PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União DESPACHO Processo n. 99923.000358/2013-11 Referência: Pedido de acesso à informação em que requer-se contrato entre o Banco do Brasil e os Correios, referente ao Banco Postal Senhor Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, I. RELATÓRIO 1. Trata-se de pedido de acesso à informação em que requerem-se contratos firmados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos referentes à marca Brasil Postal. Requer-se acesso ao contrato já encerrado com o Banco Bradesco (vigente entre 2005 e 2012) e o contrato atualmente em vigor firmado com o Banco do Brasil (vigente desde 2001). 2. O acesso às informações são denegadas em função do sigilo comercial/empresarial, conforme dispõe a Lei 6.404/76 e o inciso I, art. 6º, do Decreto nº 7.724/2012. O órgão demandado destaca ainda que “há nos referidos Contratos Cláusula de manutenção de sigilo mesmo após a sua extinção”. Anexa ementa dos contratos que comprovam a existência de cláusulas de sigilo. 3. O interessado apresenta recurso afirmando que as informações solicitadas devem ser consideradas públicas em vista do art. 37 da Constituição Federal. Afirma ademais que o art. 3º da Lei n. 8666/93 dispõe que as licitações devem ser públicas, não se justificando, portanto, o caráter sigiloso que lhe foi atribuído pela empresa demandada. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União 4. Frente à reiteração da decisão denegatória por parte do órgão demandado, o interessado interpõe o presente recurso à CGU, reiterando os argumentos anteriormente apresentados. 5. Com a finalidade de instruir o recurso, a Controladoria-Geral da União solicitou, por e-mail, informações complementares. Em resposta, foi encaminhada Nota Técnica DFBAN 01/2013, em que o Departamento de Finanças e Banco Postal dos Correios afirmava que “a atuação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT em regime de monopólio restringe-se às atividades explicitadas na legislação, estando, nas demais atividades, submetida às regras e concorrências do mercado, sobretudo quanto aos produtos e serviços congêneres existentes”. Ressaltou ademais o Departamento Jurídico da ECT emitiu Nota Jurídica em que conclui que “não se justifica a negativa de fornecimento dos contratos de correspondente, entendidos como instrumentos contratuais celebrados pela ECT, fazendo, entretanto, ressalva quanto a outros dados ou documentos de cunho estratégico para os negócios, inclusive sua operacionalização”. Apesar disso, considerou-se que o Banco do Bradesco e o Banco do Brasil deveriam ser consultados acerca da possibilidade de divulgação destes contratos; como somente o Banco do Brasil anuiu, apenas este contrato foi concedido ao cidadão. O contrato firmado entre Banco Bradesco e ECT continuou não sendo concedido. 6. É o breve relatório. Passa-se à análise. II. FUNDAMENTAÇÃO 7. Trata-se de pedido de acesso à informação em que requerem-se contratos firmados pela Empresa Brasileira de Correios no âmbito da marca Brasil Postal com os Bancos Bradesco e do Brasil. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União 8. Com relação à primeira parte do pedido, que busca acesso ao contrato firmado entre Banco do Brasil e ECT, tem-se que houve perda de objeto, haja vista que o recorrido anuiu com a sua divulgação, a qual foi comprovadamente levada à cabo. Sendo assim, nesta parte o recurso deve ser extinto sem julgamento de mérito, por perda de objeto. 9. Com relação à segunda parte do pedido, que pleiteia acesso ao contrato firmado entre Banco Bradesco e ECT, necessário se faz analisar o mérito da demanda. Como se sabe, sempre que um órgão ou entidade pública firma um contrato, celebra um contrato da Administração, “caracterizado pelo fato de que a Administração Pública figura num dos polos da relação contratual1”. O gênero contratos da Administração se divide em duas espécies, os contratos privados da Administração e os contratos administrativos. Quando são firmados contratos da primeira espécie, a posição da Administração se situa no mesmo plano jurídico da empresa/estabelecimento contratado, fazendo com que estes contratos sejam disciplinados preponderantemente por regras de direito privado; os contratos da segunda espécie, por sua vez, se caracterizam por serem contratos típicos da Administração, que sofrem incidência de normas especiais de direito público, aplicando-se lhes normas de direito privado apenas subsidiariamente. Ou seja, a diferença precípua entre as duas espécies de contratos da Administração é, conforme lição de Carvalho Filho2, a incidência preponderante de regras de direito privado (no caso dos contratos privados da Administração) e a incidência preponderante de regras de direito público (no caso de contratos administrativos). Somente nos contratos administrativos, portanto é que incidem regras como a possibilidade de alteração ou rescisão unilateral do contrato, a existência de cláusulas prevendo fiscalização da execução do contrato, a prerrogativa de aplicação de sanções, dentre outras. Estas cláusulas marcam a existência de um descompasso entre as 1 CARVALHO FILHO, José dos Santos (2012). Manual de Direito Administrativo. São Paulo, Editora Atlas S.A. 2 Idem, ibidem. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União partes contratuais, o que somente se pode admitir em contratos regidos pelo direito público, pois no âmbito do direito privado deve haver estrita igualdade jurídica entre os polos contratuais. 9. No mesmo sentido, Marçal Justen Filho argumenta que não se pode aplicar o regime de direito público quando a contratação consistir em instrumento de intervenção estatal no domínio econômico. É que por imposição constitucional, o Estado, quando atua no domínio econômico, subordina-se às regras e princípios de direito privado (CF, art. 173,§ 1º). A imposição constitucional (...) assegura a isonomia entre entidades administrativas e pessoas de direito privado, para evitar ofensa à livre concorrência. A Administração Pública não poderá invocar prerrogativas especiais e se sujeitará integralmente ao regime de direito privado (grifos nossos)3. 10. Na linha da argumentação supra, para a resolução do caso concreto faz-se necessário averiguar se os contratos sob questão possuem natureza de contrato administrativo, caso em que deverá incidir a Lei n. 12.527/11, ou de contrato privado da administração, caso em que o referido diploma legal se tornaria inaplicável, haja vista que não incide sobre relações travadas entre particulares. 11. Com relação aos contratos de prestação de serviços de correspondente firmados entre a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o Bradesco (2001) e o Banco do Brasil (2011), necessário esclarecer que o Banco Postal é a marca dos Correios que designa sua atuação como correspondente na prestação de serviços bancários básicos em todo o território nacional. No Brasil, o serviço é regulado pelo Banco Central do Brasil, nos termos das Resoluções 3954/2011, 3959/2011, 4035/2011 e 4042/2011 do Conselho Monetário Nacional, e pelo Ministério das Comunicações, nos 3 JUSTEN FILHO, Marçal (2010). Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo, Dialética, p. 763. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União termos da Portaria 588/2000. Para investigar a natureza jurídica os contratos firmados nestes moldes, necessário analisar o conteúdo destes atos normativos 12. Nesse sentido, a Resolução n. 3.954/2011, do Banco Central do Brasil, traz algumas normas que elucidam a natureza jurídica do contrato de serviço de correspondente. O art. 2º do ato normativo dispõe alguns deveres por parte do contratante: Art. 2º. O correspondente atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulação relativa a essas transações (grifos nossos). 13. Observa-se assim, que, conforme este dispositivo, a instituição contratante (neste caso a ECT, órgão demandado) possui a prerrogativa de fiscalizar o cumprimento do contrato, estabelecendo diretrizes para atuação do correspondente, bem como zelando pela integridade, confiabilidade e segurança das transações realizadas pelo contratado. Observa-se assim a existência de uma primeira prerrogativa de direito público, cuja existência é indício da existência de um contrato administrativo, e não de um contrato privado da Administração. 14. Ademais, o art. 4º da mesma resolução estabelece a prerrogativa de a instituição contratante suspender ou encerrar o contrato. Novamente, deparamo-nos com uma prerrogativa que marca a existência de posição de supremacia por parte da entidade pública vis-à-vis o contratado: Art. 4º A instituição contratante, para celebração ou renovação de contrato de correspondente, deve verificar a existência de fatos que, a seu critério, desabonem a entidade contratada ou seus administradores, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União estabelecendo medidas de caráter preventivo e corretivo a serem adotadas na hipótese de constatação, a qualquer tempo, desses fatos, abrangendo, inclusive, a suspensão do atendimento prestado ao público e ao encerramento do contrato (grifos nossos). 15. Por fim, cabe ainda fazer menção aos parágrafos do art. 14 da Resolução, que dispõem conforme segue: Art. 14. (...) § 1º A instituição contratante deve estabelecer, com relação à atuação do correspondente, plano de controle de qualidade, levando em conta, entre outros fatores, as demandas e reclamações de clientes e usuários. § 2º O plano a que se refere o § 1º deve conter medidas administrativas a serem adotadas pela instituição contratante se verificadas irregularidades ou inobservância dos padrões estabelecidos, incluindo a possibilidade de suspensão do atendimento prestado ao público e o encerramento antecipado do contrato nos casos considerados graves pela instituição contratante. § 3º Fica o Banco Central do Brasil autorizado a estabelecer procedimentos a serem integrados aos controles de que trata este artigo, bem como, alternativa ou cumulativamente: I – determinar a adoção de controles e procedimentos adicionais, estabelecendo prazo para sua implementação, caso verifique a inadequação do controle que a contratante exerce sobre as atividades do correspondente; II – recomendar a suspensão do atendimento prestado ao público ou o encerramento do contrato, na forma do § 2º deste artigo; e/ou (...) 16. Novamente, verifica-se tanto o Banco Central do Brasil quanto a instituição contratante possuem prerrogativas típicas de direito público em se tratando de contratação de correspondente: podem fiscalizar a execução do contrato por meio da instituição de plano de controle de qualidade; podem adotar medidas administrativas a serem adotadas em caso de verificação de irregularidades; podem suspender a execução do contrato ou encerrá-lo antecipadamente. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União 17. Ora, tais prerrogativas jamais poderiam constar em um contrato típico de direito privado, em que as partes se encontram em condição de igualdade jurídica. Com efeito, estas regras estabelecem uma clara posição de supremacia de uma das partes (no caso, a ECT), atribuindo-lhe diversas prerrogativas de direito público. Sendo assim, conclui-se que os contratos de prestação de serviços de correspondentes são contratos administrativos, e não contratos privados da administração. 18. Tratando-se de contratos administrativos, incidem sobre eles os princípios que regem a atividade da Administração Pública, em especial o princípio da publicidade, constante no caput do art. 37, CF, bem como a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção (art. 3º, I, Lei n. 12.527/11). Ressalte-se, no ponto, que o fato de se tratar de empresa pública não é óbice para o reconhecimento do caráter público do contrato. É esse o teor do seguinte julgado do STJ: 1. A empresa pública, de finalidade e características próprias, cujos bens são considerados públicos, sujeita-se aos princípios da Administração Pública, que são aplicáveis para as suas atividades fins, bem distanciado do Direito Privado. A rigor, a sua função administrativa consiste no dever do Estado, com regime jurídicoadministrativo, com regras próprias e prevalecentes de Direito Público. Os contratos que celebra têm por pressuposto lógico o exercício da função pública. Soma-se que a empresa pública está inserida no capítulo apropriado à Administração Pública (art. 37, CF). (...) (STJ, REsp n. 206.044/ES, 1ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ acórdão Min. Milton Luiz Pereira, j. em 02.05.2000, DJ de 03.06.2002). 19. Dessa forma, não pode prevalecer a argumentação do recorrido, segundo a qual as informações estariam resguardadas pelo sigilo comercial e empresarial da Lei n. 6.404/76. Ora, não se pode admitir que a Administração usufrua de diversas prerrogativas de índole pública (possibilidade de fiscalização da execução do contrato, possibilidade de suspensão ou encerramento antecipado), mas não arque com os ônus PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Ouvidoria-Geral da União correspondentes a esta posição de supremacia, em especial o dever de prestar contas por meio da publicação de seus atos. III. CONCLUSÕES 20. Em face do exposto, considerando o fornecimento do inteiro teor do contrato firmado entre ECT e Banco do Brasil, opino, primeiramente, pela perda do objeto no tocante ao referido contrato e, no mérito, pelo provimento parcial do recurso a fim de que a ECT forneça ao recorrente o contrato firmado com o Banco Bradesco e, se necessário, faça tarjar quaisquer clausulas e elementos contratuais resguardados por sigilo específico. 21. À apreciação do Sr. Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Controladoria-Geral da União Folha de Assinaturas Documento: DESPACHO nº 6075 de 12/08/2013 Referência: PROCESSO nº 99923.000358/2013-11 Assunto: Análise de recurso de 3ª instância Signatário(s): JOSE EDUARDO ELIAS ROMAO Ouvidor-Geral Assinado Digitalmente em 12/08/2013 Relação de Despachos: Encaminhe-se ao Exmo. Sr. Ministro Chefe desta Controladoria-Geral da União, Dr. Jorge Hage Sobrinho, a fim de subsidiar e, acolhendo-se o presente Despacho, atribuir fundamento a sua decisão. JOSE EDUARDO ELIAS ROMAO Ouvidor-Geral Assinado Digitalmente em 12/08/2013 Este despacho foi expedido eletronicamente pelo SGI. O c ódigo para verificação da autenticidade deste documento é: 59149934_8d0658af435010b