UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CHARLES RODRIGO BORGES
SUCESSÃO DOS COMPANHEIROS NUMA PERSPECTIVA DO
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
Biguaçu
2009
1
CHARLES RODRIGO BORGES
SUCESSÃO DOS COMPANHEIROS NUMA PERSPECTIVA DO
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
Monografia
apresentada
à
Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial a
obtenção do grau em Bacharel em
Direito.
Orientadora: Profª. MSc.
Nastassya Paschoal Pítsica
Biguaçu
2009
Helena
2
CHARLES RODRIGO BORGES
SUCESSÃO DOS COMPANHEIROS NUMA PERSPECTIVA DO
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Civil
Biguaçu, 17 de junho de 2009.
Prof. MSc. Helena Nastassya Paschoal Pítsica
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Orientadora
Prof. MSc. Anna Kleine Neves Pereira
UNIVALI – Campus de Itajaí
Membro
Prof. MSc. Renato Heusi de Almeida
UNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro
3
AGRADECIMENTO
Não são poucos...
Em primeiro lugar a Deus, grande responsável,
pela criação humana.
A meus pais, Ademir e Lenita, que souberam me
guiar pelos caminhos nem sempre tão fáceis, de
serem percorridos.
A minha querida esposa, Suelena, que teve a
serenidade necessária para compreender os
sacrifícios pessoais, que uma graduação exige.
Aos irmãos, Rubia e Ruan, que mesmo de longe,
estiveram muito presentes, e que de alguma
forma deram sua contribuição.
Aos colegas de trabalho, pessoas do convívio
diário, que sempre ofereceram seu tempo ao
desabafo necessário e pertinente.
A minha inesquecível orientadora, Profª.Helena,
que aceitou o convite para me guiar pelos
caminhos tortuosos do saber jurídico. Pessoa
dotada de incrível sabedoria, de humor e risos
frouxos, que tornou uma difícil tarefa, numa
agradável conquista.
E para não correr o risco de ser injusto, a todos
que de alguma maneira, contribuíram para a
construção do que sou hoje.
4
DEDICATÓRIA
Motivado pelo desejo de mudança, dedicar-se-á o
presente estudo, a todos aqueles que sofreram
algum tipo de injustiça social, provocado por Leis
mal interpretadas ou omissas, quanto ao seu
objeto.
Principalmente aqueles que optaram pela união
livre, como forma de constituição de família, e que
viveram por muito tempo a margem da Lei,
discriminados e deixados à própria sorte.
5
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a
Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, junho de 2009
Charles Rodrigo Borges
6
ROL DE CATEGORIAS
CASAMENTO:
União solene entre duas pessoas de sexo diferentes, para constituição de família.
Esse ato, além do civil, feito perante um juiz autorizado, é legitimado pela religião
à qual pertençam os nubentes1.
COLATERAIS:
Que está ao lado; paralelo; que é parente, mas não em linha reta2.
COMPANHEIRA:
Companheira é a designação elevada que se dá a mulher unida por longo tempo
a um homem, como se fosse sua esposa; mas, como não existem os laços do
casamento civil, é concubina3.
CONCUBINATO:
[...] relações não eventuais entre homem e a mulher impedidos de casar4.
DE CUJUS:
Testador; primeiras palavras da expressão latina de cujus successione agitur (de
cuja sucessão se trata). Em portugues, de cujus trata-se de pessoa morta5.
INTER VIVOS
Entre vivos, entre seres humanos6.
FAMÍLIA:
1
Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/4747519/Dicionario-Juridico>.
Acesso em: 18 maio 2009.
2
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual. por
Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. – São Paulo: FTD: LISA, 1996, p. 621.
3
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. Direito de família. 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2004. p. 474.
4
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. Direito de família. 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2004. p. 474.
5
Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/4747519/Dicionario-Juridico>.
Acesso em: 18 maio 2009.
6
Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/4747519/Dicionario-Juridico>.
Acesso em: 18 maio 2009.
7
Grupo de pessoas vinculadas por casamento; todas as pessoas pertencentes a
um tronco original até certo grau; em nossos dias, em sentido restrito,
compreende apenas o marido, a mulher e os filhos menores e solteiros, com seus
fenômenos religiosos, éticos, jurídicos, políticos, intelectuais e estéticos,
correlacionados entre si7.
HERANÇA:
Aquilo que se transmite por hereditariedade; bem, direito, ou obrigação,
transmitidos a alguém, através de sucessão ou disposição testamentária, em
virtude do falecimento do de cujus, isto é, do autor da herança8.
UNIÃO ESTÁVEL:
Art. 1.723, caput. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecidacom o objetivo de constituição de família 9.
SUCESSÃO:
Descendência; substituição; seqüência; continuidade10
7
Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/4747519/Dicionario-Juridico>.
Acesso em: 18 maio 2009.
8
Dicionário jurídico. Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/4747519/Dicionario-Juridico>.
Acesso em: 18 maio 2009.
9
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 10 maio
2009.
10
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual. por
Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. São Paulo: FTD : LISA, 1996, p. 621.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 0
CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 1
EVOLUÇÃO DO CONCUBINATO A UNIÃO ESTÁVEL .................... 1
1.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA: UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL........4
1.2 REGRAMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL: TRATAMENTO LEGAL....................12
1.3 ELEMENTOS QUE CONFIGURAM A UNIÃO ESTÁVEL................................17
CAPÍTULO 2.......................................................................................21
SUCESSÃO EM GERAL....................................................................21
2.1 CONCEITO E FUNDAMENTOS DO DIREITO SUCESSÓRIO
21
2.2 ESBOÇO HISTÓRICO: ORIGEM DO DIREITO SUCESSÓRIO
26
2.3 ESPÉCIE DE SUCESSÃO: LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA.........................30
2.4 SUCESSÃO A TÍTULO UNIVERSAL E A TÍTULO SINGULAR.......................32
2.5 ESPÉCIES DE SUCESSORES.......................................................................34
2.6 PORÇÃO LEGÍTIMA: CÁLCULO.....................................................................36
2.7 CLAUSULAÇÃO DA LEGÍTIMA.......................................................................38
CAPÍTULO 3.......................................................................................42
3 COMPANHEIRO: SUCESSÃO E DIREITOS DECORRENTES......42
3.1 DIREITO SUCESSÓRIO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO....................................42
3.2 O DIREITO SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO NO ORDENAMENTO............
JURÍDICO PÁTRIO................................................................................................49
3.3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE.....................................................60
3.4 PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS..
71
9
CONCLUSÃO.....................................................................................74
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS............................................76
10
RESUMO
A presente monografia, tem como escopo, investigar o
tratamento dispensado ao companheiro no âmbito do direito sucessório, e
questionar a discriminação imposta àqueles que optaram em viver em união
estável. No direito antigo, foi flagrante a rejeição do legislador em conferir direitos,
oriundos de uma relação que não fosse aquela estabelecida através do
matrimônio. No atual diploma legislativo, persistem em alguns pontos específicos,
ainda hoje, uma tentativa de diminuir conquistas oriundas de décadas de intenso
trabalho doutrinário e jurisprudencial. Inegável, o avanço legislativo alcançado,
porém, questões pontuais como o caput do artigo 1.790, e seus incisos, do atual
diploma legislativo, provocam inúmeros questionamentos no Poder Judiciário.
Bem verdade, que o artigo 226, § 3°, da Carta Política, que elevou a união estável
ao patamar de entidade familiar, devendo ser facilitada sua conversão em
casamento, constituiu-se num divisor de águas, para quem optou por essa forma
de união.
Palavras chave: companheiro, cônjuge, união estável,
sucessão.
11
ABSTRACT
This present monograph aims to investigate the treatment
given to the partner concerning his successional rights and to question the
discrimination imposed to those who have chosen to live in a steady union.
According to the former law, the legislator´s rejection in giving rights resulting from
a relationship not established through that of matrimony, was notorious. In the
present legislative diploma it persists in some specific points, up to the present, in
an attempt to diminish conquests coming from decades of intensive doctrinal and
jurisprudential work. Undeniable, though, the legislative advance achieved,
however punctual questions as the caput 1.790 and its incises of the present
legislative diploma bring about countless doubts to the Judiciary Power. In fact, the
clause 226, § 3rd , of the Constitution, which has elevated the steady union to the
degree of familiar entity, making it easier its convertion into marriage, has become
“a water division”, for whom who has chosen this kind of union.
Keywords: partner, matrimony, steady union, successional.
INTRODUÇÃO
Depois de um longo período de obscuridade legislativa, onde
não se permitia outra forma de união familiar, senão aquela constituída através do
casamento, finalmente o concubinato se mostrou como uma opção de
constituição de família11.
O ordenamento jurídico pátrio do início do século passado,
mostrou-se incapaz de reconhecer o concubinato como nova entidade familiar, o
que gerou inúmeras dificuldades para os companheiros, principalmente no
tocante ao direito sucessório.
Vale anotar, que mesmo nos casos de concubinato puro, ou
seja, aqueles que não possuíam impedimento para o casamento, constituídos
mais das vezes de relações duradouras, foram julgados a margem da Lei, e vistos
como fato estranho à norma jurídica.
Como consequência, a falta de regulamentação causou
insegurança jurídica e prejuízos para a coletividade, pois os efeitos jurídicos do
casamento não alcançavam os companheiros e estavam portanto, impedidos de
participar da sucessão do hereditando.
Foi a partir da metade do século XX, que a doutrina e a
jurisprudência, pressionadas pelos anseios populares, tiveram papel fundamental,
na construção jurídica que reconhecesse outras formas de composição familiar12.
O
grande
momento
de
mudança
ocorreu
com
a
transformação do concubinato em “União Estável”, pela Constituição da República
Federativa do Brasil de 1.988.
Esse fato, marcou a passagem do concubinato até então
tratado como ramo do Direito das Obrigações, para o seio do Direito de Família,
assegurando assim, os mesmos efeitos jurídicos conferidos ao casamento,
inclusive no que diz respeito ao direito sucessório.
Desta forma, tratar-se-á como prioridade, a repercussão do
artigo 226, § 3°, da Magna Carta, seus preceitos e fundamentos, e a
11
12
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004. p. 50.
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004. p. 50.
2
regulamentação infraconstitucional, em torno do tema, buscando a harmonia entre
as normas.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando da evolução
do concubinato à união estável, partindo de uma concepção histórica, em que os
direitos dos concubinos eram praticamente nulos, demonstrando as conquistas no
campo doutrinário e jurisprudencial, assim como toda legislação especial
destinada aos companheiros.
Enfrentar-se-á a regulamentação da união estável, através
das Leis editadas em 1.994 e 1.996, que disciplinaram questões pertinentes aos
elementos caracterizadores da união estável, ao direito de alimentos, sucessão,
inexigibilidade de tempo de convivência, entre outros.
Já no Capítulo 2, partir-se-á, do conceito e fundamentos do
direito sucessório. O exato momento da transmissão da herança, sua
necessidade na perpetuação do direito de propriedade, sendo entendida como
instrumento de incentivo a poupança.
A investigação da origem do direito sucessório tem como
objetivo principal, o aprimoramento do instituto para as próximas legislações.
Analisar-se-á, as espécies de sucessão, legítima, testamentária, a título universal
e a título singular, espécies de sucessores, cálculo da porção legítima e sua
clausulação.
O capítulo 3, será dedicado ao aprofundamento do direito
sucessório dos companheiros. Partir-se-á de uma análise, do disposto na
Constituição em relação às normas infraconstitucionais.
Principalmente do que dispõe o atual diploma legislativo,
alvo de inúmeras críticas quanto ao tratamento dispensado aos conviventes,
através da redação do seu artigo 1.790, e incisos. No mesmo tópico, serão
abordadas as questões que envolvem o direito sucessório do companheiro no
ordenamento jurídico pátrio. Sempre voltado para uma perspectiva de evolução
da norma vigente, com escopo de proporcionar segurança jurídica aos que dela
necessitarem.
Finalmente o tópico que trata das proposições legislativas,
possui a prerrogativa de apontar o rumo a ser seguido com a humildade
necessária, e com o objetivo de conscientizar o legislador infraconstitucional, da
3
real necessidade de se enfrentar as mazelas jurídicas que permeiam a sucessão
do companheiro, no atual direito sucessório.
Foi levantada a hipótese do companheiro obter a tutela
jurisdicional semelhante a do cônjuge, no âmbito do direito sucessório.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se, que na Fase
de Investigação foi utilizado o Método Indutivo. Nas diversas fases da Pesquisa,
foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito
Operacional e da Pesquisa Bibliográfica13.
13
PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10. ed.
Florianópolis: OAB/SC Editora. 2007.
CAPITULO 1
EVOLUÇÃO DO CONCUBINATO A UNIÃO ESTÁVEL
1.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA: UNIÃO ESTÁVEL NO BRASIL
O direito pátrio e sua concepção positivista sempre norteou o
disciplinamento das relações familiares.
Se por um lado há famílias constituídas “de fato”, por outro há as
legitimadas por formalidades prescritas em lei.
O ordenamento jurídico brasileiro teve como gênese o pensamento e a
legislação portuguesa. Legislação essa arraigada em princípios morais oriundos
do catolicismo.
A Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 182414
trazia no artigo 179 expressa menção a essa posição religiosa ao dispor no inciso
V que: “Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que
respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica”.
Na mesma Carta Constitucional, havia também a determinação no inciso
XVIII do mesmo artigo 179 de que: “Organizar–se-ha quanto antes um Codigo
Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade”.
Isto, porque durante a evolução humana, principalmente no que diz
respeito à entidade familiar, a união entre um homem e uma mulher que não
fosse realizada através do casamento, ou seja, através do matrimônio, poderia
ser tida como um concubinato.
Ressalta-se, que segundo Venosa15, a ideia de família é muito mais antiga,
do que o próprio casamento.
Inicialmente as famílias se constituíam através de uma união livre, e este
era o costume.
14
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%c3%A7ao24.htm>. Acesso em: 10 ago.
2008.
15
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004. p. 49.
2
Foi a partir de um determinado momento histórico que a Sociedade atribuiu
a todos o dever de viver em união conjugal através do casamento. E, como toda
regra imposta, surgiram as dificuldades, e os problemas referentes ao
concubinato surgiram.16
Ainda segundo o autor, a “união livre” que tinha como propósito a
constituição de uma família, sobre todos os seus aspectos, que era formada sem
a solenidade do casamento, foi durante intermináveis anos, vista pela Sociedade
como uma entidade familiar à margem da lei e da moral. E, no campo jurídico,
encontrava objeções das mais variadas.
O Código Civil de 1916, além de não recepcionar em sua codificação o
concubinato, trazia como norma imperativa restrições quanto ao instituto da
doação, do testamento e dos contratos de seguro de vida. No dizer de Carlos
Roberto Gonçalves:
O Código Civil de 1916 continha alguns dispositivos que faziam
restrições a esse modo de convivência, proibindo, por exemplo, doações
ou benefícios testamentários do homem casado à concubina, ou a
17
inclusão desta como beneficiaria de contrato de seguro de vida .
Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves18, o conceito de concubinato
pode ser assim sintetizado: “A união prolongada entre um homem e a mulher,
sem casamento, foi chamada, durante longo período histórico, de concubinato”. O
referido autor, também denomina o concubinato como “união livre”, e entende ser
expressões sinônimas.
De fato, o referido diploma continha em seus artigos muitas restrições ao
direito dos concubinos, deixando-os muitas das vezes ao desamparo total da lei.
Principalmente quando das relações duradouras, aquelas constituídas com intuito
eminentemente de criar sua prole, sem qualquer espécie de impedimento legal
para formalizar o casamento, mas que por algum motivo, optaram os concubinos,
em não oficializar sua situação perante o “manto sagrado” do matrimônio.
No mesmo sentido, ensina Silvio Rodrigues:
16
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004, p. 49.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI : direito de família – 3. ed.
rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007. p.531.
18
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2007, p. 530.
17
3
[...] a única referência feita pelo Código Civil revogado, sem total
hostilidade a tal situação de fato, tenha sido a do art. 363, I, que permitia
ao investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao
tempo de sua concepção sua mãe estava concubinada com seu
pretendido pai. Nesse caso, já entendia o legislador que o conceito de
concubinato pressupunha a fidelidade da mulher ao seu companheiro,
por isso, presumia, júris tantum, que o filho havido por ela tinha sido
19
engendrado pelo concubino .
Essa visão do Código Civil revogado, extremamente patrimonialista e, de
certa forma, fundado no poder patriarcal (onde o homem exercia a função de
chefe de família, sujeitando a mulher a uma total submissão), deixou como
herança, décadas de atraso legislativo, doutrinário e jurisprudencial20.
Nesta ótica, a única entidade familiar capaz de produzir efeitos na órbita do
direito, seria a constituída pelo casamento.
Qualquer outra forma de convivência entre um homem e uma mulher, era
rechaçada e incapaz de receber do Estado tutela jurisdicional.
Na lição de Edgar de Moura Bittencourt21, o argumento de que “a família é
constituída pelo casamento e tem direito à total proteção especial do Estado;
qualquer benefício às uniões irregulares constitui acinte à família legítima”, vai ao
desencontro dos anseios do povo.
Este tipo de argumentação é frágil, e não coaduna com o atual momento
histórico.
De
certo,
a
posição
mais
conservadora,
baseada
talvez
numa
argumentação sustentada pela Igreja Católica, já superada, não reconhecia
direitos à concubina. No dizer de Silvio Rodrigues22: “[...] muitos arestos negavam
qualquer direito à concubina por ocasião da separação de seu amásio (RT,
165/694, 188/407, 202/230, 259/250)”.
Além disso, parece ser uma tentativa inútil de fazer retroagir a doutrina que
tanto trabalhou para a evolução deste tema.
Sempre ancorada na tendência jurisprudencial dos Tribunais Pátrios, que
na sua história recente, tem se mostrado favorável, quanto às uniões de fato, que
19
RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família : volume 6 – 28. ed. rev. e atual. por
Francisco José Cahali; de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 256.
20
BARBOSA, Heloisa Helena. O direito de família brasileiro no final do século XX. A nova
família: Problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 88.
21
BITTENCOURT, Edgar de Moura. Família. 3. ed. – São Paulo: EUD, 1983, p. 134.
22
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 2004, p. 262.
4
tenham compromisso acima de tudo com a honra, o respeito mútuo entre os seus,
e para com a Sociedade.
Destaca-se, que as interpretações hermenêuticas originadas no Código
Civil de 1916 classificava essas relações de união livre em concubinato puro
(próprio), e impuro ou (impróprio).
No primeiro caso o concubinato não encontra nenhuma objeção legal, para
a sua continuidade. Trata-se, portanto, daqueles relacionamentos onde não há
impedimento nem causa suspensiva para sua conversão em casamento.
O concubinato impuro ou impróprio, por sua vez, nasceria de um
relacionamento adulterino, no qual ele ou ela seriam casados, e na maioria das
vezes origina-se de relacionamentos curtos, que não almejavam uma vida
conjugal com a característica more uxório, como o de marido e mulher.
Num visível contraste, sobre a situação daqueles que vivem em união
conjugal, que não seja a do casamento, Savatier, observa que:
[...] a união livre significa a deliberação de rejeitar o vínculo matrimonial,
a propósito de não assumir compromissos recíprocos. Nenhum dos
amantes pode queixar-se, pois, de que o outro se tenha valido dessa
23
liberdade .
Para o autor, o fato de não haver uma união estabelecida pelos laços do
matrimônio, implica em total deserção dos direitos havidos e adquiridos na
constância desse relacionamento.
Somente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é
que se constitucionalizaram situações existentes e inegáveis como a união
estável e que, apesar de formar inúmeros lares/famílias, estas ainda recebem
tratamento a margem da Lei.
Outro fato, de grande relevância no meio jurídico, diz respeito à situação da
concubina, que ao se deparar com o rompimento de uma longa união more
uxória, ou seja, como marido e mulher, onde os bens adquiridos com o esforço
comum do casal, quase sempre, ou na maioria dos casos, estão em nome do
varão, significava o desamparo total da concubina24. Ainda, segundo o autor havia
duas correntes jurisprudenciais antagônicas, quais sejam:
23
24
SAVATIER, apud, Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2007, p.531.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2007, p. 532.
5
Entendia uma corrente que a concubina só teria direito à participação no
patrimônio formado durante a vida em comum se concorrera com seu
esforço, trabalhando lado a lado do companheiro na atividade lucrativa.
Decisões havia, por outro lado, entendendo que concorria igualmente
para o enriquecimento do concubino a mulher que se atinha aos
afazeres domésticos, propiciando-lhe o necessário suporte de
tranqüilidade e segurança para o desempenho de suas atividades
25
profissionais .
Com propriedade, os Tribunais brasileiros de tanto se depararem com tais
situações, e cada vez mais repetitivas, procuraram de forma justa equacionar o
problema.
Diante das suscitações levantadas, o Supremo Tribunal Federal26,
estabeleceu através da Súmula 380 a orientação jurisprudencial que sedimentou
o assunto ao afirmar que: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum”.
A respeito da Súmula 380, do STF, Silvio Rodrigues27 destaca: “Negava-se
freqüentemente, a idéia da existência de uma sociedade de fato entre os
concubinos, pois falta-lhes, ao se unirem, a affectio societatis, que é elementar
naquele contrato”.
Este autor28 conclui o assunto ao afirmar mais à frente: “[...] o interesse de
cada qual dos concubinos passa a ser o interesse de ambos, e o referido
elemento, faltante no início do conúbio, ao depois se manifesta com maior
nitidez”.
Discorre Venosa em sua obra, no sentido de que:
A jurisprudência, de início, reconheceu direitos obrigacionais no
desfazimento da sociedade conjugal concubinária, determinando a
divisão entre os cônjuges do patrimônio amealhado pelo esforço
29
comum .
25
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2007, p. 532.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 380. Comprovada a existência de sociedade de
fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio
adquirido pelo esforço comum. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301
400>. Acesso em: 06 maio 2009.
27
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 2004, p. 265.
28
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 2004, p. 265.
29
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004, p. 51.
26
6
Continua o autor, asseverando que quando não era concedido à concubina
o direito à divisão do patrimônio, os Tribunais concediam a ela (ou
excepcionalmente a ele) uma indenização por serviços domésticos, o que foi de
certa forma rechaçado pela doutrina.
Da mesma forma, no que diz respeito ao direito dos concubinos à partilha
dos bens amealhados ao longo da união livre, entende Gustavo Tepedino:
Assim é que se estabeleceu, através de reiteradas decisões pretorianas,
florescidas pontualmente a partir dos anos 30 e consolidadas nos anos
60, no âmbito inclusive do Supremo Tribunal Federal, que os bens
adquiridos na constância do concubinato deveriam ser partilhados,
desde que demonstrado o esforço direto ou mesmo indireto do outro
concubino, assegurando-se, por outro lado, uma indenização judicial a
título de serviços prestados, nas hipóteses em que não se conseguia
demonstrar o concurso do esforço comum necessário à repartição dos
30
bens .
De forma acertada, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o
entendimento, e com efeito, passou a decidir.
Constatada a contribuição indireta da ex-companheira na constituição do
patrimônio amealhado durante o período de convivência ‘more uxório’,
contribuição consistente na realização das tarefas necessárias ao regular
gerenciamento da casa, aí incluída a prestação de serviços domésticos,
admissível o reconhecimento da existência de sociedade de fato e
31
conseqüente direito à partilha proporcional .
Talvez entre todas as conquistas legislativas, a mais relevante se é que
existe alguma predileção, já que todas ensejam avanço legislativo, pelo menos
uma confere especial proteção aos filhos chamados de “ilegítimos”, Lei n° 883 de
21 de outubro de 194932, no seu artigo 1°, §2°, que assegurava ao filho ilegítimo,
o seu devido e justo reconhecimento, desde que o pai estivesse separado de fato
a mais de cinco anos33.
30
TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família
não fundada no matrimônio. Temas de direito civil. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.
376.
31
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 183.718-SP, 4 T., rel. Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira, j. 1-10-1998. No mesmo sentido: Resp 60.073-DF, 4 T., rel. Min. Asfor Rocha, DJU, 15-52000; Resp 1.648-RJ, 3 T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 16-4-1990, p.2875, Seção I, ementa.
32
BRASIL. Lei n. 883 de 21 de outubro de 1.949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos
ilegítimos. Disponível em: <http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1949-000883-rfi/0883-49.htm>.
Acesso em: 18 maio 2009.
33
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004, p. 302
7
Depois de uma longa espera, finalmente os concubinos ou companheiros,
tiveram direitos reconhecidos. A título de exemplo, o (Decreto-lei n° 7.036/44; Lei
n. 8.213 de 24 de julho de 1991)34, que garante aos companheiros perceberem
no caso de acidente de trabalho e de trânsito, indenização desde que não fossem
casados e fossem incluídos como beneficiários35.
Ainda é possível, seguramente citar a Lei n. 4.297/63, (art. 3°, alínea d)36 e
Lei n. 6.194 de 19 de dezembro de 197437, como direitos previdenciários que lhes
eram assegurados expressamente pelos seus companheiros em vida, ou na falta
destes, o reconhecimento da relação de fato através dos filhos provenientes deste
relacionamento, que já era suficiente para os companheiros perceberem o
benefício.
No mesmo sentido de conferir maior proteção aos concubinos, a Lei dos
Registros Públicos (Lei n. 6.015 de 31 de dezembro de 1973)38, mais
precisamente no artigo 57, §§ 2°e 3°, com redação dada pela Lei n° 6.216/7539,
autorizou aos companheiros a adotarem o sobrenome, após cinco anos de vida
em comum ou na existência de prole, desde que nenhum dos consortes tivesse
vínculo matrimonial40.
Aliás, esta foi a primeira vez que foi utilizada a nomenclatura
“companheiro” na lei, e não mais a expressão “concubino”, que por si só já possui
uma conotação depreciativa.
34
BRASIL. Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1.991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213cons.htm>. Acesso em 06 maio 2009.
35
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004, p. 53.
36
BRASIL. Lei n. 4.297 de 23 de dezembro de 1.963. Dispõe sôbre a aposentadoria e pensões
de Institutos ou Caixas de Aposentadoria e Pensões para Ex-Combatentes e seus dependentes
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1950-1969/L4297.htm>. Acesso em: 06
maio 2009.
37
BRASIL. Lei n. 6.194 de 19 de dezembro de 1.974. Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas
transportadas ou não. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6194.htm>.
Acesso em: 06 maio 2009.
38
BRASIL. Lei n. 6.015 de 31 de dezembro de 1.973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015.htm>. Acesso
em: 06 maio 2009.
39
BRASIL. Lei n. 6.216 de 30 de junho de 1.975. Altera a Lei que dispõe sobre registros públicos.
Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6216.htm>. Acesso em: 06 maio 2009.
40
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004, p. 53
8
Da mesma forma, a Lei n° 8.245 de 18 de outubro de 1991, Lei do
Inquilinato41, que permitia a continuidade do contrato ao companheiro no caso de
morte de um dos consortes.
Superada esta fase de se estabelecer os direitos havidos pela concubina
ou não, estudando caso a caso se existia a intenção “more uxório”, se existia
direito a divisão patrimonial, ou indenização pelos serviços domésticos prestados
na constância daquela união livre, passa agora a enfrentar outra questão não
menos importante. Quanto ao concubinato em que o homem mantém casamento
e concubinato ao mesmo tempo.
No início vários julgados se mantiveram íntegros em não reconhecer
pedido formulado por ex-companheira, no qual o réu fosse casado, mesmo que
há muito tempo separado de fato de sua ex-esposa.
Sobre o assunto Silvio
Rodrigues42 esclarece que: “[...] em todos os
acórdãos indicados para edição daquela súmula figuraram casos de concubinos
desimpedidos, por tratar-se de pessoas solteiras, viúvas ou desquitadas (a
súmula é anterior à lei do Divórcio)”. Quando o autor se refere à súmula, reportarse-á a Súmula 380 editada pelo Supremo Tribunal Federal em 03 de abril de
1.964.
Entretanto, após alguns anos de debates, firmou-se a jurisprudência em
também reconhecer os direitos de divisão de partilha, nos casos em que se
detectou aumento do patrimônio, aos homens e mulheres que por algum motivo
ainda se encontravam casados, embora separados de fato a vários anos.
Desta forma, retirava àquela imagem de concubinato adulterino que o
casamento lhe imputava.
Toda a trajetória demonstrada até aqui sobre o concubinato, sua
nomenclatura de exacerbada carga depreciativa, incluindo o tratamento dado pelo
Código Civil de 1916, que não o reconheceu, passou agora a ter status de
entidade familiar sob o nome de “união estável”. Com o advento da Carta
Constitucional de 1988, o art. 226, § 3°, dispõe:
41
BRASIL. Lei n. 8.245 de 18 de outubro de 1.991. Dispõe sobre as locações dos imóveis
urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8245.htm>. Acesso em: 15 ago. 2008.
42
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 2004, p. 265.
9
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1° [...]
§ 2° [...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar
43
sua conversão em casamento .
Com muito vagar iniciou-se um ambicioso planejamento de se extinguir de
uma vez por todas qualquer diferenciação entre os vários modelos de criação de
família existente.
A bem da verdade, grande parte da população desse país, de
características continentais, mal tinham acesso ao registro de sua prole, quiçá as
formalidades que envolvem um casamento.
De fato, constata-se que numerosa fração da população brasileira é
formada de famílias constituídas através da união livre. Neste sentido, valioso é o
desabafo de Zeno Veloso:
Toda família brasileira, a partir de 1988, qualquer que tenha sido sua
origem ou modo de criação, está submetida ao princípio da igualdade,
tem a mesma importância e dignidade, merece o mesmo respeito e
acatamento, graças à Lei Fundamental do país, e graças a Deus,
44
sobretudo .
Talvez, a melhor conceituação da união estável, seja a contida no art. 1°,
da Lei 9.278 de 10 de maio de 1996, verbis:
É reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de
45
constituição de família .
43
SARAIVA, Vade Mecum. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Obra
coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia
Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – 3 ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva,
2007, p. 68.
44
VELOSO, Zeno. Código civil comentado : direito de família, alimentos, bem de família, união
estável, tutela e curatela : arts. 1694 a 1783, volume XVII ; coordenador Álvaro Villaça Azevedo. –
São Paulo: Atlas, 2003, p. 105.
45
BRASIL. Lei n. 9.278 de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição
Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm>. Acesso em: 10
maio 2009.
10
O Código Civil/0246, em seu artigo 1.723, manteve senão idêntica redação,
mas com o mesmo significado o real objetivo de uma união estável.
Diante do reconhecimento constitucional, e da legislação codificada, do
que venha a ser a união estável, a expressão “concubinato”, que antes do
tratamento constitucional representava a união livre de pessoas do sexo oposto,
atualmente possui nova conotação.
Antes, o concubinato era reconhecido como uma união livre, uma
sociedade de fato equivalente ao que hoje é denominado união estável.
No entanto, passou a ser entendido como a união de pessoas impedidas
de casar, conforme estabelece o art. 1.727, do Código Civil vigente: “As relações
não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem
concubinato”. Serve como alerta o comentário de Carlos Roberto Gonçalves:
Malgrado a impropriedade da expressão utilizada, deve-se entender que
nem todos os impedidos de casar são concubinos, pois o § 1° do art.
1723 trata como união estável a convivência pública e duradoura entre
pessoas separadas de fato e que mantêm o vinculo do casamento , não
47
sendo separadas de direito .
Portanto, a generalização com que o art. 1.727, do Código Civil/02, trata a
expressão concubinato, não deve prosperar nos casos onde o casamento em
regra já não existe mais, por falta de um dos requisitos mais importantes, qual
seja, a convivência “more uxória”.
Cabe destacar, que através destas linhas, não se procura de forma
alguma, desprestigiar a entidade familiar constituída através do matrimônio.
Somente, revelar que todo e qualquer modelo de família, seja aquela proveniente
do concubinato puro ou próprio, da família monoparental, ou da união estável,
encontra na Lei Maior amparo constitucional.
No entanto, mesmo após o reconhecimento constitucional da elevação da
união estável, ao status de entidade familiar, não faltaram críticas por parte da
doutrina.
46
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 10 maio
2009.
47
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 2007, p. 534.
11
Yussef Said Cahali48, ao comentar o §3°, do art. 226 da CRFB/88, afirma
que: “[...] é certo que o casamento continua mantendo a sua dignidade, não se lhe
equiparando, para os efeitos da lei, a simples união estável entre o homem e a
mulher”. A respeitável opinião do autor, não deixa de ter certa razão,
principalmente no que se refere à sucessão.
Todavia, não é objetivo deste trabalho desmerecer esta modalidade de
família constituída sob a égide do matrimônio, tutelada pelo Estado. Entretanto,
não se pode admitir como assim o autor pretendia, que não sejam reconhecidas
outras formas de constituição de família.
No Brasil, a realidade fática demonstra elevado número de uniões estáveis
que são constituídas a imagem e semelhança do matrimônio, e que somente lhes
faltam à solenidade e outras formalidades legais que a situação exige.
São uniões repletas de afeto mútuo, de respeito entre os companheiros,
com lealdade, dignidade, moral e, o mais importante requisito, o animus de
constituir família.
Segundo o autor, a atacar de forma severa a união estável, ao afirmar
categoricamente que uma das razões da crise familiar, a muito se deve ao novo
modelo constitucional de família. Das anotações do autor em sua obra:
Em realidade, porém, é exatamente nesta notória mutação dos conceitos
básicos, nestes ‘novos critérios’ a que se submetem as relações do
grupo societário, especialmente agora sob a pressão apologística da
união estável sob a forma de ‘entidade familiar’, que reside a crise da
família, na exaltação de pretensos valores novos e contingentes, e que
49
assinala pelo enfraquecimento gradativo da disciplina familiar, [...] .
No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar50 parece mesmo disposto a
ignorar o instituto da união estável como matéria do Direito de Família, ao dizer
que: “Com efeito, união estável ou concubinato sem impedimento forma entidade
familiar (art. 226, §3°), e não família (caput)”.
48
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. – 11. ed. rev. atual. de acordo com o Código Civil
de 2002. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 23.
49
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 2005, p. 24.
50
BITTAR, Carlos Alberto, apud, GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo :
uma espécie de família. – São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 1998, p. 49.
12
Acompanhando o raciocínio do autor, a Constituição só fez assegurar
direitos aos companheiros na órbita assistencial, renegando a matéria ao Direito
de Família.
Das considerações apresentadas por correntes doutrinárias minoritárias de
oposição, denota-se que não deve prosperar a idéia de constituição de família
unicamente pela via do matrimônio.
O Direito como ciência autônoma que é, sempre tentando acompanhar a
evolução da Sociedade, tanto sob o aspecto sociológico como axiológico, no
campo
jurisprudencial
e
doutrinário,
não
pode
renegar
uma
realidade
inescondível.
De fato, as mudanças de uma Sociedade Contemporânea, exigem do
Direito de Família proteção mais alargada e destituída de qualquer preconceito
injustificável.
Sendo assim, destaca-se, que a união estável foi alçada a qualidade de
entidade familiar, que pressupõe nas palavras de Zeno Veloso51: “[...] convivência
duradoura, pública e continua de um homem e uma mulher. O casal aproxima-se
e assume uma vida more uxório, vale dizer, como se fossem marido e mulher
[...]”.
No próximo tópico fazer-se-á uma abordagem teórica sobre a temática da
união estável, dentro de uma concepção jurídica anterior ao Código Civil de
2002, mas que já encontrava amparo no art. 226, §3°, da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1.988.
1.2 REGRAMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL: TRATAMENTO LEGAL
Anteriormente à introdução do atual diploma codificado, a união estável
regia-se pelas normas da Constituição da República Federativa do Brasil, através
do art. 226, § 3° que, como visto, elevou a união estável ao patamar de entidade
familiar.
51
VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 2003, p. 110.
13
Entretanto, foi através da regulamentação da Lei 8.971 de 29 de dezembro
de 199452, que estendeu aos então denominados conviventes da união estável,
direitos a alimentos e a sucessão do convivente, uma vez que não se podia usar
de analogia para as regras impostas aos cônjuges.
Esta tal Lei no artigo 1°, exigia comprovação do estado civil dos
“companheiros”, e o tempo de convivência. O artigo 2º, tratava do direito da
sucessão, afirmando que as pessoas referidas no artigo anterior, ou seja, os
companheiros, participariam da sucessão um do outro.
Ocorre que o reconhecimento positivado da união estável ainda deveria
observar legislações outras que tratavam dos demais direitos daquela união
advindos.
Entre esses direitos advindos, o mais expressivo, ou pelo menos, o mais
suscitado era o direito dos alimentos.
Neste caso, somente teria direito à prestação de alimentos (Lei n. 5.478 de
25 de julho de 1968)53, a companheira ou companheiro que fosse solteiro,
separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que comprovasse a união por mais
de cinco anos, nos casos que não houvesse prole.
Como bem observa Guilherme Calmon Nogueira da Gama, foi um marco
histórico
o
reconhecimento
da
obrigação
de
prestar
alimentos
entre
companheiros. Nas palavras do referido autor, extrai-se a seguinte lição:
Trata-se de inovação marcante no Direito brasileiro diante do
reconhecimento da necessidade de regular efeitos patrimoniais
decorrentes do companheirismo, não somente quanto aos alimentos,
mas também em decorrência do regime de bens e da sucessão entre
54
companheiros .
Contudo, o referido autor tece sua crítica no sentido das impropriedades
técnico-formal e material, ao ser instituída a Lei n. 5.478/68, sem enunciar
explicitamente a instituição do direito material a alimentos entre companheiros.
52
BRASIL. Lei n. 8.971 de 29 de dezembro de 1.994. Regula o direito dos companheiros a
alimentos e à sucessão. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm>.
Acesso em: 10 maio 2009.
53
BRASIL. Lei n. 5.478 de 25 de julho de 1968. Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5478.htm>. Acesso em:
10 maio 2009.
54
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo : uma espécie de família. – São
Paulo: Editora Revista dos tribunais, 1998, p. 342.
14
Destaca-se, que nesse momento considerado histórico, a união estável,
deixa a órbita do Direito Obrigacional, para fazer parte do Direito de Família,
contrário sensu.
Às disposições do Código Civil de 1.916, não reconheciam nenhum direito
em matéria de sucessão dos conviventes. A única menção que fazia, consta do
art. 1.719, III, do referido código, que vedava a nomeação da concubina do
testador casado como herdeira testamentária ou legatária55.
No mesmo sentido, o artigo 1.720 do referido diploma, proibia qualquer tipo
de benefício às pessoas elencadas no artigo 1.719, através de interposta pessoa
como herdeira ou legatária, nas palavras de Guilherme Calmon Nogueira da
Gama:
E, em complemento a tal regra proibitiva, o mesmo código prevê que a
disposição também será nula se for instituída em beneficio de interposta
pessoa, ou seja, os ascendentes, em primeiro grau, os descendentes e
56
cônjuge da concubina do testador casado (art. 1720) .
Gustavo Tepedino em sua obra, discorre sobre a dificuldade do Código
Civil de 1916, em reconhecer outra forma de união que não fosse aquela
institucionalizada e protegida pelo Estado, demonstrando o grande temor e falta
de capacidade do legislador em gerir outras espécies de família:
A hostilidade do legislador pré-constitucional às interferências exógenas
na estrutura familiar e a escancarada proteção do vínculo conjugal e da
coesão formal da família, ainda que em detrimento da realização pessoal
de seus integrantes – particularmente no que se refere à mulher e aos
filhos, inteiramente subjugados à figura do cônjuge-varão – justificava-se
em benefício da paz doméstica. Por maioria de razão, a proteção dos
filhos extraconjugais nunca poderia afetar a estrutura familiar, sendo
compreensível, em tal perspectiva, a aversão do Código Civil de 1916 à
concubina. O sacrifício individual, em todas essas hipóteses, era
largamente compensado, na ótica do sistema, pela preservação da
célula mater da sociedade, instituição essencial à ordem pública e
57
modelada sob o paradigma patriarcal .
O artigo 1.474, vedava pessoa que fosse proibida de receber doação, de
ser beneficiária em seguro de vida.
55
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 1998, p. 409.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 1998, p. 409.
57
TEPEDINO, Gustavo. A Disciplina Civil- constitucional das Relações Familiares. Temas de
Direito Civil. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 397-398.
56
15
Também estariam impedidos de casar o cônjuge adúltero com seu co-réu,
art. 183, VII, do antigo Código.
Todavia, o desejo do legislador de 1916, em proibir a sucessão de filho da
concubina de homem casado, caiu por terra, a partir do momento em que o
Supremo Tribunal Federal, instituiu a Súmula 44758 editada em 01 de outubro de
1964: “É válida a disposição testamentária em favor de filho adulterino do testador
com sua concubina”.
Portanto, mesmo sendo alvo de inúmeras críticas, por parte da doutrina, a
Lei n. 8.971/94, rendeu inegáveis transformações e inovações em relação à
sucessão dos conviventes. A referida lei prevê:
Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão
do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir
nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver
filhos deste ou comuns;
II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não
constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se
não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes;
III – na falta de descendentes ou ascendentes, o(a) companheiro(a)
59
sobrevivente terá direito à totalidade da herança .
Desta leitura, a priori se observa que as pessoas referidas no art. 2°, são
as mesmas inseridas no artigo 1°: o solteiro, separado judicialmente, divorciado
ou viúvo, e que comprovem cinco anos de convivência na falta de prole.
Destaca-se, que as pessoas separadas de fato que constituíssem nova
união, ainda permaneciam formalmente no estado civil de “casado”, motivo pelo
qual ainda não se consideraria hipótese de recebimento de herança oriunda na
união estável.
58
BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula 447. É válida a disposição testamentária em favor
de filho adulterino do testador com sua concubina. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_401
_500>. Acesso em: 11 maio 2009.
59
BRASIL. Lei n. 8.971 de 29 de dezembro de 1.994. Regula o direito dos companheiros a
alimentos e à sucessão. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8971.htm>.
Acesso em : 10 maio 2009.
16
Menos de dois anos após promulgação deste avanço, outro importante
diploma legislativo, a
Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, trouxe novas
prescrições desfazendo a exigibilidade do tempo mínimo de convivência.
Assim, era reconhecida, tal como hoje em dia, como entidade familiar a
convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,
estabelecida com objetivo de constituição de família.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama60, lembra que a introdução da
referida lei no ordenamento jurídico pátrio, não decorrem das reiteradas críticas
feitas a Lei n. 8.971/94. Nasceu de um Projeto de Lei n. 1.188, onde Álvaro
Villaça Azevedo esboçou seu anteprojeto, com tramitação por aproximadamente
cinco anos no Congresso Nacional.
Segundo a lição de Luiz Edson Fachin61, a Lei n. 9.278/96, trouxe como
novos caracteres as expressões “conviventes” e “união estável”, demonstrando
sua intenção de regulamentar o art. 226, §3°, da Constituição Federal.
O autor adverte sobre a possibilidade de conversão da união estável em
casamento, mediante requerimento ao Oficial do Registro Civil.
Sobre a discussão diante da revogação ou não da Lei 8.971/94, continua o
autor a desenvolver a idéia de que somente será revogado naquilo que lhe é
incompatível.
Ao fazer um paralelo entre a Lei n. 8.971.94, e a Lei n. 9.278/96, Luiz
Edson Fachin62, demonstra que esta exige uma união duradoura, pública e
contínua, típica da união estável, enquanto aquela preocupou-se em estabelecer
requisitos referentes ao estado civil e o tempo mínimo de convivência de cinco
anos, ou inferior se houvesse prole.
Quanto ao patrimônio, a primeira lei não trazia nenhuma referência, já a
segunda no artigo 5°, tratava dos bens adquiridos na constância
da união
estável, e fazia menção à opção de contrato escrito para definir a questão.
Conforme preceitua o art. 7°, da 8.971/94, confirmada
a prestação
alimentar recíproca nos casos de dissolução da união estável por rescisão,
sempre em favor daquele que demonstre insuficiência de prover sua subsistência.
60
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 1998, p. 345.
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro.
2.ed. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 103-104.
62
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família. 2003, p. 105.
61
17
Diferente portanto, do que dizia a lei anterior que exigia fossem cumpridos
os requisitos do artigo 1°, sendo que, com
relação à separação de fato,
dependeria de como a situação se mostrasse no caso concreto.
1.3 ELEMENTOS QUE CONFIGURAM A UNIÃO ESTÁVEL
Como dito, a Lei n. 9.278/96 ao traçar os elementos caracterizadores da
união estável dispõe no artigo 1°:
É reconhecida como entidade familiar à convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de
63
constituição de família .
No mesmo sentido, o atual Código Civil, no artigo 1.723, procurou não
destoar da idéia do legislador da Lei supracitada, estabelecendo com mínima
diferença literária, sem lhe furtar a essência dos requisitos que constituem uma
união estável.
De fato, não há como alargar o conceito de união estável, para aquelas
pessoas que, por exemplo, se conheceram numa noite e, a partir de então,
passaram a ter encontros amorosos, baseados exclusivamente em relações
sexuais64.
Tal como está posto na Lei, se faz necessário o aprofundamento de cada
requisito que compõe os elementos constitutivos caracterizadores da união
estável, quais sejam a durabilidade, continuidade da relação, que seja entre um
homem e uma mulher, de forma pública, e com objetivo de constituição de família.
Seguindo
a
ordem
mandamental,
passar-se-á
ao
tratamento
da
convivência duradoura que denota também a estabilidade e as demais, serão
apresentadas sucessivamente:
a) não restam dúvidas que os relacionamentos em que se baseiam em
momentos de prazer, aliados ao fato de estarem convivendo sobre o mesmo teto
63
BRASIL. Lei n. 9.278 de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição
Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm>. Acesso em: 10
maio 2009.
64
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. Direito de família. 2004, p. 55.
18
por algum tempo, não seriam suficientes para configurar relação tão importante
que resultará em deveres e obrigações iguais ao do casamento. Sílvio de Salvo
Venosa65 enfatiza que: “Não é qualquer relacionamento fugaz e transitório que
constitui a união protegida; não podem ser definidas como concubinato simples
relações sexuais, ainda que reiteradas”.
b) outro requisito exigido pela Lei e, não menos importante, refere-se à
continuidade desta relação. O legislador ao enunciar que a convivência deve ser
contínua, por certo, estava objetivando deixar de fora, aqueles relacionamentos,
que se desfazem ao sabor do vento. São relações enfraquecidas, pelos vários
rompantes que não almejam maiores responsabilidades. Neste sentido, discorre
Zeno Veloso66: “O relacionamento, para chegar à dignidade de união estável,
além do mais, tem de ser continuo. Esse, ”vaivém” no convívio do casal, as
rupturas constantes, mostra a tibieza, a fraqueza, a falta de energia no
relacionamento”.
c) a união estável pressupõe relacionamento entre um homem e uma
mulher. E, disso não se tem dúvida, pois o mandamento Constitucional é
suficientemente claro, ao dizer que “[...] é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento”, segundo o art. 226, §3°, da CRFB/88. A parte final que trata da
conversão em casamento deve ser compreendida, com o intuito de procriação,
manutenção e assistência familiar. Assim, entende Sílvio de Salvo Venosa:
A Constituição, assim como o art. 1.723 do Código Civil, também se
refere expressamente à diversidade de sexos, à união do homem e da
mulher. Como no casamento, a união do homem e da mulher tem, entre
67
outras finalidades, a geração de prole, sua educação e assistência .
Desse modo, relações frívolas que não almejam o aumento da família, não
caracterizam a união estável;
65
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. Direito de família. 2004, p. 55.
VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 2003, p. 113.
67
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004, p. 55.
66
19
d) quanto à forma pública, tem-se que ter em mente, que a Lei não exige
nenhuma atitude exibicionista, que cause estranheza entre as pessoas. Basta, e
não mais que isso, que seja notório, que as pessoas da comunidade se
indagadas, afirmariam positivamente os laços do matrimônio. Sobre o assunto,
Zeno Veloso, traz importante contribuição;
O que a lei exige com certeza é a notoriedade (grifo do autor). Há uma
diferença de graus: embora tudo que seja público é notório, nem tudo
que é notório é público. Não se olvide que os companheiros apresentamse à coletividade numa atitude em tudo semelhante à dos cônjuges. Há
68
quem chame à união estável casamento de fato .
e) segundo a doutrina especializada, o requisito que cabalmente
demonstra ao julgador a verdadeira intenção de elevar um relacionamento a uma
união estável, figura-se em torno do objetivo de constituição de família. Zeno
Veloso69, afirma que a relação entre os conviventes deve ser cercada de um
elemento espiritual, que transcenda a simples união de corpos, que haja, “[...] a
deliberação, à vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso (grifo
do autor) pessoal e mútuo de constituir família. Para Sílvio de Salvo Venosa70, ”O
objetivo de constituição de família é corolário de todos os elementos legais
antecedentes”.
Destarte, há outros requisitos apontados pela doutrina que não fazem parte
daqueles apontados pela norma legal.
A fidelidade, lealdade, unicidade dos companheiros e habitação em
comum, são sem dúvida elementos significativos para que o magistrado possa
sopesar sua decisão.
Quanto ao requisito da fidelidade apontado pela doutrina, caso ocorra a
sua quebra, pode descaracterizar ou dificultar o entendimento de que ali naquele
caso concreto, perdure uma união estável.
Lembra o autor, que o artigo 1.724 do atual diploma estabelece que as
relações entre os companheiros devem pautar-se
por lealdade, respeito e
assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
68
VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 2003, p. 110-111.
VELOSO, Zeno. Código civil comentado. 2003, p. 110.
70
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004, p. 55.
69
20
A habitação incomum, por vários motivos não pode ser considerada como
requisito impeditivo do reconhecimento de uma união estável, uma vez que os
compromissos com trabalho, estudo, saúde, fazem com que pessoas que vivem
em situação marital, tenham que habitar lares incomuns. A Súmula 382 editada
pelo Supremo Tribunal Federal71, em 03 de abril de 1964 já pacificou este
entendimento.
Outro importante requisito, diz respeito ao modo com que se comportam os
companheiros, com relação à traição.
A falta de consistência no relacionamento dos companheiros, pressupõe
instabilidade, e a traição enseja imoralidade, coisa que aos olhos do julgador
podem configurar ausência do intuito de constituir família.
Vale anotar ensinamento de Silvio da Salvo Venosa72: “A idéia central é no
sentido de que pluralidade de relações pressupõe imoralidade e instabilidade”.
Ainda, baseando-se na doutrina, o casamento religioso, facilita ao
magistrado identificar naquele relacionamento o afeto o respeito e os demais
requisitos inerentes à união estável73.
Todavia, registra-se que no ordenamento jurídico pátrio, somente o
casamento civil, é reconhecido e producente de efeitos jurídicos peculiares ao
matrimônio (mormente na questão sucessória).
No presente capítulo, objetivou-se a investigação sobre a evolução
histórica do tema, o tratamento Constitucional e, infraconstitucional, assim como a
legislação especial, Lei n. 8.971/94, e Lei n. 9.278/96, que procuraram
regulamentar o art. 226, § 3° da CRFB/88.
E por fim, destacaram-se os elementos que configuram a união estável,
sempre com um enfoque voltado, para o teor do artigo 1.723, do Código Civil/02.
No decorrer desta pesquisa acadêmica, será apresentada a Sucessão em
geral. Sua origem histórica, suas espécies, sua abrangência, e quem seriam seus
protagonistas, por exigência legal, ou por vontade do testador com vistas ao
objetivo nuclear da presente Monografia, objeto do terceiro capítulo.
71
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 382. A vida em comum sob o mesmo teto, "more
uxorio", não é indispensável à caracterização do concubinato. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301
400>. Acesso em: 17 maio 2009.
72
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004, p. 58.
73
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil. 2004, p. 59.
21
22
CAPITULO 2
2. SUCESSÃO EM GERAL
2.1 CONCEITO E FUNDAMENTOS DO DIREITO SUCESSÓRIO
O Direito das Sucessões situa-se dentro do ordenamento jurídico brasileiro,
no Livro V, do Código Civil/02, artigo 1.784 em diante, donde se inicia falando das
disposições gerais.
No dicionário da Língua Portuguesa74 o vocábulo suceder, dentre outras
designações, significa entrar na vaga de outrem por direito de sucessão ou por
nomeação.
Essa expressão "entrar na vaga de outrem", no caso do direito sucessório,
se dará no exato momento em que o titular do Direito não mais existir, por um
desses infortúnios da vida.
E quando se diz, no "exato momento", de fato, é o que acontece. Pois,
mesmo sem o conhecimento dos sucessores, os direitos e as obrigações daquele
que possuía a sua titularidade, já foram transmitidos aquém de direito.
Essa instantaneidade tem previsão legal no artigo 1.784 do Código Civil/02,
que textualmente dispõe:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo aos
75
herdeiros legítimos e testamentários .
Mister, se faz distinguir a sucessão como ato inter vivos ou causa mortis. A
aquisição de um imóvel por meio de um contrato de compra e venda, por
exemplo, implica na sucessão do alienante ao adquirente, por ato inter vivos pelo
fato de todo contrato e seus efeitos ocorrerem, via de regra, durante a existência
de ambas as partes contratantes.
74
BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual. por
Helena Bonito C. Pereira, Rena Signer. – São Paulo: FTD : LISA, 1996, p. 621.
75
SARAIVA, Vade Mecum. Código Civil. 2007, p. 308.
23
Por outro lado, a sucessão causa mortis, é aquela que se opera em virtude
do desaparecimento do de cujus, ou defunto por assim dizer. Ocorre que, diante
do óbito do titular dos direitos haverá necessidade de ser identificado, de
imediato, outro titular, sob pena desses direitos ficarem acéfalos, ou seja, sem
titular. Por isso, como será explanado a seguir, transmissão do patrimônio, ao
herdeiro legítimo ou testamentário.
Washington de Barros Monteiro76, assevera que na acepção jurídica do
vocábulo sucessão, “[...] num sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa
toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos
direitos que lhe competiam”.
Verifica-se que o autor, destaca o fato de ser essa uma significação ampla,
posto que se refere a todo e qualquer ato em que alguém toma lugar de outrem, e
não no sentido estrito - causa mortis.
Neste sentido estrito, e sob a ótica do direito das sucessões, o autor77
informa que, “[...] emprega-se o vocábulo num sentido mais restrito, para designar
tão-somente a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, [...]”.
Destarte, importa neste momento explicitar a questão específica do direito
sucessório.
Para Arnoldo Wald78,a sucessão é o instituto pelo qual se dá a transmissão
da herança, sendo que esta última é que efetivamente possui o complexo de
bens, direitos e obrigações, que serão transferidos aos herdeiros legatários.
Desta feita, a sucessão causa mortis impulsiona a transmissão da herança.
Uma depende da outra para atingir o fim colimado. Não existirá sucessão sem
transmissão da herança, nem herança advinda de outra causa que não seja a
sucessória causa mortis.
Questão que suscita uma breve investigação jus-filosófica, se refere aos
questionamentos, que outrora são feitos quanto à razão de ser (no sentido de
existir), ou não, do direito sucessório.
76
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva 1999, p. 1.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p.1.
78
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. Com a colaboração do professor Guilherme
Calmon Nogueira da Gama. – 13. ed. rev. e atual. de acordo com a legislação vigente, a
jurisprudência dos tribunais e o novo Código Civil. – São Paulo: Saraiva, 2007, p. 8.
77
24
Há teorias que procuram justificar a existência e consequentemente a
permanência de tal instituto, tão combatido principalmente pelos pensadores
socialistas.
No dizer de Cimbali79, o fundamento do direito das sucessões repousa na
continuidade da vida Humana. Concepção esta, acatada por D’Aguano80, que
julga ser o direito hereditário uma seqüência da hereditariedade biopsicológica
entre ascendentes e descendentes.
Tais afirmativas, para Washington de Barros Monteiro81, não coadunam
com a realidade, pois a vida humana não deixaria de existir na falta do instituto do
direito sucessório. A raça humana continuaria se reproduzindo normalmente.
Talvez, o elemento mais importante de toda discussão, se funda no direito
de propriedade. Sim, esse instituto está diretamente jungido àquele.
Para o autor82, mais importante que o aspecto econômico, é a certeza de
que a Lei assegura a transmissão do patrimônio do de cujus, aos seus entes
queridos. O que por sua vez legitima o direito de propriedade.
Sobre a transmissão de bens causa mortis, e o direito de propriedade,
Sílvio Rodrigues traz importante contribuição:
Ora, a possibilidade de transmitir bens causa mortis constitui um
corolário do direito de propriedade; caso contrário, a propriedade ficaria
despida de um de seus característicos, ou seja a perpetuidade. Além
disso, a admissão do direito sucessório constitui incentivo a poupança
83
[...] .
Seguindo este raciocínio, qual seria a intenção daquele que trabalha uma
vida inteira objetivando criar uma situação econômica mais favorável para sua
família? Não fosse o direito sucessório, por certo, também não haveria intenção
de se amealhar bens, no intuito de fazer poupança e sentir-se "seguro" em
relação a si próprio e aos seus.
79
CIMBALI, apud, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p.7.
D’AGUANO, apud, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p.7.
81
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p. 7.
82
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p. 7.
83
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil : direito das sucessões , volume 7 – 26 ed. rev. atual. por
Zeno Veloso; de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). – São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 5-6.
80
25
Num visível contraponto, surgiam os pensadores socialistas que no dizer
de Sílvio Rodrigues84, não reconheciam sua legitimidade (do direito sucessório),
muito menos sua conveniência.
Estes pensadores, que sempre foram contrários à idéia do direito à
propriedade privada, por óbvio, não admitiriam a transmissão de bens causa
mortis.
Argumentavam, os opositores do direito sucessório, que a herança
recebida de forma gratuita, só induz e reproduz a desigualdade e a injustiça. Além
disso, promovem a riqueza de alguns, sem esforço, o que reflete diretamente na
escassez da mão-de-obra nacional, já que esses não precisam trabalhar85.
Bem verdade, que tal discurso, hodiernamente não produz tanto efeito.
Isto porque, diferentemente de outros tempos, na grande maioria das
vezes, a herança já não satisfaz as necessidades dos herdeiros, a ponto de tornar
escassa a mão-de-obra nacional.
No entanto, em contraposição aos pensadores socialistas, e, não menos
apaixonado, é o discurso daqueles que defendem o direito sucessório86.
Com efeito, o homem ao buscar proteger seus interesses, no intuito de
trabalhar e adquirir bens, que para ele são imprescindíveis para a garantia do seu
futuro e de sua prole, coincidentemente contribui para com a Sociedade no
sentido de produzir riquezas e, paralelamente fomentar a economia. Com
serenidade, Sílvio Rodrigues, comenta:
O homem, buscando o seu próprio interesse, visando adquirir a riqueza
em seu exclusivo proveito, atua, indiretamente, no sentido do maior
interesse social, uma vez que, embora sem o querer, aumenta o
87
patrimônio da sociedade .
Afirma o autor, que o fato de incentivar o indivíduo a trabalhar, a produzir
bens e serviços, fomentando a economia, construindo poupança para o País,
conduz o Estado a legitimar e proteger o direito de propriedade.
84
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 5.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil : direito das sucessões, volume 7 – 26. ed. rev. atual. por
Zeno Veloso; de acordo com o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10-.1-2002). São Paulo: Saraiva,
2003, p. 5.
86
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2003, p. 6.
87
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das sucessões, 2007, p. 5-6.
85
26
Difícil, seria conviver em um Estado onde não
admitisse o direito
sucessório como instituto garantidor da perpetuidade econômica familiar.
No entendimento deste autor, ocorreriam duas hipóteses distintas. A
primeira diz respeito à falta de incentivo em constituir patrimônio, induzindo o
cidadão ao consumismo, desenfreado e a esbanjar sem limites.
Outra questão não menos importante, diz respeito a todo tipo de fraude
como negócios jurídicos simulados, doações em vida, ou qualquer outra manobra
de transmissão de bens.
Algumas experiências passadas demonstraram a total falibilidade do
sistema, em que não foi adotado o direito sucessório como meio de transmissão
de bens causa mortis.
Exemplo maior encontra-se na literatura de Sílvio Rodrigues88, apontando o
fracassado sistema soviético.
Naquele sistema, a eliminação do direito sucessório, resultou em graves
prejuízos a economia. O cidadão comum não encontrava razão ou sentido em
amealhar bens.
A persistência daquele Estado não perdurou muito. Logo, recuo à situação
a quo, restabelecendo a sucessão causa mortis.
A grande lição aos legisladores da antiga União Soviética, consistiu em
uma experiência prática, e por conseqüência, desastrosa.
O que provou, o quanto seria importante ter mantido a consciência dos
indivíduos voltada para a poupança, resguardando o direito de propriedade,
assegurando a transmissão da herança, incentivando e fomentando a economia
nacional.
No dizer de Sílvio Rodrigues89, “Parece fora de dúvida ser de interesse da
sociedade conservar o direito hereditário como um corolário do direito de
propriedade”.
O pensamento do autor simboliza sua própria tese, que defende acima de
tudo. Reitera que a liberdade de testar e herdar, serve como estímulo ao indivíduo
em trabalhar, adquirir, poupar, tendo como amparo a Carta Política (art. 5°, XXII e
XXX), que assegura o direito à propriedade e a herança.
88
89
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 6.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 6.
27
No próximo tópico por oportuno, será esboçada a história do direito
sucessório, assim como, seu surgimento, desenvolvimento e sua concepção
atual.
2.2 ESBOÇO HISTÓRICO: ORIGEM DO DIREITO SUCESSÓRIO
Considerável parte da doutrina, indica ser o direito de transmitir bens a
seus sucessores objeto das mais antigas civilizações.
Inegável, que a origem do direito sucessório tenha nascido de outra norma
que não aquelas referentes ao culto e a religião. Tanto na Grécia como em Roma,
a idéia de transmissão de bens, decorriam do culto aos antepassados90.
Apontam os estudiosos, ainda, que o direito sucessório provém dos povos
egípcios, hindu e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã91.
Em tempos remotos, numa era primitiva, o direito sucessório foi instituto
ardorosamente contestado, e repleto de regras fortemente fundadas na doutrina
Cristã. Neste sentido esclarece Sílvio Rodrigues:
O culto dos antepassados constitui o centro da vida religiosa nas
antiqüíssimas civilizações, não havendo castigo maior para uma pessoa
do que falecer sem deixar quem lhe cultue o altar doméstico, de modo a
ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse
92
culto .
Desta feita, sendo o herdeiro responsável pelo culto, e tendo a
responsabilidade de mantê-lo íntegro, em obediência à norma Cristã, seria ele, o
próprio a receber a herança em detrimento de qualquer outro parente.
No entanto, esta idéia de transmissão de herança ao indivíduo que
promove a continuidade ao culto familiar, é severamente combatida por
Hermenegildo de Barros93.
90
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito as instituições da
Grécia e de Roma ; tradução de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca – São Paulo: Hemeus,
1975, p. 58.
91
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p.4.
92
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p.4.
93
BARROS, Hermenegildo de, apud, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil.
1999, p. 1.
28
Alega o autor, que o administrador (figura semelhante ao herdeiro
responsável pelo culto), dos bens daquela coletividade, poderia ser destituído de
sua função, caso demonstra-se indignidade.
Diante de tal afirmativa, tornar-se-ia infundada na visão do autor
supracitado, a tese que sustenta a versão da sucessão hereditária advinda do
culto familiar.
A
referida norma Cristã,
transcrita
anteriormente, segundo Sílvio
Rodrigues, é a responsável por grandes injustiças sociais à época.
A varonia, era determinada através do sacerdócio, que pela regra religiosa
pertenceria ao filho homem. Sobre o tema, segue comentário do autor:
Essa a razão por que a sucessão, a esse tempo e durante séculos,
transmite-se apenas pela linha masculina, ou seja, aos agnados, pois,
como o filho é o sacerdote da religião doméstica, é ele, e não sua irmã,
quem recebe o patrimônio da família. Aí, portanto, a explicação da regra
94
segundo a qual a herança se transmite ao primogênito varão .
Complementa o autor, que modernamente, são poucas as culturas
mundiais que insistem em subjugar o papel da mulher na Sociedade.
Atualmente a Escócia, a Sérvia e o direito islâmico, insistem na regra da
varonia, onde esse último, dedica ao homem o correspondente ao que receberiam
duas mulheres.
Com efeito, torna-se evidente que a origem do direito sucessório, foi de
certa forma, idealizado com intuito de manter a concentração do poder e, do
patrimônio de cada unidade familiar.
A submissão feminina à época, era tida como norma. A mulher em
concorrência na linha sucessória com irmãos homens, não tinha a menor chance.
Para Fustel de Coulanges95, a filha ao casar-se adotaria o culto familiar de
seu esposo. Conseqüentemente, não poderia dar continuidade ao culto familiar e,
por esta razão, não haveria possibilidade de ser herdeira de seu pai.
No caso em que não houvesse mulheres na família, a norma também
infringia todas as regras de equidade imagináveis, proporcionando campo fértil às
injustiças sociais. Prova disso é a entrega da herança ao primogênito
94
95
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p.4.
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga.1975, p. 59.
29
Diante do mesmo enfoque histórico, percebe-se a necessidade de uma
breve análise da origem do Direito das Sucessões, sob a ótica do Direito Romano.
Para Orlando Gomes, quanto à questão da evolução do Direito das
Sucessões, esta deve ser compreendida no direito Romano. E, segue afirmando:
No direito das XII Tábuas, o pater familias tinha absoluta liberdade de
dispor dos seus bens para depois da morte, mas, se falecesse sem
testamento, a sucessão se devolvia, seguidamente, a três classes de
herdeiros: [...] A primeira classe compreendia os sui heredes e os
emancipati. A segunda, os consanguinei e os agnati. A terceira,todos os
96
parentes até o sexto grau. A quarta, o marido, ou a mulher .
Complementando o raciocínio do autor,97 os sui heredes, eram os filhos
sob o pátrio poder, a mulher e outros parentes sujeitos ao de cujus. Os agnati, as
pessoas sob o mesmo pátrio poder ou que a ele se sujeitariam se o pater familias
não estivesse morto.
No mesmo sentido, Arnaldo Wald98, relata que: “[...] no direito romano a
família mantinha o caráter patriarcal, admitindo-se que, na falta dos membros da
mesma família, o patrimônio passasse aos agnados, [...]”.
Importante observar a evolução do Direito das Sucessões. Note-se que os
colaterais alcançavam o sexto grau, que estavam à frente do marido e da esposa,
sendo esses de quarta classe e, aqueles de terceira.
É praticamente unânime na doutrina, o efeito nefasto do desrespeito à
equidade. A própria varonia, significava a desigualdade e a desagregação
familiar.
Os ditos privilégios hereditários, na visão de Washington de Barros
Monteiro99, eram cruéis até mesmo com os homens.
A regra da primogenitura, fazia deste, o Senhor de toda fortuna.
Conseqüentemente, o restante da família presenciava a ascensão de um só ente
familiar, em detrimento de todos os outros.
Nesse sentido, assevera Fustel de Coulanges100: “A regra estatuída para o
culto é a de que o mesmo se transmita de varão para varão; a regra para a
herança é que esteja em conformidade com o culto”.
96
GOMES, Orlando. Sucessões. (Rio de Janeiro. Forense). 2002, p. 3.
GOMES, Orlando. Sucessões. 2002, p. 3.
98
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 17.
99
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil.1999, p. 2.
97
30
No intuito de resumir a questão, Sílvio Rodrigues101 enfatiza que o antigo
direito sucessório, baseava-se nas regras impostas pela religião.
Concomitantemente, ao argumento de manter o poder financeiro da
família, para legitimar o tratamento desigual de seus pares.
Fundada numa perspectiva religiosa e, na concentração de bens, o
primitivo direito sucessório não possuía argumentos capazes de reduzir sequer o
grau de parentesco dos familiares com direito a herança.
Na lição de Washington de Barros Monteiro102, sobre a vetustez do antigo
direito sucessório, extrai-se a mudança através do Código de Napoleão, artigo
755, quanto à limitação até o 12° grau. O que já representava um avanço.
Continua o autor afirmando, que o Código Italiano de 1865, reduziu para
no máximo 10° grau de parentesco, consoante artigo 742.
Daí para frente, os Códigos da România, Bélgica e Países Escandinavos,
retraíram o grau de parentesco para o 4° grau, sendo que a Rússia foi mais além
reduzindo para o 3° grau.
O Código Civil/02, preceitua que serão chamados a suceder nos casos
previstos em Lei, os colaterais até o 4° grau considerando o desejo tácito do
falecido que prevalece em aquinhoar seus parentes mais próximos.
São relações de afeto, construídas durante toda uma existência. Sobre o
tema discorre Bonfante103: “[...] a sucessão dos colaterais constitui anacronismo,
que se não mantém senão por puro espírito de conservação”.
No dizer do autor supracitado, bom seria se não houvesse distribuição dos
bens do hereditando aos colaterais. O que já ensejaria um eminente progresso.
Questão importante diz respeito às várias correntes que influenciaram
diretamente na construção Legislativa do direito sucessório contemporâneo.
Na obra de Washington de Barros Monteiro104, verifica-se fortemente a
influência daquilo que resultou do embate entre o direito romano e o antigo direito
germânico, que aliado ao direito canônico, formaram o direito sucessório pátrio.
Traço marcante do direito romano, diz respeito a total e irrestrita liberdade
de testar, que segundo o autor demonstravam o individualismo romano.
100
COULANGES, Fustel de, DENIS Numa. A cidade antiga.1975, p. 59.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 5.
102
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p. 3.
103
BONFANTE, apud, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil.1999, p. 4.
104
BONFANTE, apud, MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil.1999, p. 4.
101
31
Sob a ótica do direito germânico, não poderia haver sucessão
testamentária. Esta corrente sustentava que os bens só poderiam ser transferidos
àqueles que possuíssem o mesmo sangue. Segundo Arnoldo Wald:
É o que aconteceu em certas tribos germânicas, em que imperava a
idéia do patrimônio de família, só podendo ser herdeiros os membros da
mesma família, e se reservando aos terceiros apenas a possibilidade de
105
receber legados .
Nesta concepção privilegiava-se a família, no qual somente seria herdeiro
aquele que continha vínculo de sangue, afirmando que, “Deus facere potest
heredes non homo”106.
Da junção das idéias controvertidas, dessas correntes, Washington de
Barros Monteiro, assevera:
Da luta entre as duas mentalidades resultou afinal sua fusão, de modo
que o direito sucessório contemporâneo se acha igualmente
impregnados por ambas as concepções: os parentes, herdeiros pelo
sangue, são os sucessores legítimos, se não houver testamento, ou se
107
este não prevalecer .
No direito canônico, surgiu o instituto da representação, no caso de o
herdeiro não conseguir se aquinhoar da herança (pelo evento morte), por
exemplo, seu sucessor o representaria.
Como escrito no primeiro capítulo, o direito pátrio absorveu muito do direito
lusitano, motivo pelo qual, sempre teve uma influência muito significativa de
preceitos religiosos advindos do catolicismo em relação a esses laços de
parentesco e a necessidade de se configurarem por meio de um matrimônio
devidamente sacramentado pela Igreja e pela legislação.
Ademais, reitera-se que o direito sucessório pátrio, comporta as duas
formas de transmissão de bens causa mortis.
Andou bem o Legislador em admitir as duas espécies de sucessões, a
Legítima e a Testamentária. Mas, isso é assunto para as próximas linhas.
2.3 ESPÉCIE DE SUCESSÃO: LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA
105
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 13.
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 13.
107
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p. 4.
106
32
Vale lembrar, como dito anteriormente, que Washington de Barros
Monteiro108, entende que a junção do direito romano com o germânico, compõe o
atual direito das sucessões.
Entende-se por sucessão legítima aquela proveniente da Lei, nas situações
em que o de cujus por alguma razão optou por não testar109.
Em contrapartida, tem-se a sucessão testamentária, que decorre de ato
unilateral e que manifesta a vontade do defunto, em distribuir seus bens, móveis e
imóveis, como assim o desejar110.
Assim, numa mesma sucessão deverão ser respeitados simultaneamente o
interesse e vontade manifesta do testador, e os interesses sociais que protegem a
família de ficar sem o seu progenitor e a margem de parte de seus bens, ou de
sua universalidade111, manifestados por meio do disciplinamento existente na
codificação civil acerca da sucessão legítima.
Ao reconhecer a faculdade de testar, a Lei possibilita ao testador a
manifestação de última vontade.
Representa o desejo, de aquinhoar certos parentes, ou certas pessoas
com parte de seus bens. Nesse sentido, Sílvio Rodrigues assevera:
Assim, falecendo uma pessoa com testamento que não abranja todos os
seus bens, a parte de seu patrimônio não referida no ato de última
112
vontade passa a seus herdeiros legítimos .
Desta feita, está assegurada a liberdade de testar, sendo respeitada a
sucessão legítima e os sucessores indicados por lei.
No intuito de atribuir melhor didática, transcreve-se trecho da obra de
Arnoldo Wald113, que estabelece a atual ordem sucessória legal: “(a)
descendentes, cônjuge e/ou companheiro; b) ascendentes, cônjuge e/ou
companheiro; c) cônjuge e/ou companheiro; e d) colaterais até o 4.° grau”.
108
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 1999, p. 4.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 16.
110
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 16.
111
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007. p. 14.
112
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 17.
113
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007. p. 14.
109
33
A legítima, portanto, é o instituto que visa proteger os interesses sócioeconômicos da família, entendida como objeto nuclear do direito sucessório.
Note-se, que o cônjuge no Código Civil/02, faz parte do rol dos herdeiros
necessários, concorrendo com descendentes e ascendentes na divisão da
legítima114, como a seguir, no item 2.5 será explanado.
Para alguns doutrinadores, a inserção do cônjuge no rol dos herdeiros
necessários, significa maior intervenção Estatal no poder de testar, do de cujus.
Mister, que na sucessão legítima não há manifestação de vontade do
defunto. É a própria Lei que determina as pessoas que por direito, devem receber
no mínimo metade de todo patrimônio do falecido115.
Sendo a sucessão legítima imposta pela Lei, significa dizer que esta ocorre
nos casos de não haver testamento, ou quando esse caducar ou for julgado nulo.
Situação que deflagra a ausência de disposição de última vontade116.
Sem a intenção de esgotar o assunto, discorreu-se brevemente sobre as
espécies de sucessão admitidas pelo direito pátrio. As próximas linhas dedicar-seão, ao estudo da sucessão e seus efeitos.
2.4 SUCESSÃO A TÍTULO UNIVERSAL E A TÍTULO SINGULAR
Além de classificada em sucessão legítima e testamentária, faz-se
necessário verificar outra categorização possível.
Trata-se da sucessão a título universal e a título singular. A primeira
importa em transmissão de bens do falecido na sua totalidade, ou em quota parte
de seu patrimônio, seja essa transmissão oriunda na sucessão legítima, seja esta
na testamentária.
Assim, é sucessor a título universal tanto aquele que herdou uma
universitas iuris, como aquele que se amealhou de um terço, ou da quarta parte,
ou ainda de alguns bens situados em país estrangeiro117.
114
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007. p. 14.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil.2007. p. 16.
116
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 17.
117
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 17.
115
34
No dizer de Arnoldo Wald118, a sucessão se dá “[...] a título universal
quando se transfere ao sucessor a totalidade do patrimônio do de cujus ou uma
fração determinada dele [...]”.
Complementa o autor, afirmando que a transferência do patrimônio do
defunto, enseja transferência do ativo e do passivo, operando assim, a
substituição do de cujus.
Faltou dizer, que não existe hipótese de sucessão universal como ato inter
vivos. Esta decorre somente com o evento morte. Diferentemente, da sucessão a
título singular, que ocorre tanto com o falecimento, como através do ato inter
vivos119.
O direito sucessório brasileiro, ao regulamentar a transferência dos direitos
e obrigações do falecido, confere especial proteção aos contratantes, que não
encontram óbice legal, em formalizar contratos futuros.
Importa saber, que na sucessão a título singular, o sucessor não recebe
todo o patrimônio, nem a terça parte, ou a quarta parte como ocorre na sucessão
universal. Receberá, bem determinado, especificado120.
O bem determinado poderia ser, por exemplo, um terreno, mesmo que
distante. Um apartamento ou automóvel, ações de uma companhia, entre outros.
Nesta sucessão singular preenchidos os caracteres fundamentais da
categoria, ter-se-á o legado. Sobre legado, Sílvio de Salvo Venosa, apresenta
importante contribuição:
O legado é uma deixa testamentária determinada dentro do acervo
transmitido pelo autor da herança: um anel ou as jóias da herança; um
terreno ou um numero determinado de lotes; as ações de companhias,
121
ou as ações de determinada companhia .
Mister, relatar que aquele que é chamado a suceder de forma universal, é
herdeiro de uma universalidade, ou de parte dela, sendo denominado herdeiro
118
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 2.
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 3.
120
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 3.
121
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil : direito das sucessões. 6. ed. 2. reimpressão - São
Paulo: Atlas, 2006, (Coleção direito civil). p. 247.
119
35
legítimo ou herdeiro testamentário, enquanto que, quem sucede a título singular
legatário é, de bem individuado e destacado da herança122.
É herdeiro tanto aquele que recebe a totalidade dos bens do de cujus,
como quem recebe parte dessa universalidade. Assim como, fica o herdeiro
responsável pelo passivo, na justa medida que lhe coube na herança123.
Deste modo, o herdeiro que é agraciado com a terça parte da fortuna,
também será na mesma proporção responsável pelo passivo do falecido.
Ressalvas devem ser feitas quanto à transmissão de uma universalidade
de herança, pois estas não alcançam aquelas relações jurídicas de caráter intuito
personae.
No entanto, há casos como o do usufruto, que não passa da pessoa do
usufrutuário, do fideicomisso, que remete a propriedade ao fideicomissário. Dos
contratos de caráter personalíssimo como do profissional liberal, do artista que
não mais poderá honrar com seu compromisso124.
A própria natureza contratual (intuito personae), impede a sua transferência
aos herdeiros.
Demonstrada, a importância para o direito sucessório da diferenciação ente
a sucessão a título universal e a título singular, faz-se necessário um estudo
sobre as espécies de sucessores, que justificam as próximas linhas.
2.5 ESPÉCIE DE SUCESSORES
São sucessores do de cujus, o herdeiro e o legatário. Por herdeiro
compreende-se o legítimo e o testamentário. O herdeiro legítimo, conforme o caso
pode ser classificado como necessário ou facultativo125.
Como a própria nomenclatura indica, são herdeiros legítimos, os
designados no artigo 1.829 do atual diploma, assim como em regra especial do
artigo 1.790126.
122
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 19.
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 4.
124
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 7.
125
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil, volume 6: direito das sucessões /
Francisco José Cahali, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; [coordenação Everaldo
Augusto Cambler]. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 56.
126
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil. 2003, p. 56.
123
36
Diferentemente dos herdeiros legítimos, os testamentários, decorrem de
ato deliberado de última vontade do de cujus.
Nada impede que o herdeiro testamentário receba também parte da
legítima. Isto, porquê, pode o finado optar por agraciar um pouco mais um parente
em detrimento de outro. No dizer de José Francisco Cahali:
[...] (v.g., dentre os parentes colaterais do mesmo grau, o testador
estabelece que um deles receberá, por herança, 30% do patrimônio, sem
prejuízo do quinhão a que tem direito na concorrência com os demais
herdeiros da mesma classe). Nestas condições sucede o instituído como
herdeiro testamentário (30%) e como herdeiro legitimo, na proporção do
127
seu quinhão .
Com efeito, a lei oferece a opção ao testador de afortunar aquele que
durante sua existência lhe foi mais prestativo, mais atencioso, ou que no seu
entender, tem mais dificuldades financeiras.
O artigo 1.845, do Código Civil/02, elege os descendentes, ascendentes e
cônjuges, como herdeiros necessários, conforme a ordem de vocação hereditária.
Quanto aos descendentes e ascendentes, vale anotar que não possuem
restrição de grau. Herdam tanto os filhos, netos, bisnetos, como os pais, avós e
bisavós128.
Importa neste momento, assegurar que herdeiro facultativo, como a própria
nomenclatura indica, pode ser excluído da herança. Segundo o artigo 1850 do
atual diploma, basta o testador dispor de todos os seus bens sem os contemplar.
O Código de 1.916 restringiu o cônjuge de ser protegido pela Lei, na
qualidade de herdeiro necessário, impondo-lhe o caráter facultativo.
Entendia o Legislador a época, que a meação já seria suficiente para a sua
manutenção129.
O herdeiro legítimo e necessário é aquele que recebe especial proteção do
Estado, diante da impossibilidade do falecido de dispor da totalidade do seu
patrimônio.
Em outras palavras, a metade dos bens do de cujus, por expressa
disposição legislativa, não pode ser objeto de ferramenta para punir alguém.
127
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil. 2003, p. 57.
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil. 2003, p. 57.
129
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.150.
128
37
Não fosse esse o tratamento atribuído pela Lei, facilmente ocorreriam
deixas testamentárias em favor de desconhecidos, para não favorecer aquele que
em vida possuísse alguma animosidade para com o defunto. Nesse sentido
discorre Sílvio de Salvo Venosa:
Como mais de uma vez aduzimos, o testamento é instrumento que serve
para levar após a morte do disponente tanto o amor como o ódio; tanto o
130
reconhecimento como o desprezo .
Esta restrição na liberdade de testar motivada pela legítima, que
representa 50% de todo o patrimônio do hereditando, em favor dos herdeiros
necessários,
favorece
os
familiares
mais
próximos,
fortalecendo-os
economicamente.
Andou bem o legislador pátrio, em proteger o objeto nuclear do direito
sucessório, qual seja, a família.
Consta ainda, que nos casos que não houver divisão da herança, ou seja,
não havendo parentes outros do de cujus, aquele que herdar, o faz na condição
de herdeiro universal131. Deste modo, não haverá partilha, mas sim adjudicação.
Após breve explanação sobre as espécies de sucessores, tem-se como
imperativo, abordar no próximo tópico, o cálculo da legítima.
2.6 PORÇÃO LEGÍTIMA: CÁLCULO
Longo foi o caminho percorrido na história para se chegar ao que hoje se
denomina de porção legítima.
No Direito Romano consistia a liberdade quase irrestrita de testar pelo
pater famílias. Posteriormente, na fase de Justiniano, foram criados à época
mecanismos de proteção contra os abusos cometidos pelo testador.
Na contramão surgiu o Direito Germânico, que fazia prevalecer à entidade
familiar como herdeira. No período das Ordenações, já havia restrições quanto à
parte disponível, reservando dois terços aos herdeiros necessários132.
130
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.150.
CAHALI, Francisco José. Curso avançado de direito civil, volume 6 : direito das sucessões /
Francisco José Cahali, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; [coordenação Everaldo
Augusto Cambler]. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 56.
132
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.150.
131
38
Todavia, com o advento do Decreto n° 1.839, de 31 de dezembro de
133
1.907
, muito conhecida como Lei Feliciano Penna, passou-se a respeitar a
divisão do patrimônio do de cujus, em 50% destinado à legítima, e outros 50%
referente à quota disponível, situação mantida pelo Código de 1.916134.
Diante de tais fatos, tornou evidente que no decorrer da cada momento
histórico, o homem buscou mecanismos hábeis e justos, configurando o seu
desejo de proteger sua prole.
Com efeito, ao limitar o ato de testar, o Estado alcançou um equilíbrio
necessário e eqüitativo.
Por um lado, cumpre a vontade do testador que pode usufruir a quota parte
disponível para agraciar quem bem entender, por outro, garante aos familiares
uma situação econômica mais favorável.
Importa saber se existe a figura do herdeiro necessário, e, se em caso
positivo, a legítima deve ser individuada da quota disponível135.
Questão de suma importância, refere-se à meação. Dependendo o regime
de bens convencionado, retira-se a meação do cômputo, já que essa não se
confunde com herança136.
Desta forma, cumpre-se o dispositivo legal, sendo objeto da herança
somente o patrimônio do defunto, não fazendo parte deste acervo os bens que se
mantinha em condomínio com o cônjuge.
Feitas essas considerações iniciais, registra-se que a herança não deve
ser dividida no seu estado bruto. Dela, subtrai-se as dívidas e as despesas de
funeral do defunto137, assim como, se opera a dedução referente à meação.
Nos casos em que houver doação em vida, dependendo a situação, estas
devem ser colacionadas. Corroborando com a tese, Sílvio de Salvo Venosa
comenta:
133
BRASIL. DECRETO N. 1.839 ¿ DE 31 DE DEZEMBRO DE 1907. Regula o deferimento da
herança no caso da successão ab intestato. Disponível em:
<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=58709>. Acesso em: 31 maio
2009.
134
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.151.
135
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 124.
136
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 124.
137
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 124.
39
O valor dos bens sujeitos a colação, [...] refere-se a adiantamento da
herança em vida por doação, quando não houve dispensa de colação,
138
[...] .
Neste caso, a doação será efetivamente somada à legítima, e
posteriormente abatida do quinhão do herdeiro que a recebeu como
adiantamento.
Entretanto, como bem adianta o autor supracitado, a doação pode incidir
da parte disponível, e não da legítima. Neste caso, se dará a subtração do
quinhão disponível e, portanto, não há que se falar em colação.
2.7 CLAUSULAÇÃO DA LEGÍTIMA
Questão controvertida no direito pátrio refere-se justamente ao poder do
testador de impor cláusulas restritivas de direitos, sobre os bens que compõe a
legítima.
No direito antigo, o testador possuía amparo legal para dificultar a
aquisição do direito à propriedade pelos herdeiros necessários. Sobre o assunto,
Sílvio Rodrigues, assevera:
Com efeito, de acordo com esse preceito, podia o testador: a) determinar
a conversão da legítima em outros bens; b) prescrever a cláusula de
incomunicabilidade; c) confiar os bens à administração da mulher
herdeira; d) estabelecer condições de inalienabilidade temporária ou
139
vitalícia .
Visivelmente, antagônica aos preceitos jurídicos atuais, o Decreto n°
1.839/1.907, intitulado Lei Feliciano Penna, evidenciou um duro golpe aos
herdeiros necessários que sofreram com a iniqüidade do texto legislativo.
Nestes tempos, estar na qualidade de herdeiro necessário, que tem por
prerrogativa, assumir o domínio sobre o bem e, dispor dele como melhor
entender, não passava de mera ficção jurídica.
Num contraponto, no inverso da evolução jurídica, essa Lei conseguiu
destruir o que antes funcionava muito bem. Pois, não havia restrição alguma em
relação aos bens reservados aos herdeiros necessários.
138
139
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.150.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 126.
40
Embora não faltasse o desejo da doutrina dominante em ver abolida do
direito pátrio a possibilidade de clausulação da legítima, o artigo 1.848 do Código
Civil/02, a manteve com ressalvas, verbis:
Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não
pode
o
testador
estabelecer
cláusula
de
inalienabilidade,
impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
o
§ 1 Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da
legítima em outros de espécie diversa.
o
§ 2 Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser
alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens,
140
que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros .
Denota-se, que diferentemente do artigo 1.723 do vetusto Código, o
parágrafo primeiro supracitado, proíbe conversão dos bens em outros de espécie
diversa.
O argumento mais utilizado por aqueles que defendem a clausulação da
legítima, diz respeito ao receio do testador, em ver seu patrimônio dilapidado,
pondo em risco a própria subsistência do herdeiro como a de sua família. Com
referência a cláusula de incomunicabilidade, temia o testador que um casamento
mal arranjado poderia diminuir o patrimônio da família141.
Em contraposição a esse argumento, a doutrina sustenta as dificuldades
econômicas advindas dessa constrição, e de sua repercussão negativa para a
Sociedade.
Contudo, prevalece no atual diploma codificador, através do artigo
transcrito, a exigência da justa causa expressa no testamento, caso contrário, não
há que se falar em constrição de direitos quanto à legítima.
Sílvio Rodrigues142, já previa grandes dificuldades em se sustentar uma
tese de clausulação.
De fato, razão lhe assiste, pois sob qual alegação se apoiaria o testador
em constranger a legítima de seus herdeiros. Tarefa fácil não deveria ser. No
entanto, a Lei dispõe dessa possibilidade.
140
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em 10 maio 2009.
141
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p. 155.
142
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 126.
41
Bem lembra Sílvio da Salvo Venosa143, que da quota disponível o testador
pode impor a restrição que lhe pareça razoável, e usar de qualquer das cláusulas
existentes.
Nem poderia ser diferente, já que o que se discute é a total
incompatibilidade com o atual momento histórico, de restrição da legítima aos
herdeiros necessários.
Todavia, mesmo que a clausulação recaia sobre a quota parte disponível,
ainda assim, haveria obstrução econômica, entraves e discussões jurídicas
intermináveis, assim como, prejuízos imensos para a coletividade.
Objetivando maior didática, com foco voltado ao aprendizado, far-se-á a
apresentação de cada cláusula através de alíneas.
a) para Sílvio de Salvo Venosa, a cláusula da incomunicabilidade, visa
proteger o herdeiro necessário, de enlace matrimonial desastroso. Ocorre que,
durante a elaboração do testamento, o dono legítimo daquele patrimônio,
conhecendo das fraquezas de seus entes queridos e, temerário quanto ao círculo
de relacionamento dos seus sucessores, opta, por gravar o bem e afastando
qualquer hipótese de confusão de bens, independente do regime adotado no
casamento144;
b) com relação à cláusula da impenhorabilidade, que se pode ser instituída
por expressa menção em testamento, importa em riscos para a atividade
econômica produtiva, ficando o credor em posição de extrema inferioridade.
Assevera Sílvio Rodrigues, que se o testador tomar a precaução de estender a
impenhorabilidade aos frutos e rendimentos obtidos dos bens gravados, tornar-seia, inaplicável o artigo 650, inciso I, do Código de Processo Civil145, que prevê a
penhora dos frutos e rendimentos do bem inalienável, na falta de outros que
guarneçam a dívida, salvo exceções referentes a alimentos de incapazes, bem
como de mulher viúva, solteira, desquitada, ou de pessoas idosas146;
143
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.156.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.161.
145
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de
Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em:
11 maio 2009.
146
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 128.
144
42
c) diante da possibilidade de gravar seu patrimônio com a cláusula de
inalienabilidade temporária ou vitalícia, algumas pessoas buscam proteger seus
sucessores de possíveis prejuízos irreversíveis, ocasionados na maioria das
vezes pela imprudência e falta de experiência econômica em relação aos bens
herdados147. Realmente, acolhe-se a idéia do doutrinador, no sentido de que, não
raras vezes, tem-se por todo canto notícias de famílias tradicionais que num
passado nem tão distante, detiveram grande concentração de riqueza, mas que
por um desses infortúnios da vida, seus filhos aniquilaram com toda a fortuna.
Para Sílvio de Salvo Venosa148, “O que ocorre é uma mutilação ao direito
de propriedade, que perde o poder de dispor”.
De fato, a clausulação da legítima dos herdeiros necessários, pode ocorrer
por insegurança do testador em relação à habilidade econômica de seus
herdeiros, ou talvez, seja uma espécie de censura.
Todavia, a conseqüência desta medida de caráter constritivo de direito,
sobre o domínio do bem, tem repercussão negativa na vida do herdeiro, assim
como, para a economia em geral.
Existem mecanismos legais na economia que incentivam a livre circulação
de bens e mercadorias, o que demonstra a contrariedade do instituto frente aos
anseios de toda uma comunidade149.
Mister, alertar para o fato de que a cláusula de inalienabilidade não passa
da pessoa do herdeiro e, conseqüentemente não se perpetua no tempo.
Ademais, da leitura do artigo 1.911, caput, do atual diploma, presumi-se
expressamente a afetação das demais cláusulas, quando por ato deliberado o
testador impor clausulação de inalienabilidade.
Feitas as considerações em relação à sucessão em geral, partindo de uma
evolução histórica, explorando vários tópicos sobre suas especificidades, importa
neste momento, o aprofundamento do terceiro capítulo, onde serão abordadas
questões sobre a sucessão dos companheiros, cônjuges e suas particularidades.
147
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 129.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006, p.161.
149
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 128.
149
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 129.
148
43
44
CAPITULO 3
3 COMPANHEIRO: SUCESSÃO E DIREITOS DECORRENTES
3.1 DIREITO SUCESSÓRIO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO
Sendo o Código Civil/02 norma infraconstitucional, tem como prerrogativa a
função de regulamentar direitos e obrigações, sempre em consonância com a
Carta Política vigente.
Considerando tal afirmativa, partir-se-á da premissa de que nenhuma Lei
infraconstitucional, poderá ir contra a “Ordem Mandamental”, sob pena de ser
interpretada como norma inconstitucional.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, estabelece
norma imperativa, no artigo 226, § 3°, verbis:
Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
150
conversão em casamento .
Como já demonstrado anteriormente esse é o sentido da norma, o de
promover a união de um casal, composto por um homem e uma mulher, e de
facilitar sua conversão em casamento.
Buscando ainda, uma interpretação mais extensiva, invocar-se-á o artigo 1°
caput e inciso III, da Carta Política, o qual dispõe:
A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – [...]
II – [...]
III – a dignidade da pessoa humana
150
151
.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 17 maio 2009.
45
Sem dúvida, que o que se procura proteger é a dignidade da pessoa
humana, como um dos pressupostos de um Estado Democrático de Direito.
Afinal, quem ousaria em discordar que o reconhecimento do direito
sucessório ao convivente nas mesmas proporções da união matrimonializada, é a
materialização da proteção da dignidade da pessoa humana.
Justamente em contraposição do que preceitua a norma fundamental,
encontra-se o artigo 1.790, e incisos do Código Civil/02. Ana Luiza Maia Nevares,
tece seu comentário:
Analisando isoladamente o art. 1.790 do Código Civil de 2002, constatase que, neste diploma legal, a sucessão dos companheiros é regulada
de forma precária e inadequada, ensejando situações anacrônicas e
injustas, em manifesto desrespeito à proteção estabelecida pela
Constituição da República Federativa do Brasil à união estável
152
(CRFB/88, art. 226, § 3°) .
Ainda segundo a autora, a questão deve ser interpretada de forma mais
abrangente possível, levando em consideração os demais artigos do Código
Civil/02, em obediência à regra Constitucional.
Entretanto, há divergência entre a doutrina e a jurisprudência, sobre esse
aspecto. Principalmente na regra contida no artigo que rompe com antigos
paradigmas sociais, como o já aludido artigo 226, § 3°, da Lei Maior, o qual retira
da obscuridade o concubinato puro, as relações oriundas de uma união livre.
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, se filia a corrente que defende a
primazia da união matrimonializada sobre qualquer outra. Assim, segue seu
ensinamento:
Outro aspecto implícito na norma contida no dispositivo constitucional
ora comentado é o da prevalência do casamento sobre o
companheirismo, pois do contrário estar-se-ia desestimulando a
conversão previstas na Constituição Federal. Ou seja, a Constituição
Federal fez uma opção clara: o casamento ainda é (e, diga-se en
passant, com razão) a espécie de família hierarquicamente superior às
demais quanto á outorga de vantagens para os partícipes, em suas
relações internas (efeitos intrínsecos da união matrimonial), caso
contrário haveria a equiparação entre os dois institutos formadores da
família através da união sexual entre o homem e a mulher. Assim, o
151
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 17 maio 2009.
152
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. Cachoeiro de Itapemirim: Gracal, 2005. p. 47.
46
legislador infraconstitucional não pode reconhecer direitos aos
companheiros que, simultaneamente, não sejam reconhecidos aos
cônjuges. Do mesmo modo, os benefícios reconhecidos aos cônjuges
não podem ser outorgados em maior extensão aos companheiros, sob
pena de inconstitucionalidade do ato legislativo, executivo, administrativo
ou judicial. No entanto, tal aspecto em nada altera a eficácia plena e a
aplicabilidade imediata da norma constitucional a respeito do aspecto de
proteção que o Estado deve ministrar a toda e qualquer espécie de
153
família, e não mais apenas àquela formada pelo casamento .
De certa forma, não é de todo equivocada sua afirmativa. No entanto,
diante das aspirações sociais que inauguram o novo milênio, existe uma
premente necessidade de regras menos hostis em relação à união estável.
Mister, neste momento, trazer à baila Acórdão extraído do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que sustenta a ideia do doutrinador, e que
atribui preferência da união matrimonializada em detrimento da união estável:
Agravo de Instrumento. Direito de família e das sucessões. Direitos da
companheira na sucessão do ex-companheiro. Aplicação do artigo 1790,
III, do Código Civil. Existência de outros parentes sucessíveis, quais
sejam, os colaterais. Argüição incidental de inconstitucionalidade do
artigo 1790, sob o argumento de tratamento desigual entre união estável
e casamento. Improcedência. O par. 3. do artigo 226 da Constituição
Federal apenas determina que a união estável entre o homem e a
mulher é reconhecida, para efeito de proteção do Estado, como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento, o que
evidencia que casamento e união estável são conceitos e realidades
jurídicas distintas, razão pela qual não constitui afronta à constituição o
tratamento dado ao companheiro na nova legislação civilista. Limitação
do tempo da união estável. Se os companheiros declararam em escritura
pública que viviam maritalmente "há mais de vinte anos consecutivos",
cabe ao julgador, em nome da prudência e razoabilidade, considerar
como indiscutível o período de vinte anos, cabendo à interessada a
prova do inicio do tempo real de convivência, o que não ocorreu.
Desprovimento do recurso. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, 8ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento nº 2004.002.16474,
154
Rel. Des. Odete Knaack de Souza, acórdão de 19.04.2005 .
Com base no referido Acórdão, o relator optou por conhecer da
Constitucionalidade do artigo 1.790, afirmando que o espírito do legislador de
1.988, foi o de facilitar a conversão da união estável em casamento, o que para
153
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Companheirismo: uma espécie de família. 2 ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 88.
154
RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 8ª Câmara Cível, Agravo
de Instrumento n° 2004.002.16474, Rel. Des. Odete Knaack de Souza, acórdão de 19.04.2005.
Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 26 abril 2009.
47
ele evidencia realidades jurídicas distintas, não ocorrendo assim, afronta ao
tratamento destinado pelo novo Código quanto aos companheiros.
Naturalmente, que as incongruências do artigo 1.790, e incisos, do atual
diploma codificador, permitem decisões jurisprudênciais nos dois sentidos,
dependendo da interpretação dada pelo aplicador da norma no caso concreto.
A
contrário
sensu,
colaciona-se
jurisprudência
que
preconiza
a
inconstitucionalidade do artigo supracitado. Assim, dispõe o aludido Acórdão:
Ementa: agravo de instrumento. Inventário. Companheiro sobrevivente.
Direito à totalidade da herança. Colaterais. Exclusão do processo.
Cabimento. Inconstitucionalidade artigo 1.790, inciso iii do código civil. A
decisão agravada está correta. No caso, apenas o companheiro
sobrevivente tem direito sucessório, não havendo razão para os parentes
colaterais permanecerem no inventário. As regras sucessórias previstas
para a sucessão entre companheiros no novo código civil são
inconstitucionais. Isso porque a nova lei substantiva - artigo 1.790, inciso
iii do código civil - rebaixou o status hereditário do companheiro
sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite. Violação dos princípios
fundamentais da igualdade e da dignidade. Diante do reconhecimento da
inconstitucionalidade da lei acima citada, deve o incidente de
inconstitucionalidade ser apreciado pelo tribunal pleno desta corte de
justiça, mediante seu órgão especial, nos termos do artigo 97 da
constituição federal, artigo 481 e seguintes do código de processo civil e
artigo 209 do ritjrgs. Incidente de inconstitucionalidade suscitado. Agravo
de instrumento nº 70027138007, oitava câmara cível, tribunal de justiça
do rs, relator vencido: claudir fidelis faccenda, redator para acordão: rui
155
portanova, julgado em 18/12/2008 .
Neste caso, o voto vencido do Relator, estampou a tendência daquele
Tribunal, em reconhecer a inconstitucionalidade do referido artigo, afastando por
completo qualquer hipótese de cabimento do companheiro supérstite vir a
concorrer com parentes outros do finado.
Restou evidente, a inconformidade da Turma perante a violação dos
princípios fundamentais da igualdade e da dignidade, que de forma alguma
coadunam com o espírito do legislador da Constituição da República Federativa
do Brasil de 1.988.
Inegavelmente, que mesmo diante de todas as imprecisões jurídicas do
artigo 1.790, ainda assim, representa um avanço em comparação com as Leis
8.971 de 29 de dezembro de 1994 e, 9.278 de 10 de maio de 1996,
155
RIO GRANDE SO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de
Instrumento Nº 70027138007, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido:
Claudir Fidelis Faccenda, Redator para Acordão: Rui Portanova, Julgado em 18/12/2008.
Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 26 abril 2009.
48
principalmente quanto aos casos de concorrência em propriedade plena com
descendentes e ascendentes156.
Caprichosamente o Código Civil/02, não reconheceu o direito sucessório
do convivente explicitamente, devendo o interprete da norma deduzir da leitura do
artigo 1.845, que não incluiu o companheiro no rol dos herdeiros necessários,
uma contraposição ao artigo 1.850 que por sua vez não o excluiu da sucessão157.
A partir de então, o aplicador da norma deverá sistematicamente interpretar
tais dispositivos, consubstanciado ao que preceitua o artigo 226, § 3°, para
reconhecer o direito sucessório do companheiro sobrevivente.
Outra questão que visivelmente se contrapõe ao princípio da isonomia, diz
respeito ao direito sucessório do companheiro sobrevivente, que somente terá a
chance de herdar, sobre os bens que foram adquiridos onerosamente na vigência
da união estável.
Isso significa, que dependendo do caso concreto, o convivente nada
herdará, ainda que tenha dedicado boa parte de sua vida ao outro, seja
trabalhando, e assim contribuindo de forma direta para o bem estar familiar, ou
ainda, cuidando dos afazeres domésticos e de sua prole.
Assim, seja lá qual for à forma de contribuição, o que importa para o direito,
é que de alguma maneira o companheiro sobrevivente cooperou para a
manutenção da entidade familiar e que dependendo do caso nada receberá.
Em situações adversas, onde grande parte da Sociedade sobrevive com
muito pouco, para dizer o mínimo, não são raras as circunstâncias desastrosas
que essa regra impõe ao companheiro.
Entretanto, quanto ao regime de bens dos companheiros houve grave
retrocesso em comparação com as Leis 8.971/94 e 9.278/96.
O legislador hesitou em conferir os mesmos direitos atribuídos aos
cônjuges, em relação aos companheiros. Nesse sentido, segue comentário Ana
Luiza Maia Nevares:
Sem dúvida essa restrição, ausente na sucessão do cônjuge, constitui
uma discriminação injustificável. O legislador confundiu esforço comum e
156
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 48.
157
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002.Revista do direito. p. 48.
49
sucessão. O primeiro é indispensável para a partilha do patrimônio
amealhado em vida pelos consortes, o mesmo não podendo ser dito
quanto à sucessão, que deve incidir na totalidade do patrimônio do
158
falecido .
Mas não é isso que acontece com relação à sucessão do companheiro
supérstite, pois somente herdará aqueles bens referidos no caput do artigo 1.790,
ou seja, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável,
ensejando visível discriminação.
Quanto ao tratamento discriminatório do legislador em relação ao
companheiro, não se pode deixar de abordar as incoerências maléficas e sem
justificativas quanto à fixação de cotas entre o companheiro e os casos descritos
nos incisos do artigo 1.790, do Código Civil/02. Ana Luiza Maia Nevares, tece seu
comentário sobre a questão em epígrafe:
Determinar que, na hipótese de concorrência do companheiro supérstite
com os descendentes apenas do autor da herança aquele receba
metade do quinhão destes, sem nenhuma razão justificável, é considerar
o vínculo que une os que vivem em união estável em condição de
inferioridade em relação ao vínculo de consaguinidade, posicionamento
incompatível com o dever de solidariedade que informa as relações
159
familiares e a valorização do elemento afetivo nas mesmas .
De fato, diante do caso concreto, além de constrangedor parece ser
“bizarra” a situação do companheiro ante a situação fática.
Apenas, mais uma demonstração da enorme dívida do legislador
infraconstitucional, com as inúmeras famílias que optaram por essa forma de
união livre.
Não bastasse a hostilidade da Lei, em reconhecer os direitos sucessórios
dos companheiros, persiste a figura do colateral em concorrência com aquele.
Sobre o assunto, Zeno Veloso discorre:
Na sociedade contemporânea, já estão muito esgarçadas, quando não
extintas, as relações de afetividade entre parentes colaterais de 4° grau
(primos, tios-avós, sobrinhos-netos). [...] Sem dúvida neste ponto o C.C.
não foi feliz. A lei não está imitando a vida, nem se apresenta em
consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que
158
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 48.
159
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 48.
50
manteve a mais intima e completa relação com o falecido fique atrás de
160
parentes colaterais dele, na vocação hereditária .
Sendo assim, o inciso III, do artigo 1.790 do Código Civil/02, assegura que,
se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.
Este inciso, representa um enorme retrocesso diante da Lei 8.971/94, que
estabeleceu no artigo 2°, inciso III, que na falta de descendentes ou de
ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da
herança.
Veja que o atual diploma codificador, confeccionado em novo milênio,
impôs aos companheiros, o ônus de concorrer com os colaterais do defunto,
numa total discrepância legislativa com a referida norma editada no século
passado.
Com certeza, o direito sucessório do companheiro ou da companheira,
posto como está, fere o texto Constitucional que elevou a união estável à entidade
familiar, ordenando que seja facilitada sua conversão em casamento.
Nesse sentido, Zeno Veloso traz uma importante contribuição:
Se a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; se a
união estável é reconhecida como entidade familiar; se estão
praticamente equiparadas as famílias matrimonializadas e as famílias
que se criaram informalmente, com a convivência pública, continua e
duradoura entre o homem e a mulher, a discrepância entre a posição
sucessória do cônjuge supérstite e a do companheiro sobrevivente, além
de contrariar o sentimento e as aspirações sociais, fere e maltrata, na
161
letra e no espírito, os fundamentos constitucionais .
Por certo, que diante do ensinamento doutrinário, se acentua o traço
característico de uma norma mandamental fundada na proteção da dignidade da
pessoa humana.
Questiona-se, o real motivo que levou o legislador em diferenciar a regra
do direito sucessório do cônjuge diante do companheiro supérstite, no que se
refere à concorrência dos colaterais.
Ora, a falta de uma união matrimonializada não confere poderes especiais
ao legislador de minimizar outra forma de união.
160
VELOSO, Zeno, apud, HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao
código civil. 2007. p. 57-58.
161
VELOSO, Zeno, apud, HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao
código civil. 2007. p. 58.
51
Principalmente, interpretando de maneira equivocada os sentimentos que
permeiam esta relação de afeto, de carinho mútuo, constituída em prol da vida e
do amor.
Diante, de uma total discrepância entre a Lei e as aspirações sociais, é que
nossos Tribunais em sua maioria, têm decidido pela regra da analogia utilizada ao
cônjuge, como forma de suprir a lacuna existente no regramento da união
estável162.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, após breve estudo do tratamento
Constitucional que efetivamente alçou a união estável ao status de entidade
familiar, partir-se-á ao enfrentamento do direito sucessório do companheiro no
ordenamento jurídico pátrio.
3.2 O DIREITO SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO PÁTRIO
Incontestável, é a afirmativa de que o atual direito sucessório dos
companheiros, trouxe maior proteção e garantia ao instituto em comento.
O legislador infraconstitucional no desejo louvável de querer sedimentar
direitos já conquistados através de repertório jurisprudencial, elaborou Projeto de
Lei, donde nasceram as Leis 8.971 de 29 de dezembro de 1994, que trata dos
direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão, e, 9.278 de 10 de maio de
1996, que objetiva a regulamentação do artigo 226, § 3° da Constituição Federal.
Bem verdade, que parte da doutrina teceu e continua tecendo críticas aos
dois mandamentos legislativos supracitados.
Sílvio de Salvo Venosa163, compartilha do entendimento de que tais Leis,
provocam inúmeros questionamentos do ponto de vista jurídico.
Lembra o autor que a mais antiga, foi sancionada ao apagar das luzes, no
último dia de mandato do Presidente da República.
162
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 49.
163
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. direito das sucessões. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
116.
52
Com o advento do Código Civil/02, mais precisamente o artigo 1.790 e
incisos, temos a norma vigente que de forma “acanhada” e bastante “confusa”
dispõe sobre a sucessão dos companheiros.
Sobre a questão, Sílvio Rodrigues164 enfatiza e contempla como um dos
destaques positivos de uma lenta evolução jurídica, a possibilidade do
companheiro, participar da sucessão do outro.
Assevera o autor, que na segunda metade do século XX, de forma
inevitável, houve uma alteração substancial quanto a tratamento jurídico
dispensado àqueles que optaram por esta forma de união.
Inegável, que o Código Civil de 1916, optou por não reconhecer nenhuma
forma de união entre um homem e uma mulher, que não correspondesse a do
casamento, celebrado diante do império da “Lei e da Moral”.
Importante contribuição traz Arnoldo Wald165, ao explicar que por volta dos
anos sessenta, as “sanções” impostas aos casais formados por um homem e uma
mulher no intuito de constituir família, só foram afastadas diante do esforço
concentrado da doutrina e da jurisprudência.
Segue o autor, reiterando que a conseqüência desse esforço implicou no
reconhecimento de efeitos patrimoniais de uma até então sociedade de fato, que
comprovadamente se fundava numa coabitação, sem impedimentos para o
matrimônio.
Como já foi afirmado anteriormente, a Súmula 380 editada pelo Supremo
Tribunal Federal, em 03 de abril de 1964 exigia a comprovação da existência de
uma sociedade de fato entre os concubinos (concubinato puro), para daí então
conceder a dissolução judicial, e a respectiva partilha do patrimônio amealhado
com o esforço de ambos.
Nota-se, o grau de discricionariedade do legislador em estabelecer e
fomentar a desigualdade entre o companheiro e o cônjuge, quanto aos bens
amealhados durante a convivência.
Entretanto, diante de um “cochilo do legislador”, em alguns aspectos
pontuais, o companheiro ou companheira, alcançou maior proteção em relação ao
cônjuge.
164
165
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 116.
WALD, Arnoldo. O novo direito das sucessões. 2007, p. 90.
53
Isso, porque o artigo 1.611 do antigo Código (que possuía redação da Lei
n° 4.121/62), foi importado sem as ressalvas e limitações de dois parágrafos do
referido artigo, o que resultou especial tratamento, principalmente quanto ao
regime de bens166.
Importa saber, que não houve em nenhum momento, interesse das famílias
constituídas através da “união estável”, em receber tratamento diferenciado ou
além daquilo estipulado para os cônjuges. Sílvio Rodrigues, em sua obra
assevera:
Nem os maiores defensores do reconhecimento da união estável
ousaram pretender que a situação jurídica dos companheiros fosse
melhor do que a dos cônjuges, o que, além de não ser razoável, nem
167
conveniente, ou justo, fere a Constituição .
Durante muitas décadas, os lares/famílias desse País, propugnavam pelo
reconhecimento do Estado em lhes atribuir garantias semelhantes a dos
cônjuges. E, de forma alguma desejaram conquistar algo que não fosse justo ou
contra legem.
Por outro lado, o artigo 1.790 do Código Civil/02, ao limitar a sucessão do
companheiro sobrevivente, aos bens adquiridos de forma onerosa durante a
vigência da união estável, abriu caminho para graves injustiças, verbis:
Art. 1.790. A companheira ou companheiro participará da sucessão do
outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente
à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á
a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um
terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
168
herança .
166
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. direito das sucessões. 25 ed. atual. de acordo com novo
Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002, com colaboração de Zeno Veloso) – São Paulo: Saraiva
2002. p. 117.
167
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2002. p. 117.
168
SARAIVA, Vade Mecum. Código Civil de 2002. 2007, p. 308.
54
Da leitura do artigo acima transcrito, denota-se o surgimento de duas
massas de bens. Uma composta pelos bens adquiridos de forma onerosa durante
a constância da união estável, e outra formada pelos bens adquiridos por doação,
herança, fato eventual, que estarão sujeitos a regra do artigo 1.829 do atual
diploma codificador169.
Não bastasse às incongruências legislativas, a localização geográfica da
ordem mandamental, configura verdadeira temeridade do legislador perante a
sociedade, em reconhecer direitos hereditários aos conviventes170.
Sílvio Rodrigues, ao discorrer sobre o assunto tece sua crítica quanto às
vantagens conferidas aos companheiros em detrimento dos cônjuges, com ênfase
ao status sucessório daquele em relação a este, no Código Civil/02:
No entanto, ao regular o direito sucessório entre os companheiros, em
vez de fazer as adaptações e os consertos que a doutrina já propugnava,
especialmente nos pontos em que o companheiro sobrevivente ficava
numa situação mais vantajosa do que a viúva ou viúvo, o Código Civil
coloca os partícipes de união estável, na sucessão hereditária, numa
posição de estrema inferioridade, comparada com o novo status
171
sucessório dos cônjuges .
Evidente, que tal situação serve de válvula propulsora para as graves
injustiças e intermináveis discussões jurídicas. Ademais, a receita perfeita da
confusão legislativa se compõe, diante da situação onde poucos bens foram
amealhados.
Diante do caso concreto, o companheiro ou companheira que dedicou boa
parte de sua vida ao outro, seja nos afazeres domésticos criando sua prole, ou
trabalhando para manter a sobrevivência de sua família, corre o risco de se ver
em apuros economicamente. E, de fato é o que acontece.
Reitera-se, que mesmo nos casos onde um dos conviventes, deixe imensa
fortuna, bens que seguramente resguardariam qualquer pessoa dos infortúnios da
vida, ainda assim, se adquiridos anteriormente a união estável, nada lhe caberia.
Existem outras implicações não menos importantes deste desfecho. Caso
ocorra tal situação, os bens amealhados pelo defunto durante sua existência,
169
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 36.
170
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 2004. p. 124.
171
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2002. p. 117.
55
serão entregues a outros parentes sucessíveis. Na falta destes, o Estado através
do Município herdará todo o cômputo172.
O artigo 1.790, inciso I do Código Civil/02, prevê, que o convivente terá
direito à quota equivalente a do filho comum. Daqueles bens adquiridos de forma
onerosa durante a vigência da união estável.
O legislador demonstrando uma total falta de habilidade redacional, trata
filhos comuns no inciso I, diferentemente dos descendentes do autor da herança
no inciso II, do artigo em explanação. E, razão não lhe assiste. Ana Luiza Maia
Nevares, discorre sobre o assunto:
Outra exegese não seria possível, uma vez que a interpretação restritiva
do dispositivo em exame levaria à ausência de previsão legal para a
hipótese da concorrência do companheiro com os demais descendentes
173
comuns do de cujus, como os netos .
Todavia, a orientação doutrinária se dá no sentido de interpretar de forma
extensiva o inciso II do referido artigo.
O inciso II do artigo 1.790, dispõe que o companheiro ao concorrer com
descendentes só do autor da herança, terá direito a metade do que couber a cada
um daqueles descendentes174. De acordo com o caput do artigo, somente
daqueles bens adquiridos de forma onerosa na vigência da união estável.
Da inteligência do inciso III do artigo 1.790, observa-se que o convivente
herdará um terço da de toda massa de bens, em concorrência com outros
parentes sucessíveis do de cujus. Da mesma forma, somente daqueles bens
amealhados durante a vigência da união estável.
Vale notar, que há um visível retrocesso nesse ponto em relação à Lei
8.971/94. Assim descreve o artigo 2°, inciso III, verbis:
Art. 2.° As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão
do (a) companheiro (a) nas seguintes condições:
I – [...]
II – [...]
172
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 36.
173
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 37.
174
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2002. p. 118.
56
III – na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a)
175
sobrevivente terá direito à totalidade da herança .
O atual diploma codificador, afirma no inciso III do artigo 1.790, que
diferentemente da opinião do legislador da Lei n. 8.971/94, prevê a concorrência
dos outros parentes colaterais, que por exclusão, subtende-se sejam os
ascendentes, e os colaterais até o quarto grau, irmãos, sobrinhos, tios, primos,
tios-avós e sobrinhos-netos do de cujus176. Sempre incidindo, sobre os bens
adquiridos de forma onerosa durante a constância da união estável.
Pontualmente sobre essa questão, onde o Código vigente diminuiu
garantias do convivente obrigando-o a concorrer com parentes outros do defunto,
Sílvio Rodrigues, protesta:
Não vejo razão alguma para que o companheiro sobrevivente concorra _
e apenas com relação à parte da herança que for representada por bens
adquiridos onerosamente durante a união estável _ com os colaterais do
de cujus. Nada justifica colocar-se o companheiro sobrevivente numa
posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com quem
viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que
merece tanto reconhecimento e apreço, e que é tão digna quanto a
177
família fundada no casamento .
Destas palavras, se deduz o tratamento diferenciado e maléfico com o que
é dispensado ao convivente. Por certo, este tratamento iníquo não coaduna com a
norma mandamental.
A família entendida como instrumento de promoção e bem estar da pessoa
humana, que possui a affectio maritalis, e demais requisitos, não pode se sujeitar
a tal distinção, afinal não custa invocar o preceito da norma fundamental através
do artigo 226, § 3° da Carta Política, que elevou a “união estável” a entidade
familiar.
Finalmente o inciso IV, prevê que na falta dos descendentes e ascendentes
e outros parentes sucessíveis, o convivente sobrevivente herdará a soma do
cômputo. Soma esta, compreendida dentro do regramento do caput do artigo
1.790 do Código Civil/02.
175
SARAIVA,Vade Mecum. Lei 8.971/94. 2007, p. 1513.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2002. p. 118.
177
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2002. p. 119.
176
57
Em doutrina se discute até que ponto um contrato escrito pode afastar a
regra do artigo 1.725, do Código Civil/02, em direito sucessório dos conviventes.
Conta o dispositivo, que no que couber, caberá aos companheiros, o regime
parcial de bens, no silêncio de um contrato escrito.
No intuito de elucidar a matéria, Sílvio de Salvo Venosa, comenta:
[...] a resposta deverá ser negativa. Não há que se levar em conta que o
contrato escrito entre os conviventes tenha o mesmo valor jurídico de um
pacto antenupcial, o qual obrigatoriamente segue as regras
178
estabelecidas de forma e de registro .
Sendo assim, fica afastada a possibilidade de um contrato escrito, figurar
no direito sucessório dos companheiros. Portanto, o artigo 1.790, prevalece nesse
sentido, sendo vedado a qualquer dos companheiros tentativa de afastar o outro
da sucessão179.
Ainda, sobre o tema em comento, parte da doutrina afirma que o
companheiro não passa de “herdeiro facultativo”, sob a ótica do atual diploma
codificador.
Evidentemente, que da leitura pura e simples do artigo 1.845 do Código
vigente, o companheiro não é herdeiro necessário. Em contrapartida, mais à
frente o artigo 1.850, não afirma que este possa ser excluído da sucessão do
outro.
Diante desse equilíbrio, constata-se que mais uma vez reportar-se-á ao
que preconiza a Lei Maior, sempre com base no aludido artigo 226, § 3°.
Tornar-se-ia, incompreensível que ante todo esforço jurídico da doutrina,
jurisprudência e Constituição Federal, prevalecesse o entendimento de que o
convivente poderia ser excluído da sucessão de seu consorte. Corroborando, com
tal afirmativa, Ana Luiza Maia Nevares, comenta:
Como é sabido, a união estável é entidade protegida constitucionalmente
(CF/88, art. 226, § 3°). Esta proteção é concretizada em inúmeras
normas. Dentre elas, estão aquelas que regulam a sucessão legítima,
que devem ter como fundamento a pessoa do sucessor, como integrante
178
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2004. p. 125.
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 39.
179
58
da comunidade familiar da qual fazia parte o de cujus (CF/88, art. 226, §
180
8°) .
Assim, justificadamente reitera-se o desejo do legislador Constitucional, no
sentido de colocá-lo no mesmo patamar do cônjuge, conferindo-lhe a posição de
“herdeiro necessário”.
Da mesma forma que existe o bônus, haverá o ônus. Fica sujeito o
companheiro à regra imposta pelo artigo 1.961, do atual diploma, caso configure
qualquer daquelas situações elencadas no artigo 1.814, e incisos. Os artigos em
glosa consideram as hipóteses de deserdação e exclusão da sucessão.
Em conseqüência direta da exclusão, ficam os companheiros obrigados a
trazer a colação as doações recebidas em vida do defunto, quando em
concorrência com os descendentes. Obviamente, quando tais bens possuem
natureza daqueles adquiridos durante a vigência da união estável.
Questão controversa é a referente ao direito de habitação do companheiro
sobrevivente, que foi introduzido através do parágrafo único do artigo 7° da Lei
9.278/96. Afinal, tal dispositivo foi revogado? Para responder a esta imprecisão
jurídica, partir-se-á do estudo do artigo 2°, § 1° da LICC, (Decreto-Lei N.° 4.657,
de 4 de setembro de 1.942), verbis:
Art.2.° Não se destinando a vigência temporária, a lei terá vigor até que
outra a modifique ou revogue.
§ 1.° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
181
matéria de que tratava a lei anterior) .
No silêncio da Lei regulamentadora, onde não houve previsão expressa de
tal revogação, recorre-se a LICC, que de forma tácita reconheceu a revogação
das Leis 8.971/94, e 9.278/96182.
Entretanto, ante as conseqüências materiais que a revogação do direito de
habitação irá produzir na vida do consorte sobrevivente, há que se ter cautela e
parcimônia jurídica.
180
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 39.
181
SARAIVA,Vade Mecum. Lei de Introdução ao Código Civil. 2007, p.163.
182
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 40.
59
O espírito demonstrado pelo legislador em conferir proteção “não especial”,
mas digna, de quem dedicou boa parte de sua vida ao outro, trazendo um
equilíbrio que não havia em relação ao cônjuge, implicará no direito do convivente
à habitação nos limites impostos pela Lei. Nesse sentido, que Sílvio de Salvo
Venosa, traz importante contribuição:
Somos da opinião de que é perfeitamente defensável a manutenção
desse direito no sistema do Código de 2002. Esse foi incluído na referida
lei em parágrafo único de artigo relativo a assistência material recíproca
183
entre os conviventes .
Seu pensamento se consubstancia diretamente numa extensão do dever
de prestar alimentos, proporcionando ao companheiro sobrevivente, condições
mínimas de dignidade e promoção da pessoa humana.
A contrário sensu, o companheiro que, na grande maioria das vezes, fica
numa situação econômica fragilizada pela ruptura do enlace, que não sinaliza
quando vai ocorrer, se encontra na rua, sem teto, a depender de amigos e
parentes.
Principalmente nos casos em que há descendentes só do de cujus. Nessas
hipóteses, em especial, existe freqüentemente uma vontade incontrolável dos
filhos do falecido, em retirar da casa “aquela pessoa” pela qual seu pai teria um
dia abandonado o lar.
No mesmo sentido vale registrar o Enunciado n° 117, proposto por Ana
Luiza Maia Nevares, juntamente com os professores Gustavo Tepedino e
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, aprovado na Jornada de Direito Civil
promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
ocorrido no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação do
então Ministro Ruy Rosado, hoje ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 1.831 : o direito real de habitação deve ser estendido ao
companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n.
9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831,
184
informado pelo art. 6°, caput, da CF/88 .
183
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 2004.p. 126.
Enunciado n° 117. apud, NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do
companheiro no Código Civil de 2002. Revista do direito. p. 41.
184
60
Tal Enunciado, segundo o autor, tem o condão de equiparar a instituição
matrimonializada à união estável, conforme preceitua o artigo 1.831 do vigente
Código, exigindo proteção na mesma medida para ambos os institutos.
Mister, anotar que o direito de habitação só poderá ser exercido na sua
plenitude, nos casos em que o imóvel em questão seja o único a inventariar,
tendo o companheiro à propriedade plena, ou quando possui metade dos bens
adquiridos de forma onerosa na vigência da união estável.
Superada a problemática do direito de habitação pelo convivente, impõe-se
análise mais refinada e pontual das diferenças existentes em relação a este e ao
cônjuge.
Evidente, que a atual norma legislativa coloca o convivente e o cônjuge em
total dissonância com o preceito fundamental, ou seja, com a verdadeira intenção
do legislador Constitucional.
Ora, ao conferir status de entidade familiar às pessoas unidas sem o
enlace matrimonial, quis o legislador assegurar direitos oriundos dessa forma de
união “não convencional”, aos seus partícipes. O que por óbvio, não poderá
acarretar diminuição de direitos e garantias fundamentais.
No entanto, só o fato do cônjuge ser sucessor da totalidade dos bens, não
lhe sendo imputada restrição quanto àqueles bens amealhados com esforço
comum durante a vigência do relacionamento, a título oneroso, enseja
discriminação injustificada e diminuição de direitos.
Outra evidência, diz respeito à concorrência do companheiro com parentes
outros do de cujus. Diversamente, do cônjuge que afasta essa classe de
sucessores.
Os doutrinadores que dedicam seus escritos ao tema, admitem e
reconhecem a existência de “estatutos hereditários diferenciados”. Resta saber,
se entre o casamento e a união estável, existem elementos ensejadores, que
justifiquem tratamento a margem da Lei185.
Aceitar de forma tácita esta afirmativa, não é por certo característico do
operador do direito. Até porque, não há que se falar em elementos ensejadores
185
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 42.
61
da desigualdade, que claramente se contrapõe ao desenvolvimento e promoção
da pessoa humana dentro do seio familiar.
Bem verdade, que parte da doutrina, procura justificar uma superioridade
do instituto do casamento frente à união estável. Talvez, não haja tal
diferenciação entre tais institutos, mas sim uma suposta hierarquização. Ana
Luiza Maia Nevares, traz sua contribuição:
Em realidade, esta questão está inserida numa problemática ainda
maior: aquela que discute
a hierarquia entre as entidades familiares.
Haveria hierarquização axiológica entre as entidades familiares
consagradas constitucionalmente? Seria o casamento entidade familiar
superior às demais, devendo ser, por esta razão, prioritariamente
186
protegido ?
Indubitavelmente, que tal afirmativa não encontra guarida na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988. Com o devido respeito, ao
posicionamento doutrinário contrário, está mais do que pacificado o entendimento
de que tal tratamento é inconstitucional.
Mister anotar, que a evolução acerca do tema, só foi possível após a nova
dogmática constitucionalista em resguardar a dignidade da pessoa humana,
assim como, a promoção do indivíduo através do convívio familiar.
Em outras palavras, cuidou o Legislador Constitucional, de dar subsídios
para que o indivíduo que seja partícipe de uma união entre conviventes, tenha as
mesmas condições de desenvolvimento de sua personalidade, comparadas com
aquele indivíduo oriundo de uma família constituída através do matrimônio.
O entendimento acima transcrito decorre da letra da Lei através do artigo
1°, inciso III, da Carta Política. No mesmo sentido, Gustavo Tepedino discorre:
[...] é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o
elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem
convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que
disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e
187
intensas do indivíduo no social .
186
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 42.
187
TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família
não fundada no matrimônio. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 326.
62
Esse é o sentido da norma, de amparar e acolher a todos sem distinção,
nem discriminação.
Portanto, seja oriunda de união estável, ou da união matrimonializada, ou
da família monoparental, o importante é assegurar a todos o direito e o respeito à
dignidade da pessoa humana.
Este entendimento deve ser perpetuado em todo ordenamento jurídico
pátrio, a fim de proporcionar um equilíbrio entre tais instituições, no intuito de
permitir maior segurança e garantias para toda uma Sociedade e principalmente
para os indivíduos que dela pertencem.
Após o bebate das questões pertinentes ao convivente, no regime jurídico
da “união estável”, elucidando pontos divergentes da doutrina, e fundamentando
sua existência dentro das normas regulamentadoras, passar-se-á ao estudo do
direito sucessório do cônjuge.
3.3 O DIREITO SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE
Faz-se necessário uma breve abordagem do direito sucessório do cônjuge
no direito anterior, para justificar sua inserção no atual Código Civil/02.
No Código Civil de 1916188, mais precisamente no artigo 1.611, o cônjuge
só alcançaria a herança, se no exato momento da transmissão (princípio da
saisini), não estivessem separados.
Alerta-se, que por esta regra os separados de fato alcançariam à herança,
mesmo que há muitos anos estivessem em convivência permanente com
terceiros. Significa dizer, que só haveria o afastamento do cônjuge se legalmente
desquitados ou divorciados189.
Reitera o autor, que tal solução hoje em dia não se comporta,
principalmente pelo fato de que em nosso País não há tradição em testar, o que
por certo afastaria a possibilidade da herança ser recebida por cônjuge separado
de fato por longo período, haja vista sua exclusão mediante o testamento.
188
BRASIL. Código Civil de 1.916. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L3071.htm>. Acesso em: 17 maio 2009.
189
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das sucessões , volume 7 / Sílvio Rodrigues. – 26 ed.
rev. atual. por Zeno Veloso; de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). –
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 111.
63
Outro inconveniente apontado seria o enriquecimento sem causa, daquele
que mesmo separado de fato, por longo período, receberia herança do de cujus.
Questão de suma importância, que de forma eventual pode ser suscitada,
diz respeito ao separado de fato que contrai união estável, nos termos do artigo
1.723, do Código Civil/02, caput e § 1°.
Poderá o cônjuge separado de fato reivindicar direito à sucessão? Nesses
casos, afasta-se a figura do cônjuge, para conferir direitos sucessórios ao
companheiro190.
Inegável, que o tratamento legal dispensado as mulheres no direito
anterior, no
que se refere ao direito sucessório, era muito tímido e precário,
principalmente em decorrência do conceito patriarcal de família.
Ainda sobre o tema em comento, as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título
94, principium, traz importante e histórica contribuição:
Fallecendo o homem casado abintestado, e não tendo parente (2) até
decimo gráo contado segundo o Direito Civil (3), que seus bens deva
herdar, e ficando sua mulher viva, a qual juntamente com elle estava e
vivia em casa teúda e manteúda (4), como mulher com seu marido (1),
191
ella será sua universal herdeira (2) .
Nota-se que nestes tempos mais antigos a Lei era impiedosa para com as
mulheres, que só herdariam se não houvesse parentes sucessíveis do de cujus,
até o décimo grau.
Por certo, que a doutrina propugnava por direitos e garantias mais elásticas
aos cônjuges. Tanto é verdade que atualmente os colaterais não passam do
quarto grau em concorrência com outros herdeiros.
Com o advento da Lei Feliciano Penna, Decreto n° 1.839 de 31 de
dezembro de 1907, o cônjuge foi prestigiado em decorrência dos colaterais,
tomando-lhe à frente na concorrência192.
Segundo o autor, neste período da história, a doutrina ansiava por maior
clareza
legislativa,
exigindo
que
o
legislador
tomasse
partido,
e
que
regulamentasse por exemplo a questão da inclusão do cônjuge no rol dos
190
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 30.
191
ALMEIDA, Candido Mendes de. Ordenações Filipinas : livros IV e V. vol. III. Fundação
Calouste Gulbenkian – Coimbra : 1985, p. 947-948.
192
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 111.
64
herdeiros necessários, assim como, quanto a matéria que colocava o cônjuge
antecedente aos ascendentes.
Uma constatação evidente se fazia da leitura de diplomas legislativos de
outros países, que se dedicaram em suas normas em prescrever maiores
garantias ao cônjuge sobrevivente.
Em conseqüência dessa constatação surgiram em nossa legislação,
normas que se destinaram a resguardar direitos e garantias fundamentais aos
cônjuges sobreviventes.
Sílvio Rodrigues reitera em sua obra, que o Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de
abril de 1941193, conferiu a mulher brasileira o direito de usufruto vitalício dos bens
do cônjuge estrangeiro, caso não houvesse casamento com comunhão de
bens194.
No mesmo sentido, o autor assevera que a Lei n. 883, de 21 de outubro de
1.949, dispunha em seu artigo 3°, que concorrendo cônjuge com filho adulterino
de seu consorte, teria direito à metade dos bens da herança, se o falecido não
houvesse deixado testamento.
Sobre esse assunto, contempla-se o artigo 226, § 6°, da Constituição de
1.988, que equiparou para todos os efeitos legais, os filhos havidos ou não do
casamento.
Sílvio de Salvo Venosa, considera também como uma evolução dos
direitos do cônjuge no ordenamento jurídico pátrio, a Lei n° 4.121 de 27 de agosto
de 1.962195, Estatuto da Mulher Casada, que atribuiu ao cônjuge viúvo o direito ao
usufruto concorrente a herança196.
Dada a sua importância, implicou na alteração redacional do artigo 1.611, §
1°, do vetusto Código, verbis:
o cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da
comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da
193
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.200 de 19 de abril de 1941. Dispõe sobre a organização e proteção
da família. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3200.htm>. Acesso
em: 17 maio 2009.
194
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 112.
195
BRASIL. Lei nº 4.121, de 27 de Agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher
casada. Disponível em: <http://www.dji.com.br/leis_ordinarias/1962-004121emc/estatuto_da_mulher_casada.htm>. Acesso em: 17 maio 2009.
196
VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito civil: direito das sucessões – 6. ed. – 2. reimpressão – São
Paulo: Atlas, 2006.p. 122.
65
quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos destes ou do
casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam os
197
ascendentes do de cujus .
Diante do exposto, a Lei confere ao cônjuge em estado de viuvez o direito
a quarta parte da herança, ou metade dos bens, dependendo de quem com ele
concorrer.
Percebe-se nitidamente que o legislador vinculou o regime de bens
adotado, como pressuposto de validade da concessão do benefício em comento.
Portanto, estando o cônjuge em matrimônio sob regime que não o da comunhão
universal, teria o direito ao usufruto da quarta parte dos bens do finado.
Desta regra abstrai-se o caráter protetivo, em amparar o viúvo nos casos
em que muito pouco lhe couber.
Ainda que casados sob o regime da comunhão universal, o § 2° do artigo
1.611, do antigo Código, concede o direito real de habitação para o viúvo ou
viúva enquanto vivesse, verbis:
Art.1.611. [...]
.
§ 2° ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão
universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem
prejuízo da participação que lhe caiba na herança, direito real de
habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família,
198
desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar .
Para não correr o risco de pessoas já idosas, viúvas, se depararem com o
abandono familiar, o legislador preferiu assegurar sobre “àquele bem” que mais
das vezes é o único da família, o direito real de habitação ao cônjuge
sobrevivente.
Note-se, que o atual artigo 1.831, não deixa dúvidas quanto ao direito real
de habitação, independente do regime de bens, e sem nenhuma restrição quanto
ao fato de eventual união, seja através de novo matrimônio ou de convivência199.
Atualmente, sob uma perspectiva do Código Civil/02, mais precisamente
no artigo 1.845, o cônjuge figura como herdeiro necessário, ao lado dos
descendentes e ascendentes.
197
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 123.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 125.
199
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007. p. 116.
198
66
Vale notar, que herdeiros necessários não podem ser afastados da
herança por ato de liberalidade do finado. A não ser, que fique comprovado algum
ato de ingratidão promovido por um dos herdeiros necessários, devidamente
previsto em Lei200.
Dispõe o artigo 1.846 do atual diploma, que metade dos bens do de cujus
perfaz a porção legítima, que se mostra intocável, e que por direito pertencem aos
herdeiros necessários.
A tentativa do finado em dispor de parte reconhecidamente da porção
legítima, incorre em ato atentatório no que prescreve os artigos 1.967 e 1.968 do
atual diploma. Sendo, justificável a redução das liberalidades em favor dos
herdeiros necessários201.
No tocante a legitimidade, o cônjuge estará impedido de herdar, se ao
tempo da morte do outro, havia separação de fato a mais de dois anos, ou se
divorciados estivessem, conforme leitura do artigo 1.830, do novo diploma
codificador.
A separação de fato, enseja à eliminação do cônjuge sobrevivente da
sucessão. Entretanto, se este conseguir provar que não deu causa para a
separação, a situação poderá ser revertida no judiciário mediante ação autônoma.
Já na segunda situação, na separação judicial, que se dará através do
divórcio, não há que se falar em direito sucessório. Por óbvio, que não havendo a
união matrimonializada, desprovida tal relação de qualquer elemento que
justifique a obrigação para com o outro, não poderá se falar em sucessão.
Importa saber, que o artigo 1.577 do atual diploma, confere o direito aos
separados judicialmente, de a qualquer momento retornar a situação a quo,
restabelecendo em juízo a sociedade conjugal, garantindo direitos sucessórios202.
Parte da doutrina entende que na nova concepção do casamento, o fim do
enlace matrimonial, não significa necessariamente uma imputação da culpa, a um
dos cônjuges.
200
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil, parte especial:o
direito das sucessões, volume 20 (arts. 1784 a 1856) / Giselda Maria Fernandes Hironaka;
coordenador Antônio Junqueira de Azevedo. 2. ed. rev. - São Paulo: Saraiva 2007. p. 260-61.
201
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 29.
202
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 30.
67
Essa característica (de procurar um culpado pela dissolução do
casamento), se fundava no modelo de família patriarcal, onde o homem tinha o
papel de chefe de família. O que hodiernamente não se justifica. Ana Luiza Maia
Nevares, discute a questão:
Atualmente, com a dissolubilidade do casamento, a igualdade entre os
cônjuges e a compreensão da família como um organismo social
destinado a promover o desenvolvimento da personalidade de seus
membros, sendo um instrumento de proteção da pessoa (CRFB, art.
226, § 8°), não mais se justifica a perquirição da culpa na dissolução da
203
sociedade conjugal .
O que deve prevalecer é o animus de permanecer em união, e acima de
tudo a affectio maritalis. Caso contrário, o melhor é a sua dissolução.
Superada, a questão da legitimidade do cônjuge em suceder, partir-se-á ao
disciplinamento dispensado pelo Código Civil/02, quanto aos efeitos produzidos
diante de uma situação fática.
Talvez, a prova definitiva de toda uma lenta evolução do cônjuge dentro da
esfera do direito sucessório, esteja estampada no artigo 1.845, anteriormente
comentado, cumulado com o artigo 1.829, e incisos.
Evolução esta, que se intensificou ainda no século XX, e com o passar do
tempo foi sendo aprimorada. Sobre o tema, discorre Giselda Hironaka:
Percebe-se nas disposições legislativas que se seguiram à promulgação
do Código Civil de 1.916 não só uma tentativa de se aquinhoar de forma
limitada o cônjuge supérstite em concorrência com os demais herdeiros
_ numa clara evolução de proteção que vai culminar com a publicação
204
do novo Código Civil [...] .
Destarte, os direitos oriundos da atual legislação, decorrem de um clamor
público, apoiado na esteira jurisprudencial e doutrinária.
A autora destaca como ponto positivo, a possibilidade de inversão do
direito sucessório nos casos de cônjuge supérstite brasileiro casado com
estrangeiro, admitindo-se o amparo da Lei alienígena, sendo essa mais favorável
ao cônjuge nacional.
203
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 29-30.
204
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil. 2007. p. 220.
68
No entanto, mesmo diante de inegáveis conquistas, Sílvio de Salvo
Venosa, critica de forma contundente, o imbróglio jurídico proporcionado pelos
legisladores infraconstitucionais:
Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro,
o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um
desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a
sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em
perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse nesse aspecto,
totalmente reescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma
205
mancha na cultura jurídica nacional .
E razão lhe assiste, pois se a intenção do legislador foi de prestigiar o
cônjuge lhe assegurando maiores garantias, muitas das vezes se perceberá
incongruências, que não encontram guarida na norma vigente.
Reza o artigo 1.829, que o cônjuge sobrevivente estará em concorrência
com os descendentes, desde que aquele não esteja casado sob o regime da
comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória de bens (artigo
1.641), ou se ainda no regime da comunhão parcial o autor da herança não
houver deixado bens particulares.
Trazendo o cônjuge em concorrência com os descendentes e ascendentes,
além de sua já reconhecida posição de herdeiro necessário, o legislador
infraconstitucional,
primou
em
conferir
maior
segurança
financeira
ao
sobrevivente. Nesse sentido, discorre Venosa:
O sentido da norma foi, sem dúvida, proteger o cônjuge, em princípio,
quando este nada recebe a título de meação. Assim quando casado em
comunhão de bens, porque o patrimônio é dividido, o cônjuge não será
206
herdeiro em concorrência com os descendentes .
A contrário sensu, o regime da separação obrigatória decorrente de
expressa previsão legal, acarreta sérias dificuldades ao cônjuge supérstite, já que
nada receberá.
205
206
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 127.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 127.
69
Sílvio de Salvo Venosa207, assegura que a jurisprudência se encarregará
de aparar as arestas provocadas pelo regime da separação obrigatória de bens,
pois sua inobservância, ocasionaria fraude a esse regime imposto por lei.
No entanto, maior preocupação se dará no regime da comunhão parcial de
bens, onde o cônjuge supérstite é herdeiro naquilo que adquiriu juntamente com o
hereditando.
Entende o autor que quando não há bens particulares do de cujus, também
não haverá concorrência com os descendentes. Entretanto, havendo massa de
bens particulares, admitir-se-á concorrência do cônjuge sobrevivente com os
descendentes.
Em síntese, abstrai-se da regra posta, que diante do regime da comunhão
universal, onde o cônjuge é meeiro, não haverá concorrência, a exemplo do que
ocorre no regime da separação obrigatória, restando à concorrência somente
sobre os bens particulares, no regime da comunhão parcial ou legal.
Presume-se que a idéia central do legislador, foi no sentido de garantir
haveres deixados pelo finado, principalmente nos casos onde o cônjuge não
herda208.
No entanto, a fórmula proposta pela norma vigente, que teoricamente,
quem herda não meia, e quem meia não herda, mais das vezes não será
suficiente, para resguardar o cônjuge supérstite ao longo de sua velhice.
Da leitura de tal dispositivo, visualiza-se o cônjuge sobrevivente em
concorrência direta com descendentes, dependendo do regime de bens adotado,
e também com os ascendentes, na falta dos primeiros, ainda em concorrência.
Além disso, o inciso III, do artigo em comento, assegura sua posição na
ordem da vocação hereditária, à frente dos colaterais.
Questão de difícil interpretação, diz respeito ao enunciado do artigo 1.832
do Código Civil/02, verbis:
Art. 1832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I) caberá
ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não
podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for
209
ascendente dos herdeiros com quem concorrer .
207
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 127.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 127.
209
SARAIVA,Vade Mecum. Código Civil/02. 2007, p. 311.
208
70
Do artigo em epígrafe, denota-se claramente a intenção do legislador em
diferenciar a sucessão do cônjuge sobrevivente, quanto aos filhos havidos em
comum, ou filhos só do hereditando.
Essa distinção se faz necessária em virtude da quarta parte da herança.
Privilégio esse, que só será deferido, caso os ascendentes sejam também filhos
do cônjuge supérstite.
Na hipótese de filiação só do de cujus, não há reserva da quarta parte,
concorrendo em partes iguais com aqueles que recebem por cabeça210.
Muito se tem discutido acerca das impropriedades axiológicas e
hermenêuticas do aludido artigo em comento.
Bem verdade, que existem correntes doutrinárias favoráveis à manutenção
da quarta parte da herança ao cônjuge sobrevivo, e de outra forma, entendendo
que a concorrência de duas classes de descendentes, filhos comuns e somente
do morto, ensejaria a divisão do computo por cabeça.
Diante, de uma redação legislativa obscura quanto ao tema, que não
esclarece por definitivo qual solução seria a mais justa, depender-se-á da
construção jurisprudencial em face do caso concreto, para dirimir eventuais
questionamentos.
Destaca-se, posicionamento doutrinário que induz o legislador a repensar e
modificar o texto legal, ante as incongruências do aludido dispositivo. Assim
descreve Giselda Hironaka:
De qualquer das formas, ao que parece, na ocorrência de uma hipótese
real de sucessão de descendentes que pertencessem aos dois distintos
grupos (comuns e exclusivos) em concorrência com o cônjuge sobrevivo,
não haveria solução matemática que pudesse atender a todos os
dispositivos do Código Civil novo, o que parece reforçar a idéia de que,
para evitar uma profusão de inadequadas soluções jurisprudenciais
futuras, o ideal mesmo seria que o legislador ordinário revisse a
construção legal do novo Diploma Civil brasileiro, para estruturar um
arcabouço de preceitos que cobrissem todas as hipóteses, inclusive as
hipóteses híbridas e/ou interpretações que corressem exclusivamente
ao alvedrio do julgador ou do hermeneuta, mas desconsiderando tudo
aquilo que, a princípio, norteou o ideal do legislador, formatando o
211
espírito da norma .
210
211
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 2006. p. 129.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao código civil. 2007. p. 239.
71
Explicitamente,
as
impropriedades
decorrentes
da
norma
vigente,
provocam no meio jurídico toda uma situação de imprecisão legal, exigindo do
aplicador da norma, parcimônia e altivez jurídica na aplicação do caso concreto.
Para Zeno Veloso, as situações híbridas deve seguir a regra geral: não
assegurando a quarta parte, para o sobrevivente. Já, Sílvio de Salvo Venosa,
entende que o espírito da Lei, exige exegese favorável ao cônjuge, respeitando a
reserva legal da quarta parte do cômputo212.
Questão controversa, diz respeito ao que dispõe o artigo 544 e 2.002,
ambos do atual diploma, verbis:
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a
213
outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança .
O dispositivo dispõe que, por força de Lei, o cônjuge que em vida recebeu
doação do defunto, deve trazer a colação os bens recebidos, já que estes
importam adiantamento da legítima.
Entretanto, o artigo 2.002, que abre o Capítulo IV do Título IV, do atual
diploma, tratando especificamente da colação, não menciona exigência do
cônjuge sobrevivente a colacionar doação recebida em vida.
Perante, a total dissonância dos aludidos artigos Sílvio Rodrigues,
assevera:
Pelo art. 544, então, estaria o cônjuge obrigado a conferir. Mas o art.
2.002 diz que só os descendentes têm essa obrigação. Evidentemente,
esses dois artigos estão em franco conflito; há contradição entre as
214
normas dos arts. 544 e 2.002 do Código Civil brasileiro .
Complementa o autor, que em respeito ao que preceitua o artigo 544, a
norma deve ser interpretada sistematicamente, de maneira que o cônjuge seja
obrigado a colacionar os bens recebidos como doação a exemplo dos
descendentes.
O hermeneuta preferiu seguir o sentido objetivo da norma. Ora, se o
instituto da colação tem como essência a garantia da justa divisão dos bens,
212
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 32.
213
SARAIVA,Vade Mecum. Código Civil/02. 2007, p. 207.
214
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007, p. 311.
72
aquinhoando cada um de maneira equânime, não há que se conferir ao cônjuge
sobrevivente, a prerrogativa de se ver livre da colação.
Caso não haja descendentes, o artigo 1.836, afirma que serão chamados
os
ascendentes
em
concorrência
com
o
cônjuge
sobrevivente,
independentemente do regime de bens adotado, terá este legitimidade em
concorrer com aquele215.
Dispõe o artigo 1.837, que concorrendo com ascendente de primeiro grau,
um terço da herança caberá ao cônjuge. No entanto, se somente existir um
ascendente, o sogro ou a sogra, tocar-lhe-á a metade, assim como, se o grau
desse ascendente for maior216. Nesse sentido, Ana Luiza Maia Nevares, comenta:
Concorrendo só com sogro, dividir-se-á a herança por dois e se houver,
por exemplo, três avós, o avô materno e a avó e o avô paterno, caberá
ao cônjuge metade da herança e a outra metade será dividida entre os
ascendentes de segundo grau, consoante o disposto no 1.836, § 2° do
217
Código .
E finalmente naqueles casos onde não há parentes sucessíveis
(descendentes nem ascendentes), a totalidade dos bens do finado serão
entregues ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens
adotado.
Como afirmado anteriormente, ao consorte sobrevivo, é garantido o direito
real de habitação sobre imóvel que serviu como residência da família desde que
seja o único dessa espécie a inventariar, independentemente do regime de bens.
Diante de tal afirmativa, não há maiores questionamentos. Entretanto, para
doutrinadores que defendem a inserção de cláusula resolutiva, nos casos de nova
constituição familiar. Sílvio Rodrigues, assevera:
De lege ferenda, seria conveniente que se previsse a extinção do direito
real de habitação se o viúvo ou a viúva casar-se novamente ou constituir
218
nova união estável .
215
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 33.
216
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 33.
217
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito . p. 33.
218
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 2007. p. 116.
73
Respeitosamente, afirmar-se-á que o ordenamento jurídico brasileiro,
primou pela vitaliciedade do direito real de habitação, independentemente da
constituição de novo casamento ou união estável219.
Restou evidente, que após a investigação científica sobre a situação atual
do cônjuge no âmbito do direito sucessório, houve uma evolução significativa
principalmente no que diz respeito ao direito real de habitação, ao estatuto da
mulher casada, o afastamento de boa parte dos colaterais do defunto, entre
outras.
No próximo tópico, demonstrar-se-á a real necessidade de se fazer
modificações legislativas que a Sociedade civil, assim como, boa parte dos
juristas desse País, entendem ser fundamentais para uma justa prestação
jurisdicional.
3.4 PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS
Ricardo
Fiuza,
ilustra
seu
posicionamento
propondo
mudanças
significativas do ponto de vista jurídico, que atenuam as diferenças e amenizam
as injustiças.
Sendo assim, transcrever-se-á o já aludido artigo 1.790 do Código Civil/02,
com as alterações do texto legislativo, propostas pelo referido autor:
Art. 1.790. O companheiro participará da sucessão do outro na forma
seguinte:
I – em concorrência com descendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do que couber a cada um destes, salvo se tiver
havido comunhão de bens durante a união estável e o autor da herança
não houver deixado bens particulares, ou se o casamento dos
companheiros, se tivesse ocorrido, observada a situação existente no
começo da convivência, fosse pelo regime da separação obrigatória (art.
1.641);
II – em concorrência com ascendentes, terá direito a uma quota
equivalente à metade do que couber a cada um destes;
III – em falta de descendentes e ascendentes, terá direito a totalidade da
herança.
219
NEVARES, Ana Luiza Maia. A sucessão do cônjuge e do companheiro no Código Civil de
2002. Revista do direito. p. 35.
74
Parágrafo único. Ao companheiro sobrevivente, enquanto não constituir
nova união ou casamento, será assegurado, sem prejuízo da
participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação
relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que
220
seja o único daquela natureza a inventariar .
Veja que nesta proposta de alteração legislativa, não aparece no caput a
obrigatoriedade de haver bens adquiridos de forma onerosa durante a vigência da
união estável.
Vale lembrar, que atualmente o caput do artigo 1.790, tem este comando
positivado na norma vigente. E, que é fonte de divergências doutrinárias, sendo
largamente questionada por Zeno Veloso, como já dito anteriormente.
Outra importante modificação, diz respeito, a extinção da desigualdade
entre filhos comuns e somente do autor da herança, conforme consta do atual
texto legislativo.
No inciso I, do texto proposto, o autor sugere uma quota equivalente à
metade do que couber aos descendentes, não distinguindo filhos comuns ou só
do hereditando.
Pela sugestão, somente haverá concorrência se o companheiro ou
companheira, não participar de nenhuma comunhão de bens durante a união
estável, e o autor não houver deixado bens particulares.
Também não participará, no caso em que haja casamento dos
companheiros, sob o regime da separação obrigatória de bens conforme artigo
1.641 do Código Civil/02.
De acordo com inciso II, ainda do dispositivo em comento, em concorrência
direta com ascendentes, terá o companheiro direito à metade do receber cada um
destes.
Mesmo no projeto de Ricardo Fiuza, que tem a incumbência de desfazer
anomalias legislativas, Zeno Veloso aponta falhas e sugere:
‘Tenho meditado muito sobre a questão da sucessão entre
companheiros. Acho que, mesmo com essa emenda, o problema está
mal resolvido. Será justo, por exemplo, se o companheiro morreu e
deixou quatro avós, que a companheira herde apenas metade do que
couber a cada um dos avós? Mantido o restante da proposta sugiro que
o inciso II do art. 1.790 fique assim: ‘II – se concorrer com ascendentes
220
FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. Com a
colaboração de Mário Luiz Delgado Régis. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 290.
75
em primeiro grau, ao companheiro tocará 1/3 (um terço) da herança;
caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente ou se maior for
221
aquele grau’ .
O grande temor do doutrinador, é que mesmo diante de uma proposta de
modificação motivada, sobretudo no intuito de atenuar as diferenças, e promover
o “bem estar social”, ainda assim, persista as incongruências do atual modelo
legislativo.
O inciso III, continua afirmando que na falta de descendentes e
ascendentes, terá direito à totalidade da herança.
Já o parágrafo único, reforça a ideia do direito real de habitação nos casos
em que não haja nova constituição familiar, que seja o único imóvel destinado a
residência da família, sem prejuízo do que lhe caiba por herança.
221
VELOSO, Zeno. apud, FIUZA, Ricardo.O novo Código Civil e as propostas de
aperfeiçoamento; com a colaboração de Mário Luiz Delgado Régis. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
291.
76
CONCLUSÃO
A família compreendida como núcleo de desenvolvimento social,
propulsora de valores éticos e morais, incentivadora da educação, cultura e
cidadania,
não
pode
ser
atualmente
tutelada
pelo
Estado
de
forma
dessemelhante.
Anteriormente a promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1.988, a família constituída fora do enlace matrimonial, encontrar-se-ia
predestinada a viver na obscuridade.
O Código Civil de 1.916, rejeitou a matéria por completo, ou quando citava,
trazia referência às proibições oriundas do concubinato. Sempre, ignorando
qualquer perspectiva de direito àqueles que optaram em viver de uma forma
estranha ao casamento.
Por intermináveis anos, esse País foi testemunha de muitas injustiças
cometidas contra quem preferiu, ou porque não teve outra opção, viver em união
livre, ainda que, não houvesse impedimentos para o casamento.
Com a mudança dos costumes, e da construção de uma nova Sociedade,
surgiu uma premente necessidade de uma legislação voltada para os anseios da
população.
E, o direito ciência autônoma que é, deve seguir as tendências sociais,
com o escopo de atenuar as diferenças, e dirimir as controvérsias. Sempre no
sentido de buscar “a paz social”.
Como a água move o moinho, a necessidade faz com que o aplicador da
norma se mova no sentido de suprir as lacunas e aparar as arestas. Foi através
de um trabalho articulado entre a jurisprudência e a doutrina, que muitos
lares/famílias, obtiveram do judiciário tratamento digno, que o ordenamento
jurídico a época, não previa.
Finalmente, com a promulgação da Carta Política de 1988, o ordenamento
jurídico pátrio, conferiu a união estável o status de entidade familiar, conforme
preceitua o artigo 226, § 3°, da Constituição.
Destarte, não se duvida mais, que a união estável protegida pelo manto
Constitucional, tem o condão de reparar graves injustiças, e proporcionar maior
77
segurança jurídica àqueles que por alguma razão optaram por esta forma de
convívio.
Embora, persista no ordenamento jurídico pátrio, situação adversa a essas
famílias, por outro lado, inegável foi o avanço legislativo em torno de tema em
comento.
Vale notar, que se encontra superada a questão que versava sobre a
hipótese do companheiro ter ou não direitos sucessórios, se possui ou não o
direito real de habitação sobre o único imóvel da família.
Hodiernamente, a discussão avançou no sentido de conferir maiores
garantias aos companheiros, já que o atual Código Civil se mostra um tanto
quanto tímido em conhecer, mas que a Constituição já sacramentou.
Quando se fala em “maiores garantias”, de forma alguma, defender-se-á
algo, além do que acontece com a instituição do casamento.
Contudo, a união estável e o casamento perante a Lei Maior, compõe a
instituição familiar na sua plenitude, capaz de promover a pessoa humana,
transmitindo-lhe, educação, princípios éticos e morais, como forma de inserção na
Sociedade.
Ademais, após árduo trabalho jurisprudencial sempre voltado no sentido de
coibir a injustiça diante do caso concreto, tratou de amparar a companheira ou
companheiro da crueldade do legislador em não reconhecer seus direitos.
Diante da total falta de habilidade do legislador de 1.916, em reconhecer
direitos oriundos do companheirato, que a doutrina e a jurisprudência tomaram a
iniciativa de conferir maior atenção para o caso em concreto.
O desconforto gerado pela discriminação imposta aos companheiros, ante
a instituição do matrimônio causou aos seus partícipes inúmeros prejuízos de
ordem moral, patrimonial e afetiva.
Em relação ao direito sucessório dos companheiros, o artigo 1.790 do
Código Civil/02, juntamente com seus incisos, representa uma fase obscura e
bizarra da legislação pátria.
Não bastasse a falta de sensibilidade do legislador em reconhecer ou
diminuir as diferenças entre o casamento e a união estável, pecou o dispositivo no
momento em que difere filho comum de filho somente do autor da herança.
78
Outra inescusável injustiça para com o companheiro, é a regra adotada em
seu caput que ordena a sucessão somente sobre os bens adquiridos de forma
onerosa na vigência da união estável. Exigência esta que não impõe aos
cônjuges regra parecida.
A obrigatoriedade da concorrência do companheiro com parentes outros do
de cujus, soa como uma sanção, um verdadeiro castigo. Mais uma vez,
diferentemente com o que acontece na sucessão dos cônjuges.
Sem dúvida que qualquer tentativa legislativa no sentido de aprimorar a
norma imposta, buscando maior isonomia e proporcionando segurança jurídica, é
bem vinda. Entretanto, o atual Código Civil pecou em fazer o menos, quando
poderia ser uma ferramenta hábil para corrigir as injustiças e aparar as arestas.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, foi o grande
divisor de águas no que tange a união estável. Por certo que a legislação
infraconstitucional que se seguiu com a incumbência de regular a matéria, foi bem
recebida, embora não tenha suprido as lacunas da Lei.
.
79
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