor_ diz, Nós sabemos disso. Tentamos dizer a Harpo que ela é louca por doze anos, antes deles se
casar. Sofia vem de uma família louca, Senhor _ diz, mas não é de todo culpa dela. E então novamente, o
xerife sabe como é as mulheres de qualquer maneira.
O Xerife pensa nas mulheres que ele conhece, diz, Você está certo.”
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A observação/análise da hegemonia exercida pelo discurso patriarcal e sexista é de
total relevância para a desconstrução das relações de dominação vivenciada por mulheres e
que acabam por se naturalizar no cotidiano.
Reconhecendo o campo discursivo como um espaço de disputa hegemônica,
transformação das práticas sociais e das práticas discursivas são primordiais que ocorra a
transformação nas relações de poder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONNICI, T. O feminismo no contexto pós-colonial. In: REIS, Lívia Freitas de. VIANNA.
Lúcia Helena e PORTO. Maria Bernadette (Org.) Mulher e Literatura, Rio de Janeiro,
EDUFF, 1999, p.198-205.
FAIRCLOUGH, N. Analysing Discourse: textual analysis for social research. London
and New York: Routledge, 2003.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001ª.
GABRIELLE, C.P. Análise Crítica do Discurso e teoria Feminista- Diálogos Frutíferos.
Disponível em http:// www.uesc.br/seminariomulher/anais/PDF> Acesso em 29 de
setembro de 2008.
A Análise Crítica do Discurso enquanto Teoria e Método de Estudo. In: MAGALHÃES,
C. (org). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Faculdade de
Letras, UFMG, 2001, p 15-30.
hooks, bell. Eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo. Resenha tradução
Jefferson Bacelar, Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1993 (não publicado).
PEDROSA, C. Análise Crítica do Discurso: Uma proposta para a análise crítica da
linguagem, 2006.
RESENDE, V. de Melo; RAMALHO, V. Análise do Discurso Crítica. São Paulo:
Contexto, 2006
SIMPSON, P. Language, Ideolody and Point of View. New York New York: Routledge,
1993.
WALKER, A. The Color Purple. New York: Pocket Books, 1985.
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