UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JÚRIDICAS
ÉTICA PROFISSIONAL
1
Professor: João Batista Valverde
Fevereiro de 2009
1
Material de apoio destinado aos estudantes do Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Católica da Goiás – Campus V
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO À MORAL
II – A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA
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11
III – ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA
14
IV – OS FINS DA AÇÃO ÉTICA
20
V – O OBJETO DO SABER ÉTICO E AS NORMAS MORAIS
22
VI – O OBJETO DO SABER ÉTICO E O DIREITO
23
VII – A DETERIORAÇÃO DA ÉTICA
24
VIII – A ÉTICA E A PROFISSÃO FORENSE
29
IX – DEVERES DO ADVOGADO
X – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
43
55
XI – ÉTICA E PROFISSÃO JURÍDICA
62
XII – O CONTROLE DA CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO
64
XIII – CONSCIÊNCIA ÉTICA DO JURISTA
65
XIV – A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIREITO
68
XV – CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB
85
XVI – ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB
92
1
não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A nãoindiferença constitui esta variedade ontológica que contrapõe o valor ao
ser. A não-indiferença é a essência do valer".2
ARANHA, Maria Helena de Arruda. Filosofando. São
Paulo: Moderna, 1995.
I INTRODUÇÃO À MORAL
Os valores são, num primeiro momento, herdados por nós O mundo
cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de tal
modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua,
diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas
circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e
quando desnudá-lo; qual o padrão de beleza; que direitos e deveres
temos. Conforme atendemos ou transgredimos os padrões, os
comportamentos são avaliados como bons ou maus.
A verdadeira moral zomba da moral.
(Pascal)
1. Os valores
Diante de pessoas e coisas, estamos constantemente fazendo juízos de
valor. Esta caneta é ruim, pois falha muito. Esta moça é atraente. Este
vaso pode não ser bonito, mas foi presente de alguém que estimo
bastante, por isso, cuidado para não quebrá-lo! Gosto tanto de dia
chuvoso, quando não preciso sair de casa! Acho que João agiu mal não
ajudando você.
A partir da valoração, as pessoas nos recriminam por não termos seguido
as formas da boa educação ao não ter cedido lugar à pessoa mais velha;
ou nos elogiam por sabermos escolher as cores mais bonitas para a
decoração de um ambiente; ou nos admoestam por termos faltado com a
verdade. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos ou até
sentimos remorsos dependendo da ação praticada. Isso quer dizer que o
resultado de nossos atos está sujeito à sanção, ou seja, ao elogio ou à
reprimenda, à recompensa ou à punição, nas mais diversas intensidades,
desde "aquele" olhar da mãe, a crítica de um amigo, a indignação ou até a
coerção física (isto é, a repressão pelo uso da força).
'Isso significa que fazemos juízos de realidade, dizendo que esta caneta,
esta moça, este vaso existem, mas também emitimos juízos de valor
quando o mesmo conteúdo mobiliza nossa atração ou repulsa. Nos
exemplos, referimo-nos, entre outros, a valores que encarnam a utilidade,
a beleza, a bondade.
Mas o que são valores? Embora a preocupação com os valores seja tão
antiga como a humanidade, só no século XIX surge uma disciplina
específica, a teoria dos valores ou axiologia (do grego rodos, "valor"). A
axiologia não se ocupa dos seres, mas das relações que se estabelecem
entre os seres e o sujeito que os aprecia.
Diante dos seres (sejam eles coisas inertes, ou seres vivos, ou idéias etc.)
somos mobilizados pela afetividade, somos afetados de alguma forma
por eles, porque nos atraem ou provocam nossa repulsa. Portanto, algo
possui valor quando não permite que permaneçamos indiferentes. É
nesse sentido que García Morente diz: "Os valores não são, mas valem.
Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale,
(Quina, Toda Mafalda, São Paulo, Martins Fontes, 1991.)
2
2
García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares, p. 296.
Embora haja diversos tipos de valores (econômicos, vitais, lógicos,
éticos, estéticos, religiosos), consideramos neste capítulo apenas os
valores éticos ou morais.
As respostas a essas e outras questões nos darão as diversas concepções
de vida moral elaboradas pelos filósofos através dos tempos .
3. Caráter histórico e social da moral
2. A moral
A fim de garantir a sobrevivência, o homem submete a natureza por meio
do trabalho. Para que a ação coletiva se tome possível, surge a moral,
com a finalidade de organizar as relações entre os indivíduos.
Os conceitos de moral e ética, embora sejam diferentes, são com
freqüência usados como sinônimos. Aliás, a etimologia dos termos é
semelhante: moral vem do latim mos, moris, que significa "maneira de se
comportar regulada pelo uso", daí "costume", e de moralis, morale,
adjetivo referente ao que é "relativo aos costumes". Ética vem do grego
ethos, que tem o mesmo significado de "costume".
Inicialmente, consideremos a moral como o conjunto de regras que
determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social.
É de tal importância a existência do mundo moral que se torna
impossível imaginar um povo sem qualquer conjunto de regras. Uma das
características fundamentais do homem é ser capaz de produzir
interdições (proibições). Segundo o antropólogo francês Lévi-Strauss, a
passagem do reino animal ao reino humano, ou seja, a passagem da
natureza à cultura, é produzida pela instauração da lei, por meio da
proibição do incesto. É assim que se estabelecem as relações de
parentesco e de aliança sobre as quais é construído o mundo humano, que
é simbólico.
Em sentido bem amplo, a moral é o conjunto das regras de conduta
admitidas em determinada época ou por um grupo de homens. Nesse
sentido, o homem moral é aquele que age bem ou mal na medida em que
acata ou transgride as regras do grupo.
A ética ou filosofia moral é a parte da filosofia que se ocupa com à
reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida
moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas direções, dependendo
da concepção de homem que se toma como ponto de partida.
Exterior e anterior ao indivíduo, há portanto a moral constituída, que
orienta seu comportamento por meio de normas. Em função da
adequação ou não à norma estabelecida, o ato será considerado moral ou
imoral.
Então, à pergunta "O que é o bem e o mal?", respondemos
diferentemente, caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na
vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à própria consciência
humana. Podemos perguntar ainda: Há uma hierarquia de valores?
O comportamento moral varia de acordo com o tempo e o lugar,
conforme as exigências das condições nas quais os homens se organizam
ao estabelecerem as formas efetivas e práticas de trabalho. Cada vez que
as relações de produção são alteradas, sobrevêm modificações nas
exigências das normas de comportamento coletivo.
Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade?
Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm
conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares?
Ou, ao contrário, são relativos: "verdade aquém, erro além dos Pireneus",
como dizia Pascal? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das
duas posições contraditórias do universalismo e do relativismo?
Por exemplo, a Idade Média se caracteriza pelo regime feudal, baseado
na rígida hierarquia de suseranos, vassalos e servos. O trabalho é
garantido pelos servos, possibilitando aos nobres uma vida de ócio e de
3
guerra. A moral cavalheiresca que daí deriva reside no pressuposto da
superioridade da classe dos nobres, exaltando a virtude da lealdade e da
fidelidade - suporte do sistema de suserania - bem como a coragem do
guerreiro. Em contraposição, o trabalho é desvalorizado e restrito aos
servos. Essa situação se altera com o aparecimento da burguesia, a qual,
formada pela classe de trabalhadores oriunda da liberação dos servos,
estabelece novas relações de trabalho e faz surgir novos valores, como a
valorização do trabalho e a crítica à ociosidade.
fundamental, justamente a que determina o seu caráter histórico. Toda
moral está situada no tempo e reflete o mundo em que a nossa liberdade
se acha situada. Diante do passado que condiciona nossos atos, podemos
nos colocar à distância para reassumi-lo ou recusá-lo. A historicidade do
homem não reside na mera continuidade no tempo, mas constitui a
consciência ativa do futuro, que torna possível a criação original por
meio de um projeto de ação que tudo muda.
Cada um sabe, por experiência pessoal, como isso é penoso, pois supõe a
descoberta de que as normas, adequadas em determinado momento,
tornam-se caducas e obsoletas em outro e devem ser mudadas. As
contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações
estabelecidas entre os homens, ao produzirem sua existência por meio do
trabalho, exigem um novo código de conduta.
4. Caráter pessoal da moral
No entanto, a moral não se reduz à herança dos valores recebidos pela
tradição. À medida que a criança se aproxima da adolescência,
aprimorando o pensamento abstrato e a reflexão crítica, ela tende a
colocar em questão os valores herdados. Algo semelhante acontece nas
sociedades primitivas, quando os grupos tribais abandonam a
abrangência da consciência mítica e desenvolvem o questionamento
racional.
Mesmo quando queremos manter as antigas normas, há situações críticas
enfrentadas devido à especificidade de cada acontecimento. Por isso a
cisão também pode ocorrer a partir do enredo de cada drama pessoal: a
singularidade do ato moral nos coloca em situações originais em que só o
indivíduo livre e responsável é capaz de decidir. Há certas "situaçõeslimite", tão destacadas pelo existencialismo, em que regra alguma é
capaz de orientar a ação. Por isso é difícil, para as pessoas que estão "do
lado de fora", fazer a avaliação do que deveria ou não ser feito.
A ampliação do grau de consciência e de liberdade, e portanto de
responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um
elemento contraditório que irá, o tempo todo, angustiar o homem: a
moral, ao mesmo tempo que é o conjunto de regras que determina como
deve ser o comportamento dos indivíduos do grupo, é também a livre e
consciente aceitação das normas.
5. Caráter social e pessoal da moral
Isso significa que o ato só é propriamente moral se passar pelo crivo da
aceitação pessoal da norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à
necessidade da interioridade, da adesão mais íntima.
Como vimos, a análise dos fatos morais nos coloca diante de dois pólos
contraditórios: de um lado, o caráter social da moral, de outro, a
intimidade do sujeito.
Portanto, o homem, ao mesmo tempo que é herdeiro, é criador de cultura,
e só terá vida autenticamente moral se, diante da moral constituída, for
capaz de propor a moral constituinte, aquela que é feita dolorosamente
por meio das experiências vividas.
Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, sucumbimos ao
dogmatismo e ao legalismo. Isto é, ao caracterizar o ato moral como
aquele que se adapta à norma estabelecida, privilegiamos os
regulamentos, os valores dados e não discutidos. Nessa perspectiva, a
educação moral visa apenas inculcar nas pessoas o medo às
conseqüências da não-observância da lei.
Nessa perspectiva, a vida moral se funda numa ambigüidade
4
Trata-se, no entanto, de vivência moral empobrecida, conhecida como
farisaísmo: numa passagem bíblica, um fariseu (membro de uma seita
religiosa) louva o seu próprio comportamento, agradecendo a Deus por
não ser "como os outros" que transgridem as normas. Tal formalismo
muitas vezes está ligado à pretensão e à hipocrisia.
que todas as formas de conduta são aceitas indistintamente. O professor
José Arthur Gianotti assim se expressa: "Os direitos do homem, tais
como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam
condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não
deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver
com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com
isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima,
tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular
do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do
bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da
moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem
direitos humanos fundamentais"3.
Por outro lado, se aceitarmos como predominante a interrogação do
indivíduo que põe em dúvida a regra, corremos o risco de destruir a
moral, pois, quando ela depende exclusivamente da sanção pessoal, recai
no individualismo, na "tirania da intimidade" e, conseqüentemente, no
amoralismo, na ausência de princípios. Ora, o homem não é um ser
solitário, um Robinson Crusoé na ilha deserta, mas "con-vive" com
pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam.
6. O ato moral
Portanto, é preciso considerar os dois pólos contraditórios do pessoal e
do social numa relação dialética, ou seja, numa relação que estabeleça o
tempo todo a implicação recíproca entre determinismo e liberdade, entre
adaptação e desadaptação à norma, aceitação e recusa da interdição.
Estrutura do ato moral
A instauração do mundo moral exige do homem a consciência crítica,
que chamamos de consciência moral. Trata-se do conjunto de exigências
e das prescrições que reconhecemos como válidas para orientar a nossa
escolha; é a consciência que discerne o valor moral dos nossos atos.
Para tanto, o aspecto social é considerado sob dois pontos de vista. Em
primeiro lugar, significa apenas a herança dos valores do grupo, mas,
depois de passar pelo crivo da dimensão pessoal, o social readquire a
perspectiva humana e madura que destaca a ênfase na intersubjetividade
essencial da moral. Isto é, quando criamos valores, não o fazemos para
nós mesmos, mas enquanto seres sociais que se relacionam com os
outros.
O ato moral é portanto constituído de dois aspectos: o normativo e o
fatual. O normativo são as normas ou regras de ação e os imperativos que
enunciam o "dever ser". O fatual são os atos humanos enquanto se
realizam efetivamente.
Essa questão é importante sobretudo nos tempos atuais, quando nos
encontramos no extremo oposto das sociedades primitivas ou
tradicionais, nas quais persiste a homogeneidade de pensamento e
valores. Hoje, nas cidades cosmopolitas, há múltiplas expressões de
moralidade, e a sabedoria consiste na aceitação tolerante dos valores dos
grupos diferentes, evitando o moralismo, que consiste na tentação de
impor nosso ponto de vista aos outros.
Pertencem ao âmbito do normativo regras como: "Cumpra a sua
obrigação de estudar"; "Não minta"; "Não mate". O campo do fatual é a
efetivação ou não da norma na experiência vivida. Os dois pólos são
distintos, mas inseparáveis. A norma só tem sentido se orientada para a
prática, e o fatual só adquire contorno moral quando se refere à norma.
3
José Arthur Gianotti, Moralidade pública e moralidade privada, in Adauto Novaes
Corg.), Ética, p. 245.
Isso não deve ser interpretado como defesa do extremo relativismo em
5
O ato efetivo será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não
com a norma estabelecida. Por exemplo, diante da norma "Não minta", o
ato de mentir será considerado imoral. Convém lembrar aqui a discussão
estabelecida anteriormente a respeito do social e do pessoal na moral.
Nesse caso estamos considerando que o ato só pode ser moral ou imoral
se o indivíduo introjetou a norma e a tornou sua, livre e conscientemente.
moral e da possibilidade de qualquer vida em sociedade. Aliás, não é
essa a aprendizagem da criança, que, a partir da tirania do desejo, deve
chegar ao controle do desejo? Observe que não estamos dizendo
repressão do desejo, pois a repressão é uma força externa que coage,
enquanto o controle supõe a autonomia do sujeito que escolhe entre os
seus desejos, os prioriza e diz: "Este fica para depois"; "Aquele não devo
realizar nunca"; "Este realizo agora com muito gosto" .
Considera-se amoral o ato realizado à margem de qualquer consideração
a respeito das normas. Trata-se da redução ao fatual, negando o
normativo. O homem "sem princípios" quer pautar sua conduta a partir
de situações do presente e ao sabor das decisões momentâneas, sem
nenhuma referência a valores. É a negação da moral.
O ato responsável
A complexidade do ato moral está no fato de que ele provoca efeitos não
só na pessoa que age, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade
como um todo.
Convém distinguir a postura amoral da não-moral, quando usamos
outros critérios de avaliação que não são os da moral. Por exemplo,
quando é feita a avaliação estética de um livro, a postura do crítico é nãomoral; isso não significa que ele próprio não tenha princípios morais nem
que a própria obra não possa ser moral. oral, mas o que está sendo
observado é o valor da obra como arte. As discussões a respeito do que é
ou não é uma obra pornográfica se encontram muitas vezes prejudicadas
devido à intromissão da moral em campos onde não foi chamada, o que
muitas vezes tem justificado indevidamente a ação da censura.
Portanto, para que um ato seja considerado moral, ele deve ser livre,
consciente, intencional, mas também é preciso que não seja um ato
solitário e sim solidário. O ato moral supõe a solidariedade, a
reciprocidade com aqueles com os quais nos comprometemos. E o
compromisso não deve ser entendido como algo superficial e exterior,
mas como o ato que deriva do ser total do homem, como uma
"promessa" pela qual ele se encontra vinculado à comunidade.
Dessas características decorre a exigência da responsabilidade.
Responsável é aquele que "responde por seus atos", isto é, o homem
consciente e livre assume a autoria do seu ato, reconhecendo-o como seu
e respondendo pelas conseqüências dele.
O ato voluntário
Se o que caracteriza fundamentalmente o agir humano é a capacidade de
antecipação ideal do resultado a ser alcançado, concluímos que é isso que
torna o ato moral propriamente voluntário, ou seja, um ato de vontade
que decide pela busca do fim proposto.
O dever e a liberdade
O comportamento moral é consciente, livre e responsável. É também
obrigatório, cria um dever. Mas a natureza da obrigatoriedade moral não
reside na exterioridade; é moral justamente porque deriva do próprio
sujeito que se impõe a necessidade do cumprimento da norma. Pode
parecer paradoxal, mas a obediência à lei livremente escolhida não é
prisão; ao contrário, é liberdade.
Nesse sentido, é importante não confundir desejo e vontade. O desejo
surge em nós com toda a sua força e exige a realização; é algo que se
impõe e, portanto, não resulta de escolha. Já a vontade consiste no poder
de parada que exercemos diante do desejo.
Seguir o impulso do desejo sempre que ele se manifesta é a negação da
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A consciência moral, como juiz interno, avalia a situação, consulta as
normas estabelecidas, as interioriza como suas ou não, toma decisões e
julga seus próprios atos. O compromisso humano que daí deriva é a
obediência à decisão.
Em todos esses sentidos persiste a idéia de força, de capacidade. Em
moral; a virtude do homem é a força com a qual ele se aplica ao dever e o
realiza. A virtude é a permanente disposição para querer o bem, o que
supõe a coragem de assumir os valores escolhidos e enfrentar os
obstáculos que dificultam a ação.
No entanto, o compromisso não exclui a não-obediência, o que
determinará o caráter moral ou imoral do nosso ato. Por isso o filósofo
existencialista Gabriel
Uma vida autenticamente moral não se resume a um ato moral, mas é a
repetição e continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava que "uma
andorinha, só, não faz verão" para dizer que o agir virtuoso não é
ocasional e fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado no desejo de
continuidade e na capacidade de perseverar no bem. Ou seja, a
verdadeira vida moral se condensa na vida virtuosa.
Marcel diz: "O homem livre é o homem que pode prometer e pode trair".
Isso significa que, para sermos realmente livres, devemos ter a
possibilidade sempre aberta da transgressão da norma, mesmo daquela
que nós mesmos escolhemos. Para entendermos melhor, consideremos as
noções de heteronomia e autonomia.
7. Conclusão
A palavra heteronomia (hetero, "diferente", e nomos, "lei") significa a
aceitação da norma que não é nossa, que vem de fora, quando nos
submetemos aos valores da tradição e obedecemos passivamente aos
costumes por conformismo ou por temor à reprovação da sociedade ou
dos deuses. É característica do mundo infantil viver na heteronomia.
O delicado tecido da moral diz respeito ao indivíduo no mais fundo de
seu "foro íntimo", ao mesmo tempo que o vincula aos homens com os
quais convive.
Embora a ética não se confunda com a política, cada uma tendo seu
campo específico, elas se relacionam necessariamente. Por um lado, a
política, ao estender a justiça social a todos, permite a melhor formação
moral dos indivíduos. Por outro lado, as exigências éticas não se separam
da ação dos governantes, que não devem interpor seus interesses pessoais
aos coletivos.
A autonomia (auto, "próprio") não nega a influência externa e os
determinismos, mas recoloca no homem a capacidade de refletir sobre as
limitações que lhe são impostas, a partir das quais orienta a sua ação para
superar os condicionamentos. Portanto, quando decide pelo dever de
cumprir uma norma, o centro da decisão é ele mesmo, a sua própria
consciência moral. Autonomia é autodeterminação.
Estabelecer a dialética entre o privado e o público é tarefa das mais
difíceis e exige aprendizagem e têmpera. É assim que se forja o caráter
das pessoas.
A virtude
Etimologicamente, virtude vem da palavra latina vir, que designa o
homem, o varão. Virtus é "poder", "potência" (ou possibilidade de passar
ao ato). Virilidade está ligada à idéia de força, de poder. Virtuose é
aquele capaz de exercer uma atividade em nível de excelência, como, por
exemplo, um virtuose do violino.
Exercícios
1. o que significa dizer que "a não-indiferença é a essência do valor"?
2. Explique esta afirmação: O homem, diferentemente do animal, é capaz
de produzir interdições.
7
3. Em que consiste o caráter histórico-social da moral? E o caráter
pessoal?
c) Explique como a ênfase dada à violência física de rua denota uma
postura individualista.
4. Ao explicar a superação dos dois pólos contraditórios da moral (o
social e o pessoal), analise a citação de Pascal que consta da epígrafe do
capítulo: "A verdadeira moral zomba da moral".
d) Indique outros tipos de distorção semelhantes na avaliação dos atos de
violência.
e) Interprete o texto usando os conceitos aprendidos no Capítulo 5 Ideologia.
5. Por que, mesmo considerando a tolerância um valor máximo da
convivência humana, não aceitamos a moral de grupos como a Máfia, a
Klu-Klux-KIan ou grupos neonazistas?
14. Leia o texto complementar II, "Interdição e transgressão", e
responda:
6. O que determina que um ato seja considerado moral ou imoral?
7. O que é um ato amoral? E o não-moral?
a) O que significa "um tipo de transgressão que não suprima as
interdições, mas as mantenha transgredidas"?
8. Todo ato moral deve ser julgado em função dos motivos, fins, meios,
resultados. Explique como esses aspectos se inter-relacionam.
b) Qual é a diferença
pseudotransgressão?
9. Explique: "Não há moral do desejo; só é moral o ato voluntário".
15. Leia o texto m, "Diante da Lei", e interprete-o usando os conceitos
aprendidos. Seguem algumas sugestões:
entre
a
transgressão
autêntica
e
a
10. O que é heteronomia? E autonomia?
a) O camponês "esquece-se dos outros", "retoma à infância",
"enfraquece-se", "diminui de tamanho", "morre": qual é a conotação
dessas expressões se considerarmos o comportamento moral do
camponês? O que significa "morrer" nesse contexto?
11. O que significa progresso moral? Por que não pode ser identificado
com mudança moral?
12. Explique: No mundo contemporâneo, muitas pessoas não têm
condição de vida autenticamente moral.
b) Explique o significado do guarda na porta da Lei, recorrendo aos
conceitos de heteronomia e autonomia.
13. Leia o texto complementar I, "O crime 'elegante''' e responda às
questões:
c) Interprete a última frase do texto a partir do aspecto pessoal da moral.
d) Relacione o texto de Kafka com o anterior, "Interdição e
transgressão", explicando qual foi o principal erro do camponês.
a) Quais são os tipos de violência analisados no texto?
b) Explique como numa sociedade dividida em classes há, ao lado da
violência física aparente, um outro tipo de violência que é velada (que
não se revela à primeira vista).
Textos complementares
8
O crime "elegante"
pela dignidade.
Os temas da violência urbana são importantes, mas estão permitindo que
se tire de foco outra violência cujas conseqüências são muito mais sérias
para a sociedade como um todo: a dos criminosos de paletó e gravata.
A lei, pelo tratamento benévolo que dá a esses delitos, incentiva-os. Isto,
sem falar em sua proverbial impunidade. Tende a lei a não ser alterada,
porque o grupo social não consegue sensibilizar-se para a imensa fonte
de danos que tais delitos provocam. Diversamente portanto do que acontece com os crimes individuais geralmente praticados pelo maloqueiro e
pelo favelado, e, por isso, juridicamente "pequenos".
Essa desfocagem é gravíssima. O grupo social está consciente do perigo
do "trombadinha".
Alguns exemplos ilustram o que quero dizer. O cidadão que, por culpa,
provoque poluição de uma fonte de água potável sujeita-se a detenção de
seis meses a dois anos, embora ponha em risco a vida e a saúde de muita
gente, como se tem visto em casos repetidos. Aquele que corrompa,
adultere ou falsifique substância alimentícia destinada ao consumo
público sujeita-se a uma pena máxima de seis anos. Ou seja, dois anos
mais que a do autor de apropriação indébita de uma caneta-tinteiro.
Todavia, dois anos menos que o criminoso do furto qualificado, ainda
que o produto seja de umas poucas centenas de cruzeiros.
Tem raiva do ladrão. São muitos os que proclamam as vantagens da pena
de morte para assassinos e estupradores. Todavia, encara com indiferença
e até com desalentada passividade que o grande golpista dos dólares, o
despudorado ladrão de ações, o cínico criminoso das empresas públicas,
o impiedoso manipulador do mercado imobiliário fiquem impunes.
Essa é uma atitude irracional e primária. Entretanto, aparentemente,
inevitável. O canalha colunável que se sustenta em sucessivos golpes, ao
preço da infelicidade e do patrimônio alheio, muitas vezes levando
famílias inteiras à ruína, é encarado como aventureiro ousado e, às vezes,
até mesmo como provido de um certo charme. O "trombadinha", ainda
que menor de idade, ao tirar uma carteira e sair em disparada, sempre
encontra quem o queira linchar. Sobre ele se abate, com facilidade, a
baba do ódio que está alojada nos sentimentos do povo.
O funcionário público, prevaricador - tanto o pequeno quanto o grande
potentado do serviço público -, que retarde ou deixe de praticar
indevidamente ato de ofício, para satisfazer interesse ou sentimento
pessoal, corre' o risco máximo - rarissimamente aplicado - de um ano de
detenção, seja qual for a relevância social do ato praticado.
A causa aparente do absurdo está na indiferença ante o grande dano
coletivo e a fúria cada vez mais agravada contra a ofensa individual. O
mundo inteiro - é evidente que sob o impacto de cobertura maciça da
imprensa escrita e da televisão - se sensibilizou até as lágrimas com o
caso dos reféns americanos. Todavia, são muito poucos os que se afligem
com as dezenas de crianças que diariamente morrem de inanição neste
nosso Brasil. Do ponto de vista do direito essa atitude repercute em leis
que tendem a ser cada vez mais rigorosas com o pequeno criminoso
individual, ainda que brutal e impiedoso, e cada vez mais generosas com
os "assaltantes" que ouvem Bach, que distinguem Picasso de Miró, a um
primeiro olhar, ou que, simplesmente, tendo amealhado fortuna, sentemse desobrigados de qualquer gesto de respeito pelo patrimônio alheio ou
A formulação da lei tem um defeito de origem, como se demonstraria
com mais outros exemplos, se fossem necessários. Os que aí ficaram são,
porém, suficientes para evidenciar outro aspecto relevante: é a elite que
faz a lei. Escreve-a a seu gosto, voltada para seus principais interesses.
Os únicos, aliás, de que tem compreensão adequada. Só assim é possível
entender que a fraude no comércio, consistente em enganar
intencionalmente o adquirente ou o consumidor, vendendo mercadoria
falsificada ou deteriorada como se fosse verdadeira, merece apenas
detenção de seis meses a dois anos, pouco importando qual o prejuízo
causado ou quais sejam os enganados. Porém, para o rufião, que explora
uma prostituta, a pena é de reclusão de um a quatro anos. O pequeno
9
comerciante, porém, pode até ser levado a ajoelhar-se diante do juiz,
como aconteceu há pouco4 É a punição que recebe por ser pequeno ...
e a obceca, lugar absoluto da ação, limiar da loucura.
A existência inautêntica pode subordinar,se à Lei, reificá-la nas formas
instituídas da alienação, projeta-la nos instrumentos opressivos do
capitalismo: teremos o universo modelar do catecismo e da "moralina",
das boas ações e dos bons sentimentos, dos discursos de inauguração e
dos artigos de fundo, do adocicado e viscoso da palavra virtuosa, da
mediocridade resignada e quase feliz no seu destino dócil, dos mitos da
autoridade e da identidade, do comportamento íntegro que não oferece
dúvidas.
A óptica social está errada. A atitude da sociedade é burra, quando fecha
os olhos para o criminoso de punhos de seda, cuja conduta tem um
terrível subproduto ainda insuficientemente avaliado. Subproduto
consistente na contribuição para o agravamento das condições sócioeconômicas da maioria do povo, geradores principais das agressões
urbanas. E, paradoxo dos paradoxos: algumas das vozes mais calorosas
do combate à violência assustadora mas nascida no submundo da
metrópole certamente seriam caladas se fosse possível punir a grande e
desumana violência dos criminosos de paletó e gravata. Isso porque
algumas dessas vozes pertencem a eles. Essa é uma realidade que ainda
não atingiu a consciência do povo.
(...) Devemos distinguir entre a transgressão autêntica e a
pseudotransgressão a que a nossa civilização repressiva nos habituou.
Como nota Sollers, "uma tal libertação é apenas a máscara de uma
repressão redobrada". As pseudotransgressões são brechas abertas na
muralha da moral que apenas servem para consolidar a resistência dessa
muralha. É por isso que certas atitudes "escandalosas" são toleradas, e
até mesmo cultivadas, porque elas constituem a face demoníaca que
estabelece, numa sutil contabilidade, o equilíbrio da repressão social.
Determinados meios, determinadas camadas (a juventude como
momento de purificação que antecede a austeridade de uma vida), deter,
minadas ruas, determinadas formas de clandestinidade, são apenas álibis
por meio dos quais a sociedade obtém a dosagem exata da sua moral.
(Walter Ceneviva, in Folha de S. Paulo, 6.2.1981.)
Interdição e transgressão
O homem é o ser que produz interdições. (...) A vida social, com as suas
normas e as suas hierarquizações, as suas instituições e os seus sistemas
simbólicos, exige necessariamente uma rede de interdições que assinalam
os lugares de ruptura entre o homem e o animal.
Mas o que define o homem é a transgressão. Não quer isto dizer que se
pretenda um regresso à natureza, mas sim um tipo de transgressão que
não suprima as interdições, mas as mantenha transgredidas. Existe,
assim, "uma cumplicidade profunda da lei e de sua violação"5. (...) A
transgressão é o rasgar das normas, é a subversão de uma ordem.
Existem inúmeras formas de existência inautêntica, que são aquelas que
nos indicam as diversas figuras da alienação. A existência autêntica é a
que se lança na exploração do possível rumo ao impossível que lhe acena
"Ce qui vient au monde pour ne rien troubler ne mérite ni égards ni
patience."6 (René Char)
(Eduardo Prado Coelho, Introdução à obra Estruturalismo; antologia de
textos teóricos. Lisboa, Martins Fontes, Portugália Ed., p. LXVIII.)
Diante da Lei
Diante da Lei há um guarda. Um camponês apresenta-se diante deste
guarda, e solicita que lhe permita entrar na Lei. Mas o guarda responde
4
O autor se refere a um caso noticiado nos jornais: por questões pessoais, o juiz de
direito de uma cidade do interior do Estado de São Paulo humilhou um padeiro,
obrigando-o a ajoelhar-se e pedir perdão.
5
Georges Bataille.
6
Aquele que vem ao mundo para nada alterar não merece nem consideração nem
paciência".
10
que por enquanto não pode deixá-lo entrar. O homem reflete, e pergunta
se mais tarde o deixarão entrar.
contemplação do guarda, chegou a conhecer até as pulgas de seu abrigo
de pele, também suplica às pulgas que o ajudem e convençam ao guarda.
Finalmente, sua vista enfraquece-se, e já não sabe se realmente há menos
luz, ou se apenas o enganam seus olhos. Mas em meio da obscuridade
distingue um resplendor, que surge inextinguível da porta da Lei. Já lhe
resta pouco tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências desses
longos anos se confundem em sua mente em uma só pergunta, que até
agora não formou. Faz sinais ao guarda para que se aproxime, já que o
rigor da morte endurece seu corpo. O guarda vê-se obrigado a baixar-se
muito para falar com ele, porque a disparidade de estaturas entre ambos
aumentou bastante com o tempo, para detrimento do camponês.
- E possível - disse o porteiro -, mas não agora.
A porta que dá para a Lei está aberta, como de costume; quando o guarda
se põe de lado, o homem inclina-se para espiar. O guarda vê isso, ri-se e
lhe diz:
- Se tão grande é o teu desejo, experimenta entrar apesar de minha
proibição. Mas lembra-te de que sou poderoso. E sou somente o último
dos guardas. Entre salão e salão também existem guardas, cada qual mais
poderoso do que o outro. Já o terceiro guarda é tão terrível que não posso
suportar seu aspecto.
- Que queres saber agora? - pergunta o guarda. - És insaciável.
- Todos se esforçam por chegar à Lei - diz o homem -; como é possível
então que durante tantos anos ninguém mais do que eu pretendesse
entrar?
O camponês não havia previsto estas dificuldades; a Lei deveria ser
sempre acessível para todos, pensa ele, mas ao observar o guarda, com
seu abrigo de peles, seu nariz grande e como de águia, sua barba longa de
tártaro, rala e negra, resolve que mais lhe convém esperar. O guarda dálhe um banquinho, e permite-lhe sentar-se a um lado da porta. Ali espera
dias e anos. Tenta infinitas vezes entrar, e cansa ao guarda com suas
súplicas. Com freqüência o guarda mantém com ele breves palestras, fazlhe perguntas sobre seu país, e sobre muitas outras coisas; mas são
perguntas indiferentes, como as dos grandes senhores, e para terminar,
sempre lhe repete que ainda não pode deixa-lo entrar. O homem, que se
abasteceu de muitas coisas para a viagem, sacrifica tudo, por mais
valioso que seja, para subornar ao guarda. Este aceita tudo, com efeito,
mas lhe diz:
O guarda compreende que o homem já está para morrer, e, para que seus
desfalecentes sentidos percebam suas palavras, diz-lhe junto ao ouvido
com voz atroadora:
- Ninguém podia pretender isso, porque esta entrada era somente para ti.
Agora vou fechá-la.
(F. Kafka, Diante da Lei, in A colônia penal, São Paulo, Livraria
Exposição do Livro, 1965, p. 71.)
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
- Aceito-o para que não julgues que tenhas omitido algum esforço.
Durante esses longos anos, o homem observa quase continuamente o
guarda: esquece-se dos outros, e parece-lhe que este é o único obstáculo
que o separa da Lei. Maldiz sua má sorte, durante os primeiros anos
temerariamente e em voz alta; mais tarde, à medida que envelhece,
apenas murmura para si. Retoma à infância, e, como em sua longa
II A SIGNIFICAÇÃO DA ÉTICA
É como um saber que se verte e se direciona para o comportamento que
se deve definir e divisar conceitualmente o que seja a ética. De fato,
11
concebê-la distante da palpitação diuturna das experiências humanas,
fora do calor das decisões morais, fora dos dilemas existenciais e
comportamentais vividos e experimentados em tomo do controle das
paixões, das agitações psicoafetivas e sociais que movimentam pessoas,
grupos, coletividades e sociedades, é o mesmo que afastá-la de sua
matéria-prima de reflexão.
comum. Nessa medida, pode-se adiantar que da composição de ações
individuais dá-se início ao processo de aglomeração de ações individuais,
até a formação da intersubjetividade, momento deste processo em que se
torna difícil separar uma ação individual da outra, uma contribuição
individual da outra, dentro de um grande emaranhado de ações que se
relacionam.
A ética encontra na mais robusta fonte de inquietações humanas o alento
para sua existência. É na balança ética que se devem pesar as diferenças
de comportamentos, para medir-lhes a utilidade, a finalidade, o
direcionamento, as conseqüências, os mecanismos, os frutos. Se há que
se especular em ética sobre alguma coisa, essa "alguma coisa" é a ação
humana. O fino equilíbrio sobre a modulação e a dosagem dos
comportamentos no plano da ação importa à ética.
Dentre as possíveis espécies de ação humana (ação política, ação de
trabalhar, ação de se alimentar, ação de pensar, ação de emitir um
discurso), de acordo com a canalização das energias e sua adequação ao
cumprimento de determinadas metas, há que se priorizar as atenções
deste estudo por sobre a ação moral. É tarefa difícil defini-la, em si e por
si, mas sabe-se que a ação moral não pode corresponder a um único ato
isolado com determinado conteúdo (dar uma esmola, perdoar uma
ofensa, fazer justiça perante um desvalido). De fato, estar diante de uma
ação moral não é estar diante de uma ação com determinado conteúdo,
mas sim estar diante de uma ação cuja habitualidade comportamental
confere ao indivíduo a característica de ser único e poder governar-se a si
mesmo8• Então, a ação moral tem que ver com uma determinada forma
de se conduzir atitudes de vida; uma única atitude não traduz a ética de
uma pessoa, é mister a observação de seus diversos traços
comportamentais. O poder de deliberar e decidir qual a melhor (ou mais
oportuna, ou mais adequada) forma de conduzir a própria personalidade
em interação (familiar, grupal, social...) é uma liberdade da qual faz uso
todo ser humano9; a ética é a capacidade coligada a essa liberdade10.
A ação humana é uma movimentação de energias que se dá no tempo e
no espaço. Mas não só. Trata-se de uma movimentação de energias que
se perfaz mediante: uma determinada manifestação de comportamento
(trabalhar ou roubar; elogiar ou ofender; construir ou destruir); um
conjunto de intenções (intenção de ganhar dinheiro mediante emprego de
suas próprias energias ou rápida e facilmente à custa do sacrifício alheio;
intenção de ofender e magoar ou intenção de estimular; intenção de fazer
ou desfazer o que está pronto); a obtenção de determinados efeitos (viver
pelas próprias forças ou viver mediante o esforço alheio; promover o
bem-estar de outrem ou desgastar o interior e as emoções de outrem;
deixar sua contribuição ou apagar a contribuição dos outros).
Mais ainda, a ação humana, este empenho direcionado de energias, não
se restringe a existir e a se portar de acordo com o que se disse acima,
pois também con-vive com outras ações humanas em sociedade7, de
modo a que a própria sociedade se torne um cadinho para onde
convergem todos os fluxos de ações aglomeradas em torno de um fim
8
Em seu Termosfilosóficos gregos: um léxico histórico, 2. ed., F. E. Peters diz a
respeito do termo éthos, p. 85: "Éthos: caráter, modo de vida habitual: Heráclito: 'o
éthos de um homem é o seu daimon', Diels, frg. 119. Em Platão é um resultado do
hábito (Leis 792e), é mais moral do que intelectual (dianoia) emAristóte1es (Eth. Nic. 1
139a). Tipos de éthos em vários períodos de vida são descritos por Aristóteles, Reth. lI,
caps.12-14. No estoicismo o éthos é a fonte do comportamento, SVF 1,203".
9
"O certo é que o bem ético implica sempre medida, ou seja, regras ou normas,
postulando um sentido de comportamento, com possibilidade de livre escolha por parte
dos obrigados, exatamente pelo caráter de dever ser e não de necessidade física (ter que
ser) de seus imperativos" (Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 389).
10
Vide, a respeito, uma possível projeção do éthos na teoria aristotélica em: Bittar, A
7
Mas, isso não leva à confusão entre sociologia e ética: "Assim, enquanto na Sociologia
são estudados os fenômenos sociais e sociológicos, na Ética estudam-se os fenômenos e
fatos éticos, que enunciam, explicam ou justificam leis, regras e normas que atuam no
relacionamento e no procedimento humanos" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 97).
12
Há que se dizer, portanto, como decorrência do que se acaba de afirmar,
que a ética demanda do agente:
conjunto de hábitos ou comportamentos de grupos ou de uma
coletividade, podendo corresponder aos próprios costumes12.
1. conduta livre e autônoma: a origem do ato ou da conduta parte da livre
consciência do agente. Dessa forma, o agente manipulado para agir
inconscientemente, por força de um poder arbitrário ou de uma
imposição coercitiva, não pode ser considerado autônomo em suas
deliberações, e, portanto, essa ação não pode ser considerada de sua livre
autoria. Não gera responsabilidade ética;
A dificuldade de definir e circunscrever o estudo da ação moral se
encontra sobretudo no fato de que as diversas ações humanas, das mais
rudimentares às mais tecnocráticas, se misturam à ação moral. Exercemse atos morais quando se elegem prioridades pessoais de vida, quando se
é solidário com quem necessita, quando se auxilia outrem por
companheirismo numa atividade profissional... donde as ações morais
permearem a presença do homem onde quer que se projete a
personalidade humana. Daí poder-se falar em ética na ação política, em
ética do profissional, em ética na ecologia...
2. conduta dirigida pela convicção pessoal: o auto-convencimento é o
exercício que transforma idéias, ideologias, raciocínios e pensamentos
em princípios da ação, sob a única e exclusiva propulsão dos interesses
do indivíduo. Toda decisão surge da consciência individual, o que não
impede que a deliberação ética possa estar influenciada por valores
familiares, sociais Mas, o que há de constante é a sede de decisão, que
deve ser individual;
Os canais de realização de ações morais também são os mais diversos
possíveis, uma vez que estas se exercem seja através do discurso, seja
através de gestos, seja através de escrito, seja através de atitudes (fazer
ou não fazer), seja através de procederes... donde as ações morais
contaminarem as diversas formas de manifestação humana. Disso resulta
a dificuldade de se diferir o que é o conteúdo da atividade (atividade
laboral, atividade política...) desenvolvida e o que é o conteúdo de
3. conduta insuscetível de coerção: a falta de sanção mais grave,
dependendo da consciência e dos valores sociais, peculiariza a
preocupação ética (exclusão do grupo, vergonha, dor na consciência,
arrependimento...). A conduta, portanto, só é feita eticamente não por
metus cogendi poenae (pena privativa de liberdade, restritiva de
direitos...), como ocorre diante de normas jurídicas, mas por livre
convencimento do agente dentro de regras e costumes sociais.
ciência. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos morais os princípios gerais a
eles aplicáveis" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 34).
12
"Aristote est le premier philosophe à avoir fait de l'éthos un concept philosophique à
part entiere, donnant lieu à une étude spécifique (pragmateia) de la vertu éthique, c'està-dire de la vertu du caractere. Le caractere désigne une disposition acquise par
1'habitude de la partie désiderante de l'âme, intermédiaire entre la partie végétative et la
partie rationnelle. Le terme éthos n' a pas été inventé par Aristote; ille recueille au
contraire d'une longue tradition et lui dorme encare dans de nombreux textes les divers
sens de cette tradition. C' est ainsi qu' éthos peut siguifier le tempérament naturel d'une
spece animale ou d'un individu, mais aussi la maniere habituelle d'être et de se
comporter; quant au pluriel êthê, il désigne les moeurs d'un individu, d'une spece, d'un
peuple, d'une cité. Toutes ces siguifications renvoient au même registre de l'habitude
sans qu'il soit toujours possible de décider si celle-ci est la manifestation de la nature ou
le résulta de l' education et de la costume. Mais ce que révelent ces ambigüités, c'est
qu'au IVe. siecle l' éthos estmoins un concept rigoureux qu'une notion surdéterminée
par des jugements de valeur, cristalisant des polémiques ou s' entremêlent des enjeux
pédagogiques, politiques et moraux" (Vemieres, Éthique et politique chez Aristote:
physis, êthos nomos, 1995, Introduction, V).
Visto isto, há que se afirmar que os estudos histórico e etimológico do
termo "ética" revelam que éthos está revestido de ambigüidades, o que
torna a própria discussão da matéria também aberta: éthos (grego,
singular) é o hábito ou comportamento pessoal, decorrente da natureza
ou das convenções sociais ou da educação11 éthe (grego, plural) é o
justiça em Aristóteles, 1999, p. 105.
11
"Conceituar ética já leva à conclusão de que ela não se confunde com a moral, pese
embora aparente identidade etimológica de significado. Éthos, em grego e mos, em
latim, querem dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou
melhor, a ética é a ciência dos costumes. Já a moral não é ciência, senão objeto da
13
moralidade do ato (atitude ético-profissional, atitude ético-política...).
é uma faceta da ética, ou seja, a sua faceta investigativa14.
Um bom critério para distinguir a ação moral das demais é considerar
que a ética tem que ver com a solução de conflitos intrasubjetivos e
intersubjetivos13. Tomado o sujeito de si para consigo, e, ao mesmo
tempo, de si perante outrem, os conflitos surgidos dessas duas esferas
podem ser gerenciados eticamente. Apesar de acertado, esse critério não
é suficiente para se dizer que se está diante de um critério final, capaz de
definir com exatidão os lindes da matéria.
A ética como prática consiste na atuação concreta e conjugada da
vontade e da razão, de cuja interação se extraem resultados que se
corporificam por diversas formas. Se as ações humanas são dotadas de
intencionalidade e finalidade, releva-se sobretudo a aferição prática da
concordância entre atos exteriores e intenções. A realização mecânica de
atos exteriores pelo homem deve estar em pertinente afinidade com a
atitude interna, de modo que, da consciência à ação, exista uma pequena
diferença de consumação. No fundo, a ação externa, modificativa do
mundo (ação discursiva, ação profissional, ação política... ), nada mais é
que a ultimação de um programa intencional preexistente à própria ação;
o programa ético é o correspondente guia da ação moral.
Se isso pode ser aceito, então dever-se-á concluir que a ética, tendo por
objeto de estudo a ação humana, encontra-se entre os saberes de maior
importância, seja para a compreensão do homem em si, seja para a
compreensão da sociedade e de seus fenômenos.
Então, a prática ética deve representar a conjugação de atitudes
permanentes de vida, em que se construam, interior e exteriormente,
atitudes gerenciadas pela razão e administradas perante os sentidos e os
apetites. Assim, fala-se no bom governo da coisa pública quando não
somente de intenções se constrói o espaço público. Diz-se que a prática
de condução das políticas públicas é ética se se realizaram atitudes
positivas e reais em prol da coisa pública. Também se fala em bom
proceder quando se constata não somente uma mínima intenção de não
lesar, mas sim um esforço efetivo no sentido de conter toda e qualquer
conduta capaz de suscitar a mínima lesão ao patrimônio espiritual,
material, intelectual e afetivo de outrem. Esta é a outra faceta da ética;
trata-se do conteúdo efetivo da ética como ocorrência individual e social.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
III ESTUDO E PRÁTICA DA ÉTICA
Desde já, feitas estas observações primordiais, e tendo-se em vista o que
ficou estabelecido acima, há que se distinguir a ética como saber da ética
como prática.
O saber ético incumbe-se de estudar a ação humana, e já se procurou dar
uma mostra da complexidade do assunto. E, esc1areça-se, enquanto se
está aqui a dissertar sobre ética, se está a falar sobre o comportamento
humano tomado em sua acepção mais ampla, a saber, como realização
exterior (exterioridade), como intenção espiritual (intencionalidade),
como conjunto de resultados úteis e práticos (finalidade; utilidade). Esta
Do exposto, deve-se extrair que a especulação ética corresponderá ao
estudo dos padrões de comportamento, das formas de comportamento,
das modalidades de ação ética, dos possíveis valores em jogo para a
escolha ética. Esse saber, que metodologicamente se constrói para
14
Posso afirmar que a Ética teórica procura estudar as idéias, linhas e formas de pensar
que se relacionam à natureza abstrata e imaterial do que nos é revelado nos fenômenos
éticos. Por estas paragens do conhecimento a Ética teórica e a Filosofia caminham
juntas; confundindo-se muitas vezes como um único campo do saber" (Korte, Iniciação
à ética, 1999, p. 52).
13
Esta é a posição teórica de Guisán, lntroducción a la ética, 1995, p. 28. Ou ainda:
"De modo más o menos provisional se podría decir, pues, que una norma es moral
cuando trata de sol ventar conflictos relativos a intereses intrasubjetivos o
intersubjetivos en colisión" (p. 29).
14
satisfazer à necessidade de compreensão de seu objeto, acaba se tornando
uma grande contribuição como forma de esclarecimento ao homem de
suas próprias capacidades habituais.
se na própria moral social e distingue-se por fortalecê-la, em função dos
vínculos científico e crítico que com ela mantém18. Então, a ética
investigativa acaba possuindo forte papel de participação social19.
Há que se dizer que existem autores que se detêm em conceituar o saber
ético como o saber que se incumbe de conhecer a retidão da conduta
humana, priorizando como objeto do saber ético o comportamento
virtuoso. Há outros que assinalam a virtude como o núcleo das
preocupações éticas de estudo. Porém, com base no que se disse, essas
definições são insuficientes para descrever a totalidade das preocupações
éticas15.
Outra distinção de relevo quando se está a discutir essa temática é aquela
que procura delinear o que com grande confusão é normalmente tratado:
o que seja moral e o que seja ética. A moral é o conteúdo da especulação
ética, pois se trata do conjunto de hábitos e prescrições de uma
sociedade20; é a partir de experiências conjunturais e contextuais que
surgem os preceitos e máximas morais21. A ética constitui-se num saber
verossímeis e verdadeiras. O objeto da Ética é o estudo dos fenômenos éticos. Isso
implica ordenação de pressupostos, ordenamento de idéias, linhas e formas de pensar, e,
mais que tudo, sistematização da observação e dos conhecimentos, o que quer dizer
métodos de trabalho. "A palavra costume tem origem latina, no vocábulo consuetudine.
Traduz a idéia de procedimento, comportamento. Em sociedade, conforme suas
características, o vocábulo costumes quer significar, genericamente, regras escritas ou
não, que regulam procedimentos, rituais e ritos, aceitos e praticados pela referida
comunidade" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 114).
18
"La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral,
explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella
misma, aI propio tiempo, alimentandose deI sustrato que comparte con la moral
positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican"
(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 34).
19
"A Ética estuda as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado. Ou
seja, entre o que é individualizado e o mundo a sua volta. Procura enunciar e explicar as
regras, normas, leis e princípios que regem os fenômenos éticos. São fenômenos éticos
todos os acontecimentos que ocorrem nas relações entre o indivíduo e o seu contexto"
(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 1).
20
"A moral é objeto da Ética. Mas a relação que se estabelece entre a Ética, um dos
capítulos da teoria da conduta e a moralidade positiva, como fato cultural, é a mesma
que pode ser encontrada entre uma doutrina científica e seu objeto" (Nalini, Ética geral
e profissional, 1999, p. 73).
21
"Moral é o que se refere aos usos, costumes, hábitos e habitualidades. De uma certa
forma, ambos os vocábulos se referem a duas idéias diferentes, mas relacionadas entre
si: os costumes dizem respeito aos fatos vividos, ao que é sensível e registrado no
acervo do grupo social como prática habitual. A idéia contida na moral é a relação
abstrata que comanda e dirige o fato, o ato, a ação ou o procedimento. A moral explica
e é explicada pelos costumes. A moral pretende enunciar as regras, normas e leis que
regem, causam e determinam os costumes, inclusive, muitas vezes, anunciando-lhes as
conseqüências" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 115).
Assim, o saber ético não é o estudo das virtudes, ou o estudo do bem,
mas o saber acerca das ações e dos hábitos humanos, e, portanto, das
virtudes e dos vícios humanos16, e das habilidades para lidar com umas e
com outros. É sim o estudo do bem e do mal, deitando-se sobre a questão
de como distingui-los e de como exercitar-se para desenvolver suas
faculdades anímicas para administrá-los.
Ademais, a especulação ética permite a crítica dos valores e dos
costumes na medida em que estuda e compreende fatos e
comportamentos valorativos17; então, possui tendência natural a imiscuir15
O estudo empreendido por Adam Smith, em seu tratado de moral, por exemplo, se
detém não somente na análise das virtudes, mas aponta claramente e distingue e
discute... a questão dos vícios, do que é desejável, do que é repugnante moralmente.
Esse pensador, certamente, empreende um estudo mais completo do problema.
16
Sobre o vício e a virtude e suas relações com a moralidade e os costumes: "Conforme
a tradição, o que chamamos virtudes são as idéias ou razões morais positivas que nos
trazem os melhores resultados. Os vícios são os portadores dos insucessos e dos
resultados negativos. Enquanto atuo, seja de acordo com virtudes ou vícios, procedo
eticamente. Mas, e aí vem o fundamento da explicação, se os costumes (mores) indicam
a prática da virtude, e eu pratico o vício, eu estou agindo contra a moral, mas, a rigor,
não estou agindo contra a Ética mas contra as regras que me são recomendadas pelos
conhecimentos trazidos pela Ética" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 67).
17
"A Ética não é em si mesma um código, nem um conjunto de regras e nem é só o
estudo do comportamento ou de suas regras, normas e leis. É um campo de
conhecimentos em que, à medida que avançamos, são feitas descrições, constatações,
hipóteses, indagações e comprovações. É possível encontrar leis, enunciados e respostas
15
especulativo acerca da moral, e que, portanto, parte desta mesma para se
constituir e elaborar suas críticas. Ainda que seja válido, útil e didático
propor esta diferenciação, é mister informar que a ética não pode se
desvincular da moralidade, pois esse é seu instrumental de avaliação,
mensuração, discussão e crítica22. A ética deve, com suas contribuições,
tender a fortalecer ainda mais a moral, e isso porque de seus juízos,
proposições, sentenças e afirmações científicas podem resultar
aperfeiçoamentos práticos substanciais para o que efetivamente se pensa
e se faz quotidianamente23.
reforçar o intuito de distinção entre saber ético e prática ética, motivo
deste item.
2.1. A ética e os conceitos vagos
O terreno da ética é pantanoso, sobretudo se considerado sob o ponto de
vista da ciência. De fato, os conceitos discutidos pela ética são
normalmente sujeitos à ambigüidade, à polissemia, à vaguidão, enfim, à
valoração. Os conceitos fluidos e indetermináveis de modo único e
absoluto são o núcleo dos estudos éticos. Então, como é possível um
saber preciso sobre ética, se sujeito a tanto relativismo conceitual?
Somente se pode admitir sua existência se se admite que é parte das
ciências humanas e vive de perto a variedade dos aspectos humanos
contidos nos valores subjetivos e sociais.
E não é excessivo dizer que, feitas essas distinções, deve-se perceber que
a interação do saber ético com a prática ética deve ser intensa. Isso
porque a ética demanda mais que puro discurso, mais que teoria, pois
requer prática. Em outras palavras, pode-se saber muito sobre ética, mas
o verdadeiro valor da ética não está nesses conhecimentos acumulados,
mas no uso aplicativo sobre atos e comportamentos que deles se possa
fazer. Aquele que muito conhece e pouco pratica em ética não pode ser
chamado prudente ou virtuoso (phrónimos) pelo simples fato de
conhecer24. A advertência é importante, e sua apresentação só vem a
Dessa forma, admitindo-se um estatuto próprio à ética como saber, que,
deve-se dizer, não se submete ao caráter purista e preciso das ciências
causais (ciências exatas e biológicas), pode-se discutir valores éticos com
uma margem de imprecisão admissível, tolerada, previsível e contida
pelo sistema. Ora, essa folga nas amarras de funcionamento dos sistemas
éticos é a própria característica que confere vitalidade às idéias por eles
expostas. Um sistema ético inflexível é mostra de impermeabilidade na
discussão dos valores, que são, por natureza, variáveis, históricoculturais, parcialmente relativos e passíveis de discussão.
22
"La ética no debe ser confundida con la moral, como ya se ha indicado aI comienzo
de este libro, pero tampoco puede permanecer desligada de la moralidad positiva, de la
que debe partir para corregirla y modificarIa" (Guisán, Introducción a la ética, 1995, p.
316).
23
"La ética, como reflexión crítica sobre la moral, tiene que tender a fortalecer la moral,
explicitando el objetivo último de las normas morales existentes, y a fortalecerse ella
misma, aI propio tiempo, alimentandos e deI sustrato que comparte con la moral
positiva: la raíz de la que en principio ambas brotan y en virtud de la cual se justifican"
(p. 34).
24
A observação é aristotélica, e para melhor compreender a matéria dever-se-ão
retomar alguns conceitos fundamentais da ética aristotélica. Falar de ética significa falar
da razão prática, ou seja, daquela parte do raciocínio que delibera para orientar a ação.
A razão prática está relacionada com a capacidade humana de delinear sobre meios e
fins na realização de suas atividades. O conceito de razão prática se opõe ao conceito de
razão teórica, uma vez que esta se incumbe da reflexão e da especulação, não
redundando em reflexos diretos sobre a ação. O que se há de assinalar é o fato de que o
estudo da ética consiste num saber que se verte para a prática, isto é, depende
fortemente da prática para subsistir. Mais que isso, como diz Aristóteles, com ênfase no
livro X da Ethica Nicomachea, a ética não se contenta com o puro conhecimento. Para
Então, a ética teórica não vive com dilemas por ter como objeto de
estudo conceitos fluidos e palavras de difícil determinação semântica. A
ética convive com eles como parte integrante de suas preocupações,
pesquisando mesmo sua variabilidade como algo inerente ao valor.
Essa flexibilidade ao admitir idéias sobre ética é o que permite espaço
para o desabrochar de novas éticas; é a folga do sistema para que nele
penetrem as inovações e a ele sejam incorporadas as aquisições mais
recentes no campo ético.
maiores esclarecimentos, consulte-se Bittar, A justiça em Aristóteles, 1999.
16
Grife-se, ainda, que a inflexibilidade somente poderia prejudicar a
prosperidade das idéias éticas e conspurcar a finalidade da teoria ética.
Ela não foi feita para esmagar a liberdade e a prática da ética, mas para
auxiliar e orientar a ação ética. Não se pode inverter funções: a teoria é o
apêndice da prática ética, e não o contrário. A teoria ética é o acessório,
quando a prática ética é o principal, o fim de toda formulação teórica
ética. Assim, todo estudo ou norma ética tem como fim a prática, e não a
teoria ética.
ao longo do tempo pela experiência. Seu cunho especulativo não a
permite ser senão um grande jogo especulativo, característica central do
saber filosófico27.
Não chega a se especificar e a se delinear como um saber particular sobre
um objeto de conhecimento. Defini-la como uma ciência normativa seria
por demais restrito pela amplitude das discussões que abarca28. Seus
quadrantes são tão abrangentes quanto as pretensões filosóficas que
envolve. Os saberes científicos, pelo contrário, encontram maior precisão
na delimitação de suas estreitas fronteiras de estudo.
O espaço dos conceitos fluidos e indetermináveis (bom, justo, correto,
bem comum, virtude, boa conduta...) é justamente o espaço necessário
para que os indivíduos, ante a ação e a prática, deliberem com liberdade
(caso a caso; conforme suas histórias de vida; conforme o meio;
conforme seus padrões morais...) o que é bom e o que é mau, o que é
justo e o que é injusto, o que é correto e o que é incorreto. Enfim, na ação
mora o fim de toda ética.
A ciência não seria capaz de dar conta de um objeto tamanhamente
complexo, como o é o objeto da especulação ética29. Sua complexidade
se deve à ilimitação de seu conteúdo, uma vez que a ação humana vive
em profundo movimento espaço-temporal e cultural, acompanhando as
vitórias e as desditas humanas nesse plano. Circunscrever esse objeto de
estudo para se tomar uma indagação científica é o mesmo que
compromissá-lo indevidamente com o campo das indagações delimitadas
e rigoristas. A abertura da especulação filosófica comporta sim o tipo de
indagação e preocupação que se procura assinalar como éticas, de modo
que se deve concluir, não obstante alguns autores advogarem a idéia da
autonomia científica da ética, ser essa uma parte do território de estudos
filosóficos, seu local de assento, seu berço natural.
2.2. Ética: ciência ou filosofia?
A ética é ciência ou filosofia? Em verdade, pode-se dizer que é filosofia,
filosofia prática, que tem por conteúdo o agir humano25. Isso porque se
trata de um saber especulativo, voltado para a crítica conceitual26 e
valorativa. Se o saber filosófico instaura a dúvida e a crítica, renunciando
a pretensões mais diretamente engajadas na resolução de questões
imediatamente necessárias e prementes, então é nesse solo que deve se
situar a especulação ético-conceitual. A ética firma-se em solo filosófico
como forma de fortalecimento das construções e deveres morais hauridos
27
Assim: "A Ética, como filosofia moral, é o ramo da filosofia que estuda e avalia a
conduta e o caráter humanos à vista dos conhecimentos, das tradições, dos usos e dos
costumes" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 99).
28
"A ética é uma disciplina normativa, não por criar normas, mas por descobri-las e
elucidá-las. Mostrando às pessoas os valores e princípios que devem nortear sua
existência, a Ética aprimora e desenvolve seu sentido moral e influencia a conduta"
(Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p. 35).
29
"O problema do valor do homem como ser que age, ou melhor, como o único ser que
se conduz, põe-se de maneira tal que a ciência se mostra incapaz de resolvê-lo. Este
problema que a ciência exige, mas não resolve, chama-se problema ético, e marca
momento culminante em toda verdadeira filosofia, que não pode deixar de exercer uma
função teleológica, no sentido do aperfeiçoamento moral da humanidade e na
determinação essencial do valor do bem, quer para o indivíduo quer para a sociedade"
(Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 35).
25
Ao defini-la de forma contrastante com a da grande parte dos atuais debatedores do
tema, está, naturalmente, definindo nitidamente postura singular em meio a vozes
abalizadas na matéria: "Também não é verdade que a Ética seja parcela da Filosofia
especulativa, elaborada acientificamente e sem preocupação com a realidade moral
humana. E ainda que as questões éticas tenham sido sempre estudadas pelos filósofos,
hoje elas adquiriram autonomia científica" (Nalini, Ética geral e profissional, 1999, p.
72).
26
"A ética não trata de todo o objeto cogitável em geral, mas somente da ação humana
ou dos valores éticos" (Morente, Fundamentos de filosofia: lições preliminares, 1980, p.
32).
17
se' difundir a filosofia de uma época, transformá-la em Bom Senso"32.
Se é parte da filosofia, então, necessariamente, liga-se à filosofia prática,
ou seja, aquela que tem por principal foco de estudos a ação humana30.
Ou seja, a atenção, ao se estudar ética, recai sobre questões de cunho
prático e dirigido na realidade quotidiana de sucessão das efemérides e
ocorrências que dependem da vontade e da intervenção humana para
acontecerem. Essa especulação dirigida à atuação humana se chama
filosofia prática31.
Então, sem dúvida alguma, a filosofia possui um importante e destacado
papel de exercer livremente o pensamento, e, no campo da reflexão éticofilosófica, fazê-lo em completo (até onde possível) descompromisso com
a moral social, com os valores majoritários ou com os interesses morais
de uma classe social. A reflexão ético-filosófica pode mesmo significar,
segundo essa linha de raciocínio, uma prática da rebeldia, na medida em
que se inscreve como recurso de acusação da hipocrisia moral, com os
fetiches e recalques axiológicos protetores de certos interesses de classe,
da falsa moralidade e dos moralismos alardeados como padrões de
conduta. Ora, é a filosofia um exercício de liberdade de pensamento,
rigorosa somente quanto aos seus próprios fundamentos e às suas
próprias coerências metodológicas, de modo a produzir-se como
exercício legitimamente possível na medida em que desenvolve um olhar
sensível e crítico às práticas éticas e às moralidades cotidianas da(s)
sociedade(s).
2.3. A reflexão ético-filosófica como prática da liberdade
As práticas filosóficas não se conciliam com propostas distanciadas da
produção de determinados efeitos. Práticas filosóficas que caminham
para o idealismo absoluto, ou mesmo para estreitos corredores acessíveis
somente a filósofos, iniciados e eruditos, são práticas alienadoras das
mentalidades, na medida em que colaboram para o distanciamento do
filósofo da sociedade.
É com Gramsci que se pode dizer que todo o exercício filosófico (que
parte das filosofias e das reflexões filosóficas) tende a colaborar com o
processo de formação do bom senso (que ocorre quando as filosofias são
apropriadas pelas massas), fazendo-se um exercício humanístico
imprescindível para a renovação dos valores sociais. De fato:
Para que esse exercício se faça em completa autonomia não significa que
seja necessário o isolamento do filósofo eticista, muito menos que a
filosofia se acantone em suas discussões. Pelo contrário, é extremamente
salutar que todo esse exercício seja feito na companhia de outros saberes
que com ela são convidados a pensar as questões axiológicas,
comportamentais e as regras de conduta: a psicologia, como saber
voltado para as características mais intimistas da personalidade humana;
a antropologia, como saber devotado ao estudo dos comportamentos
grupais, da organização e das práticas sociais; a sociologia e a história,
como saberes capazes de colaborar com o desenvolvimento da
capacidade crítica de avaliação de comportamentos e práticas
contextualizados no tempo e no espaço etc.
"Mas por que surge o Bom Senso? Afastemos a idéia de que ele poderia
resultar de uma irradiação espontânea e gratuita da filosofia. Ele nasce e
se desenvolve para preencher uma função. Essa função, inclusive, é
concebida por Gramsci em termos de uma exigência quase ética: 'deve30
Então, Reale divide a filosofia em três ramos de preocupações: teoria do
conhecimento (lógica e ontognoseologia); teoria dos valores ou axiologia (ética,
estética, filosofia da religião, filosofia política, filosofia econômica etc.); metafísica
(Filosofia do direito, 1999, p. 39).
31
"A filosofia prática, já o dissemos, tem por fim definir o bem do homem. Por isto é
possível colocar-se num duplo ponto de vista: do ponto de vista do fazer, isto é, da obra
a produzir (arte em geral e artes do belo em particular), objeto da filosofia da arte, ou do
ponto de vista do agir, isto é, da ação a realizar, o que constitui o objeto da moral"
(Jolivet, Curso de filosofia, 1990, p. 24).
A atitude, portanto, da filosofia ética é a de compreensão e avaliação
crítico-reflexiva da ação humana (individual ou coletiva). O
compromisso do filósofo eticista está na ênfase dada à pergunta, ao
32
18
Debrun, Gramsci: filosofia, política e bom senso, 2001, p. 172.
platônica...)35. Pode-se, então, identificar as principais correntes de
pensamento ético como constituindo grandes grupamentos de estudo da
ética normativa, a saber: 1) as éticas normativas teleológicas
(eudemonistas e hedonistas), para as quais a noção primordial é a de que
a ética deve conduzir a um fim natural, ou à felicidade, ou ao bem-estar,
ou à utilidade geral... (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Hume,
Bentham, Stuart Mill...)36; 2) as éticas normativas deontológicas, para as
quais a noção primordial é a da necessária e imperativa obediência ética
pela consciência do dever e da responsabilidade, individual ou Social...
(cristianismo, ética kantiana, ética do contrato social...)37. Não obstante
se poder assim dividir as dimensões filosóficas ético-normativas, nunca é
demais dizer que os grupamentos não sufocam a independência lógica,
conceitual, e muito menos as peculiaridades, de cada proposta filosófica.
questionamento, provocando o abalo de estruturas axiológicas por vezes
secularmente assentadas, e não na ênfase impositiva, qual a atitude do
moralista, que julga, acusa e impõe, que prescreve e dita regras e valores,
que se auto-arroga a posição de detentor de "verdades morais".
Trata-se de uma questão de método, mas também de enfoque, algo que
parece determinante para que a filosofia seja respeitada como exercício
de liberdade.
2.4. Divisões da ética
A ética, como saber filosófico, pode ser dividida, seguindo uma
determinada orientação conceitual, em dois grandes ramos: a ética
normativa e a metaética. Enquanto a ética normativa se detém no estudo
histórico-filosófico ou conceitual da moralidade, ou seja, das normas
morais espalhadas pela sociedade, praticadas ou não, a metaética se
propõe a ser uma investigação do tipo epistemológico, ou seja, uma
avaliação das condições de possibilidade de qualquer estudo ou proposta
teórica ética33. Se a ética normativa estuda as normas sociais34, se
detendo sobre a moralidade positiva, a metaética estuda e avalia a ética
normativa.
Outra distinção importantíssima a ser feita é aquela que divide a ética em
dois grandes ramos: a ética geral e a ética aplicada.
A primeira deter-se-ia na análise e no estudo das normas sociais, aquelas
que atingem a toda a coletividade, e que possui lineamentos os mais
35
Também chamada ética especulativa: "A Ética especulativa procura encontrar, com a
sistematização dos dados conhecidos, as razões últimas (teleológicas) ou razões
primeiras (deontológicas), por meio das quais possa quantificar e avaliar os fenômenos
éticos, atribuindo-lhes juízos de valor moral, ou seja, de valor segundo os costumes"
(Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 105).
36
"Es común distinguir, dentro de las éticas teleológicas que proponen como meta el
bienestar humano, las eudemonistas (que sólo tomarían en consideración los placeres
más o menos intelectuales o espirituales) y las hedonistas (de hedoné, placer en griego),
que tendrían como objecto la persecución de placeres más materiales" (Guisán,
lntroducción a la ética, 1995, p. 37).
37
"La diferencia esencial entre las éticas teleológicas y las deontológicas o de
principios, es que rnientras las primeras exigen un fin más o menos natural a perseguir
por la razón humana, fin que presenta las características de ser bueno prudencialmente y
bueno éticamente, en las segundas lo que importa es obrar conforme a deberes (déon =
deber en griego) exigidos por la existencia de principios y dictados por la razón pura,
como la ética kantiana, y derechos (naturales y/o fundamentales) o principios
producidos mediante consenso o contrato por los humanos (aunque en este último caso
podría darse un importante acercarniento a las éticas teleológicas o de fines)" (Guisán,
lntroducción a la ética, 1995, p. 38-39).
Há que se dizer que a ética normativa abre espaço para a discussão das
diversas correntes de pensamento acerca da ética, e, nesse sentido, é o
que permite o estudo histórico-filosófico da ética (ética socrática, ética
33
A metaética é o estudo crítico dos sistemas éticos: "Igual que la ética normativa
supone una reflexión acerca de las normas morales existentes (moralidad positiva), la
metaética implica una reflexión sobre los sistemas éticos existentes (moralidad crítica)"
(Guisán, Introducción a la ética, 1995, p. 43).
34
"No campo da Ética filosófica encontramos a Ética normativa e a Ética especulativa.
A Ética normativa é mais do que prescrever regras e leis, pois procura enunciar as
normas que assegurem e satisfaçam a autoridade do que deve ser, para que a sociedade
atinja seus objetivos. Apóia-se em razões morais decorrentes dos costumes e também
racionais empíricas, louvando-se em experiências anteriores" (Korte, Iniciação à ética,
1999, p. 105).
19
direito, em suas várias e diversificadas funções, cargos e papéis sociais38.
abrangentes possíveis, correspondendo ao conjunto de preceitos aceitos
numa determinada cultura, época e local não pelo consenso da
população, mas sim pela maioria predominante. A ética geral incumbirse-ia, portanto, de tratar dos temas gerais de interesse ligados à
moralidade. Essa faceta da ética seria a mais aberta, e, por conseqüência,
a mais abrangente, lidando com os interesses sociais de um modo geral.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
IV OS FINS DA AÇÃO ÉTICA
A segunda deter-se-ia na apreciação de normas morais e códigos de ética
especificamente localizáveis na sociedade, uma vez que estes estariam
relacionados ao comportamento de grupos, coletividades, categorias de
pessoas, não possuindo a abrangência da primeira. Essa faceta da ética,
chamada ética aplicada, deter-se-ia no estudo qualificado (por um
interesse específico por ramo de atividade, grupo de pessoas envolvido...)
de questões ético-sociais. São desdobramentos da ética aplicada: a ética
ecológica, a ética profissional, a ética familiar, a ética empresarial...
Todas as éticas, sejam quais forem suas orientações, premissas,
engajamentos e preocupações, sempre elegem "o melhor" como sendo a
finalidade do comportamento humano. Toda postura ética assume uma
espécie do que seja "o melhor" para o direcionamento da ação humana, e,
uma vez eleita, segue a trilha e a orientação traçadas para sua realização,
assumindo os riscos do caminho e das conseqüências.
Isso quer dizer, num primeiro momento, que existe plena liberdade de
opção ética. A essa liberdade de opção segue a responsabilidade na
administração dos riscos e na assunção dos resultados. E, num segundo
momento, que a noção do que seja "o melhor" é a força centrípeta de
toda investigação ética; é em torno desse problema que circulam as
investigações éticas39.
Tudo isso em função da especialização desses estudos e das exigências
principiológicas que acabam se formando em tomo deles. Porém, é certo
que todas convergem, em seus interesses, para uma reflexão sintética e
geral, proposta pela ética geral. Também é certo que todas essas éticas
localizadas e específicas se incrementam quando se comunicam e vivem
em dialética social; mas a distinção, além de didática, é necessária para
efeitos de diferenciação e de análise ramificada do saber.
As éticas hedonistas elegem no prazer "o melhor" do agir humano; as
éticas eudemônicas fazem residir na felicidade a busca ética; as éticas
intelectualistas fazem residir no gozo contemplativo a finalidade da ação
humana; as éticas espiritualistas apregoam que a orientação do que seja
"o melhor" deve provir de forças e intuições religiosas para encaminhar a
ação humana com vistas a um porvir além-túmulo prenhe de graças e
abundância; as éticas do dever fazem residir no ato moral, em si e por si,
A parte da ética aplicada que se procurará abordar com maior
profundidade nesta obra será a da ética profissional. Quando a ética se
deita sobre a projeção profissional, quer, de fato, detectar as normas que
presidem o relacionamento humano por meio do trabalho; é da
conjugação entre ação laboral e ação moral que se procurará extrair uma
reflexão mais aprimorada sobre essa parte da ética aplicada. De fato,
deter-se-á a segunda parte deste escrito na investigação das normas
morais, dos princípios e das normas jurídico-disciplinares que governam
a atuação de um tipo específico de profissional, a saber, o profissional do
38
O que importa dizer neste momento é que a aproximação de ambas as ciências se
torna ainda mais clara quando se procura estudar a ética disciplinar do profissional do
direito. Então se passa a compreender o quanto uma ciência (ética) é cara à outra
(direito) na compreensão de sua preceptística.
39
"A meta da atividade ética é dada pelo valor do bem que pode ser de cunho moral,
religioso, econômico, estético etc., desde que posto como razão essencial do agir"
(Reale, Filosofia do direito, 1999, p. 389).
20
independente de qualquer outro resultado ou finalidade, como imanência
intelectual, a força e a razão de ser da ética da ação humana... Até mesmo
o ascetismo, quando elege a dor e a ausência de prazeres como fins,
realiza uma opção ética que entende ser pelo "melhor"; o asceta está em
busca de uma redenção espiritual, e vislumbra no presente uma forma de
maceração carnal para o alcance de gozos espirituais muito mais
duradouros. Inclusive as éticas que apregoam no suicídio uma forma de
liberação entendem ser esse o meio para pôr fim a tormentas existenciais
ou materiais, ou seja, para reduzir ou exterminar uma quota de dor com
vistas "ao melhor", Em todas as correntes e orientações éticas reside uma
preocupação estável, constante e perene, qual seja: orientar a conduta
humana para "o melhor".
Dizer que a ética persegue o homem significa dizer que a orientação ética
caminha com o homem desde seus titubeantes passos. Porém, é fato que
a ética de outros tempos não é a mesma de hoje. As concepções éticas de
povos, civilizações, gerações... alteram-se ao sabor dos tempos. Não há
uma única ética para todos os povos em todos os tempos; toda construção
ética se opera de acordo com a axiologia de uma cultura e de um tempo
(ao mesmo tempo em que os cristãos pregavam uma consciência
ecumênica na Europa do séc. XV, os canibais na América devoravam
seus inimigos de guerra). O que há é que a consciência ética cresce com
o homem (alarga-se, expande-se, fortalece-se...), na medida em que
também crescem dentro do homem as dimensões da autoconsciência, da
racionalidade, da presença da alteridade...
Mas, o que seja "o melhor", isto é controverso, de modo que as doutrinas
éticas divergem não quanto ao que seja a busca ética, mas sim quanto ao
que seja o conteúdo da busca ética. Em outras palavras, se o que é "o
melhor" varia de acordo com inúmeras valorações e tendências, não há
de existir uma forma única e homogênea de se pautar a conduta ética. A
expressão "o melhor" (áriston, para o grego) é semanticamente aberta, de
modo a determinar entendimentos diversos quanto ao que seja realmente
"o melhor".
Porém, quando se diz que a ética nasceu com o homem, não se está a
dizer que nasceu pronta, acabada, com todos os seus quadrantes
delineados e previamente programada. A ética acompanha o homem em
seu percurso existencial e histórico. A história das vicissitudes humanas é
a história das evoluções e involuções éticas. Isso quer dizer que a ética
está ao lado do homem em seus envolvimentos sócio-culturais.
Em outras palavras, a forja dos preceitos éticos não é tão-só e unicamente
a consciência individual; sobre a consciência individual atuam as
influências sociais e educacionais, e isso em profunda dialética com as
influências ambientais. Ou seja, o homem descobre-se a si próprio
conhecendo melhor o outro; a alteridade é o espelho (dos vícios e das
virtudes) da individualidade. Desse contato extraem-se os imperativos e
os comandos do que fazer ou deixar de fazer, de como fazer ou deixar de
fazer, de até quando fazer ou deixar de fazer... Em poucas palavras, a
dimensão de uma consciência e de suas normas não se constrói em
apartado da dimensão das outras consciências e das normas sociais.
Oportunidade, conveniência e outros juízos da ação humana
desenvolvem-se naturalmente com o evolver dos próprios conceitos
De qualquer forma, elegendo-se qualquer das variadas opções do
“melhor”, é impossível pensar o homem sem a ética40; em outras
palavras, o homem é um ser ético por natureza (homo naturaliter ethicus
est). É impensável a dissociação do homem de sua capacidade de
autogestão; nessa capacidade estão abrangidos o controle de seus atos, a
condução de suas condutas, a seleção de seus comportamentos, a
priorização de suas opções (controle, regulação, limitação, ponderação,
administração, compreensão, exame...)41.
40
"La moral es para los seres humanos como una segunda pieI, tan pegada a la primera
que resulta dificilmente discemible, criticable, desechabble o renovable" (Guisán,
lntroducción a la ética, 1995, p. 31).
41
"Comecemos por uma noção aproximativa da ética contida na proposição: somente o
ser humano é ético ou a-ético. Um dos sentidos desta afirmação é que o ser humano tem
em suas mãos o seu destino: pode construir-se ou perder-se, dependendo do rumo que
ele imprime às suas decisões e ações ao longo da vida. Aqui intervém a ética como
direcionamento da vida, dos comportamentos pessoais e das ações coletivas" (Pegoraro,
Ética é justiça, 1997, p. 11).
21
sócio-culturais42.
Isso significa dizer que se pode estudar, além do problema da ação e suas
questões correlatas, por meio de um método científico (indução,
dedução, dialética, intuição), pelo saber ético, o conjunto de preceitos
relativos ao comportamento humano (individual e social). A preceptística
moral, ou seja, o conjunto de regras definidas como normas morais (não
matarás; não julgarás; não farás ao outro o que não desejaríeis a ti fosse
feito; não roubarás; darás a cada um o seu...) é, no fundo, a abstração das
experiências morais hauridas pela prática vivencial sócio-humana.
Ademais, as normas éticas convivem com outras normas e forças sociais
(econômicas, costumeiras...), e é da interação destas que surgem
deliberações individuais de comportamento. Assim, é em interação
sócio-ambiental, e, obviamente, em uma inserção cultural, que se
aprende, que se vive e que se exerce ética. O homem ao agir está
exercendo ética, pois para agir necessita optar por valores, por comandos
de orientação de conduta, por fins, por desejos, por vontades, por
objetivos... Ainda mesmo que a ética comportamental de um indivíduo
(ou grupo) seja a opção pela libertação ou negação cética de toda e
qualquer ética existente, ou predominante, nessa atitude, tipicamente
contestatória, reside uma certa ética.
Desse modo, pode-se admitir que todo conteúdo de normas éticas tem em
vista sempre o que a experiência registrou como sendo bom e como
sendo mau, como sendo capaz de gerar felicidade e infelicidade, como
sendo o fim e a meta da ação humana, como sendo a virtude e o vício.
Essa preceptística, que não é estável, nem homogênea em sua totalidade
e em sua generalidade, entre as diversas culturas, varia ao sabor de
inúmeros fatores.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
Com os meios de realização escolhidos, com os fins almejados, com as
conseqüências práticas e com os reflexos sociais previstos... percebe-se,
compreende-se, constrói-se, delibera-se... quais são os padrões de
conduta aceitáveis e inaceitáveis. Mas isso não se pode definir antes da
necessária passagem pelo convívio histórico. O que se quer dizer é que as
regras orientativas e disciplinadoras do que seja o socialmente aceitável e
conveniente decorrem da abstração das experiências e das vivências
sociais historicamente engajadas. O indivíduo produz conceitos e padrões
éticos e os envia à sociedade, assim como a sociedade produz padrões e
conceitos éticos e os envia (ou inculca), por meio de suas instituições,
tradições, mitos, modos, procedimentos, exigências, regras, à consciência
do indivíduo. É dessa interação, e com base no equilíbrio dessas duas
forças, que se pode extrair o esteio das preocupações ético-normativas.
V O OBJETO DO SABER ÉTICO E AS NORMAS MORAIS
O saber que se intitula ética tem por objeto de estudo a ação moral e suas
tramas. Esse saber ético não possui natureza puramente normativa, como
afirmam alguns autores, não se dedicando exclusivamente à compreensão
do dever-ser ético43. Porém, há que se dizer que em suas pretensões de
estudo se encontram englobadas as normas morais. Ou seja, a
deontologia, o estudo das regras morais, é parte das preocupações do
saber ético.
42
"O estudo da ética nos permite corrigir os vícios e acentuar as virtudes, de tal forma
que, em cada opção, escolha ou ação, nós podemos obter resultado mais justo, próprio e
oportuno. Será justo nas relações espaço-forma-tamanho; próprio, quando e de acordo
com a natureza; e oportuno, porque adotado no tempo mais conveniente, em que os
resultados serão os melhores possíveis" (Korte, Iniciação à ética, 1999, p. 165).
43
É o caso de Hans Kelsen, para quem a ciência ética se define como o estudo das
normas éticas. A respeito, leiam-se O que é justiça e O problema da justiça, do referido
autor.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
VI O OBJETO DO SABER ÉTICO E O DIREITO
22
O saber ético estuda o agir humano. Isso já se disse. Também já se disse
que as normas morais convivem com normas sociais. Porém, o que ainda
está por ser dito é que dentre as normas sociais e as demais convenções
se destacam as normas jurídicas, com as quais interagem as normas
morais. Assim, há que se investigar as relações existentes entre ambas as
categorias de normas, procurando-se definir o âmbito de alcance de cada
qual.
convergem, às vezes, divergem. Que dizer das normas jurídicas de
direitos humanos, contrárias à discriminação, contrárias ao desmando...
senão que se trata de um conjunto de preceitos morais que deságuam no
universo das prescrições jurídicas para encontrar seu reforço na coação
estatal?46 Que dizer das normas jurídicas que caminham dissociadas de
quaisquer resguardos éticos ou, por vezes, contrárias à ética?47
É por demais importante grifar que se torna impossível ao jurista
penetrar adequadamente nos meandros jurídicos menosprezando por
completo as regras morais. Se isso já é por si difícil e prejudicial, então
se torna inaceitável a posição que receita ao jurista manter distância
absoluta do estudo das normas éticas. Em outras palavras, e
sinteticamente, tudo confirma a hipótese de que a pesquisa jurídica deve
ser uma pesquisa conjugada com a ética48; deve-se perceber que os
entrelaçamentos entre o direito e a temática ética são inegáveis49.
As normas jurídicas distinguem-se das normas morais, sobretudo em
função da cogência e da imperatividade que as caracterizam. Eis aí uma
primeira delimitação de suma importância. As normas morais possuem
autonomia com relação ao direito, e, pode-se dizer, vice-versa, o que, por
contrapartida, não significa dizer que não possuam influências, ou que
não possuam relações e imbricações recíprocas. De maneira
fundamental, o que se quer dizer é que a relação entre direito e ética,
entre normas jurídicas e normas morais, é estreita, não obstante se
possam identificar nitidamente as diferenças que se marcam entre os dois
campos de estudo.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
Com essa observação, quer-se simplesmente dizer que é possível a
constituição de uma especulação ética independente de uma ciência do
direito, uma vez que a incidência daquela recairá sobre as ações
eticamente relevantes, e a incidência desta será sobre as ações declaradas
e constituídas como juridicamente relevantes. Por vezes, as ações são
coincidentemente ética e juridicamente relevantes, o que não prejudica a
autonomia das referidas ciências, nem faz confundir o campo do jurídico
com o campo da ética.
VII A DETERIORAÇÃO DA ÉTICA
Malgrado se possa falar em flexibilização da ética, atualmente, com o
46
Deve-se consultar, a respeito, a análise histórico-evolutiva dos direitos humanos em
Comparato, A afirmação histórica dos direitos humanos, 1999.
47
Este é o caso: das normas contendo prazos, indiferentes a conteúdos morais; das
normas processuais que consentem a mentira em nome da defesa pessoal do réu,
contrariamente ao que diz a moral quanto à mentira.
48
Hans Kelsen não negava a possibilidade de estudo da justiça; é certo que não só
estudava a justiça (A ilusão da justiça; O que é justiça?: a justiça, o direito e a política
no espelho da ciência; O problema da justiça), como a julgava um valor relativo.
Porém, estudou a justiça como um valor em separado do direito, como objeto de uma
ciência própria, autônoma e desvinculada do direito (estuda normas jurídicas), a ética
(estuda normas morais).
49
Já se teve oportunidade de afirmar isso em outra parte. Vide, portanto, Bittar, Teorias
sobre a justiça: apontamentos para a história da Filosofia do Direito, 2000. Também,
leia-se em Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, 1994, p. 355: "Pelo que
dissemos, a justiça é o princípio e o problema moral do direito".
Deve-se admitir que a cumplicidade existente entre direito e ética é
notória, além de inegável44. Quando se trata de relacionar ética e
direito45, é de crucial importância assinalar que, às vezes, ética e direito
44
Nada há a desabonar essa idéia, a não ser posturas teóricas formalistas e puristas, do
ponto de vista metodológico, como ocorre com a Teoria pura do direito de Hans
Kelsen.
45
A respeito do tema, consulte-se o excelente estudo Ética e direito (1996) de Chaim
Perelman.
23
alargamento da liberdade de escolha ética, com a quebra da hegemonia e
do domínio da ética pública sobre a privada, deve-se dizer que isso se
deve em parte à progressiva deterioração da ética. Se é certo que um
modelo impositivo e absolutista de ética foi substituído pela pluralidade
de éticas, estas sim não excludentes de outras e não intolerantes, também
é certo que a ética tradicional (estanque, costumeira, moralista,
sacralizada, patriarcalista...) veio sendo sucateada e esvaziada de sentido.
A necessidade de reduzir barreiras tornou-se uma cobrança necessária
para o homem moderno e, sobretudo, do homem pós-moderno, de modo
que desarticular as instâncias com as quais se organizava o discurso ético
tradicional representou uma guerra a ser travada e assumida por diversas
gerações. No lugar da transcendência, a racionalidade, no lugar do
manual, o técnico, no lugar da virtude, o lucro, no lugar da unidade, a
multiplicidade, no lugar da integração, a fragmentação50.
ensinar, a educar, a prescrever e a comandar condutas humanas. A
quebra dos limites abriu para o homem pós-moderno a consciência das
dimensões infinitas anteriormente desconhecidas, e o deslumbramento
pelo ilimitado deu origem a uma crise de valores que se instalou na
sociedade e custa a ser combatida. Optou-se pela contingência51.
A pós-modernidade trouxe consigo a herança da crise, e as propostas de
consertá-la têm sido as mais variadas e têm obedecido e se revestido das
mais diversificadas roupagens 52 Se era o excessivo apego a seus cânones
e dogmas que obcecava e, ao mesmo tempo, cegava a ética tradicional na
perseguição de seus objetivos, ora passou-se para um sistema em que a
falta de parâmetros e balizas éticas causam a desesperação humana. A
necessidade de orientações, de conceitos, de regras faz com que o
51
"O pós-modernismo faz a opção pela contingência. E, com ela, opta pelo
fragmentado, efêmero, volátil, fugaz, pelo acidental e descentrado, pelo presente sem
passado e sem futuro, pelos micropoderes, microdesejos, microtextos, pelos signos sem
significados, pelas imagens sem referentes, numa palavra, pela indeterminação que se
torna, assim, a definição e o modo da liberdade. Esta deixa de ser a conquista da
autonomia no seio da necessidade e contra a adversidade para tornar-se jogo, figura
mais alta e sublime da contingência. Mas essa definição da liberdade ainda não nos foi
oferecida pelo pós-modernismo; está apenas sugerida por ele, pois definir seria cair nas
armadilhas da razão, do universal, do logocentrismo falocrático ou de qualquer outro
monstro que esteja em voga. Donde o sentimento de que vivemos uma crise dos valores
morais (e políticos)" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes
org.), 1992, p. 356).
52
"Fala-se hoje, em toda parte e no Brasil, numa crise dos valores morais. O sentimento
dessa crise expressa-se na linguagem cotidiana, quando se lamenta o desaparecimento
do dever-ser, do decoro e da compostura nos comportamentos dos indivíduos e na vida
política, ao mesmo tempo em que os que assim julgam manifestam sua própria
desorientação em face de normas e regras de conduta cujo sentido parece ter se tomado
opaco. Uma autora sueca, Sissela Bok, decidiu escrever um livro sobre a mentira, após
ter verificado que, desde o século XVII, excetuando-se alguns momentos da literatura,
do teatro e do cinema, reina o silêncio quanto aos dilemas dizer-a-verdade na vida
privada e na vida pública. Sociólogos de linha durkheimiana, examinando o desamparo
dos indivíduos nas escolas morais, a presença de práticas e comportamentos violentos
na sociedade e na política, a multiplicidade de atitudes transgressoras de valores e
normas, falam em anomia, isto é, na desaparição do cimento afetivo que garante a
interiorização do respeito às leis e às regras de uma comunidade" (Chauí, Público,
privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 345).
O efeito esperado adveio, mas acompanhado de conseqüências funestas,
talvez inesperadas. Com a morte da ética tradicional dominadora, veio,
como conseqüência negativa e errônea, o descrédito de toda a ética. A
ética tomou-se assunto démodé, sobretudo nas sociedades
contemporâneas fortemente imiscuídas num modelo utilitarista, burguês
e capitalista de vida, sugadas que estão pelas noções de valor econômico
e de lucro. A ética tradicional, uma vez destronada, levou consigo o
conceito de ético; nenhuma ética mais parecia poder habilitar-se a
50
"Alguns procuram nomear a crise dando-lhe o nome de pós-modernidade. A
modernidade, nascida com a Ilustração, teria privilegiado o universal e a racionalidade;
teria sido positivista e tecnocêntrica, acreditado no progresso linear da civilização, na
continuidade temporal da história, em verdades absolutas, no planejamento racional e
duradouro da ordem social e política; e teria apostado na padronização dos
conhecimentos e da produção econômica como sinais da universalidade. Em
contrapartida, o pós-modernismo privilegiaria a heterogeneidade e a diferença como
forças liberadoras da cultura; teria afirmado o pluralismo contra o fetichismo da
totalidade e enfatizado a fragmentação, a indeterminação, a descontinuidade e a
alteridade, recusando tanto as metanarrativas, isto é, filosofias e ciências com pretensão
de oferecer uma interpretação totalizante do real, quanto os mitos totalizadores, como o
mito futurista da máquina, o mito comunista do proletariado e o mito iluminista da ética
racional e universal" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes
org.), 1992, p. 346).
24
homem tenha de se guiar com a esperança de um agir delineado, prenhe
dos objetivos, projetado na base de meios e fins. A ausência dessas
referências internas (subjetivas) ou externas (sociais) causa o
desnorteamento, momento em que se vêem mais vulneráveis as pessoas a
absorverem e a aceitarem quaisquer ofertas éticas e comportamentais
externas; isso explica a atualidade e o re-aquecimento do debate ético
como um mister social53. As razões desse degringolar podem ser
apontadas, porém não exaustivamente.
O lugar da ética tradicional esvaziado, em função de ondas de
contestação, de profunda mudança das mentalidades, de grandes
revoluções técnicas, científicas e econômicas... veio a ser ocupado por
desvalores, que podem ser agrupados em três categorias de afinidades,
como a seguir se indica55l.
a) quanto às relações humanas, sociais e familiares: indiferença pelo
outro; niilismo quanto à direção e à orientação de vida e de seus valores;
desaparecimento do valor do culto coletivo; desaxiologização dos
discursos; relativização dos conceitos, das verdades; liberação dos
A pragmatização da sociedade, pós-Revolução Industrial, pós-Revolução
Atômica... tomou obsoleto o tema da ética, esvaziando-o de sentido,
fazendo com que sofra constantemente de uma discriminação ante as
predominantes mentalidades monetaristas, que dissolvem todos os
valores humanos em valores econômicos, e reduzem toda capacidade a
uma capacidade laboral e produtiva54.
p. 347-348).
55
O mesmo tipo de crítica se encontra no seguinte texto de Marilena Chauí, onde vem
traçado um quadro da vida privada: "Que se passa na esfera privada? Os movimentos
sociais tomam-se cada vez mais específicos (cada vez mais diferentes) e cada vez mais
localistas. A intimidade toma-se um valor como resposta ao anonimato de massa e à
insegurança gerada pela flutuação incessante do sistema ocupacional e do mercado de
mão-de-obra. A busca da satisfação imediata dos desejos, num universo de compressão
temporal e de velocidade do mercado da moda, fortalece a competição e o narcisismo.
Insegurança quanto ao presente e ao futuro, competição, infantilização pela propaganda,
perda dos referenciais sócio-econômicos que ofereciam identidade de classe ou de
grupo, tudo contribui para a desaparição (lá onde havia) e para a não-aparição (lá onde
não havia) de formas de sociabilidade mais amplas e generosas. Os movimentos sociais
duram o tempo em que dura a demanda que, uma vez satisfeita, dispersa os que estavam
unidos numa ação.
"Quatro traços parecem marcar a esfera privada pós-moderna: a insegurança, que leva a
aplicar recursos no mercado de futuros e de seguros; a dispersão, que leva a procurar
uma autoridade política forte, com perfil despótico; o medo, que leva ao reforço de
antigas instituições, sobretudo a famí1ia e a pequena comunidade da minha rua e o
retomo a formas místicas e autoritárias de religiosidade; o sentimento do efêmero e a
destruição da memória objetiva dos espaços, que levam ao reforço dos suportes
subjetivos da memória (diários, fotografias, objetos), fazendo, como disse um autor,
com que a casa se tome uma espécie de pequeno museu privado. No caso do Brasil,
além dos traços anteriores, reforça-se a ética da desigualdade: são meus iguais, minha
farru1ia, meus parentes e meu pequeno círculo de amigos, enquanto os demais são o
outro ameaçador ou estranho. Se a lei de Gerson pode funcionar é porque, malgrado os
pruridos morais de seus praticantes, ela exprime a solidão e o medo diante de uma
sociedade sentida como perigosa e hostil.
"É interessante observar a maneira como a pós-modernidade acaba determinando o
próprio esforço e pensamento dos que ainda desejam ser modernistas e modernos"
(Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 388).
53
"Por que a ética voltou a ser um dos temas mais trabalhados do pensamento filosófico
contemporâneo? Nos anos 60 a política ocupava esse lugar e muitos cometeram o
exagero de afirmar que tudo era político. Que mudanças se deram em nosso quadro
intelectual para que outros agora possam dizer que tudo é moral? Parece-me haver um
motivo básico para isso. Antes de tudo, não mais se acredita numa escatologia, numa
doutrina da consumação dos tempos e da história" (Gianotti, Moralidade pública e
moralidade privada, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 239).
54
Deve-se acrescentar ainda: "Os objetos são descartáveis, as relações pessoais e sociais
têm a rapidez vertiginosa do fast food, o mercado da moda é dominante e a moda,
regida pelas leis de um mercado extremamente veloz quanto à produção e ao consumo.
Tempo e espaço foram de tal modo comprimidos pelos satélites de telecomunicações e
pelos meios eletrônicos, assim como pelos novos transportes, que o tempo tomou-se
sinônimo de velocidade e o espaço, sinônimo da passagem vertiginosa de imagens e
sinais.
"Os antigos afirmavam que a ética, cujo modo era a virtude e cujo fim era a felicidade,
realizava-se pelo comportamento virtuoso entendido como a ação em conformidade
com a natureza do agente (seu ethos) e dos fins buscados por ele. Afirmavam também
que o homem é, por natureza, um ser racional e que, portanto, a virtude ou o
comportamento ético é aquele no qual a razão comanda as paixões, dando normas e
regras à vontade para que esta possa deliberar corretamente. Embora Platão, Aristóteles,
os estóicos ou os epicuristas divergissem quanto à definição das virtudes, da razão, da
vontade, das paixões e da Natureza, concordavam com os princípios gerais acima
expostos" (Chauí, Público, privado e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992,
25
instintos e apetites; justificação do irracional e aceitação da incontinência; fragilização das estruturas familiares e dos relacionamentos
humanos; perda dos hábitos cordiais e solidários; fortalecimento do
paradigma advindo da lei do mais forte; banalização da personalidade
humana com atentados perpetrados nas múltiplas esferas em que se
manifesta; vulgarização da imagem feminina, reduzida a um mero
apanágio da sensualidade e do apetite masculino; funcionalização dos
procederes humano-comportamentais; aceitação fácil e imediata dos
raciocínios, slogans, clichês e formas de pensar massificados, com a
conseqüente redução da capacidade de personalização das tomadas de
decisão; criação do mito da imagem, que, ao mesmo tempo que toma o
outro invasivo da intimidade do lar, afasta pessoas de carne e osso da
presença e do contato relacionais; intolerância pelas diferenças...;
c) quanto às relações jurídico-sociais: individualização das
responsabilidades sociais; esvaziamento da potestas pública;
dessacralização dos mitos, lendas e crendices populares; criação da
mentalidade da real possibilidade de impunidade; corrupção dos serviços
públicos e sociais; favoritismo e elitismo na prestação de serviços
públicos aos cidadãos; queda do espaço público na desatenção social, e
ascensão do espaço privado como foco de destaque pessoal e
patrimonial; corrupção dos servidores públicos; perda de autoridade nas
funções judicantes; desgoverno das funções executivas; falta de
efetividade das leis; desarticulação dos poderes; quebra da confiança
num corpo corrupto de ativistas políticos; fortalecimento das
organizações criminosas e sua propagação mundial; internacionalização
das práticas criminosas; surgimento das multifárias modalidades de
crimes-sem-sangue, e conversão dos malfeitores e traficantes em
empresários; perda da identidade individual com a identidade social e os
liames grupais; sucateamento das bases educacionais, das atividades
pedagógicas e da carreira docente; aumento das taxas de desemprego,
violência e fome; descaso com a coisa pública; quebra da importância da
troca, do diálogo e da dialética; deterioração exacerbada dos espaços
públicos, sobretudo dos ambientes urbanos; perda de eficácia dos
instrumentos jurídicos; disseminação da violência, em suas diversas
facetas, desde a violência moral até a violência física; crescimento e
sofisticação das formas de agressão ao outro (serial Killer ...); opressão
dos espíritos por fenômenos indesejáveis, porém comuns, rotineiros, e
seriados, sobretudo na vida urbana (carência de serviços públicos
b) quanto às relações econômicas: redução do valor simbólico da razão;
tecnologização da razão aos saberes aplicados e produtivos; criação de
mecanismos de produção e venda em massa, que desestrutura os ofícios
manuais e o artesanato familiar como forma de sustentação econômica;
mercantilização dos prazeres; instrumentalização da alteridade;
mensuração das coisas e dos produtos pelo critério econômico;
celerização e superficialização do contato humano; recrudescimento dos
estímulos investigativos; criação e inculcação de novos fetiches;
dimensionamento do campo da ação no trabalho; instauração do egoísmo
negocial; crenças no sucesso imediatista e milionário, diante das
possíveis oportunidades e máquinas de fazer dinheiro fácil e rápido;
perda da consciência e dos liames sociais, e crescimento exacerbado da
onda consumista; velocidade e diversidade dos meios de comunicação e
transporte; mensuração utilitária das energias humanas; mercantilização
de todas as projeções sóciolaborais; escravização capitalista e exploração
desenfreada das grandes massas trabalhadoras; supervalorização da
imagem e estabelecimento do fetiche marqueteiro...561;
sem qualquer relação imediata com o produto (a imagem vende sexo, dinheiro e poder).
A própria imagem precisa ser vendida, donde a competição enlouquecida das agências
de publicidade que sabem que uma imagem é efêmera e que seu poder de manipulação
é muito limitado no tempo, sendo imprescindível seu descarte e troca veloz. Na política,
as imagens tomam-se muito sofisticadas e complexas porque precisam garantir,
simultaneamente, estabilidade e permanência ao poder e sua adaptabilidade,
flexibilidade e dinamismo para responder às conjunturas. A competição pública não se
faz entre partidas, ideologias ou candidatos, mas entre imagens que disputam valores
como credibilidade, confiabilidade, respeitabilidade, inovação, prestígio. Essas são as
novas virtudes do novo bom governante. As eleições presidenciais de 1989, no Brasil,
são o melhor exemplo do pós-modernismo no espaço público" (Chauí, Público, privado
e despotismo, in Ética (Adauto Novaes org.), 1992, p. 386).
56
"A peculiaridade pós-moderna - o gosto pelas imagens - se estabelece com a
transformação das imagens em mercadorias, isto é, em lugar de colocar um produto no
mercado, coloca-se uma imagem com a finalidade de manipular o gosto e a opinião. A
publicidade não opera para informar e promover um produto, mas para criar desejos
26
essenciais, desprezo por direitos, banditismo, violência)...
Um modelo judicial fartamente documental, instrutório e probatório, em
que tudo se reduz a escrito, em que tudo se submete à reavaliação, ao
teste de falseabilidade, ante a possibilidade da mentira ou deturpação de
fatos e ocorrências... ainda assim se vê ineficaz para responder às
necessidades sociais mais prementes. A estrutura do processo reinante é
altamente truncada, intrinsecamente formalizada, custosa, de difícil
acesso e programada para a longevidade. Porém, onde estava a chave
para a resolução dos conflitos jurídicos surgiu a chaga do sistema
jurídico contemporâneo. O Judiciário, por exemplo, tomou-se obsoleto
para atender às demandas quantitativa e qualitativamente diferenciadas
do que se havia experimentado como prática judicial.
Com esse pequeno traçado está-se diante de um panorama que descreve
vida privada e vida pública com todas as suas deficiências, uma vez que
estão intimamente ligadas. Diante dessa avalanche de modificações,
abalo sensível haveria de atingir as bases da ética pós-moderna. Toda
desordem causada pela erupção de inúmeras, conjugadas e diferentes
modificações haveria de produzir fissuras nas bases conceituais sobre as
quais se assentavam as práticas éticas anteriormente aceitas como
inabaláveis. Porém essas fissuras só foram preenchidas pelo mesmo
ácido que ainda as corrói.
A oralidade, a informalidade, a economia processual re-acendem os
ânimos de implementação da justiça material, e a efetividade processual
retoma à tona como foco de atenção dos juristas e do legisladorl57. A
deformalização, a criação de contratos atípicos, a preferência pela
conciliação em relação ao conflito judicial, as cobranças sociais sobre
moralidade administrativa demonstram encontrar-se acesa a chama de
interesse pela criação de uma nova mentalidade ética na prática jurídica.
A ética judicial, a ética legislativa, a ética política, a ética advocatícia e,
em geral, a ética dos operadores do direito haverão de estimular essa
criação em tomo dos instrumentos jurídicos e de sua função social.
É certo que, em meio a essas transformações, os institutos jurídicos
haveriam de sofrer um abalo considerável. Isso tem sido sentido pelos
juristas, que, num esforço desmedido, têm procurado se adaptar às
citadas transformações. De fato: a perda de credibilidade dos
instrumentos jurídicos de defesa de direitos tem sido notada socialmente;
a banalização da atividade legiferante tem-se tomado um dilema para o
ensino jurídico, para o aprendizado jurídico e para a atualização
profissional; as medidas judiciais formalizadas não mais garantem
efetividade processual; os preceitos legais, em sua grande parte, têm
gozado da descrença popular, uma vez obsoletos e inacessíveis pela
linguagem de que se utilizam. Desse modo, a bandeira jurídica
atualmente re-aparece como sendo outra, diferenciando-se
completamente daquela que um dia representou seu bastião. Se hoje se
há de erigir um lema, esse lema é o da efetividade, da justiça material e o
da ética profissional.
6.1. A ética e o acervo da humanidade
A humanidade possui um acervo que merece ser protegido e cultivado.
57
Nesse fluxo de reação surgiram preocupações as mais diversificadas no sentido da
implementação de medidas de efetividade, celeridade processual, acesso amplo àjustiça
etc., no rastro das modificações implantadas no Brasil (Leis n. 8.455/ 92; 8.637/93;
8.710/93; 8.718/93; 8.898/94; 8.950/94; 8.951/94; 8.952/94; 8.953/94; 9.099/95;
8.078/90, 9.605/98, entre outras). Podem-se indicar: a criação de penas alternativas
(Tailson Pires da Costa, Penas alternativas: reeducação adequada ou estímulo à
impunidade?, São Paulo: Max Limonad, 1999; Horácio Wanderlei Rodrigues, Lições
alternativas de direito processual, São Paulo: Acadêmica, 1995; Antônio Cláudio da
Costa Machado, A reforma do processo civil interpretada, São Paulo: Saraiva, 1996;
Cândido Rangel Dinamarco, A reforma do Código de Processo Civil, São Paulo:
Malheiros Ed., 1995).
Se já se acreditou que o formalismo (jurídico) fosse capaz de driblar a
falta de confiança negocial (ética), e de oferecer resguardo em caso de
quebra da espontaneidade das relações humanas, atualmente verifica-se
que isso é uma inverdade. Se um fio de barba era suficiente para o
estabelecimento do enlace negocial, é certo que hodiernamente um leque
de documentos, chancelas, avais, atos oficiais não basta para o
estabelecimento das garantias negociais, por exemplo.
27
Chama-se de acervo ético da humanidade o conjunto de todas as ações,
tendências, ideologias, posturas, decisões, experiências compartilhadas,
normas internacionais, conquistas políticas, lições éticas, preceitos
morais, máximas religiosas, ditos célebres, hábitos populares, sabedorias
consagradas, que, por seu valor e sua singularidade, servem de referência
e espelho para as demais gerações. Patrimônio imaterial de inestimável
valor, trata-se de uma somatória histórica de louváveis aspectos do
comportamento humano que são capazes de dignificar a pessoa humana,
oriundos de todas as civilizações e de todas as culturas. Os memoráveis
encontros da História e as felizes convergências éticas representam o que
há de mais importante para a construção de uma identidade ética entre os
povos.
fazer? Como fazer? Para quem fazer? Por que fazer? Com que fim
fazer?), o indivíduo deve saber que sua ação não representa apenas mero
procedimento pessoal de lidar com o mundo, com as coisas e as pessoas.
A ação individual é mais significativa do que a princípio parece, tendo-se
em vista que suas repercussões são o grão que faz do celeiro um local
abastado ou empobrecido. Cada semente é já parte integrante do grande
conjunto de contingente que se faz necessário para a existência da
abundância ou da pobreza. Então, a ação deve se direcionar para
enriquecer ou empobrecer o caudal das ações e dos paradigmas que
denigrem a imagem da humanidade e, por vezes, até mesmo, sua
existência.
A opção pela ética é uma opção que procura direcionar esforços no
sentido do enriquecimento do estoque de paradigmas construtivos e
dignificantes da humanidade. Por ser patrimônio da humanidade, o
conjunto de todos os valores, ações e ideologias que contribuem em seu
favor merece proteção e culto diários, para que se possa realmente
estabelecer os parâmetros para uma sociedade de fato livre e igualitária.
Contrastando com esse acervo da humanidade, existe um conjunto de
nódoas, desencontros, ações delituosas, tempestades morais, opressões
culturais, guerras intestinas e fratricidas, desordens e desmandos,
desatinos e incongruências, lamentáveis exemplos morais, desvarios
econômico-financeiros,
reprováveis
comportamentos
políticos,
insultuosas manifestações públicas, questionáveis valores éticos, que
também compõem momentos notórios da História da humanidade, mas
de certo caráter subterrâneo. Em vez de dignificá-la, de enaltecê-la como
fim a ser perseguido e preservado, denigre sua essência, qual imantação
fumarenta que conspurca sua imagem e sua limpidez.
6.2. O pouco que se pode fazer em matéria de ética
O plano da ética é o plano da ação, seja ela coletiva, seja individual. No
entanto, carece dizer que o que dá origem a uma ética coletiva é o
esforço das ações individuais. Assim, todo processo de formação de uma
identidade ética e de uma consciência ética para uma coletividade
decorre de um princípio: a ação individual.
Diante do conflito ético, quando se questiona o indivíduo como agir, com
que fim agir, qual a diferença entre agir desta ou daquela forma, para
quem agir, a resposta figura muito clara: deseja-se partilhar de um semfim de desatinos precedentes ensinados pela história dos desvios
humanos, ou deseja-se palmilhar a senda da dignificação da
humanidade? Nessas opções encontra-se camuflada a seguinte idéia: a
ação que fazes auxilia a construir um modelo para a humanidade ou a
denegri-la. Ou, ainda, a escolha da ação a ser efetuada colabora para
engrossar o conjunto das ações destrutivas ou construtivas da
humanidade?
O agir ético individual é a base e a origem da expansão da consciência
ética de uma coletividade. Cada contribuição particular, cada ação
individualizada, cada minúscula resistência às tentações anti-éticas, cada
movimento solteiro de construção da virtude constituem-se, e seu todo,
em um grande movimento de contramão às avalanches de exemplos e
modelos anti-éticos.
Aquele governante que deixa de se corromper para exercer seu munus
público com seriedade, aquele injustiçado que deixa de revidar a injustiça
Em poucas palavras, diante do conflito ético (Fazer ou não fazer? O que
28
com a mesma medida de mal que lhe foi causado, aquele que evita lesar a
outrem indiscriminadamente, aquele que possui poderio financeiro e dele
se utiliza para o crescimento social age contra uma forte e furiosa maré
de atitudes contrárias, atritantes e majoritárias.
princípio da confiança; 6.4.9 O princípio da fidelidade; 6.4.10 O
princípio da independência profissional; 6.4.11 O princípio da reserva;
6.4.12 O princípio da lealdade e da verdade; 6.4.13 O princípio da
discricionariedade; 6.4.14 Outros princípios éticos das carreiras jurídicas.
Pode-se dizer que a ação individual é incapaz de fazer frente à oposição
que lhe é oposta. Isto é correto. Deve-se reconhecer: o fluxo das ações
invertidas (desvalor) é maior que o fluxo das ações éticas (valor). Prova
disso é o estado atual da humanidade (guerras fratricidas, golpes
políticos, assassínios, corrupções, escândalos financeiros, discriminação,
diferenças sociais, desvio de poder, autoritarismo, desmando, violência
generalizada, exploração da prostituição infantil, regimes de exploração
do trabalho semelhantes ao escravismo...).
6.1 Conceito de profissão
Sob enfoque eminentemente moral, conceitua-se profissão como uma
atividade pessoal, desenvolvida de maneira estável e honrada, ao serviço
dos outros e a benefício próprio, de conformidade com a própria vocação
e em atenção à dignidade da pessoa humana.58
Convém o exame de alguns dos elementos contidos na definição. Dentre
eles sobreleva o aspecto de atividade a serviço dos outros. O exercício
de uma profissão pressupõe um conjunto organizado de pessoas, com
racional divisão do trabalho na consecução da finalidade social, o bem
comum. Este, no conceito de Paulo VI, é o conjunto de condições da vida
social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da
personalidade humana.
O que se deve opor a isso é a dicção de que a ação individual, por mais
insignificante que pareça à primeira vista, é uma ação monumental pelas
resistências que acaba por vencer. Trata-se de uma ação que vence as
inclinações pessoais do agente, as pressões psicoco1etivas externas, os
antagonismos de opositores à implantação do projeto contido na ação
individual... Sua grandiosidade repousa, exatamente, na revolução que
opera no pequeno espaço de sua influência. Por isso, essa ação é louvável
como exemplo ad aeternum.
O espírito de serviço, de doação ao próximo, de solidariedade, é
característica essencial à profissão. O profissional que apenas considere a
sua própria realização, o bem-estar pessoal e a retribuição econômica por
seu serviço, não é alguém vocacionado.59
NALINI, José Renato. Ética Geral e profissional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
A profissão é atividade desenvolvida em benefício próprio. À função
social da profissão não é incompatível o fato de se destinar ela a
satisfazer o bem particular de quem a exercita. Conjugam-se ambos os
objetivos: adota-se o serviço contemplando o bem alheio e com o intuito
VIII A ÉTICA E A PROFISSÃO FORENSE
SUMÁRIO: 6.1 Conceito de profissão - 6.2 A Ética na profissão jurídica:
6.2.1 A Deontologia Forense - 6.3 O princípio fundamental da
Deontologia Forense - 6.4 Os princípios gerais da Deontologia Forense:
6.4.1 O princípio da conduta ilibada; 6.4.2 O princípio da dignidade e do
decoro profissional; 6.4.3 O princípio da incompatibilidade; 6.4.4 O
princípio da correção profissional; 6.4.5 O princípio do coleguismo; 6.4.6
O princípio da diligência; 6.4.7 O princípio do desinteresse; 6.4.8 O
58
PASQUALE GlANNITI, "Principi di deontologia forense", in I grandi orientamenti
della giurisprudenza civile e commerciale, collana diretta da Francesco Galgano,
Padova : Cedam, 1992, p. 35, citando A. ROYO MARÍN, Teología moral para
seglares, Madrid, 1964, p. 725.
59
PASQUALE GIANNITI, "Principi di deontologia forense", cit., idem, ibidem,
citando L. SPINELLI, "Introduzione", in AAVV, Deontologia delle professioni
giuridiche, Bari, 1989, p. 83.
29
de atender à própria necessidade de subsistência.
O exercício honroso da profissão quer dizer que o profissional deverá se
conduzir de acordo com os seus cânones. Espera-se do professor que
ensine, do médico que se interesse e lute pela saúde do paciente, do
enfermeiro que o atenda bem. Do condutor, que dirija com segurança. Do
pedreiro, que construa adequada e solidamente. Do advogado, que
resolva juridicamente as questões de direito postas perante seu grau.
Todavia, a profissão há de atender ao apelo vocacional. Vocação já
indica etimologicamente o chamado a que o vocacionado atende quando
abraça uma atividade. À vocação acorre-se conscientemente ou de forma
inconsciente. Deve-se evitar o risco da casualidade, que reduz a opção
profissional a aspectos exteriores à vontade do exercente. De que
depende uma verdadeira vocação?
Não se pode admitir de quem optou pela função do direito, do reto, do
correto, se porte incorretamente no desempenho profissional. As
infrações profissionais são muito graves, pois constituem traição do
infrator ao seu projeto de vida. A um compromisso só por ele assumido e
que não soube, ou não quis, honrar.
De fatores internos - personalidade, tendências, aptidões, temperamento,
inclinação natural - e de fatores externos - o mercado de trabalho, a
valorização profissional, a possibilidade de boa remuneração. Os fatores
internos hão de ser vistos como potencialidade individual, objetivamente
analisada pelo interessado. A consideração aos fatores externos não pode
ser a única a motivar a opção.
O exercício profissional ainda deve ser de acordo com o conceito da
dignidade humana. As atividades laborais humanas não existem para
movimentar a economia. Elas são voltadas à realização das pessoas, de
maneira a que se realizem integralmente, concretizando suas
potencialidades até a plenitude possível.
Depois de escolhida a atividade a que se consagrará a existência, ela
condicionará o optante e lhe imporá limites. É muito difícil deixar de
corresponder à expectativa de comportamento gerada em relação aos
exercentes da mesma atividade. Quando não verdadeiramente
vocacionado, o profissional se sentirá tolhido, massacrado pelo fardo que
podem representar, seja a rotina do trabalho, sejam as restrições impostas
ao integrante daquele estamento. Por isso a vocação há de constituir livre
e consciente projeto de vida. A opção profissional deverá resultar de um
sadio exame de consciência moral, pois, ao adentrar na senda escolhida,
estar-se-á assumindo o compromisso de realizar tal projeto.60
A natureza social do homem o estimula a cooperar com os semelhantes e
a procurar destes a cooperação esperada. Essa busca há de contemplar
finalidades morais, não moralmente reprováveis.
Pasquale Gianniti distingue dúplice forma de cooperação moralmente
reprovável: a formal e a material. Há cooperação formal quando se
auxilia a prática de mal cometido por outrem. Essa forma é sempre
reprovável e, na esfera criminal, caracteriza o concurso de agentes. Já a
cooperação material se resume à ação física, sem adesão da vontade.
Essa cooperação material é lícita, quando as circunstâncias são tais que
não exigem recusa do agente à prática de um ato lícito, apenas porque
outros poderão dele se valer para atingir fins ilícitos.61 O ser humano
A profissão deve ser exercida de modo estável e honroso. Por se cuidar
da concretização de um projeto de vida, em regra a profissão perdura
durante a existência toda. A duração de uma vida humana, malgrado os
progressos da medicina, ainda é infinitamente curta. O tempo passa
rápido demais e não se dispõe de reservas infinitas dele para um jogo
contínuo de tentativas, erros e acertos profissionais.
61
PASQUALE GIANNm, Principi ... , cit., p. 44. Pondera o autor que a cooperação ao
mal alheio mediante ações de per si honestas é um fenômeno muito difuso na vida
social e se apresenta de forma tão variada que se toma impossível estabelecer em
poucas normas como se deve agir em todos os casos. Apenas uma consciência bem
formada será guia seguro para os casos comuns da vida quotidiana, não se podendo
60
C. RIVA, "Pensiero spirituale", in AAVV, Deontologia delle professioni, p. 117-118,
citado por PASQUALE GIANNITI, op. cit., p. 40.
30
eticamente irrepreensível saberá evitar ambos os tipos de cooperação
moralmente reprovável.
legalidade cujo desenvolvimento corresponde ao Ministério Público etc.
"63
6.2 A Ética na profissão jurídica
6.2.1 A Deontologia Forense
Todas as profissões reclamam proceder ético. A disseminação de códigos
deontológicos de muitas categorias profissionais - médicos, engenheiros,
dentistas, jornalistas, publicitários, dentre outros - apenas evidencia a
oportunidade e relevância do tema, por si permanente.
Deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o
complexo de princípios e regras que disciplinam particulares
comportamentos do integrante de uma determinada profissão.
Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas e
comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico.
Na atividade profissional jurídica, porém, essa importância avulta. Pois o
homem das leis "examina o torto e o direito do cidadão no mundo social
em que opera; é, a um tempo, homem de estudo e homem público,
persuasivo e psicólogo, orador e escritor. A sua ação defensiva e a sua
conduta incidem profundamente sobre o contexto social em que atua.62
Mercê da intensa intimidade entre ética e direito, não é fácil delimitar a
fronteira entre o moral e o jurídico. É nas ciências jurídicas que as
normas dos deveres morais se põem com toda a nitidez. Por isso é
longeva a elaboração de um código de regras a que se convencionou
chamar Deontologia Forense.
As normas deontológicas não se confundem com as regras de costume,
de educação e de estilo. Estas são de cumprimento espontâneo. R.
Danovi oferece um elenco de preceitos que não são deontológicos, mas
se inserem naqueles concernentes à boa educação. Assim as relações
entre colegas: o respeito e a deferência dos mais jovens quanto aos mais
antigos, a ajuda e a assistência prestada ao colega enfermo, a participação
nos funerais de um advogado falecido, a pontualidade nas reuniões com
os colegas, a hospitalidade ao colega em visita profissional ao escritório,
a entrega de documentos ao colega sem exigir recibo, o telefonema ao
colega em caso de sua ausência a uma audiência. Todas estas regras são
desprovidas de conteúdo preceptivo. Caracterizam o profissional
educado, polido. Mas faltar em relação a qualquer delas não constitui,
segundo a maior parte da doutrina, verdadeira infração ética.64
A expressão pode aparecer também designada como Deontologia
Jurídica ou Deontologia das Profissões Jurídicas. Como tal, "A
deontologia jurídica há de compreender e sistematizar, inspirada em
uma ética profissional, o status dos distintos profissionais e seus deveres
específicos que dimanam das disposições legais e das regulações
deontológicas, aplicadas à luz dos critérios e valores previamente
decantados pela ética profissional. Por isso, há que distinguir os
princípios deontológicos de caráter universal (probidade, desinteresse,
decoro) e os que resultam vinculados a cada profissão jurídica em
particular: a independência e imparcialidade do juiz, a liberdade no
exercício profissional da advocacia, a promoção da justiça e a
A esfera da conduta ética não é, contudo, delineada de maneira precisa.
Muitas posturas há que podem restar na fronteira entre a conduta ética e a
conduta não-ética. Manzini preferia afirmar que, "para conduzir-se
dignamente, o defensor não tem senão que seguir a própria consciência,
os conselhos dos colegas mais respeitados e as regras da educação
63
MANUEL SANTAELLA LÓPEZ, Ética de las profesiones jurídicas Textos y
materiales para el debate deontológico, Servicio de Publicaciones Facultad de Derecho
Universidad Complutense Madrid, Madrid: Universidad Pontificia Comillas - Facultad
de Derecho, 1995, "La Deontologia, entre la Moral y el Derecho", p. 20-25.
64
R. DANOVI, Curso de ordenamento forense e deontologia, Milano, 1989, p. 226,
apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., p. 14.
prescindir de um reforço na exigência de se aprimorar a formação da própria
consciência, privada e profissional.
62
CARLO LEGA, Deontologia Forense, Milano, 1975, p. 17, apud PASQUALE
GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 4.
31
moral. O bom senso, a prudência, a discreção, a retidão, a civilidade são
coisas que não se podem ensinar com um elenco de preceitos ou com a
casuística".65 Em tempos de consciência em letargia, ou de freios
atenuados pela impossibilidade de qualquer proibição, talvez a dicção
esteja a merecer complemento. Parece mais prudente assegurar a
viabilidade de uma transmissão contínua de preceitos que aprimorem a
educação moral de cada presente ou futuro integrante de uma carreira
jurídica. Essa transmissão se faz não só mediante o estudo da patologia,
extraída dos julgamentos dos tribunais éticos, institucionalizados ou não,
mas também através da recordação permanente dos valores sobre os
quais se erigiu a profissão jurídica.
Mas além da ciência, ele deverá atuar com consciência. Existe uma
função social a ser desenvolvida em sua profissão. Ele não pode estar
dela descomprometido, mas reclama-se-Ihe empenho em sua
concretização.
6.3 O princípio fundamental da Deontologia Forense
Com isso não se resolvem todos os problemas morais. Há limites postos
ao princípio da consciência. Ela não é o último ou o absoluto critério.
Uma consciência enferma ou mal orientada poderia conduzir o ser
humano a errar ou a se equivocar. "A consciência é intérprete de uma
norma interior e superior; não é a fonte do bem e do mal: é a
advertência, é a escuta de uma voz. é o reclamo à conformidade que uma
ação deve ter com uma exigência intrínseca do homem".67 E a
consciência não tem o dom da infalibilidade. O homem é falível. A
criatura tem uma fissura intrínseca chamada por Kant de mal radical.
Ser finito, condicionado a debilidades, o homem pode ter uma
consciência vulnerável e não inclinada naturalmente ao bem.
À consciência se reconhece um primado na vida humana. Sobre isso,
afirmou Paulo VI: "Ouve-se freqüentemente repetir, como aforismo
indiscutível, que toda a moralidade do homem deve consistir no seguir a
própria consciência. Pois bem, ter por guia a própria consciência não só
é coisa boa, mas coisa obrigatória. Quem age contra a consciência está
fora da reta via".66
À deontologia profissional e, particularmente, à deontologia forense
aplica-se um princípio fundamental: agir segundo ciência e
consciência. Essa a idéia-força a inspirar todo o comportamento
profissional.
Ciência, a significar o conhecimento técnico adequado, exigível a todo
profissional. O primeiro dever ético do profissional é dominar as regras
para um desempenho eficiente na atividade que exerce. Para isso,
precisará ter sido um aprendiz aplicado, seja no processo educacional
formal, seja mediante inserção direta no mercado de trabalho, onde a
experiência é forma de aprendizado.
A consciência deve ser objeto de contínuo aperfeiçoamento, portanto.
Além da formação adequada, o profissional deverá manter um processo
próprio de educação continuada. Os avanços e as novas descobertas
influem decisivamente em seu trabalho. Profissões tradicionais deixam
de existir e outras surgem para substituí-las. O ser humano precisa estar
preparado para novas exigências do mercado. Estar intelectualmente
inativo não representa apenas paralisação. É retrocesso que distancia o
profissional das conquistas em seu ramo de atuação.
Mediante exercício permanente, ela se manterá orientada. A tendência
natural será a sua lassidão, o seu afrouxamento e a auto-indulgência
própria ao egocentrismo humano.
65
66
Os estudiosos de ética natural se utilizam da expressão consciência
"para significar não já o juízo sobre a moralidade das ações singulares
que competem ao sujeito, mas, acima disso, o modo habitual de julgar
VINCENZO MANZINI, Trattato di diritto processuale penale, Torino : Utet, 1968,
v. lI, p. 533.
67
32
PAULO VI, alocução de 12.11.1969, apud PASQUALE GIANNm, op. cit., p. 94-95.
PAULO VI, alocução cit., idem, ibidem.
em uma certa matéria no campo ético: fala-se então de consciência reta
(aquela que sói judicar exatamente), de consciência [assa (aquela que
sói julgar lícito e bom também aquilo que é ilícito e mau) e de
consciência escrupulosa (aquela que sói julgar ilícito e mau até aquilo
que é lícito e bom)"68 A consciência é o resultado do trabalho individual,
na reiteração dos atos singulares de juízo, como se cada julgamento fora
ponto palpável na edificação de um produto consistente.
Além do princípio fundamental - agir segundo ciência e consciência há princípios gerais à deontologia forense. Dentre eles, podem ser
mencionados:
6.4.1 O princípio da conduta ilibada
O aspecto moral impregna qualquer das carreiras jurídicas. A conduta
ilibada é o comportamento sem mácula, aquele sobre o qual nada se
possa moralmente levantar.71 O advogado deve observar o seu Código de
Ética, de onde se extrai a necessidade de uma conduta límpida. Em
relação ao juiz, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional reclama
conduta irrepreensível72 na vida pública e na vida particular.
Ninguém poderá se substituir a outrem na missão de construir sua
consciência. "É este o primeiro dever que o homem tem em relação a si
mesmo: formar uma consciência, ou seja, instruir, educar a própria
ciência moral, o próprio juízo moral, o próprio hábito de moralmente
julgar. "A consciência - afirma Paulo VI - tem necessidade de ser
instruída: a pedagogia da consciência é necessária." Se, de fato, a
consciência não é umafulguração mística, um estro genial, um 'a priori'
gnoseológico, um carisma sobrenatural, mas é razão e vontade que se
apropriam da norma e sobre ela avaliam, com segurança, qualquer ato,
bem se vê como a educação da consciência importa toda uma disciplina
da razão e da vontade. Importa ciência e prudência. Importa retidão de
conhecer e do querer. Se, pois, se trata de consciência cristã, importa,
por outro lado, a luz da fé e a força da graça. "69
O conceito de conduta ilibada é impreciso. Em tempos idos, pessoa
divorciada - sobretudo se mulher - se via barrada no acesso a muitas
carreiras jurídicas. A situação hoje é diversa. A separação e os
posteriores casamentos ou formação de convivências estáveis parecem
não mais concernir com a moral.
A despeito da imprecisão, a expressão possui carga semântica específica.
Não se trata de mera boa conduta. Ao qualificá-la de ilibada, o sistema
está a reclamar do profissional do Direito algo superlativo em relação às
demais profissões.
Formar a consciência é o objetivo mais importante de todo o processo
educativo. Ela é que avalia o acerto das ações, ela é que permite
reformular o pensamento e as opções. Somente ela permitirá coerência ao
homem, propiciando-lhe comportar-se de acordo com a própria
consciência. Por isso é que a formação da consciência, além de ser o
objetivo mais importante, resume em si todo o inteiro processo
educativo.70
Existe uma tendência a desconsiderar os problemas da vida particular do
profissional, quando estes não reflitam no exercício de sua atividade.
Embora a privacidade seja valor protegido pela ordem jurídica, nem
sempre as fronteiras entre vida profissional e vida íntima são
perfeitamente delineadas. À medida que pessoas se dedicam ao exercício
de atividades diferenciadas, também despertam atenção maior de parte da
6.4 Os princípios gerais da Deontologia Forense
71
O artigo 2.° da Lei Complementar Federal 35, de 14.03.1979, a Lei Orgânica da
Magistratura, menciona a conduta ilibada como um dos requisitos para o brasileiro ser
Ministro do Supremo Tribunal Federal.
72
Lei Complementar Federal 35, de 14.03.1979, artigo 35, inciso VIII Sobre o tema,
examinar JOSÉ RENATO NALINI, Curso de deontologia da magistratura, São Paulo:
Saraiva, 1992.
68
PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., p. 95.
PASQUALE GIANNm, Principi .... , cit., idem, p. 95-96.
70
PASQUALE GIANNITI, Principi .. , cit., idem, p. 96.
69
33
comunidade. Ela costuma nutrir uma expectativa de comportamento
vinculada à profissão exercida. É quase que uma carga mítica a envolver
determinadas funções. Assim, espera-se de todo sacerdote que seja
santo, de todo médico seja milagroso, de todo advogado seja hábil para
vencer causas impossíveis e de todo juiz revista o dom da
infalibilidade.
negativas, o decoro dos demais. Este princípio deontológico se baseia,
em determinadas profissões especialmene, no âmbito estrito da
prestação dos serviços profissionais e pode referir-se à própria vida
pessoal, familiar e social do profissional em questão73".
Ambos os conceitos são mais intuídos do que descritos. Está-se
novamente na esfera de uma indeterminação ou vagueza decorrente da
plasticidade conceitual. Quase sempre se chega a eles diante de episódios
concretos de condutas que os malferiram.
Podem coexistir situações de contraste a depender da região, das
dimensões da comunidade - os costumes da metrópole parecem
atenuados diante do conservadorismo da micro comunidade, ressalvada a
influência televisiva - e de certos valores sustentados em verdadeiros
guetos religiosos. Mas há um núcleo comum a caracterizar a conduta
ilibada dos profissionais do direito. Pelo mero fato de se dedicarem ao
cultivo do direito, acredita-se atuem retamente. Deseja-se que os
integrantes de uma função forense venham a se caracterizar pela
incorruptibilidade, sejam merecedores de confiança, possam desempenhar com dignidade o seu papel de detentores da honra, da liberdade, dos
bens e demais valores tutelados pelo ordenamento.
É truísmo afirmar que fere a dignidade profissional a prática de crimes
como o estelionato, a falsidade, a receptação e outros, para mencionar
aquelas ameaças mais comuns à categoria. O decoro resta vulnerado
quando o profissional se apresenta mal vestido, de maneira a não honrar
o prestígio da profissão abstratamente considerada.
O princípio do decoro e da dignidade profissional é ainda suscetível de
ser lesado quando se pleiteia remuneração excessiva. Ou quando se atua
maliciosa e insinceramente, com abuso e falta de escorreição, quando o
fato já não constitua crime.
6.4.2 O princípio da dignidade e do decoro profissional
Todas as profissões são dignas. As atividades exercidas com o objetivo
de viabilizar a coexistência das pessoas revestem igual distinção e
merecem idêntico respeito. Este, portanto, é um dos princípios gerais que
pode estar presente em qualquer desempenho humano.
É também indecorosa a publicidade exagerada, a captação de clientela,
em carreiras que se baseiam na confiança e não em relações de
comércio. Pois "o advogado deve imprimir à sua atividade a discrição e
reserva, as quais contrastam com uma publicidade do tipo comercial".74
A questão da publicidade dos serviços de advocacia é tormentosa. A
divulgação de textos científicos, artigos doutrinários e mesmo noticiário
objetivo, sério e decoroso, não pode ser considerada publicidade se
conduzir o leitor a vincular o autor a determinado escritório.
Nas profissões do foro, todavia, o dúplice dever concentra toda a
normativa dos deveres. Reclama-se dignidade e decoro também na vida
privada, para que um comportamento indigno e indecoroso não venha a
respingar a beca e a toga. É o que sublinha Santaella López: "A
dignidade é também um princípio deontológico de caráter geral. A
dignidade constitui um valor inerente à pessoa humana, que deve ser
protegido e respeitado. A projeção desse valor no exercício profissional
é o que proporciona o decoro à corporação ou colégio profissional.
Destaforma, a dignidade no desempenho da profissão por parte de um
de seus membros afeta, tanto em suas manifestações positivas como nas
73
MANUEL SANTAELLA LÓPEZ, Ética de las profesiones jurídicas Textos y
materiales para el debate deontológico, Servicio de Publicaciones Facultad de Derecho
Universidad Complutense Madrid, Madrid: Universidad Pontificia Comi lias - Facultad
de Derecho, 1995, "La Deontologia, entre la Moral y el Derecho", p. 20-25.
74
E. RICCIARDI, "Pubblicità, specializzazione ed attività c.c. dominanti nell'esercizio
della professione forense", Foro It. 1991, V.c.543-ss, apud PASQUALE GIANNITI,
Principi ... , cit., idem, p. 107.
34
A necessidade de especialização faz com que a parte necessite de outros
esclarecimentos a respeito do profissional, insuficiente a velha placa à
porta do escritório. Modernas técnicas de divulgação podem ser usadas
sem malferir preceitos éticos. Assim as promoções culturais patrocinadas
por empresas de advogados, dando-se a conhecer à comunidade
científica de maneira institucional e não agressiva. As observações em
relação à publicidade valem também para as Faculdades de Direito, para
as editoras especializadas em publicações jurídicas e para empresas
vinculadas à área.75
ela exercida como plus a qualquer outra. Exige, em regra, dedicação
exclusiva de seu titular.
É racional estabelecer-se a incompatibilidade do exercício forense com
outro qualquer. A segunda atividade provocaria interferência na esfera
profissional jurídica, propiciaria captação de clientela, geraria confusão
nas finalidades de atuações diversas ou estabeleceria vínculos de
subordinação vulneradores do princípio da independência. Até atividades
não profissionais podem incidir negativamente sobre a liberdade de
determinação do profissional do direito, sacrificando as exigências de
autonomia e prestígio da classe. Assim, por exemplo, algumas
legislações enxergam incompatibilidade entre o exercício da advocacia e
o ministério sacerdotal de toda confissão religiosa. Essa proibição "é
voltada a impedir a confusão entre sacro e profano, a evitar a
possibilidade de confundir, não a finalidade ética, as notícias secretas
apreendidas em uma e em outra função; a excluir que os particulares
poderes próprios do ministro, acumulando jurisdição e cura de almas,
possam incidir negativamente sobre a liberdade de determinação do
profissional, pondo-se em contraste com as exigências de autonomia, de
prestígio e de eficiência da classe forense "77
A questão de publicidade concerne mais a advogados, mas não pode
deixar de interessar a outras carreiras, quando seu integrante seja
extremamente vulnerável à vaidade de se ver continuamente estampado
nos jornais de classe, que passam a ser órgãos de divulgação pessoal e
não da categoria.
É também lesivo ao decoro o uso de expressões chulas, inconvenientes e
vulgares. Inadmissíveis em sentenças, despachos ou pareceres, também
não podem constar de quaisquer das peças insertas em processo. O
ordenado e correto exercício da profissão forense não se coaduna com
excessos, repudia a arrogância e a presunção, reclama moderação aos
ímpetos da defesa e aos impulsos do caráter.76
Seria desabonador para a função jurídica ver-se como atividade
secundária de profissional cuja subsistência é auferida no exercício de
outro mister. A lição evangélica é sensata: ninguém serve a dois
senhores. Aquele que não conseguir sobreviver mercê de sua atividade
estritamente jurídica, deverá dedicar-se a atribuição diversa. As funções
que concernem ao Direito são absorventes e pressupõem dedicação
plena, excluídas todas aquelas próprias a outras profissões.
6.4.3 O princípio da incompatibilidade
A carreira jurídica é daquelas raramente acumuláveis com outras,
exceção feita ao magistério. A dignidade da missão forense inadmite seja
75
Eticamente questionável a distribuição de preservativos por uma editora jurídica, ao
divulgar seus códigos junto ao alunado de algumas das Faculdades de Direito em São
Paulo.
76
PASQUALE GIANNITI, Principi... cit., idem, p. 114. O autor remete a R. DANOVI,
Corso, p. 242-243, que elencou interessantes expressões tiradas de processos italianos.
Os jornais brasileiros, quando em vez publicam, à guisa de folclore ou anedotário,
utilização vernacular exótica. Essa divulgação em nada contribui para evidenciar a
seriedade da Justiça e para incrementar sua credibilidade perante o universo dos
destinatários.
6.4.4 O princípio da correção profissional
Todas as profissões jurídicas observam um complexo de
comportamentos deontológicos próprios. A atuação forense não pode se
desvincular de certo ritual, inspirado na origem da realização do justo.
77
35
PASQUALE GIANNITI, Principi..., cito p. 120.
confluentes no conceito genérico de coleguismo".78
Esse ritualismo se exterioriza no processo, instrumento de administração
da justiça, e se reflete na conduta dos profissionais do foro.
Não se entenda coleguismo como um companheirismo superficial,
próprio àqueles que, na contingência de partilha de um espaço social
comum, obrigam-se a um relacionamento amistoso, que pode chegar ao
pândego. O coleguismo, sob enfoque deontológico, é mais consistente. É
um sentimento derivado da consciência de pertença ao mesmo grupo, a
inspirar certa homogeneidade comportamental, encarada como
verdadeiro dever. "Este sentido de dever, enquanto pertence ao grupo, se
denomina de várias formas (Kamaraderie, confraternité, colegialidad),
se bem que com diversos matizes de significado e se traduz de várias
maneiras em comportamentos recíprocos de fidelidade, de lealdade, de
solidariedade, de confiança, de respeito, de cortesia, de estima e de
ajuda mútua".79
A correção se caracteriza de muitas formas, nem todas elas de igual
intensidade deontológica. O profissional correto é aquele que atua com
transparência, no relacionamento com todos os protagonistas da cena
jurídica ou da prestação jurisdicional. Age no interesse do trabalho e da
Justiça, não se descuidando do interesse imediato das pessoas às quais
serve. Não se beneficia com a sua função ou cargo. Não se vangloria.
Condói-se da situação daquele que necessita de seus préstimos ou recorre
ao insubstituível direito de exigir justiça.
É um comportamento sério, sem sisudez; discreto, sem ser anônimo;
reservado, sem ser inacessível; cortês e urbano, honesto, inadmitindo-se
para isto qualquer outra alternativa. Pautar-se-á por uma orientação
moral acima de qualquer suspeita, principalmente em relação aos jejunos
nas ciências jurídicas, mais vulneráveis à incorreção dos profissionais do
Direito.
Difere o coleguismo da solidariedade. Esta se manifesta em geral fora do
processo e se fundamenta sobre a consideração da dignidade humana do
colega. É solidário o colega que defende o outro quando injustamente
atacado em sua honra, ou que auxilia a fa1lli1ia do colega enfermo. Já o
coleguismo guarda vinculação extrema com o exercício profissional.
Seus exemplos: substituir em audiência colega adoecido ou impedido,
fornecer a outrem livros e revistas jurídicos, partilhar o conhecimento de
novas teses doutrinárias ou nova jurisprudência, dar orientação de caráter
técnico para a solução de um complexo problema jurídico.
6.4.5 O princípio do coleguismo
O núcleo comum a todos os integrantes das carreiras e exercentes das
funções jurídicas é haverem igualmente passado pelos bancos de uma
Faculdade de Direito. A identidade de origem não poderia deixar de
gerar verdadeira comunidade, todos imbuídos da consciência comum de
se irmanarem no desempenho de uma e única missão: realizar a justiça.
O coleguismo se traduz também no tratamento respeitoso dos
profissionais mais jovens quanto aos mais experientes. Estes não podem
olvidar sua condição de guia para os neófitos. Falta de coleguismo é
disputar cargos ou clientes, concorrer de maneira pouco leal, estimular
ou calar-se diante da maledicência, comentar erro do colega. Falso
coleguismo o acobertar erro do colega, mesmo que dele advenha prejuízo
a terceiro ou ao bom nome da Justiça.
Tal sentimento já se encontrava nos antigos grupamentos e se tomou
muito explícito no funcionamento das Corporações de Ofício medievais.
Lá, como hoje, "os membros do grupo estão ligados entre si por um
vínculo orgânico que lhes estimula e lhes obriga a ter determinados
comportamentos homogêneos com o objetivo de salva-guardar o bem
comum setorial. Segundo a tradição, tais comportamentos se
caracterizam pelos conceitos de fidelidade, lealdade, camaradagem,
confiança recíproca e solidariedade, que podem considerar-se
78
CARLO LEGA, Deontologia de la profesión de abogado, 2: ed.,. Madrid: Civitas,
1983. p.168-169.
79
CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 169.
36
a casos menores e outros considerados mais relevantes, a mesma atenção
a partes humildes e poderosas. E todos os operadores jurídicos têm um
especial compromisso derivado do princípio da diligência: pecado
inescusável da Justiça brasileira é a lentidão. Ela não será vencida sem
particular empenho de parte de todos os responsáveis: juízes, promotores,
advogados e servidores da justiça. Uma diligência potencializada se
reclama dos responsáveis por milhões de processos cuja tramitação em
ritmo inadmissível para a modernidade faz com que se desacredite da
Justiça.
6.4.6 O princípio da diligência
O profissional do direito em regra é acionado quando alguém se vê
atormentado por vulneração injusta a algum direito. Somente agora
delineia-se com nitidez maior a compreensão de que o direito deve estar
sempre na cogitação das pessoas, atuando preventivamente e não apenas
restaurar situações fenomenicamente irrestauráveis.
Por atuar numa verdadeira UTI social, o profissional do direito deve ser
diligente. Deve ser pronto e ter presteza ao cuidar do interesse alheio
vulnerado. Aliás, o dever de diligência está na base de toda relação
humana.80 O profissional não pode ser indolente, insensível, desidioso e
acomodado ao exercer a função que escolheu como opção de vida.
6.4.7 O princípio do desinteresse
Por princípio do desinteresse é conhecido o altruísmo de quem relega a
ambição pessoal ou a aspiração legítima, para buscar o interesse da
Justiça. Esse é um princípio inspirador dos chamados a integrar as
carreiras jurídicas - Magistratura, Ministério Público, Procuradorias,
Defensoria Pública, Polícia e mesmo o Magistério Jurídico. Sabe-se da
insuficiência da remuneração, diante da relevância das funções exercidas.
Mesmo assim, continua a juventude a disputar cargos nos concursos,
consciente das dificuldades a serem enfrentadas, das restrições impostas
e da renúncia a atingir tranqüila situação econômica.
O conceito de diligência compreende aspectos eminentemente pessoais,
"quais o zelo e o escrúpulo, a assiduidade e a precisão, a atenção e a
solércia etc. - que afloram de vez em vez, seja na execução técnica das
prestações, seja em todos aqueles comportamentos de contorno que são
do domínio da deontologia"81 Esse dever impede que se falte a
compromisso assumido ou ao trabalho, se atrase para reuniões ou atos do
ofício, se deixe de telefonar em seguida quando procurado por alguém.
Mas vai muito além. Impõe ao profissional do direito o dever de
completar a sua formação, inserindo-se num processo de educação
continuada. A sociedade contemporânea reclama constante atualização,
pena de o profissional não poder se exprimir em nível técnico adequado.
O princípio do desinteresse inspira ainda um dos critérios informadores
da profissão do advogado. O dever do advogado é tentar sempre a
conciliação, antes de propor a lide, previamente ao início da instrução e a
qualquer tempo, sem se preocupar com eventual redução de seus
honorários que disso decorra. O profissional do direito há de
conscientizar-se de que "toda lide, mesmo conduzida com a máxima
ausência de paixão, constitui sempre um mal para as partes litigantes
(para as quais a matéria da contenda constitui um trauma psíquico) e
para a inteira coletividade (enquanto incrementa o fenômeno da
litigiosidade, contribui a reduzir os valores éticos e constitui inútil
dispêndio de despesa)".83
É negligente quem não se empenha no auto-aprimoramento,
acompanhando a edição legislativa, a produção doutrinária e a
construção pretoriana.82 O dever de diligência clama por tratamento igual
80
R. DANOVI, Codice, p. 72-73, CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., p. 172, ambos
citados por PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 140.
81
S. RODOTÀ, "Diligenza", Diritto Civile, Enciclopedia deI Diritto, Milano, 1964, t.
XII, p. 544, apud PASQUALE GIANNITI, Principi. .. , cit., idem, p. 141.
82
G. GORLA, "Dovere professionale di conoscere la giurisprudenza e mezzi
d'informazione", Temi rom., 1967, p. 338, apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... ,
cit., idem, p. 141.
83
37
PASQUALE GIANNITI, Principi..., cit., p. 146.
Pode parecer utopia pregar o desinteresse numa era denominada neoliberal, eufemismo para o desenfrear do capitalismo, calcado sobre a
idéia de lucro e, portanto, de interesse. Cumpre, todavia, conservar o
mínimo ético garantidor das conquistas civilizatórias da Humanidade.
Dentre elas, a concepção de que, na repartição de funções pelos membros
da comunidade, misteres há muito aproximados a um sacerdócio. Retirar
à carreira jurídica o seu status de missão, transcendente e indispensável à
harmonia, será reduzi-la a atuação inexpressiva, facilmente substituível
por alternativas menos dispendiosas e complexas de solucionar os
conflitos humanos.
normativa de regência de sua conduta, sobretudo em relação aos
preceitos éticos subordinantes de seu comportamento.
6.4.8 O princípio da confiança
Correlato ao princípio da confiança, o princípio da fidelidade é outro dos
atributos cobráveis aos detentores de função jurídica. Fidelidade à causa
da justiça, exigível a todo e qualquer profissional do direito. Fidelidade à
verdade e à transparência. Fidelidade aos valores abrigados pela
Constituição, que tanto prestígio e relevo conferiu ao direito,
convertendo a advocacia em função indispensável à administração da
Justiça:, ao lado do Judiciário, do Ministério Público e de outras
instituições.
Por isso é que as falhas cometidas pelos juízes despertam interesse
peculiar e são divulgadas com certa ênfase pela mídia. Tais infrações não
atingem exclusivamente o infrator. Contaminam toda a Magistratura e a
veiculação do ato isolado se faz como se ele fora conduta rotineira de
todos os integrantes da carreira.
6.4.9 O princípio da fidelidade
O operador jurídico ainda exerce uma artesania do direito. Prevalece o
caráter essencialmente individual de qualquer das atuações no campo do
direito, onde o profissional é escolhido mercê de atributos
personalíssimos e não intercambiáveis. Essa realidade é muito mais
próxima à advocacia do que às carreiras jurídicas públicas. O cliente
constitui seu advogado o profissional que lhe merece confiança. Será o
detentor de seus segredos, terá acesso a informações íntimas, terá em
suas mãos a chave da resolução dos problemas que o atormentam.
O operador jurídico responsável pelo patrocínio de causas junto à Justiça
deve igualmente lealdade a seu constituinte e aos demais operadores,
notadamente o juiz e o promotor. Nas relações com o cliente, deverá
também portar-se com lealdade. Assim não fora e inexistiria o patrocínio
infiel, a faculdade de abster-se de prestar testemunho sobre o que lhe foi
confiado pelo cliente ou o que conheceu em virtude da profissão.
Existe, assim, um caráter fiduciário na relação advogado/cliente. O
advogado tem ainda o dever da fidelidade em relação ao cliente, pois foi
por este escolhido em razão de particularíssima confiança em seus
méritos, capacidade e pessoa.
Já os juízes, promotores e demais integrantes de carreiras jurídicas
públicas são impostos às partes. Estas não podem escolhê-los. Haveria
ainda lugar para o princípio da confiança?
Esse é um capítulo de singular delicadeza. Já se afirmou que "o
advogado não deve desmascarar o acusado defendido por ele que mente
ao juiz; que deve fixar suas conclusões com base no que resulte do
processo e não com base na confissão recebida de seu cliente; que não
deve revelar ao juiz a verdade, inclusive se seu cliente acusa falsamente
a um terceiro, do delito que ele estava acusado (cometendo, portanto,
um delito de calúnia)"84 Tais posições pertinem exclusivamente ao
A resposta é positiva. A confiança, aqui, não recai sobre a pessoa
individual do juiz, senão sobre a pessoa coletiva da Magistratura. Os
juízes devem ser considerados pelas partes pessoas confiáveis,
merecedoras de respeito e crédito, pois integram um estamento
diferenciado na estrutura estatal. Espera-se, de cada juiz, seja fiel à
84
38
E. SANGUINETI, Teoria e pratica da procuratore, Milano, 1974, p. 358, apud
advogado. O requisito da fidelidade, porém, como atributo derivado da
confiança que as pessoas devam nutrir em relação aos operadores do
direito, deve ser encontrado no patrimônio moral de qualquer de seus
profissionais.
Por independência se concebe a ausência de quaisquer vínculos
interferentes na ação do profissional do direito, capazes de condicionar
ou orientar sua atuação de forma diversa ao interesse da Justiça. "Todo
intento de violação da independência da profissão compromete mesmo
sua função social".87 A independência é atributo consagrado ao juiz, ao
promotor, ao advogado e aos demais operadores.
A fidelidade é um conceito que precisa ser repensado. Pois "a fidelidade
não é um valor entre outros: ela é aquilo por que, para que há valores e
virtudes. Que seria a justiça sem a fidelidade dos justos? A paz, sem a
fidelidade dos pacíficos? A liberdade, sem a fidelidade dos espíritos
livres? E que valeria a própria verdade sem afidelidade dos verídicos?
Ela não seria menos verdadeira, decerto, mas seria uma verdade sem
valor, da qual nenhuma virtude poderia nascer. Não há sanidade sem
esquecimento, talvez; mas não há virtude sem fidelidade".85
A independência não há de ser tal que fuja ao controle ético. Toda a
atividade humana, ao reivindicar sua própria e legítima autonomia, não
pode deixar de reconhecer a harmonia e a subordinação ao critério
supremo, que é o critério ético.88 A independência não exclui, mas em
lugar disso postula enfaticamente, estrita dependência à ordem moral.
Ruy de Azevedo Sodré, legendário cultor da ética dos advogados, já
afirmou que a melhor garantia da independência desses operadores é a
observância aos preceitos éticos: "Os cânones éticos, a que estamos
vinculados e que balizam a nossa conduta, asseguram a nossa
reputação, propiciam a nossa liberdade moral, efetivam a nossa
independência. À sua sombra, abriga-se o advogado das tentações que o
cercam, de que fala Couture e das que exemplifica Angel Ossório".89 A
subordinação à ética é a um tempo garantia e limite para a independência
profissional. Não se concebe uma independência direcionada a malferir o
ordenamento moral daqueles que exercem profissão forense,
caracterizada pela prática indistinção de muitas regras morais perante as
regras técnico-jurídicas.
Mas de qual fidelidade se fala? Está-se a pensar, por óbvio, na fidelidade
ao bem. Pois a fidelidade ao mal é má fidelidade. É infidelidade ao bem.
Cumpre, então, sempre indagar: "A fidelidade é ou não louvável?
Conforme, ou seja, depende dos valores a que se é fiel. Fiel a que ?(...)
Ninguém dirá que o ressentimento é uma virtude, embora ele permaneça
fiel a seu ódio ou a suas cóleras; a boa memória da afronta é uma má
fidelidade. Tratando-se de fidelidade, o epíteto não é tudo? E há ainda a
fidelidade às pequenas coisas, que é mesquinha e tenaz memória das
bagatelas, repisamento e teima (...) A virtude que queremos não é, pois,
toda fidelidade, mas apenas a boa fidelidade e a grande fidelidade".86 A
fidelidade do operador jurídico é a fidelidade das boas causas, a
fidelidade à justiça e a fidelidade do direito.
6.4.11 O princípio da reserva
6.4.10 O princípio da independência profissional
87
Artigo lO do Código Deontológico Forense de Ferrara, Palermo e Lombardia, citado
por CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 77.
88
PASQUALE GIANNm, Principi..., cit., p. 157. Invoca o magistério de PIO XII e o
do Concílio Vaticano lI, sobretudo na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no
sentido de que nenhuma atividade humana está liberada à solicitude moral.
89
RUY DE AZEVEDO SODRÉ, "O advogado, seu estatuto e a ética profissional", 2."
ed., São Paulo: RT, 1967, p. 138. A menção a Angel Ossório se completa com a
reprodução de um texto extraído de Alma de la toga:
CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 184-185. Carlo Lega abriga certas
dúvidas sobre a licitude da última solução.
85
ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno tratado das grandes virtudes, São Paulo:
Martins Fontes, 1996, p. 25-26.
86
V. JANKÉLÉVITCH, Traité des vertus. II: Les vertus et I' amour, Flammarion,
1986, t. I, capo 2, p. 140, apud ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno tratado das
grandes virtudes, cit., idem, p. 26-27.
39
O homem de bem é um homem discreto. Desprestigia-se - e à categoria o profissional que comenta com terceiros aquilo de que tomou
conhecimento no exercício profissional. Fala-se que o princípio da
reserva é mais abrangente do que o princípio do segredo. Este imporia
silêncio quanto à controvérsia ou processo. Já o princípio da reserva se
estende a todas as demais circunstâncias nas quais parte ou terceiro
venham a ser direta ou indiretamente implicados. "De onde o princípio
da reserva não se exaurir no só silêncio, mas exigir também
comportamentos ativos a serem exercitados em toda circunstância da
qual emerge a exigência de salvaguardar a intimidade do interessado”90
O ideal é uma conduta inspirada em uma absoluta reserva, uma
circunspecção, prudência na conduta, discreção e recato no trato das
coisas profissionais.
dever de tratar a prática profissional no foro e não em lugares públicos;
2. o dever de manter reserva sobre todos os documentos ou objetos do
processo; 3. o dever de vigiar a fim de que funcionários, digitadores,
assistentes ou escreventes, mantenham reserva sobre tudo aquilo de que
tomem conhecimento por motivo do trabalho; 4. dever de reserva em
relação ao endereço do cliente; 5. dever de não externar opinião sobre
processo a si confiado, mesmo em família.92 Para o autor, o fundamento
lógico desse princípio satisfaz a exigência de garantir a todo cidadão a
liberdade de poder recorrer à Justiça com a plena confiança de que se
manterá a máxima discrição sobre o que lhe confiará ou que virá a ser de
conhecimento de seus operadores, durante o decorrer da demanda.
Ao lado do princípio da reserva, existe para alguns o princípio da
informação, que o não contradiz. O princípio da informação postula a
amplitude de conhecimento de fatos, notícias e circunstâncias
conducentes ao exercício da defesa. O profissional encarregado de
oferecer resistência aos pleitos formulados contra seu constituinte saberá
selecionar, dentre todas as informações por este fornecidas, aquelas
essenciais ao desenvolvimento de seu mister e outras cuja divulgação se
mostra inviável. "Todas as torpezas, todas as traficâncias, manejos de
que os homens lançam mão para ofenderem-se reciprocamente, na honra
e na propriedade, vêm a ser liquidadas no foro e é ao advogado a quem a
Sociedade deu a incumbência de lavar esta roupa suja e apresentá-la
limpa aos olhos do mundo". o avanço tecnológico oferece faces
insuspeitas para o princípio da reserva. Tanto no âmbito do Judiciário,
como das dependências vinculadas à administração da Justiça, como para
os próprios advogados, a possibilidade de armazenamento de dados é
ilimitada. A divulgação de dados que só interessam ao indivíduo é
coibida, por força de preceito constitucional que protege a privacidade.
Todos os responsáveis têm o dever de adotar as precauções mais
rigorosas para o acesso à informação, de manter o interessado
cientificado e de cancelar as informações quando concluída a relação ou
O ser humano levado à Justiça ou a servir-se dela, partilha intimidades
com os profissionais em contato com sua causa. Estes são credenciados
pelo Estado para a realização do bem supremo da Justiça. Não se pode
tolerar que, em lugar da solução para os problemas, ou ao menos de um
encaminhamento rumo a ela venham a afligir ainda mais o aflito, fazendo
chegar a outrem informações protegidas pela privacidade.
Embora reserva e segredo não se confundam, "entre a regulação jurídica
do segredo profissional e o princípio deontológico de reserva existem
vínculos estreitos".91 Prudencial a conduta do operador jurídico no
sentido de preservar os protagonistas do drama que se lhe apresenta,
evitando tratar de assuntos profissionais em lugares diversos do foro,
mesmo em sedes de associações de classe, onde se presume estejam os
profissionais buscando o lazer ou interesses associativistas, não a
continuidade do trabalho. Também procurando coibir o excesso de
confiança e intimidade com partes e demais operadores.
Gianniti contempla como outras expressões do princípio da reserva: 1. o
90
A. DE CUPIS, "Riservatezza e segreto" (diritto a), Nov. Dig. It., Torino, 1976, v.
XVI, p. 121, apud PASQUALE GIANNITI, Principi ... , cit., idem, p. 162.
91
CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 148.
92
40
PASQUALE GIANNITI, Principi..., cit., idem, p. 162.
a operação para a qual sua coleta se mostrou necessária.93
Todos os envolvidos no processo querem o mesmo: a realização possível
do justo humano. A parte, mesmo se vier a sucumbir, deverá resignar-se,
pois se realizou o direito e ela foi tratada com dignidade, como deve ser o
tratamento dispensado aos seres humanos. O réu, mesmo condenado,
deverá estar consciente de que se realizou justiça e de que não havia
alternativa diversa ao juízo, diante da contundência do elemento de prova
amealhado contra ele.
6.4.12 O princípio da lealdade e da verdade
Deflui do sistema jurídico o dever de atuar com lealdade, pois o direito
civil brasileiro, inspirado na fonte romano-germânica, premia a boa-fé e
a correção. A lealdade é uma regra costumeira, desprovida de sanção
jurídica, mas eticamente sancionada pela reprovação comunitária.
A lealdade imporia a todos os operadores jurídicos o dever da verdade. A
dificuldade primeira é a conceituação da verdade. Para Santo Tomás, "a
verdade tem contornos cambiantes e cada um a reconhece, à sua
maneira, através de estados íntimos, nem sempre transferíveis e
tampouco comunicáveis"94 Existe, para o operador jurídico, o dever
absoluto de dizer a verdade?
A lealdade precisa inspirar toda a atuação jurídica, notadamente a
processual. O juiz deve se portar com lealdade, corolário da
imparcialidade, recusando-se a silenciar quando se lhe reclama franqueza
para advertir qualquer das partes sobre equívoco ou erronia. Não fora
dever processual de conduzir o processo para uma finalidade hígida e
constituiria dever deontológico o de enfrentar as preliminares e questões
prejudiciais, não permitindo que lides temerárias alcancem estágio
avançado, com dispêndio de tempo e de recursos materiais para todos.
Calamandrei sustenta que a lealdade processual é apenas a lealdade
reclamada para o jogo. A emulação de habilidade é ilícita, assim como
não é lícito atuar de qualquer maneira maliciosa. Conclui,95
melancolicamente, que a vitória do mais astuto não é a do mais justo.
Também Calogero admite a mentira, quando com fins benéficos,96
enquanto Carlo Lega se posiciona contrariamente. A mentira viola os
princípios da ética forense e compromete a função social da profissão.97
Consoante Eduardo Couture, "existe, efetivamente, um dever de dizer a
verdade, com texto expresso ou sem texto expresso, com sanções
especíjicas".98 Pois, como diz o notável uruguaio, o processo é a
realização da Justiça e nenhuma justiça pode apoiar-se na mentira. Civ.,
1939, v. I, p. 136 e ss, citado por CARLO LEGA, Deontologia ... , cit.,
idem, p. 161, nota 13.
O promotor deve se pautar com lealdade para com o juiz e para com o
advogado, atuando com transparência e não guardando trunfos para
surpreender qualquer deles. O advogado, além da lealdade para com o
juiz e promotor, deve tê-la em relação ao colega e aos clientes. Estes
precisam ser advertidos do êxito ou temeridade da demanda, necessitam
de esclarecimentos precisos sobre a conciliação e suas conseqüências,
sobre o andamento da causa e sobre as estratégias adotadas pelo
profissional para o bom desempenho de seu mister.
A lealdade se insere numa concepção de processo sob a ótica de uma
estrutura cooperativa. O processo, instrumento de consecução de um bem
da vida chamado justiça, deve deixar de ser encarado como pugna
civilizada, ou como verdadeira luta entre contendentes irados e prontos a
qualquer crueza, para ser concebido como expressão da democracia.
94
RUY DE AZEVEDO SODRÉ, O advogado e seu estatuto e a ética profissional, cit.,
idem, p. 253.
95
PIERO CALAMANDREI, "11 processo come gioco", apud CARLO LEGA,
Deontologia ... , cit., idem, p. 161.
96
CALOGERO, "Probità, lea1tà, veridicità nel processo", in Riv. Dir. Froc.
97
CARLO LEGA, Deontologia ... , cit., idem, p. 162.
98
RUY DE AZEVEDO SODRÉ, O advogado ... , cit., idem, p. 256.
93
F. GRANDE STEVENS, "Nuovi contenuti della deontologia professionale",
Rassegna degli Avvocati Italiani, 1983/2, p. 10, apud PASQUALE GIANNITI, Principi
... , cit., idem, p. 163.
41
de permanente vigilância ética mostra-se imprescindível para o
Ministério Público. A Instituição cresceu e sedimentou-se como braço
essencial à administração da Justiça. Essa consolidação institucional tem
o contraponto de um desgaste acentuado, se não conviver com o zelo
intransigente da qualidade humana de seus integrantes. Pois é hoje a
instituição jurídica mais poderosa e, portanto, aquela que corre mais
riscos de abusar de uma força a si atribuída pelo pacto constituinte de
1988.
6.4.13 O princípio da discricionariedade
A profissão jurídica é exercida por alguém que obteve formação em grau
universitário. Parcela ainda mínima da população brasileira chega ao
terceiro grau na escolarização convencional. O bacharel em ciências
jurídicas é, presumivelmente, alguém provido de discernimento para
exercer uma profissão liberal. Esta se pontua pela discricionariedade de
seu exercente, poder de atuar com liberdade na escolha de sua
conveniência, oportunidade e conteúdo.99
O advogado também tem discricionariedade para persuadir o cliente de
iniciar uma lide ou de imediatamente propô-la. É dele a
discricionariedade típica de eleger a estratégia de combate ou de defesa
nos autos. Ele o encarregado de encontrar a alternativa jurídica mais
eficaz para determinado problema concreto. Atua com extrema liberdade
e esse caráter converte a profissão em campo minado de deslizes éticos.
Mesmo subordinado à lei, o operador jurídico possui uma vasta área para
selecionar o momento, as estratégias e as formas de sua atuação. O juiz
tem discricionariedade no mais amplo espectro do exercício de sua
missão. Para conceder ou não a medida liminar, para julgar no estado ou
permitir a instrução, para fixar os pontos controvertidos da causa, para
determinar, de ofício, a realização de mais provas. Para se convencer, em
um sentido ou no seu antípoda, quanto ao pleito que lhe foi formulado.
Com alguma atenuação, o profissional encarregado da defesa do Estado
também é munido de poderes discricionários. E o delegado de polícia é,
talvez, o exercente de função jurídica mais aquinhoado pelo sistema
dessa atuação quase completamente livre. Tanto que a polícia tem sido,
no
mundo
todo,
a
profissão
em
que
a
fronteira
discricionariedade/arbitrariedade se mostra mais tênue e movediça.
É um poder terrível, que encontra freios éticos muito nítidos. O juiz não é
um escravo da lei, operador insensível e despreocupado com as
conseqüências de suas decisões. Precisa estar convicto de que à
autoridade que lhe foi conferida corresponde responsabilidade também
diferenciada. O exercício consciente da jurisdição acarreta deveres de
ordem constitucional, legal e disciplinar. Os mais angustiantes, porém,
são os deveres da esfera ética. Nem sempre a solução adotada, embora
conforme com a lei, foi a mais satisfatória para os reclamos morais de
uma inteligência sensível.
6.4.14 Outros princípios éticos das carreiras jurídicas
A enunciação de princípios éticos gerais, aplicáveis às profissões
forenses, é sempre algo de discricionário. Poder-se-ia multiplicar a
relação dos princípios, incluindo-se inúmeros outros, alguns lembrados
por autores que também se dedicaram ao estudo da ética.
O promotor de justiça tem uma discricionariedade até mais dilargada.
Pode, em tese, arquivar o inquérito ou denunciar. Insistir nas diligências.
Iniciar procedimentos averiguatórios, de tão angustiantes conseqüências
para as pessoas. É-lhe conferido iniciar ações civis públicas, defender as
minorias e ocupar um espaço muito importante na mídia. A necessidade
Dentre eles, mencionem-se os
solidariedade, da cidadania, da
efetividade e da continuidade da
probidade profissional, que pode
99
HELY LOPES MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, 16." ed., 2.tiragem,
São Paulo: RT, 1991, p. 97.
42
princípios da informação,
residência, da localização,
profissão forense, o princípio
confundir-se com o princípio
da
da
da
da
correção,100 o princípio da liberdade profissional, da função social da
profissão, a severidade para consigo mesmo, a defesa das
prerrogativas profissionais, o princípio da clareza, pureza e
persuasão na linguagem, o princípio da moderação e o da tolerância.
tem razão de ser em nossos dias?
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
Todos eles se prestam ao serviço de atilar a postura prudencial dos
operadores jurídicos, favorecendo-os a um exame de consciência para
constatar como pode ser aferido eticamente o próprio comportamento.
Na maior parte das vezes, esse profissional é o único árbitro de sua
conduta. Além de se tomar, com isso, mais escrupuloso, deve ter em
mente que os cânones dos códigos éticos, a recomendação da doutrina e a
produção pretoriana dos respectivos tribunais éticos não excluem
deveres que resultam de sua consciência e do ideal de virtude, inspiração
maior do profissional do direito.
IX DEVERES DO ADVOGADO
Não se encontra no Estatuto da Advocacia um capítulo que se ocupe
especificamente dos deveres do advogado, como se encontra um
dedicado a seus direitos, que, como visto há pouco, foram listados um
a um. Porém, se é certo que o exercício da profissão outorga direitos
e prerrogativas ao inscrito, não menos certo é que atribui, por igual,
diversas obrigações positivas (o que deve fazer) e negativas (o que
não deve fazer). Todavia, diferentemente dos direitos, os deveres do
advogado encontram-se dispostos em normas espalhadas pelo
Estatuto, aí incluídas as disposições anotadas no capítulo das
"infrações e sanções disciplinares", que, mutatis mutandis, prevê atos
cuja execução ou omissão constitui dever do inscrito, atribuindo-se ao
descumprimento sanção disciplinar. Acrescente-se que outros tantos
deveres do advogado encontram-se dispostos em normas acessórias: o
Código de Ética e Disciplina, o Regulamento Geral da Advocacia e
os Provimentos do Conselho Federal da Ordem. Para tanto, o
legislador federal atribuiu um poder normativo complementar à
Ordem, no próprio EAOAB, como se constata em seu artigo 33, que
exige do advogado respeito rigoroso aos "deveres consignados no
Código de Ética e Disciplina"; este, por seu turno, dispõe que "o
exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos
deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e
com os demais princípios da moral individual, social e profissional".
PARA REFLEXÃO EM GRUPO
1. Existe nítida e rígida separação entre ética religiosa e ética
aconfessional?
2. O Estado no século XXI pode ser uma entidade a ética?
3. A Ética ambiental se contrapõe à Ética antropocêntrica?
4. A Natureza é sujeito de direitos? O meio ambiente é destinatário de
deveres éticos?
5. Honoré de Balzac, em As Ilusões Perdidas, faz uma sátira cruel ao
mundo da imprensa: "O jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se
comércio; e como todos os comércios, é sem fé nem lei". Esta afirmação
100
SANTAELLA LÓPEZ, op.cit., idem, ibidem, faz uma síntese preciosa sobre a
probidade: "A probidade é simples e claramente a honradez. Um profissional destinado
ao serviço dos demais, há de ser, antes de tudo, uma pessoa honesta. A probidade vem a
constituir, dessa forma, um compêndio das principais virtudes morais. Supõe uma
consciência moral bem formada e informada dos princípios éticos e da normativa
especificamente deontológica".
Neste capítulo, procurarei reunir, ordenadamente, todos os preceitos,
cujo respeito é senda necessária para a excelência do advogado, ou,
por outro lado, cujo cumprimento é condição necessária para a
valorização de toda a classe, e, via de conseqüência, de cada
43
advogado.
Disciplina, é dever do advogado conduzir-se de forma compatível com a
honra, a nobreza e a dignidade da profissão; em cada ato, o advogado
deve zelar pelo caráter de essencialidade e indispensabilidade da
advocacia (inciso 1), atuando com inarredáveis honestidade, decoro,
veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé e velando por sua reputação
pessoal e profissional (inciso III). Mutatis mutandis, diz o inciso VIII do
mesmo artigo 2º, parágrafo único, que deve o inscrito abster-se de
vincular seu nome - e não apenas em sua condição de advogado, frise-se
- a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso (letra c);
similarmente, não deve emprestar concurso aos que atentem contra a
ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana (letra d).
Nesse sentido, não se pode deixar de perceber que há determinadas
condutas do inscrito que definitivamente podem macular sua imagem,
tenham ou não sido praticadas na condição de advogado. Ainda assim,
é preciso redobrado cuidado na transformação da OAB em corte
moral do comportamento dos inscritos. O risco é assustadoramente
grande e pernicioso, o que se demonstrará, inclusive, na análise do
artigo 34, XXV e XXVII, do EAOAB, que definem como infração
disciplinar, respectivamente, "manter conduta incompatível com a
advocacia" e "tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da
advocacia". Nessa linha de argumentação, parece-me certo que a
Ordem deve ser rígida com inscrito que se envolve com corrupção
(de forma ativa ou passiva), com quadrilhas, com tráfico de
entorpecente, com lenocínio. Porém, não me parece possuir poder
para julgar o comportamento sexual dos inscritos (desde que não
sejam públicos, escandalosos, nem se apresentem na condição de
advogado), suas crenças políticas, religiosas, seus valores estéticos.
Antes de mais nada, não se pode esquecer que a
interpretação/aplicação do Direito não dispensa, em momento algum,
uma grande dose de bom-senso, sem o que pode a exegese acabar por
inviabilizar a concretização do telas normativo, ou, por outro lado,
estorvar o desenvolvimento das individualidades, cuja atuação, quase
sempre combatida, impulsionou a roda da evolução social.
1 Preservação da atividade
o primeiro dever do advogado é sempre proceder de forma que o torne
merecedor de respeito, contribuindo, assim, para o prestígio da classe da
advocacia (artigo 31, EAOAB). Essa atuação exprime-se não apenas no
respeito às normas deontológicas ou na abstenção de comportamentos
rotulados como infracionais, mas também, de mesma importância, num
particular cuidado com sua atuação, com a qualidade de seu trabalho,
com seu comportamento. Se o profissional não respeita tais balizas, mais
do que macular o próprio nome (o que será inevitável), acaba por
enlamear toda a classe, face a uma tendência social de generalização.
O Código de Ética, em seu artigo 44, exige-lhe urbanidade no trato com
o cliente, a parte contrária, os colegas, os magistrados e representantes do
Ministério Público, bem como com os serventuários e o público em
geral; por urbanidade entende-se a capacidade de conviver com os
outros, de ser gentil, a capacidade de respeitar a todos os seres humanos,
independentemente da função ou posição que ocupam. Daí dizer o artigo
45 do Código de Ética que o advogado deve agir com lhaneza, isto é, ser
afável, bem-educado, empregando linguagem escorreita e polida, esmero
e disciplina na execução de seus serviços. Mesmo quando dele se exige
combatividade, mesmo quando se faz necessário lutar com mais firmeza,
é indispensável que se esforce por controlar-se, evitando abandonar as
raias do razoável. Acentue-se, como fazem os §§ 1 º e 2º do artigo 31
do EAOAB, que o respeito a esses parâmetros examinados em nada se
confunde com o comportamento servil. Pelo contrário, o advogado deve
manter independência em qualquer circunstância (§ 1º), não devendo ter
nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem
de incorrer em impopularidade. Some-se que o Código de Ética lista
como seu dever atuar com "destemor e independência" (artigo 2º,
parágrafo único, 11). Somente assim poderá cumprir sua missão
constitucional e legal.
Avilta a advocacia - e desrespeita o dever de preservação da mesma a utilização, pelo advogado, de influência indevida, em seu benefício
Destarte, como dito pelo artigo 2º, parágrafo único, do Código de Ética e
44
ou do cliente (artigo 2º, parágrafo único, VIII, a, CED). Essa
advocacia baseada no nome e na influência pessoal já fora criticada
por Lyra, que denunciou raro "o profissional que evita as
conseqüências de suas traficâncias", advertindo para as conseqüências
nefastas dessa senda: "E, descendo cada vez mais, vão renunciando,
para sempre, aos prazeres morais, às recompensas abençoadas, ao
desinteresse da amizade e do amor, ao carinho e ao devotamento
sinceros. Rompem as raízes afetivas, vivem em permanente
inquietação, como aventureiros e perseguidos ao menos pelo crepitar
da consciência, saturando-se, desesperadamente, no desfrute
grosseiro, sem imaginação e gosto, sofrendo a alegria falsa,
atormentando-se com as honrarias mentirosas. Envelhecem e morrem
nos descampados afetivos e éticos".101
Mais do que o saber técnico, utilizado no exercício profissional, o
advogado deve estar apto a contribuir para o aprimoramento das
instituições, do Direito e das leis, determina o artigo 2º, parágrafo único,
inciso V, do Código de Ética, pugnando pela solução dos problemas da
cidadania e pela efetivação de seus direitos individuais, coletivos e
difusos, no âmbito da comunidade (inciso IX). Afinal, deve o advogado
ter sempre em mente que, acima de qualquer coisa, "o Direito é um meio
de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei
é um instrumento para garantir a igualdade de todos" (artigo 3º). Mais do
que na defesa de interesses privados, para os quais foi contratado e bem
remunerado, é na intransigente defesa do Estado Democrático de Direito,
bem como da cidadania, que o advogado exibe sua excelência. O
advogado é, assim, um instrumento contra a mera afirmação hipócrita de
cidadania em nosso Direito, um mito no qual contrastam uma promessa
normativa impressionante e uma realidade cruel e decepcionante. Porém,
a questão da cidadania não é apenas normativa e doutrinária, mas
sociológica: apura-se também no plano dos fatos que compõem (e
afetam) a vida dos seres humanos. Assim, importa também verificar a
cidadania efetivamente experienciada pela sociedade, pois, para além das
teorias e das normas, está a vida de cada ser humano que constitui a
sociedade. De pouco adianta propagar que cada um é um agente de seus
destinos político, social, econômico, jurídico (o mito da cidadania), se
não há condições jurídicas e mesmo pessoais para que isto ocorra. No
caso brasileiro, deixando de dar formação educacional (crítica e política)
a parte da população, mantém-se a prática espoliatória que beneficia uma
elite (narcísica, incompetente, inconseqüente) em desproveito de milhões
de pessoas (miseráveis e trabalhadores das classes baixas). Permite-se
certa ordem de privilégios para uma classe intermediária (classe média),
que, na estrutura social, funciona como suporte para as classes
dominantes: fornece-lhe profissionais que administram seus interesses
(nestes incluídos tanto os negócios particulares, quanto os negócios de
Estado, ou seja, a administração do aparelho de Estado, sempre no estrito
respeito à conservação de seus benefícios), assim como assimila
(motivada pelo desejo de conservar sua própria parcela - ainda que
limitada - de benefícios) a fobia - e a luta - contra um possível "levante"
das massas exploradas. A esse quadro de dominação e a exploração serve
Em lugar dessa advocacia de influências, deve o advogado empenharse, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional
(artigo 2º, parágrafo único, do Código de Ética), mantendo-se
atualizado sobre as alterações legislativas, sobre a evolução da
jurisprudência bem como a respeito dos principais assuntos em
debate no país. José Osvaldo de Oliveira Leite denunciou que,
"disputando a primazia no campo da ação, aparece, na carreira, um
espécime novo - que infelizmente nem híbrido é porque se reproduz
pelos métodos da imitação, do mimetismo profissional. Este novo
cavaleiro, de triste figura, não reúne, não integra a fusão no
humanismo simplesmente porque desconhece o humanismo jurídico.
Antes: ele ateia o distúrbio na classe; atabalhoa os processos e os
tribunais; promove a astúcia inescrupulosamente como ética de conduta.
É o bacharelóide como o chamaram algures, porque existe à semelhança
do bacharel. Tem o grau, o diploma, o título mas nenhuma capacidade de
advogar"102. É preciso, a todo custo, fugir tal figura tão triste, e o
caminho para tanto é o estudo, que não é apenas uma alternativa, uma
possibilidade, mas um dever, como visto.
101
Formei-me em Direito... e agora? Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1957. p.
41.
102
Discurso proferido no Instituto dos Advogados de Minas Gerais por ocasião da
comemoração de seus 63 anos; abril de 1978. Não publicado.
45
o "mito da cidadania": nossa sociedade é induzida a crer-se
democrática e os indivíduos a crerem-se cidadãos; segundo este
discurso (falso, nos termos vistos), haveria entre nós respeito ao
Direito (não só às normas estabelecidas, como aos elevados princípios
de justiça) e oportunidades de participação. Mas examinando-se os
indivíduos isoladamente, encontrar-se-á apenas uma pequena
minoria que possui condições pessoais e sociais de, efetivamente,
conhecer e utilizar-se das possibilidades (limitadas, como se viu) de
participação consciente nos desígnios de Estado. A consolidação do
(verdadeiro) Estado Democrático de Direito, em contraste, exige
muito mais. Há que repensar nossas posturas: a pretensa inocência da
alienação política provou, durante anos, ser uma irresponsável
adesão à continuidade do sistema espoliativo que polvilhou nosso
país de miseráveis, despreparados, até mesmo, para perceberem que
o trabalho e a organização das iniciativas poderia ser uma
possibilidade de superação do estado em que se encontram. Assim,
muitos se entregam às seduções do vício (que aliviaria) e da
criminalidade (onde crêem poder exercitar algum poder).
da dignidade de sua profissão, manifestando-as em seus atos que
deverão mostrar-se merecedores, em concreto, da legislada
essencialidade e indispensabilidade da advocacia.
Danilo Borges sublinha que, "especificamente com referência aos
advogados, o seu relacionamento com os serventuários da Justiça
deve ser respeitoso, polido, reclamando muita atenção. [...] Os
serventuários da Justiça - elementos integrantes do Juízo - não são
empregados dos advogados; eles cumprem aquilo que é determinado
pelos juízes e pela lei". Por outro lado, recomenda que "não se deve
pedir conselhos jurídicos aos serventuários da Justiça. Essa prática é
mais comum pelos advogados novéis ou por aqueles que têm
preguiça nos estudos. [...] Se o simples hábito do manejo com os
processos transformasse os serventuários da Justiça em entende dores de
leis, seriam eles os melhores juristas ao longo dos tempos. Falta-lhes uma
coisa que o bacharel em Direito tem: conhecimento da natureza jurídica
ou conhecimento do instituto de cada figura jurídica"103.
Pode-se argumentar que, em seu labor, o advogado não raro enfrenta
iniqüidades, absurdos, agressões a seus direitos e aos de seu cliente.
Pode-se também objetar com as dificuldades de um serviço, judiciário ou
não, que nem sempre se mostra à altura de suas finalidades. Todavia,
mesmo nas adversidades, mesmo diante da iniqüidade, mesmo diante da
péssima atuação dos demais partícipes do processo, deve o advogado
manter elevado seu nível de intervenção, o que não implica desconsiderar
as ofensas que outros pratiquem à lei, aos princípios jurídicos ou à ética,
mas o dever de contra elas insurgir-se de forma adequada, ponderada,
firme, mas nunca destemperada. É preciso não exagerar na reação, não
oferecer ao ofensor a vitória de fazer-nos chafurdar em nossa ira, mas
responder-lhe com a lei, com o recurso, com a denúncia, sempre
construídas nos limites do necessário e, jamais, como desabafo, como
revide.
Nesse quadro, ao advogado reserva a sociedade um papel especial;
mais do que mero defensor de interesses de seus clientes - e sem
necessitar deixar de sê-lo -, o advogado deve ser o defensor do
próprio Direito, bem como da Democracia. Somente assim
manifestará toda a grandeza de seu mister.
2 A atuação processual
Também em seu trabalho de postulação, judicial ou extrajudicial,
deve o advogado estar atento ao cumprimento de obrigações
profissionais. Exige-se-lhe igual cuidado com a condição de
advogado que titulariza, a implicar o dever de contribuir para o
respeito e prestígio da classe, respeitando o magistrado, o
representante do Ministério Público, o colega e a parte adversa, os
serventuários, tratando-os com urbanidade (dever que alcança suas
manifestações orais ou escritas); também na condução do processo, é
indispensável que o advogado não se descure da honra, da nobreza e
103
Sentimentos de um advogado: crônicas deontológicas. Belo Horizonte: Inédita, 1998.
p.23-24.
46
Ademais, são seus deveres ao longo da atuação processual, honestidade,
decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé. Há uma obrigação de
evitar a adoção de posturas e estratégias que contrariem o Direito ou que
abusem de direitos. A tentação de recorrer à chicana é, sem dúvida,
muito grande. "Especialmente no exercício da advocacia, a crença
generalizada no seio do povo é a de que o bom advogado é aquele que
faz uso de meios e requerimentos escusos para protelar ou dificultar a
restauração do direito violado. Qualquer observador detecta essa
distorção. Costuma-se até afirmar na vida forense que determinados
profissionais são 'advogados de réu', o que significa: tornaram-se
conhecidos pelo abuso de direito, por postularem, predominantemente,
de má-fé. Ao invés da censura, o louvor. Ao invés do descrédito, a fama.
Ao invés da condenação, o elogio. Enquanto isso, o Estatuto do
Advogado, o Código de Ética, que fiquem reservados para as
prerrogativas!"104. Não obstante essa opinião popular, o advogado que
recorre a tais expedientes desrespeita sua função social, bem como seu
dever de litigar de boa-fé, honesta e lealmente, respeitando a finalidade
do processo. Se é certo, como afirma Ronaldo Brêtas Carvalho Dias que
"de alguns anos para cá, o espectro da fraude ronda a tudo e a todos, nos
mais variados setores da vida brasileira,"se é dever do advogado fugir
dessa lamentável e odiosa "vala comum", primando pelo decoro e pela
dignidade. Anote-se que o dever de abster-se de comportamentos
fraudulentos é preceito que se retira, por vias transversas, de diversos
excertos da legislação, o que se verifica em nosso Código Penal,
dedicando todo um capítulo para a definição de crimes contra a
administração da Justiça. Aliás, a preocupação com a lisura nas
demandas judiciárias é milenar. O Código de Hamurabi, vigente a partir
do século XIX a.C. (ou seja, há quase quatro milênios), já apenava a
denunciação caluniosa (artigos 1º e 2º) e o falso testemunho (artigos 3º e
4º). Igual preocupação lê-se nas XII Tábuas (Roma, 450 a.C.), onde o
item 16 da tábua 7ª prevê para aquele que testemunha em falso ser
atirado da rocha Tarpéia.
Civil todo um conjunto de normas que visa coibir a litigância de má-fé e
a fraude processual. Como ensina Ronaldo Brêtas Carvalho Dias, "a
fraude processual consiste na utilização do processo como forma de
iludir a lei", o que abrange "ora o vício do ato processual, singularmente
considerado, realizado com ânimo fraudatório, ora o vício do processo
como relação processual em seu aspecto unitário". Dias, aliás, lista os
ilícitos processuais constantes do Código de Processo Civil105, entre os
quais me parece fundamental destacar a litigância de má-fé (artigos 14 e
17), punindo "a falta ao dever de veracidade, a dedução de pretensão ou
defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, a utilização
anormal do processo (fraude, simulação, dolo) e a resistência
injustificada ao curso do processo, a temeridade (que é manifestação do
dolo processual), a provocação de incidentes manifestamente infundados
e a interposição de recurso com intuito visivelmente protelatório";
também o artigo 125, III, "com recomendação expressa ao juiz para
prevenir ou reprimir qualquer ato atentatório à dignidade da justiça.
Como tal, deve-se entender a prática de atos que evidenciam manobras
fraudulentas e dolosas e a utilização do processo como forma de
acobertar negócios escusos ou ilícitos"; o artigo 129, "impondo a
prolação de sentença obstativa de ato simulado ou ilícito"; o artigo 273,
11, "permitindo ao juiz a concessão antecipada dos efeitos da tutela
jurisdicional de mérito postulada pelo autor, quando a defesa do réu
caracterizar o abuso do direito ou evidenciar seu manifesto propósito
protelatório"; os artigos 592, V, 593 e 672, § 3º, "ao configurarem
espécies de fraude de execução, que é modalidade de fraude processual";
os artigos 599, 11, e 600, conferindo poderes ao juiz para "reprimir as
manobras ardilosas do devedor no curso do processo de execução, na
prática de atos considerados atentatórios à dignidade da justiça"106. O rol
apresentado por Dias é mais vasto; porém, os casos citados, creio,
implicam com mais proximidade a função postulatória do advogado.
Por outro ângulo, o artigo 6º do Código de Ética veda a exposição em
juízo de fatos deliberadamente falseados, que faltem com a verdade, ou
No âmbito das normas processuais, encontra-se no Código de Processo
105
104
106
O litigante de má-fé. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 6.
47
Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey; 1988. p. 11.
Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey, 1988. p. 25-27 e 43-45.
que se estribem na má-fé. Para além desse dever de não falsear,
Sodré aconselha "não apresentar o advogado alegação grave, sobre
matéria de fato ou deprimente de qualquer das partes litigantes, sem
que se funde, ao menos, em princípios de prova atendível, ou que o
cliente a autorize por escrito".107 Claro que situações há em que essa
cautela pode implicar limitação do direito de defesa, e, nesse
entrechoque, deve o advogado ser competente para equacionar
ambos os deveres, sendo recomendável que a dedução da alegação
seja parcimoniosa, longe dos excessos, narrando o fato e
confessando, na forma e no conteúdo, ausência de intuito de atentar
contra a honra da pessoa referida. Nesse sentido, conheci um
advogado que, prudentemente, tinha o costume de pedir ao cliente
que narrasse por escrito a versão dos fatos que lhe trazia, forma pela
qual poderia demonstrar que as alegações eram do cliente e nunca
inventadas por ele, salvando-se de um eventual disse-me-disse.
diligência, mantendo o cliente informado do que se passa. Essa
diligência expressa-se no acompanhamento de perto dos atos que
estão sendo praticados, efetivando o contraditório e a ampla defesa.
Todo o cuidado é sempre pouco, principalmente no que diz respeito
a aspectos técnicos, designadamente os prazos para realização de
atos jurídicos, processuais ou não. O conhecimento adequado dos
prazos e o respeito aos mesmos é elementar para a advocacia, assim
como o é o conhecimento dos instrumentos técnicos hábeis à
consecução das medidas que se façam necessárias para o
desempenho da função. Como o Direito, quer pela legislação, quer
pelas análises doutrinárias, quer pela jurisprudência, está sempre em
mutação, o estudo constante é indispensável para manter esse
conhecimento indispensável das exigências técnicas para o exercício
do mister.
A causa deve ser conhecida em seus detalhes, no mínimo gerais, e a
tese estruturada deve ser estudada em minúcias; cada causa e, assim,
todas as causas. Não escusa o advogado o fato de ter muitos
processos; o cliente não tem menos direito à boa prestação dos
serviços advocatícios pelo fato de o advogado assumir mais causas
do que pode controlar. Assim, sempre que se apresenta perante o seu
advogado, tem sim o direito de exigir desse informações suficientes
de como está sua causa, qual o andamento do feito que lhe
corresponde. Da mesma forma que não se aceita um médico que,
acompanhando um paciente, não sabe qual é sua doença e qual o
estágio do tratamento, da mesma forma que não se admite um
engenheiro que não se lembra da obra que lhe cumpre supervisionar,
não se admite um advogado que não se lembra qual é o caso de seus
clientes. Como corolário do dever de diligência, preceitua o Código
de Ética que o advogado não pode deixar os feitos ao abandono ou
ao desamparo, sem motivo justo e comprovada ciência do
constituinte (artigo 12, CED). Ainda assim, mesmo diante de motivo
justo (doença, internamento etc.), é seu dever ou renunciar ao
mandato, ou providenciar, pelo substabelecimento (na ausência de
outro procurador para o feito), que os interesses do constituinte não
sejam lesados. Porém, ainda que o cliente possua inequívocos
Todas essas normas têm, a meu ver, o advogado como destinatário
privilegiado, na medida de sua indispensabilidade à administração da
Justiça (artigo 133 da CF), a expressar-se com maior força na
intermediação que oferece entre os interesses da parte e a atuação
processual, que lhe incumbe (privativamente, viu-se, no âmbito
judiciário; artigo 1º, I, EAOAB). É seu o dever de garantir a
lealdade, a verdade, a boa-fé, é seu o dever de manter o nível digno
da demanda, não podendo sequer desculpar-se com o argumento de
pressões do cliente (mesmo que empregador ou superior hierárquico),
uma vez ser seu o direito e o dever da liberdade de atuação e a
correspondente isenção técnica. Aliás, a responsabilidade pela
atuação processual de boa-fé pode alcançar as raias penais, já que o
advogado que orienta testemunhas a falsearem a verdade é co-autor
do crime de falso testemunho.
Mas os deveres do advogado, no âmbito da postulação, não se
resumem à litigância de boa-fé. O Código de Ética e Disciplina, em
seu artigo 12, diz cumprir-lhe cuidar dos feitos com atenção e
107
A ética profissional e o estatuto do advogado. 4. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 196.
48
interesses e direitos sobre sua demanda, não lhe é lícito obrigar o
advogado a atuar em conjunto com outros advogados, nem com
qualquer outro profissional, bem como, viu-se, buscar reduzir-lhe a
liberdade profissional; pode, isto sim, cassar-lhe o mandato e buscar
outro representante.
pelo menos em certos aspectos de seu caráter, digno de interesse, de
piedade, de indulgência ou mesmo de simpatia. E também é muito
freqüente que entre as pessoas de bem, que não são encaminhadas ao
tribunal do júri, mas que podem ter alguma responsabilidade moral
no crime, se encontrem ser infinitamente mais desprezíveis que o
próprio criminoso."108
Se postula, judicial ou extrajudicialmente, contra ex-cliente ou exempregador, o advogado está obrigado a resguardar o segredo
profissional, não podendo utilizar a favor da parte que representa na
atualidade qualquer informação reservada ou privilegiada que lhe
tenha sido confiada pelo ex-cliente. Em determinadas circunstâncias,
como visto anteriormente, a relação anterior, dado o montante de
informações que foram confiadas ao advogado, implicam dever de
recusar demanda contra o ex-cliente, um impedimento ético
(limitado no tempo, é certo). Não apenas nessas hipóteses há um
dever de abster-se do patrocínio. O artigo 20 do Código de Ética
também afirma ser dever do advogado negar-se a postular a favor de
causa contrária à ética, à moral ou à validade de ato jurídico em que
tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta; da mesma
forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido
convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou
obtido seu parecer.
Não se afasta do advogado o direito de ser fiel ao tribunal de sua
própria consciência, de respeitar seus princípios e recusar uma causa.
Porém, ao aceitá-la, como já se disse anteriormente, deve empenharse nela; não é sua, no processo criminal, a função de julgar; é sua a
função de postular os interesses do cliente. Por outro lado,
equilibrando a relação, não perde ele o dever de fidelidade à honra,
dignidade, lealdade, boa-fé e outros valores maiores. Realço o
magistério de Danilo Borges, recordando que "o advogado não é
Proteu, não pode maquiar o seu rosto conforme a cena que deve
apresentar, nem vestir a sua alma com o traje que reclama o
momento que vai viver na defesa do interesse do cliente. Deve existir
uma sólida sintonia e coerência entre a conduta que teve em
circunstâncias idênticas anteriores e aquela que hoje sustenta, num
indisfarçável gesto de convicção e conhecimento". 109 Essa coerência,
ademais, garante ao advogado respeitabilidade entre os pares e os
demais atores judiciários: magistrados, representantes do Ministério
Público e outros, denotando honradez e indicando um compromisso
maior com o Direito.
Não se pode olvidar que a postulação em processo penal constitui pequena exceção às regras gerais, certo ser direito - e, mais: dever - do
advogado assumi-la sem considerar sua própria opinião sobre a culpa
do acusado (artigo 21 do CED). Henri Robert perscruta a defesa
criminal: "Mas, perguntarão, como pode ele concordar em pôr seu
talento a serviço de miseráveis cujo crime causa horror? Como pode
dedicar sua eloqüência a arrebatar criminosos do justo castigo que
mereceram? Para raciocinar assim, é preciso nunca ter visto criminosos de perto! É preciso considerar a vida de uma forma puramente
teórica e classificar a priori os seres humanos em pessoas de bem,
dignas de estima e de simpatia, e em canalhas desprezíveis e
indignos de piedade. Mas a humanidade não é assim tão simples. É
muito raro que um criminoso enviado ao tribunal do júri não seja,
3 Relações com outros advogados
Particular atenção deve ter o advogado em suas relações com colegas
de profissão que, a exemplo dele, postam-se na demanda em socorro
dos interesses e dos direitos de seus clientes. Deve enfrentá-los no
âmbito da técnica jurídica, com atuação competente, com
108
O advogado. Tradução de Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Martins Fontes,
1997. p. 63.
109
Sentimentos de um advogado: crônicas deontológicas. Belo Horizonte: Inédita,
1998. p. 16.
49
argumentos pertinentes, nunca em caráter pessoal, o que seria
desconsiderar o próprio múnus que ele e o colega que representa o
pólo contrário desempenham.
opositores; mas sabem respeitar-se corno profissionais, separando um
plano do outro.
No âmbito dos deveres para com os colegas, colocam-se, por igual, obrigações de respeitar a atuação profissional daqueles. Assim, constitui falta
ética comentar causas ou questões sob patrocínio de outro colega, quando
o faz criticando aquele. A regra, a meu ver, é excepcionada em única
hipótese: quando o mandato outorgado ao colega foi cassado, ou expirouse, e o advogado é consultado pelo constituinte sobre eventual
responsabilização legal de seu ex-representante. Nessa hipótese, aplica-se
a regra constitucional, maior, a preservar "o direito à justiça, ou mais
precisamente, direito à tutela jurisdicional" que, corno demonstrado por
Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, "é e sempre foi preocupação de
todos os Estados, corno corolário de sua democracia", chegando a estar
"definido no artigo 10 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, proclamada pela Organização das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948"111
Reconhece José Osvaldo de Oliveira Leite, figura exponencial do Direito
Mineiro, que "a advocacia é paixão. Não advoga o que não sente
aquecer-se à chama do litígio, que não a vê ardê-la até a combustão das
últimas forças do espírito". Porém, questiona: "E das cinzas - que
restará? A mágoa, o rancor, o ódio, a ira irregreável dos vencidos? Que
limites terá esta paixão de advogar que afia a alma corno lança em riste
contra a couraça de outra paixão?". Então, aconselha: "Esquecer.
Aprender a esquecer, não o esquecimento do perdão, nem mesmo do
amor. Não lançar aos abismos do passado a sucata das batalhas ganhas
ou perdidas. Mas esquecer, com a consciência aplacada, o que resta da
luta. É mais urna página da experiência. É preciso disciplinar a paixão,
limpando-a da amargura ou da ira, despindo-a da vaidade fácil que logo
se esvai, poeira dourada e inútil." Afinal, completa, "as ânsias de lutar, a
volúpia de vencer desfiguraram a alma do advogado".110 O destempero é
vício inescusável no causídico. Aquele que torna corno pessoal toda e
qualquer oposição terá, sem dúvidas, muito sofrimento na advocacia,
atividade de confrontos habituais. Aquele que necessita revidar toda e
qualquer observação contrária, ou mesmo que não consegue suportar
urna nota mais áspera, respondendo-a prontamente, mas com elegância,
não será um bom advogado. Mesmo que o colega exagere, não está o
advogado autorizado a fazê-lo; corno profissional do Direito, deve
lembrar, antes de tudo, que existem regras para punir o colega faltoso;
pode pedir ao magistrado que as aplique (corno, por exemplo, pedindo
que sejam riscadas expressões injuriosas, na forma do artigo 15 do
Código de Processo Civil), ou representar junto à Ordem para que apure
eventual falta ética ou disciplinar. Note-se que há debates acirrados,
exibindo cenas em que os advogados trocam farpas, mas fazem-no com
estilo, com moderação, sem nunca chegar à ofensa, à agressão verbal e,
muito menos, física. Disputam a causa, a demanda, e, enquanto tal, são
Não pode o advogado desrespeitar o colega, quer plagiando-lhe o
trabalho copiando suas peças -, quer criando ingerências indevidas
em seu trabalho, quer cerceando-lhe a liberdade profissional e a
isenção técnica, ou mesmo pretendendo impor-lhe uma forma de
atuação, como já decidiu o Tribunal de Ética de São Paulo: "Comete
infração ética o advogado que, como herança maior, elabora e impõe
peças prontas a seus subordinados. De igual forma, comete infração
ética o advogado que submete ou aproveita integralmente peças
feitas por colegas, sem embargo do enfoque criminal." 112 Na mesma
linha, não pode o advogado intervir na relação de representação
existente entre cliente e outro inscrito. Somente quando o colega não
mais atua em um feito (o que pode ocorrer, inclusive, se o mandato é
cassado) é que pode sucedê-lo, não sendo aceitável "tomar um
111
Apud OLIVEIRA, Eduardo Pelizzudo. O guia do novo Código de Ética e Disciplina
com emendas do Tribunal de Ética (perguntas e respostas). Revista dos Tribunais, São
Paulo, v. 734, p. 173. dez. 1996.
112
Direito à tutela jurisdicional. Revista de Informação Legislativa, Brasília, p. 313, nº
129, jan./mar. 1996.
110
"Subsídios para uma orientação profissional". Palestra proferida na solenidade
de entrega de carteiras da OAB/MG; 5 de abril de 1973. Não publicado.
50
cliente", o que caracteriza indevida concorrência desleal e, mais,
comportamento mercantilista que é de todo inaceitável no âmbito da
advocacia; isso não quer dizer que não possa haver sucessão na
representação advocatícia; se o cliente cassa a procuração de seu
antigo advogado, se há substituição da parte (por exemplo, pela
morte, vindo ao processo os sucessores hereditários), entre outras
situações. Mas - atenção! -, "a aceitação de mandato pelo advogado,
quando o novo cliente alega ter revogado o anterior, outorgado a
colega que até então funcionava na causa, exige precaução e
necessidade de verificação nos autos da veracidade do fato, antes do
pedido de juntada do novo instrumento. Somente uma grande e
justificada confiança no novo cliente pode dispensar a cautela do
advogado em certificar-se da ocorrência de renúncia ou revogação de
mandato, antes de ingressar em feito, até então confiado a colega,
sob pena de, ao menos culposamente, infringir o artigo 11 do Código
de Ética e Disciplina". A decisão é do Tribunal de Ética da OAB/SP,
proferida no Processo E-1.489, que mereceu a relatoria do Cons.
Júlio Cardella.
antagônicos, o que, de fato, não o são, e é necessário que ambos
sejam respeitados: (1 º) a preservação de uma relação de confiança
entre advogado e cliente e (2º) a preservação da liberdade
profissional e da isenção técnica, características essenciais da
advocacia. Preservação da isenção técnica não é desrespeito ao
cliente nem a sua vontade, principalmente quando se trate de direitos
disponíveis e o constituinte manifeste sua opinião em relação ao
direito em si, e não sobre sua defesa. Essencialmente, o advogado
não deve pretender que sua liberdade profissional chegue aos limites
de desconsiderar a opinião e o desejo do cliente, que é titular do
direito ou interesse em discussão. Porém, pelo lado oposto, não deve
o advogado simplesmente seguir cegamente as orientações do
cliente, esquecendo-se ou renunciado sua liberdade profissional à
qual corresponde uma responsabilidade específica, administrativa,
penal e cível.
Ainda segundo o Código de Ética e Disciplina, em seu artigo 2º,
parágrafo único, é obrigação do advogado aconselhar seu cliente a
não ingressar em aventura judicial (inciso VII), devendo estimular a
conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a
instauração de litígios (inciso VI). A orientação deontológica reflete
valores elevados, opostos, aliás, àqueles que são comumente
manifestados pela sociedade e pelos advogados. No geral, vige uma
concepção tola de que a disputa judicial é um ótimo meio para fazer
valer direitos, para submeter adversários; talvez só o seja nos filmes
que, por não terem mais do que três horas de enredo, fazem as
demandas parecer sempre ágeis. Não o são, porém. Demandas
judiciais são desgastantes para as partes, assim como o são para toda
a sociedade. Há um benefício geral, de cunho social, econômico e
jurídico, quando as partes conseguem compor-se, resolvendo de
imediato suas desavenças e retornando, assim, à normalidade das
relações cotidianas.
4 Trato com o cliente
Também no trato com seu cliente, a atividade do advogado está
marcada por uma série de deveres. Antes de tudo, obrigado está o
causídico a zelar pelo estabelecimento e preservação de uma relação
de confiança com seu representado, o que não implica abrir mão de
sua isenção técnica. Essa confiança, já o dissemos, é elemento
essencial na relação cliente/advogado, um verdadeiro princípio
inarredável que deve ser preservado. Sentindo o advogado que não
mais existe confiança entre ele e seu cliente, é seu dever profissional
renunciar ao mandato. Assim, diz o artigo 46 do Código de Ética e
Disciplina que o advogado está, mesmo se constituído na condição
de defensor nomeado, conveniado ou dativo, obrigado a constituir e
preservar essa relação de confiança, devendo comportar-se com zelo,
empenhando-se para que o cliente se sinta amparado e tenha a
expectativa
de
regular
desenvolvimento
da
demanda.
Aparentemente, há dois deveres que poderiam ser vistos como
Mesmo quando do exame dos fatos, conclui-se que o cliente teria o
direito que pleiteia, há um sem-número de questões que se deve
considerar e que desaconselha tornar a via judicial a preferencial.
51
Antes de tudo, a pluralidade das opiniões e posições que caracteriza
o Direito, torna possível - senão provável que a posição do Judiciário
não seja equivalente à conclusão à qual chegou o advogado. Como se
não bastasse, há o desgaste do próprio procedimento, do tempo que seu
desenvolvimento consome, do dinheiro que consome, para não falar nos
desgastes de natureza pessoal (fadiga, ansiedade, estresse etc.). Em
muitas oportunidades, verifica-se que a intransigente defesa judiciária de
um direito pode agredir os interesses do cliente, considerados de forma
global. A negociação, assim, é uma tendência no Direito Moderno e uma
alternativa que deve ser considerada e exercitada pelo advogado. Tais
particularidades devem ser expostas ao cliente, o que não raro exige
muito cuidado, pois há, em muitos casos, um forte desejo de vingança
por trás do propósito de demandar judicialmente; a contraparte, numa
parcela considerável dos litígios, é mais que um ex-adverso: é um
desafeto.
do cliente e, para tanto, o litígio nem sempre é a melhor solução. O
Direito brasileiro, em meio a isso, vem emprenhando-se de normas que
valorizam a composição, como se verifica na edição da Lei nº 9.099/95,
assim como nas últimas alterações do Código de Processo Civil, que
chega a considerar título executivo extrajudicial o instrumento de
transação referendado pelos advogados dos transatores.
Para Sílvio de Salvo Venosa, dos mais destacados civilistas brasileiros, o
dever de informar é aspecto inerente à profissão do advogado, realçado
pelo Código de Defesa do Consumidor. "O advogado deve informar o
cliente de todos os percalços e possibilidades que a causa traz e das
conveniências e inconveniências das medidas judiciais a serem
propostas. Essa informação deve ser progressiva, à medida que o caso se
desenvolve. Ou seja, em cada situação, ainda que não entre em detalhes
técnicos, o advogado deve dar noção das perspectivas que envolvem o
direito do cliente e as mudanças de rumo que a hipótese sugere.
Cuida-se de informação da mesma natureza que o médico deve ao
paciente. Nesse aspecto, são levados em conta os pressupostos que
foram fornecidos pelo cliente: o advogado não pode ser
responsabilizado se recebeu dados falsos ou incompletos do cliente,
como por vezes ocorre."113 A orientação deixa claro que o dever de
informar não é apenas ético, mas igualmente civil; a desatenção à
obrigação caracteriza, por via de conseqüência, infração ética e ilícito
civil que, se determina danos, dá azo ao pedido de indenização, na
forma dos artigos 927 e seguintes do Código Civil. Nesse contexto,
torna-se preciosa a transcrição de precedente do Tribunal de Ética de
São Paulo, narrado por .Eduardo de Oliveira, a dizer que "para não
incorrer em infração ética, deve o advogado acautelar-se, com
declaração previamente escrita do cliente, de que este foi advertido de
forma clara e suficiente de que, da propositura de sua pretensão,
poderão surgir outras ações contra o interessado, durante o seu curso
Por óbvio, há limites para a transigência. O próprio Código de Ética e
Disciplina determina que o advogado deve abster-se de se entender
diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o
assentimento deste, o que constitui infração disciplinar (artigo 34, VIII,
EAOAB). Ademais, há o que não se negocia, assim como há acordos que
mais lesam do que beneficiam o cliente. A virtude do advogado está em
saber preservar o interesse de seu constituinte, oferecendo-lhe a melhor
solução.
Esse diálogo, onde são expostas as possibilidades positivas e negativas
de uma demanda, é um dever, mesmo quando considerado por outro
ângulo. Diz o Código de Ética ser dever do advogado "informar ao
cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua
pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda" (artigo
8º), entre os quais, verbi gratia, a condenação em verba honorária
sucumbencial, em seu mínimo e máximo legalmente definidos. Os ônus
de uma demanda recaem sobre o cliente e ele tem o direito de os
conhecer em sua precisa extensão. Portanto, é indispensável discutir os
interesses do cliente, expor-lhe possibilidades, riscos, oportunidades etc.
O advogado não é contratado para litigar, mas para resolver o problema
113
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p.
177.
52
normal, inclusive e principalmente as inseridas no campo penal".114
Pública). Em qualquer das hipóteses, a prática de atos ou
administração de interesses do constituinte implica a assunção de
obrigações que são decorrentes do mandato, designadamente o
Direito de bem cuidar dos direitos e interesses que lhe foram
confiados, o dever de manter o constituinte (mandante) bem
informado sobre o que se passa, além do direito de prestar contas
sempre que pedido, combinado ou ao fim dos trabalhos. De fato, diz
o artigo 667 do Código Civil que o mandatário é obrigado a aplicar
toda a sua diligência habitual na execução do mandato, emendando
o artigo 668 com a previsão de que o mandatário é obrigado a dar
contas de sua gerência ao mandante, transferindo-lhe as vantagens
provenientes do mandato, por qualquer título que seja. Contas sobre
o que foi e está sendo executado, como visto na seção anterior, e,
muito mais do que isso, contas dos bens que lhe são confiados:
documentos, negócios, dinheiro etc.
Dois outros deveres merecerão análise separada: o dever de guardar
sigilo profissional (examinado tanto na seção 12 do Capítulo 6,
quanto na seção 2.7 do Capítulo 11, sobre as infrações disciplinares).
Outro diz respeito à prestação de contas, a ser examinado na
seqüência.
4.1 Prestação de contas
A atuação do advogado implica gerenciamento de assuntos que são
próprios de terceiro; esse gerenciamento pode dar-se pela
representação judicial ou extrajudicial, o que implica a outorga de
poderes bastantes para o exercício do mandato, assim como pode darse de forma mais tênue, quando o advogado apenas trata do tema,
sem atuar sobre o mesmo, a exemplo da resposta a uma consulta ou
da redação de um documento, quando não implique negociar em
nome do cliente. Não há, porém, como fugir à constatação de que a
representação é uma situação própria da atuação advocatícia; afinal,
como disciplinado pelo artigo 653 do Código Civil, opera-se o
mandato quando alguém recebe poderes de outra pessoa para que, em
nome daquela pessoa, pratique atos ou administre interesses, o que
ele poderá fazer, como se afere dos artigos 115 e 116 do mesmo
Código, nos limites dos poderes que lhe foram conferidos, como
permitido pelo artigo 656 do Código Civil, de forma tácita ou de
forma expressa, isto é, por meio de instrumento de procuração (artigo
653, Código Civil).
Principio pela parte mais delicada; indubitavelmente, essa parte diz
respeito ao movimento financeiro que se estabelece entre advogado
e cliente a partir da contratação dos serviços daquele. O primeiro
movimento desse movimento financeiro é a estipulação dos
honorários, ou seja, como se verá no capítulo seguinte, a contratação
do pagamento devido pelo cliente que remunera os serviços a serem
prestados. Todavia, ao longo da concretização da representação
Gudicial ou extrajudicial), esse movimento financeiro se alargará,
certo que os serviços implicam despesas diversas, desde o
pagamento de custas, passando por. cópias reprográficas e
atingindo, em algumas circunstâncias, despesas com viagens que se
façam necessárias (e que, como todas as despesas de maior vulto,
deverão ser expressamente autorizadas pelo constituinte, que possui
o direito de as recusar, certo ser dele o poder de investimento na
demanda, bem como o cálculo dos custos que pode suportar).
Completar-se-á, ao final, com a eventual entrega do numerário
obtido com uma decisão favorável, quitação dos honorários devidos
e compensação final de todas as despesas. Todo esse movimento faz
parte do exercício do mandato, na forma como previsto pela
legislação do advogado e pela legislação civil, compondo as
Como se verá de forma mais detida no próximo capítulo, a prestação
de serviços advocatícios dá-se no âmbito de um negócio jurídico.
Esse pode ter natureza civil (contrato de prestação de serviços),
trabalhista (relação de emprego) ou administrativa (estatutária, nas
hipóteses de advogado que ocupa cargo ou função na Administração
114
O guia do novo Código de Ética e Disciplina com emendas do Tribunal de Ética
(perguntas e respostas). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 734, p. 170, dez. 1996.
53
relações negociais que gravitam em torno da prestação do serviço
advocatício. Por assim ser, é dever do advogado, intrínseco aos
negócios estabelecidos e mantidos com seu cliente, zelar para que a
relação entre ambos não apenas seja regular em sua essência, mas
que também o seja na aparência: deve agir com honestidade e
parcimônia na manejo do dinheiro alheio e, simultaneamente, deve
estar apto a demonstrar que assim o faz.
movimento financeiro. Sabedor o advogado, por sua própria
formação, que os atos jurídicos são conhecidos por suas provas, deve
estar sempre cioso de possuir recibo da entrega de qualquer bem ou
documento a seu constituinte. Quando finda a causa, compreendida
em sentido amplo, não se confundindo com ação e, portanto,
incluindo todo e qualquer serviço advocatício, ainda que
extrajudicial, presumem-se o cumprimento e a cessação do mandato
outorgado ao advogado (artigo 10, Código de Ética) que está
obrigado a devolver "bens, valores e documentos recebidos no
exercício do mandato", bem como a prestar contas
pormenorizadamente (artigo 9º, Código de Ética). Tais obrigações,
aliás, são igualmente devidas nas hipóteses de conclusão ou
desistência da causa, extinto ou preservado o mandato (mesmo artigo
9º), com o que se aplicam às hipóteses de renúncia ao mandato (cf.
artigo 5º, § 3º, do EAOAB; artigo 45 do Código de Processo Civil)
ou de sua revogação pelo outorgante (cf. artigo 44 do Código de
Processo Civil). Se o cliente, por qualquer motivo, se recusa a
receber tais bens, valores e documentos, não pode o advogado
quedar-se inerte, sendo seu dever consignar quantias, documentos e
bens em juízo.
Nesse quadro, aconselha Sodré que, "fixados os honorários, sempre
que possível por escrito, o advogado deve manter, sempre em dia,
uma conta-corrente com o cliente, na qual escriturará os fastos,
dispêndios ou custas, a ele enviando, periodicamente, um extrato
daquela conta. Dela figurarão não só as despesas que o advogado
tenha efetuado, a qualquer título, para a defesa da causa, como
também todo e qualquer recebimento de bens e valores pertencentes
ao cliente". Adiante, emenda: "é dever comezinho do advogado dar
recibo de tudo quanto receba, da mesma forma que deve exigir
idêntico recibo daquilo que restitua ao cliente". 115 A cada cliente
deve corresponder uma pasta específica, na qual todo o movimento
negocial havido deve estar cuidadosamente registrado e comprovado.
Ali, como se fora a espinha dorsal do histórico da relação de
representação e prestação de serviços advocatícios, a conta corrente
será a grande referência, a aclarar tudo o que se passou entre 'as
partes; a dar-lhe credibilidade e certeza, documentos que comprovem
entradas e saídas estarão devidamente anexados na respectiva ordem,
a afastar qualquer dúvida, mesmo se fruto de demanda judicial
instaurada pelo cliente, embora seja sempre melhor que o advogado
não deixe ocorrer tamanho desgaste com seu mandante, fornecendolhe periodicamente relatórios que lhe tragam a segurança de que
precisa, alimento para que a confiança entre as partes seja
conservada.
O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, no julgamento da
Apelação Criminal 873.281, relatada pelo juiz Abreu Machado,
declarou que "pratica o crime de apropriação indébita o advogado
que, na qualidade de procurador, levanta numerário existente em
conta judicial à disposição da pessoa constituinte e deixa de repassálo imediatamente ou de promover, se caso, encontro de contas em
prazo razoável". No mesmo sentido, o Tribunal de Alçada de Minas
Gerais, na Apelação Criminal 222.065-9, da qual foi relatora a juíza
Myriam Saboya: ''Afigura-se correta a condenação por apropriação
indébita praticada por advogado que recebe em juízo quantia
pertencente a seu cliente e deixa de repassá-la ao mesmo imediata e
integralmente."
Tais regras aplicam-se também aos demais bens, não se limitando ao
Reflexo necessário desse dever de prestação de contas está o direito
do constituinte de buscá-la judicialmente. Correto, dessa maneira, o
115
A ética profissional e o estatuto do advogado. 4. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 193196.
54
Tribunal de Justiça de São Paulo ao firmar, no julgamento da
Apelação Cível 15.759-4/2, e a partir da relatoria do desembargador
Antônio Rodrigues, que a procuração outorgada ao advogado, para o
exercício de sua atividade de advogado, permitindo-lhe postular os
direitos do cliente, em qualquer ação judicial, juízo ou tribunal,
representa a "formalização de contrato de prestação de serviços,
estabelecido entre as partes", sendo razão e fundamento para o
ajuizamento de ação de prestação de contas. Afinal, "trata-se de
contrato bilateral e oneroso, mantendo-se a comutatividade entre as
partes", já que ambas "procuram extrair vantagens e para atingi-las
suportam sacrifícios recíprocos".
somente as normas físicas, por serem mera tradução dos limites
dados pela realidade, não admitem desrespeito; as normas jurídicas
são, por princípio epistemológico, constituídas no plano dos
comportamentos possíveis (que poderíamos chamar de plano do
poder-ser), definindo comportamentos que um ser humano tem
capacidade física de realizar, mas que não deve fazê-lo, face à
definição legal de que os mesmos são interditados, ilícitos. Os
comportamentos que sejam contrários às normas jurídicas produzem
resultados previstos pelo Direito que variam de acordo com a
natureza disciplinar da norma jurídica correspondente.
Entre as disciplinas jurídicas, o Direito Civil preocupa-se com os danos
que possam sofrer as pessoas e que sejam o resultado de atos ilícitos de
outrem, atos esses que podem concretizar-se por ação ou por omissão
que podem corresponder ao que o agente quis (dolo) ou a um resultado
que o agente considerou - ou deveria ter considerado - como de
ocorrência provável, mas para o qual não se acautelou, seja porque foi
negligente (não tomou os cuidados que deveria ter tomado), seja porque
foi imprudente (agiu de forma a ampliar os riscos de ocorrência do dano).
Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos por seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Tais regras estão inscritas nos
artigos 186 e 187 do Código Civil. No âmbito da advocacia, e de sua
regulamentação legal, é expresso o artigo 32 do EAOAB em afirmar que
"o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional,
praticar com dolo ou culpa". A norma guarda estreitas ligações com os
artigos 186 e 187, cominados com o 927 e seguintes do Código Civil,
mas, indubitavelmente, oferece maiores dificuldades no âmbito da
prestação de serviços advocatícios, algumas delas já enfrentadas neste
livro, quando foi abordada a questão dos vistos nos atos e contratos
constitutivos de pessoas jurídicas.
Destaque-se, ainda, o provimento 70/89 do Conselho Federal da
OAB, a dispor sobre a obrigatoriedade da inclusão de correção
monetária na prestação de contas de quantias recebidas por
advogados, incidindo da data do recebimento da quantia, pelo
profissional, até sua efetiva restituição, adotando-se índice judicial
de atualização de débitos. São excetuados (1 º) os casos de
procedimentos judiciais que visem ao acertamento da relação entre o
advogado e o cliente, como a ação de prestação de contas, e (2º) os
casos de acordo extrajudicial entre ambos.
Mais considerações sobre o tema encontram-se no capítulo das
infrações e sanções disciplinares, certo constituir-se infração, na
forma do artigo 34, XXI, recusar-se, injustificadamente, a prestar
contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta
dele.
MAMEDE, Gladston. A advocacia e a ordem dos
advogados do Brasil, São Paulo: Atlas, 2003.
X RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO
O advogado, trabalhando graciosa ou onerosamente, atuando como
autônomo (contrato de prestação de serviços), como celetista (relação de
emprego) ou como estatutário (desempenho de função pública), a favor
de quem o contratou ou a favor de terceiro, está obrigado,
O comportamento dos seres humanos pode concretizar-se dentro dos
limites autorizados pelo Direito, ou fora desses limites. Sabe-se que
55
vicissitudes intrínsecas ao processo"116 O resultado obtido na
demanda, nesse sentido, torna-se um elemento que serve à
investigação à medida que a caracterização de ato ilícito civil, tal qual
se lê nos artigos 186, 187 do Código Civil e 32 do Estatuto, não
prescinde da aferição de que o cliente (ou, na responsabilidade
extracontratual, um terceiro) sofreu um dano em seu patrimônio
econômico (material ou imaterial) ou moral. De fato, se o advogado
agiu de forma ilícita, dolosa ou culposamente, mas não produziu
qualquer dano com seu ato, pode-se afirmar sua responsabilidade
disciplinar ou, até, penal (se o núcleo de seu comportamento se
mostra isomórfico com algum tipo penal), mas não responsabilidade
civil. Por outro lado, reafirmo: a aferição da derrota na demanda, por
si só, não afirma a responsabilidade, havendo que demonstrar que o
advogado para tanto agiu dolosa ou culposamente. Não se pode exigir
do advogado o resultado favorável ao constituinte, mas apenas que
trabalhe com dedicação, que desempenhe de forma correta os atos
técnicos que se fazem necessários para a hipótese, em conformidade
com as peculiaridades do caso, do Direito (legislação vigente,
jurisprudência e doutrina dominantes). Por melhor que um advogado
atue, por mais que seja perfeito, a vitória na demanda atende a
elementos que lhe são estranhos, não podendo ser responsabilizado
por eventual derrota, se para ela não contribuiu eficazmente, sendo tal
resultado desfavorável fruto da própria dinâmica do processo.
contratualmente, ao bom desempenho das atividades próprias do mister,
adequadas à conclusão do negócio ou à defesa dos interesses do cliente.
Essa obrigação é, sob tal ponto de vista, contratual, mas é igualmente
uma obrigação legal, recordando-se que o artigo 2º, § 2º, do Estatuto
prevê que os atos do advogado, na defesa dos interesses do constituinte,
constituem um múnus público, ou seja, um dever para com a sociedade e,
destarte, para com o próprio cliente. Pelos dois ângulos, o advogado se
vê comprometido com aquele que representa Gudicial ou
extrajudicialmente) ou para quem trabalha dando conselhos,
assessorando, redigindo instrumentos contratuais etc.
Essa responsabilidade, contudo, assume contornos variados de acordo
com o tipo de ação desempenhada, face à grande variabilidade de
situações - e respectivas características - que podem apresentar-se. Em
primeiro lugar, colocam-se os atos postulacionais, em processo judicial
ou administrativo. Partindo-se da percepção de que o processo constituise a partir de um litígio, isto é, de uma dúvida sobre a concretização do
Direito, comportando pretensão e contraprestação, ambas equivalentes no
pedido para que sejam acolhidas pelo Judiciário, não é possível afirmar
que o advogado está obrigado a obter uma decisão favorável ao
constituinte, o que nos conduziria à afirmação de que em todo processo
judicial a parte derrotada poderia processar o(s) seu(s) representante(s).
Isso é absurdo. Se, por outro ângulo, recordarmos que mesmo os
magistrados, por vezes titulares de varas vizinhas num mesmo foro,
ou participantes de uma mesma turma recursal, manifestam pontos de
vista distintos sobre a aplicação dos dispositivos jurídicos, ficará
ainda mais nítido ser absurda a pretensão de obrigar o advogado à
vitória na demanda.
Nesse contexto, coloca-se para o debate a afirmação comum no meio
forense de que a caracterização da responsabilidade jurídica do
advogado - demandaria a verificação de que o mesmo atuou com dolo
ou com culpa grave, não se lhe aproveitando as regras comuns do
Direito Civil. O dolo constitui hipótese de fácil compreensão, por
carregar a marca forte da maior reprovação: responde o agente, no
caso o advogado, pelo dano que quis causar - e que causou - à vítima.
Para além do dolo, a discussão exigirá investigação sobre o conceito
doutrinário de culpa grave, identificada como o ato que, mais do que
negligente, apresenta o contorno de um erro inescusável ou, ainda, de
Fica claro, portanto, que "a responsabilidade do advogado, na área
litigiosa, é de uma obrigação de meio", como ensina, com sua
habitual clareza, Sílvio de Salvo Venosa; "o advogado está obrigado a
usar de sua diligência e capacidade profissional na defesa da causa,
mas não se obriga pelo resultado, que sempre é falível e sujeito às
116
56
Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p. 175.
um erro grosseiro. Dessa forma, não seriam a negligência (ou simples
negligência, como se poderia argumentar) ou imprudência,
características comportamentais qualificadoras da culpa - ou mera
culpa -, bastantes para conduzir ao dever de indenizar. A
responsabilidade civil do advogado exigiria um plus jurídico, qual seja, a
identificação de que seu ato foi grosseiramente equivocado, ao ponto de
não se poder escusá-lo.
pelo estudo da causa ou do direito a aplicar ou, então, caracterizada
ignorância, que se torna indesculpável, porque o profissional é obrigado
a conhecer o seu ofício".118
Não é outra a opinião de José de Aguiar Dias, para quem "o advogado
responde pelos erros de fato cometidos no desempenho do mandato. É
nossa opinião que não se escusa, mostrando que o erro não é grave.
Quanto aos erros de direito, é preciso distinguir: só o erro grave, como a
desatenção à jurisprudência corrente, o desconhecimento de texto
expresso da lei de aplicação freqüente ou cabível no caso, a interpretação
abertamente absurda, podem autorizar a ação de indenização contra o
advogado, porque traduzem evidente incúria, desatenção, desinteresse
Nos casos concretos, no entanto, é complexa e tormentosa a investigação
dos comportamentos que efetivamente caracterizam culpa e, destarte, ato
ilícito caracterizador do dever de indenizar. Em primeiro lugar, é preciso
afastar todas as hipóteses controversas: não há comportamento
negligente, imprudente ou imperito quando o profissional faz opção entre
as diversas que são oferecidas pela lei (e não raro temos leis com
comandos conflitantes no Direito brasileiro), pela doutrina e pela
jurisprudência. Afinal, a afirmação de mais de uma via jurídica implica o
poder de optar, sendo delirante a pretensão de que o advogado preveja a
qual corrente vinculará o julgador ou as instâncias superiores. Um
exemplo é o manejo de recurso, quando há correntes doutrinárias e/ou
jurisprudenciais diversas, algumas a afirmar que o ato judicial é
impugnável por agravo, outras a asseverar tratar-se de hipótese de
apelação. O mesmo ocorre em relação ao tipo de ação que se deve
manejar para levar a pretensão do constituinte ao Judiciário; se a
escolha está alicerçada em posição jurídica sustentável, não há ato
culposo (não há erro); mas se a escolha do procedimento reflete
desconhecimento da legislação processual aplicável, o ato mostra-se
negligente com a técnica jurídica, a determinar um dever de
indenizar. É preciso considerar, ainda, a garantia legal de liberdade
profissional e isenção técnica que, como visto, constituem não apenas
um direito, mas igualmente um dever do advogado. De fato, não age
de forma ilícita, por dolo ou culpa, o advogado que se recusa a
interpor recurso ou manejar qualquer outro instrumento processual
quando não o considere legal ou eticamente adequado. Não há um
dever legal de recorrer, o que seria asseverar a existência de uma
presunção de que as decisões de 1 ª instância são incorretas, o que é
absurdo. Mas a interposição do recurso fora do prazo não caracteriza
desistência de recorrer, mas erro na interposição, fruto de negligência
com a contagem do prazo. De outro ângulo, deve-se reconhecer um
117
118
Todavia, tal posição não encontra qualquer alicerce legal, não podendo,
por via de conseqüência, prevalecer. Observe-se, em primeiro lugar, o
texto do artigo 32 do Estatuto: "O advogado é responsável pelos atos
que, no exercício profissional, praticar com dolo e culpa." Não há
qualquer alusão a culpa grave, a erro inescusável ou a erro grosseiro.
Como se só não bastasse, se a lei fizesse tal remissão, conflitaria com a
Constituição da República pois (1º) romperia com o princípio da
isonomia, estipulado no artigo 5º, caput, deixando todos os outros
profissionais num regime de responsabilidade civil e constituindo outro
regime para os advogados; ou seja, haveria distinção de natureza
profissional, a impedir o império da igualdade de todos perante a lei. (2º)
Pior: criar-se-ia uma limitação legal à garantia de que a lei não pode
excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito,
anotada no inciso XXXV do mesmo artigo. Assim, correto, Venosa
quando reconhece a responsabilidade civil do advogado que perde prazo
para contestar ou recorrer, que ingressa com remédio processual
inadequado, que postula frontalmente contra a lei.117
Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 3, p. 176.
57
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 303.
dever profissional de recorrer quando a decisão desfavorável ao
cliente é contrária à jurisprudência pacificada nas instâncias
superiores, por exemplo, contrária a súmulas da jurisprudência
dominante, cujo conhecimento - ou, no mínimo, a pesquisa para a
condução da causa - é indispensável ao advogado.
incorre em responsabilidade. Por que desobedecer-lhes às instruções,
tanto mais que tem o direito, se com elas não se conforma, de
renunciar ao mandato, desde que o não faça intempestivamente?" 119
Esta última situação, bem como a "desobediência às instruções do
constituinte", merece minha resistência, certo que a advocacia é
exercida com isenção técnica; por certo, a discordância entre
constituinte e constituído, como visto, implica o dever de renúncia ao
mandato. Porém, nem sempre essa renúncia pode ser concretizada
antes de findo o prazo para o recurso ou providência desejada pelo
cliente e da qual o advogado discorde, com o que se poderia chegar
ao absurdo de ver-se forçado a fazer aquilo com o que não concorda.
A solução mais adequada, reitero, remete à investigação do próprio
mérito do dissídio entre advogado e cliente: verificado que a medida
pedida era razoável (como o recurso que não protelaria, mas, ao
contrário, levaria à instância superior tese relevante ou, pior, ali
pacificada em sentido favorável ao cliente), deve-se afirmar a
responsabilidade civil do advogado que, deixando de renunciar ao
mandato, deixa de concretizá-la.
Essencial ao Judiciário, diante do pedido de reparação de danos, é
verificar, antes de mais nada, se o comportamento do causídico fugiu,
razoavelmente, ao que dele se poderia - aliás, mais: que se deveria esperar nas circunstâncias; se seu comportamento caracteriza uma
linha de atuação defensável, justificável, não há falar em ato ilícito.
Todos os que lidam com o Direito bem sabem da pluralidade de
caminhos que se pode adotar, judicial ou extrajudicialmente, para a
defesa de uma causa; na jurisprudência pipocam entendimentos
contrários, oferecendo, não raro, soluções absolutamente discrepantes
como sendo "a única correta e/ou possível juridicamente". Ademais, é
preciso, ainda, estar certo que da atitude (do ato ou da omissão) do
causídico decorreu, efetivamente, o dano alegado; se não fosse
distinto o resultado, se não ocorresse o erro apontado, não há falar em
responsabilização.
A jurisprudência narra alguns precedentes que são interessantes para
a compreensão do problema. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
acordou, no julgamento da Apelação Cível 590/97, relatada pelo
Des. Antônio Eduardo E Duarte, que "age com negligência no
exercício do mandato o advogado que, em medida cautelar de
arrolamento de bens, não comparece à audiência designada e deixa
ocorrer, por falta de preparo, a deserção do recurso interposto, apesar
de ter recebido, adiantadamente, a importância total das custas
relativas à causa sob o seu patrocínio. Em tal hipótese, considerando
a espécie do processo patrocinado, de nítida característica
preparatória, cuja possibilidade jurídica de reconhecimento do direito
de seu cliente dependeria, então, da propositura de ação principal, o
dever de indenizar do advogado, tendo-se em conta que é de meio a
obrigação profissional que assume, limita-se a restituir os valores
recebidos a título de honorários e de adiantamento de custas, não
José de Aguiar Dias afirma que "a perda de prazo é a causa mais
freqüente da responsabilidade do advogado", constituindo "erro
grave, a respeito do qual não é possível escusa, uma vez que os
prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado o
ignore"; também entende que "responde o advogado pela omissão de
providências que, tomadas a tempo, teriam impedido o perecimento
ou sacrifício do direito do cliente" (exemplo: "se não fez protestar o
título que lhe foi entregue para a cobrança, quando não pretende de
logo iniciar a respectiva ação; quando não se habilita em falência ou
concurso de credores" etc.); contudo, buscando apoio em Carvalho
Santos, diz que "o advogado não é responsável pelo fato de não ter
recorrido [...], só admitindo responsabilidade quando haja
probabilidade de reforma da sentença de que deveria ter o advogado
recorrido, cabendo ao cliente a prova de que tal aconteceria". Mas,
"se o advogado deixa de recorrer, não obstante os desejos do cliente,
119
58
Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 307-308.
podendo, por conseguinte, abranger a reparação de suposto prejuízo
decorrente da ação que restou inexitosa pela atuação negligente,
visto que não é nesta que se faz presente o provável direito maculado
e caracterizador de tal prejuízo, mas sim na ação principal". Há outro
precedente, a Apelação Cível 237.399-3 do Tribunal de Alçada de
Minas Gerais, relatado pelo juiz Célio Paduani, atestando que,
"demonstrado nos autos que o advogado se houve com negligência
no patrocínio da causa a ele confiada, verificando-se, inclusive, o
desaparecimento do documento essencial ao desate da demanda,
caracteriza-se culpa grave, cumprindo-lhe indenizar seu cliente pelos
prejuízos advindos". O mesmo Tribunal de Alçada mineiro, na Apelação
Cível 330.213-2, cuja relatora foi a juíza Vanessa Verdolim Andrade,
asseverou que "caracteriza-se o dano moral quando o litigante, que tem o
direito e o justo anseio de produzir a prova testemunhal que
comprovadamente pretendia fazer, deixa de fazê-lo por injustificável
negligência de seu advogado, que sem qualquer justificação deixa de
comparecer à audiência de conciliação, deixando que ali seja proferida a
sentença, apresentando o rol de testemunha somente após a data da
audiência e portanto após a sentença, e que, além de tudo, dela não
recorre, sem qualquer motivo plausível, não fazendo assim jus sequer aos
honorários recebidos ou a parte deles, segundo o caso. No corpo do
aresto, lê-se: 'A ausência do advogado apelante, na audiência de
conciliação, que se vê à f. 37, foi, portanto, fundamental para o deslinde
do feito, visto que em virtude de sua ausência a parte contrária requereu
o julgamento daquela ação de despejo no estado em que se encontrava,
tendo sido então imediatamente proferida a sentença. Não importa aqui
saber se a apelada seria ou não vencedora naquele pleito, o que importa é
que tinha ela o direito de produzir a prova testemunhal pretendida e
anunciada na contestação e que, em virtude da ausência do apelante, não
lhe foi proporcionada.' Esclarece adiante: 'Com muita propriedade
ressaltou a digna sentenciante que o apelante apresentou o seu rol de
testemunhas apenas após já realizada a audiência, como se vê à f. 39,
protocolizando o seu rol aos 9-6-93, quando a audiência já havia se
realizado no dia 3-6-93, do que havia sido intimado devidamente,
conforme certidão de f. 36, o que efetivamente demonstra negligência de
sua parte, pois sequer seguiu as intimações e publicações no Diário da
Justiça conforme era de sua obrigação. Além disso, a apresentação do rol
de testemunhas pelo apelante vem comprovar que a contratação não era
somente para contestar a ação, mas para acompanhar todo o processo,
como é normal, tanto que ofereceu o referido rol, lamentavelmente a
destempo'. Por fim, arremata: Confesso que tenho evitado condenações
como estas contra advogado por ter faltado à audiência ou deixado de
recorrer, porém nos outros casos se revelaram justas as omissões em
virtude de casos fortuitos ou outros motivos imprevistos. No caso em que
é evidente a negligência do advogado, o próprio Estatuto da OAB prevê
penalidades administrativas, o que não exclui o profissional do âmbito da
responsabilidade civil prevista no artigo 159 do Código Civil
principalmente quando age com evidente negligência, causando prejuízo
no direito de defesa de seu cliente".
Sérgio Dias chama a atenção para outro aspecto, afirmando que "o
advogado responde sempre pelos erros de fato por ele cometidos, como,
por exemplo, quando, ao elaborar uma defesa trabalhista, admite que o
reclamante trabalhava até as 20 horas todos os dias, fazendo jus a 2 horas
extras por dia, conquanto no relatório escrito, entregue a ele pelo
cliente para a elaboração da defesa estivesse dito que o reclamante
trabalhava apenas até as 18 horas, diariamente".120 Esses erros com o
manejo dos fatos, com o manejo dos elementos que lhe foram
confiados pelo cliente, caracterizam igualmente negligência. Para
além do exemplo dado no trecho transcrito, outros tantos poderiam
ser listados: o advogado que pede retenção por benfeitorias e não
junte relação das mesmas, com descrição, prova e valor, como a
jurisprudência dominante entende necessário, embora tais elementos
estivessem a sua disposição. Igualmente, o advogado que, em seu
petitório, narre fatos que cria, desprezando os elementos que lhe
foram fornecidos pelo cliente.
Ainda no plano dos procedimentos administrativos ou judiciais,
devem-se separar as hipóteses de procedimento de jurisdição
120
DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma
chance. São Paulo: LTr, 1999. p. 34.
59
voluntária, ou seja, processos que sejam instaurados não para que a
autoridade administrativa ou judiciária decida entre partes, mas que
simplesmente os defira, se atendem aos requisitos legais. São
exemplos a separação judicial consensual, o inventário, entre outros.
Nesses não há falar em assunção de uma obrigação de meio; há uma
obrigação de fim.
diferenças que conduzem a situações específicas. Se o cliente, diante de
uma situação na qual não sabe como agir ou que não compreende,
formula uma consulta ao advogado sobre a mesma, está ele obrigado a
apresentar parecer que aborde o tema de forma adequada, incluindo a
multiplicação das informações sobre possibilidades legislativas e, ainda,
hermenêuticas, segundo o que se passa na doutrina e na jurisprudência.
Essa resposta deve ser precisa, oferecendo ao consulente informações
satisfatórias para a solução do problema. Pelas informações inadequadas
o advogado responderá civilmente, se causarem prejuízo ao cliente,
embora não esteja ele obrigado, quando o conselho assenta-se sobre
divergências doutrinárias e jurisprudenciais efetivas, a acertar a posição
que será, ao final, adotada pela autoridade administrativa ou judiciária. É
preciso reconhecer, no entanto, haver pareceres que são contratados não
como uma consulta efetiva sobre pontos que o consulente desconhece,
necessitando de orientação, mas, pelo contrário, são requeridos para
constituir fundamentação para uma pretensão jurídica previamente
indicada ao consultado. O parecerista, em tais circunstâncias, desenvolve
sua atividade como o advogado: busca no Direito uma interpretação que
permita uma decisão favorável ao cliente (ver artigo 2º, § 2º, EAOAB),
não podendo ser responsabilizado se a solução oferecida não é aceita
pelo Judiciário (ou pela autoridade a quem o parecer é apresentado).
Fora da postulação, alinham-se diversas outras obrigações próprias
do advogado, cuja desatenção conduz ao dever de indenizar. Assim,
o dever de guardar sigilo sobre as informações a que teve acesso em
virtude da advocacia; o advogado que rompe dolosamente com o
sigilo, ou o advogado que, mesmo sem o desejar, acaba deixando
escapar informações protegidas pelo sigilo profissional está obrigado
a indenizar o cliente pelos danos materiais e/ou morais que ele tenha
experimentado (cumulativamente, se for a hipótese; conferir: Súmula
37/STJ). O mesmo ocorrerá em relação às consultas, conselhos e
pareceres. Em Sérgio Dias, lê-se a notícia da condenação de um
advogado inglês por um conselho inadequado a seu cliente,
preparando incorretamente um testamento, sem advertir a seu cliente
que a esposa do beneficiário não poderia, segundo a lei inglesa,
servir de testemunha; "consistiu o erro de direito por nãofornecimento de informação que o advogado tinha obrigação de
saber e de advertir o cliente"; noutra passagem, referiu-se ao "caso de
um advogado que aconselhou seu cliente a não comparecer à
audiência trabalhista onde deveria apresentar a defesa, porque a
notificação da reclamação fora entregue ao porteiro na sede da
empresa, pois pensava o advogado que a notificação só teria validade
se fosse entregue ao representante legal", erro que custou a
declaração de revelia de seu cliente, com "a aplicação da pena de
confissão quanto à matéria de fato, sendo condenado em quantia
vultosíssima,
conquanto
existissem
inúmeros
documentos
comprovadores do pagamento de várias parcelas pleiteadas".121
Sobre a prova no processo em que se busca a responsabilização do
advogado, multiplicam-se as pretensões de submeter o profissional à
sistemática do Código de Defesa do Consumidor, incluindo a inversão do
ônus da prova, a fim de facilitar a defesa do cliente, aplicando-se o artigo
6º, VIII. O cliente provaria apenas o fato - isto é, o contrato estabelecido
com o advogado -, cabendo a este demonstrar que não houve ato ilícito,
doloso ou culposo, no fato de não se ter vencido a demanda. Essa solução
merece cuidado redobrado. Antes de mais nada, pelo fato de que, na
hipótese de prestação de serviços advocatícios, não se está diante de uma
relação de consumo propriamente dita (considerada em sentido estrito).
Explico-me: não há dúvida de que o CDC inclui na definição de
fornecedor (artigo 3º) toda a pessoa física que desenvolva atividades de
prestação de serviços; porém, os serviços advocatícios não se inserem no
mercado de consumo: não se consome o serviço de um advogado; ao
No que se refere aos pareceres técnicos, faz-se necessário observar
121
Idem, Ibidem. p. 36-37.
60
contrário, como visto logo no início dessa obra, confia-se a ele o
patrocínio de uma causa, sendo que sua participação, nos termos do
artigo 2º do EAOAB, ainda que um ministério privado, caracteriza
"serviço público e função social"; aliás, realça o § 2º desse artigo 2º, sua
atuação constitui um múnus público. Mais: seu trabalho - e a obrigação
que assume - não é de obtenção de um resultado, que não pode garantir,
mas da execução adequada de seu mister, agindo num setor no qual,
todos nós sabemos, são plurais as posições, opiniões, decisões,
sobretudo: da forma de fazer (o processo) ao que deve ser feito (a norma
agendi e, em cada caso, a facultas agendi). Indispensável, portanto, o
cuidado na aplicação de normas que dizem respeito à economia de
massa, onde para os fatos pouco importam as pessoas; a advocacia
insere-se em outro patamar no rol das relações interpessoais.
abuso de direito, ou por espírito de emulação ou mero capricho. Revelase na ilegitimidade do direito em que se procura fundar o objeto da ação.
Desse modo, a imprudência da ação, a maldade de sua interposição, a
desonestidade ou má-fé, revelada na intenção do autor, caracterizam a
improbidade da lide, mostram o abuso de direito ou o nenhum direito de
propor a ação, porque ao litigado r faltam legitimidade e qualidades,
julgadas indispensáveis para justeza de seu ato. E daí se gera a lide
temerária, proposta sem outro intuito que o de trazer danos ao
demandado".122
Por certo, o Direito não é um sítio pleno de certezas; pelo contrário, em
suas paragens, a dúvida grassa: dúvida quanto à interpretação da norma,
dúvida quanto aos fatos, dúvidas quanto a direitos e deveres. Há toda
uma zona cinzenta onde sujeitos de direitos e deveres e, mais do que
estes, os próprios estudiosos e profissionais do Direito manifestam
opiniões discordantes (por vezes, diametralmente opostas) sobre aspectos
da "realidade jurídica", normativa ou factual (isto é, em abstrato ou em
concreto). Todavia, há posições (e pretensões) que ultrapassam - e muitoos limites da razoabilidade da dúvida ou da legitimidade do
entendimento que se quer validar. Tais posições são construídas com a
finalidade de prejudicar terceiros, de lesá-los. Ronaldo Brêtas Carvalho
Dias examina tais situações de dolo processual. Principia pela simulação:
"As partes se valem do processo, instrumento válido, sob a aparência de
um contraditório, simulando a existência de conflito de interesses,
procurando alcançar resultado vedado em lei, mas induzindo o juiz a
erro, o que prescinde da sua participação no conluio."123
Em boa medida, essa dinâmica é reconhecida pelo próprio Código de
Defesa do Consumidor quando, no artigo 14, prevê que responsabilidade
pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de
culpa. Assim, cumpre ao cliente lesado não apenas demonstrar a
ocorrência do fato e do dano gerado, mas também trazer os elementos
que permitam ao judiciário aferir se houve dolo ou culpa, na atuação do
advogado, causando prejuízos ao cliente. Aliás, por se tratar de
verificação da adequação de procedimentos jurídicos judiciários ou não),
a simples prova dos fatos permitirá ao juiz formar seu convencimento, já
que estará examinando comportamentos que bem conhece, com os quais
lida diariamente.
1 A lide temerária
Também há lide temerária no abuso de Direito. "O processo - comenta
Adroaldo Leão -, instrumento de realização do direito, não é meio para se
prejudicar alguém (teoria subjetivista) ou para atingir objetivos antisociais. [...] Não pode a parte ou seu procurador invocar a tutela
jurisdicional para prejudicar outrem ou desvirtuar a finalidade do seu
Segundo o parágrafo único do artigo 32 do EAOAB, em se tratando de
lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu
cliente, sempre que se demonstrar estar coligado com esse para lesar a
parte contrária, o que deverá ser apurado em ação própria. A lide
temerária, sabe-se, é aquela que é intentada sem fundamento, sem razão
de ser; o pedido é fruto de má-fé, de fraude ou do capricho do autor, que
busca através da ação criar uma lesão para o réu ou para um terceiro. De
Plácido e Silva diz ser temerária a lide "que se intenta sem razão e com
122
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1987. v. 3, p.90.
123
DIAS, Ronaldo Brêtas Carvalho. Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del
Rey; 1988. p. 33.
61
direito. O abuso existe, mesmo não tendo havido dano à parte contrária.
[...] A teoria do abuso de direito, que tem suas raízes fincadas na moral,
encontra no princípio da lealdade processual o seu grande aliado. É dever
não só das partes, mas também dos advogados, exercer o seu direito com
moralidade e probidade, não só nas suas relações recíprocas, como
também perante órgão jurisdicional. O desrespeito do dever de lealdade
processual se traduz em ilícito processual, com as sanções de
correntes."124 Suplementa Ronaldo Brêtas Carvalho Dias, lembrando que
"essa teoria assenta-se na idéia inicial da necessidade de equilibrar os
interesses em luta, mediante apreciação dos motivos que legitimam o
exercício dos direitos. Condena, como anti-sociais, todos os atos que,
mesmo praticados em aparente adequação com o ordenamento jurídico,
não se harmonizam, na essência, com o espírito e a finalidade da lei".
Adiante, completa: "Essas noções vieram para o direito processual, ao se
considerar que o exercício da demanda não é um direito absoluto, pois
que se acha, também, condicionado a um motivo legítimo. A utilização
do processo pressupõe um direito a reintegrar, um interesse a proteger,
uma séria razão para invocar a tutela jurisdicional."125
ilícito: autor, réu, pro curador (es), magistrados e representantes do
Ministério Público. O chamado "escândalo da Previdência" é
exemplo de situação de delito processual grave, onde se identificou,
entre os agentes, a existência de partes, advogados de autor e
procuradores da ré, além de magistrados. Todos os que se
envolveram na pretensão forjada respondem solidariamente pelos
danos que causarem. O Estatuto restringe-se ao advogado e ao
cliente apenas por uma limitação temática que, por óbvio, não tem o
poder de exonerar os demais agentes processuais de sua
responsabilidade.
A responsabilização solidária do causídico, entretanto, não
prescinde da prova de que este se uniu ao cliente com o fim de lesar
a parte contrária ou terceiro, o que deverá ser objeto de instrução
satisfatória. O advogado que é levado a engano pelo cliente,
postulando direito aparentemente defensável e que, posteriormente,
se mostra produto de uma farsa, não responde pelos danos sofridos
pela parte contrária ou por terceiro.
Como se vê, caracteriza-se a lide temerária pelo desrespeito
voluntário (doloso) das finalidades constitucionais do processo; é
temerária porque não é verdadeira em suas premissas, porque o
mediato objetivo da ação não é aquele que se lê no petitório, mas é isso sim - criar um dano ao réu ou a terceiro. Pelos efeitos danosos
resultantes da lide temerária, respondem seus agentes do
comportamento processual indevido, vale dizer, todos aqueles que
concorreram na utilização do Judiciário para a obtenção do fim
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
IX. ÉTICA E PROFISSÃO JURÍDICA
Assim como toda profissão, a profissão jurídica encontra seus
mandamentos basilares estruturados em princípios gerais de atuação, de
acordo com as especificidades dessa atividade social e de acordo com os
efeitos dessa atividade em meio às demais126. Ao conjunto de regras e
124
O litigante de má-fé. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 10 e 12. Explica o
autor: ''A teoria do abuso de direito ou da relatividade dos direitos é a reação contra
a amoralidade e determinados resultados anti-sociais que decorrem da doutrina
clássica dos direitos absolutos. [...] Na fixação do abuso de direito, há o critério
subjetivo e o critério objetivo. Pelo primeiro, só há o exercício abusivo do direito
com intenção de lesar o direito de outrem. Pelo segundo, também chamado
finalista, será anormal o exercício do direito quando contrariar sua finalidade social
e econômica" CP. 7-8).
125
Fraude no processo civil. Belo Horizonte: Del Rey; 1988. p. 34 e 36.
126
O próprio direito do trabalho encontra-se atrelado a esse compromisso ético na
atualidade, conforme se vê aqui descrito: "Ética e Direito são dimensões recíprocas da
vida humana, referenciais para as relações na sociedade. De pronto envolvem a nobreza
com que conduzimos nossas ações e o respeito com que tratamos o semelhante. É
precisamente no contexto atual que Ética e Direito contabilizam a busca de marcos de
referência, de propostas éticas no Direito que cuidam dos anseios e realizações sociais.
A preocupação é hoje na direção de uma sociedade eticamente bem regulada contra as
62
princípios que regem as atividades profissionais do direito se chama
deontologia forense127.
que domine e resolva de modo formular todos os problemas éticos dos
profissionais das diversas carreiras jurídicas (públicas e privadas). Cada
qual possui suas peculiaridades, e respeitá-las significa adentrar nas
minúcias que delineiam sua identidade129.
O que há de peculiar nesse métier é que as profissões jurídicas são, senão
em sua totalidade, ao menos em sua quase-totalidade, profissões
regulamentadas, legalizadas, regidas por normas e princípios jurídicos e
éticos, de modo que seu exercício, por envolver questões de alto grau de
interesse coletivo, não são profissões de livre exercício, mas sim de
exercício vinculado a deveres, obrigações e comportamentos regrados.
Esses comportamentos regrados vêm expressos em legislação que
regulamenta a profissão, ou em códigos éticos, ou em regimentos
internos, ou em portarias, regulamentos e circulares, ou até mesmo em
texto constitucional. O que se encontra implícito nos princípios
deontológicos é explicitado por meio de comandos prescritivos da
conduta profissional jurídica.
Existem, pois, regramentos específicos que impedem que se fale em uma
ética comum a todas as carreiras jurídicas, mas, mesmo assim, podem-se
enunciar alguns princípios gerais e comuns a todas as carreiras jurídicas,
a saber, entre outros: o princípio da cidadania, segundo o qual se deve
conferir a maior proteção possível aos mandamentos constitucionais que
cercam e protegem o cidadão brasileiro; o princípio da efetividade,
segundo o qual se deve conferir a maior eficácia possível aos atos
profissionais praticados, no sentido de que surtam os efeitos desejados; o
princípio da probidade, segundo o qual se deve orientar o profissional
pelo zeloso comportamento na administração do que é seu e do que é
comum; o princípio da liberdade, que faz do profissional ser altaneiro e
independente em suas convicções pessoais e em seu modo de pensar e
refletir os conceitos jurídicos; o princípio da defesa das prerrogativas
profissionais, com base no qual o profissional deve proteger as
qualidades profissionais de sua categoria com base nas quais se
estabelecem as suas características intrínsecas; os princípios da
informação e da solidariedade, para que haja clareza, publicidade e
cordialidade nas relações entre profissionais do direito e, inclusive,
outros profissionais130.
Se se pode dizer que existem mandamentos éticos comuns a todas as
profissões jurídicas128, isso se deve ao fato de todas desempenharem
importante função social. É de interesse da coletividade o efetivo
controle dos atos dos operadores do direito. Porém, não existe uma regra
discriminações, as violações dos direitos humanos, a corrupção, as enormes diferenças,
a exploração e a impunidade no atual contexto. A ética cristã caminhou pela história,
estreitamente ligada ao Direito do Trabalho" (Cássio Mesquita Barros Júnior, A ética no
direito do trabalho, in Martins (coord.), Ética no direito e na economia, 1999, p. 55).
127
"Deontologia é a teoria dos deveres. Deontologia profissional se chama o complexo
de princípios e regras que disciplinam particulares comportamentos do integrante de
uma determinada profissão. Deontologia Forense designa o conjunto das normas éticas
e comportamentais a serem observadas pelo profissional jurídico" (Nalini, Ética geral e
profissional, 1999, p. 173).
128
Apesar de, por vezes, a própria lei se utilizar da expressão "ética profissional" como
um gênero universal a todos comum. Veja-se neste exemplo: Lei n. 7.210, de 11-7-1984
(DOU, 13-7-1984) (Institui a Lei de Execução Penal): Título 11 - Do Condenado e do
Internado (arts. 52 a 60), Capítulo I Da Classificação (arts. 52 a 92), "Art. 92 A Comissão,
no exame para a obtenção de dados reveladores da personalidade, observando a ética
profissional e tendo sempre presentes peças ou informações do processo, poderá: I entrevistar pessoas; 11 requisitar, de repartições ou estabelecimentos privados, dados e
informações a respeito do condenado; 111 realizar outras diligências e exames
necessários".
129
Veja-se, a título exemplificativo, o que dispõe o seguinte decreto acerca da
especificidade do Código de Ética Profissional: Decreto n. 2.134, de 24-1-1997 (DO U,
27-1-1997) (Regulamenta o art. 23 da Lei n. 8.159, de 8-1-1991, que dispõe sobre a
Categoria dos Documentos Públicos Sigilosos e o Acesso a Eles, e dá outras
providências): Capítulo VI - Das Disposições Finais (arts. 32 a 35), "Art. 32. Os agentes
públicos responsáveis pela custódia de documentos sigilosos estão sujeitos às regras
referentes ao sigilo profissional e ao seu código específico de ética".
130
"A enunciação de princípios éticos gerais, aplicáveis às profissões forenses, é
sempre algo de discricionário. Poder-se-ia multiplicar a relação dos princípios,
incluindo-se inúmeros outros, alguns lembrados por autores que também se dedicaram
ao estudo da ética.
"Dentre eles, mencione-se os princípios da informação, da solidariedade, da cidadania,
63
ou da atividade exercida pelo profissional do direito131.
Respeitando-se e obedecendo-se às nuances que caracterizam e
diferenciam as carreiras jurídicas entre si é que se dedicará espaço
somente para a discussão do estatuto ético de cada uma das principais
carreiras do direito. Assim, prevê-se uma discussão específica sobre os
principais mandamentos e as prescrições fundamentais que estão a reger
o comportamento dos seguintes profissionais jurídicos: agentes e
funcionários públicos; advogados, defensores públicos e procuradores do
Estado; juízes, ministros e desembargadores; promotores e procuradores
de justiça; professores, cientistas do direito e juristas.
Estes órgãos se constituem normalmente em turmas ou grupos colegiados
de juízes de ética e disciplina, investidos na função de patrocinarem o
zelo e o cumprimento dos deveres profissionais. As decisões exaradas
desses órgãos, normalmente corporativos, ponderam os elementos em
jogo (acusação, reincidência, gravidade do ato...) e emanam sentenças,
das quais invariavelmente cabe recurso a órgãos superiores132, capazes de
131
O mesmo é válido para outras demais profissões regulamentadas, como a
engenharia: Lei n. 5.194, de 24-12-1966 (DOU, 27-12-1966) (Regula o Exercício das
Profissões de Engenheiro, Arquiteto e Engenheiro Agrônomo, e dá outras providências): Título II - Da Fiscalização do Exercício das Profissões, Capítulo IV-Das
Câmaras Especializadas, Seção I - Da Instituição das Câmaras e suas Atribuições, "Art.
46. São atribuições das Câmaras Especializadas: a) julgar os casos de infração da
presente lei, no âmbito de sua competência profissional específica; b) julgar as
infrações do Código de Ética; c) aplicar as penalidades e multas previstas; d) apreciar e
julgar os pedidos de registro de profissionais, das firmas, das entidades de direito
público, das entidades de classe e das escolas ou faculdades na Região; e) elaborar as
normas para a fiscalização das respectivas especializações profissionais; f) opinar sobre
os assuntos de interesse comum de duas ou mais especializações profissionais,
encaminhando-os ao Conselho Regional".
132
O mesmo ocorre em outras profissões, para as quais existe um órgão superior
(Conselho Federal) que funciona como instância revisora das decisões dos órgãos
inferiores (Conselhos Estaduais): Lei n. 8.662, de 7-6-1993 (DOU, 8-6-1993) (Dispõe
sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências), "Art. 8º Compete ao
Conselho Federal de Serviço Social- CFESS, na qualidade de órgão normativo de grau
superior, o exercício das seguintes atribuições: I - orientar, disciplinar, normatizar,
fiscalizar e defender o exercício da profissão de Assistente Social, em conjunto com o
CRESS; II - assessorar os CRESS sempre que se fizer necessário; III - aprovar os
Regimentos Internos dos CRESS no fórum máximo de deliberação do conjunto
CFESS/CRESS; N - aprovar o Código de Ética Profissional das Assistentes Sociais
juntamente com os CRESS, no fórum de deliberação do conjunto CFESS/CRESS; Vfuncionar como Tribunal Superior de Ética Profissional; VI - julgar, em última
instância, os recursos contra as sanções impostas pelas CRESS; VII - restabelecer os
sistemas de registro dos profissionais habilitados; VIII - prestar assessoria técnicoconsultiva aos organismos públicos ou privados, em matéria de Serviço Social; IX (Vetado)". Ainda: "Art. 10. Compete aos CRESS, em suas respectivas áreas de
jurisdição, na qualidade de órgão executivo e de primeira instância, o exercício das
seguintes atribuições: I organizar e manter o registro profissional dos Assistentes
Sociais e o cadastro das instituições e obras sociais públicas e privadas, ou de fins
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
X O CONTROLE DA CONDUTA DOS PROFISSIONAIS DO
DIREITO
Os profissionais do direito, além de possuírem um regramento específico
de suas atividades profissionais, pela importância e pelo caráter social de
que se revestem suas profissões, têm também um controle do efetivo
cumprimento das normas que rege seus misteres profissionais. Isso quer
dizer que existem órgãos censórios revestidos de poder decisório bastante
inclusive para a cassação da habilitação profissional, do cargo, da função
da residência, da localização, da efetividade e da continuidade da profissão forense, o
princípio da probidade profissional, que pode confundir-se com o princípio da
correção, o princípio da liberdade profissional, da função social da profissão, a
severidade para consigo mesmo, a defesa das prerrogativas profissionais, o princípio
da clareza, pureza e persuasão na linguagem, o princípio da moderação e o da
tolerância.
"Todos eles se prestam ao serviço de atilar a postura prudencial dos operadores
jurídicos, favorecendo-os a um exame de consciência para constatar como pode ser
aferido eticamente o próprio comportamento. Na maior parte das vezes, esse
profissional é o único árbitro de sua conduta. Além de se tornar, com isso, mais
escrupuloso, deve ter em mente que os cânones dos códigos éticos, a recomendação da
doutrina e a produção pretoriana dos respectivos tribunais éticos não excluem deveres
que resultam de sua consciência e do ideal de virtude, inspiração maior do profissional
do direito" (Nalini,Ética geral e profissional, 1999, p. 193-194).
64
impedir definitivamente o exercente da função ou cargo ou atividade de
continuar no gozo de seus deveres e atribuições profissionais. Esses
órgãos são as corregedorias (Tribunais, Ministério Público,
Procuradoria...), as comissões de ética e disciplina (Advocacia...) etc.,
que se incumbem da punição pelo comportamento desviante do
funcionário ou profissional.
O jurista, na acepção mais larga que o termo possa comportar, ou seja, o
operador do direito, em sua consciência ético-profissional, deve se
orientar para que sua atuação esteja de conformidade com a realidade
social na qual se insere.
Seja o juiz, seja o promotor, seja o advogado, seja o professor de direito,
seja o pensador do direito...devem estar preocupados não somente com o
caráter formular das normas jurídicas, com o seu aspecto formal e
estrutural, mas sobretudo com os desdobramentos práticos de suas
prescrições (efeitos sociais, culturais, políticos, econômicos,
ambientais...).
É certo que os órgãos censórios possuem amplos poderes na averiguação
de atos incompatíveis com o exercício profissional, mas esses amplos
poderes de investigação são limitados: 1. pela legislação que dispõe a
respeito das infrações éticas e funcionais e sobre as modalidades de
sanções aplicáveis para cada caso; 2. pelo princípio constitucional da
ampla defesa, segundo o qual todos os litigantes em processos
administrativos ou judiciais terão acesso às alegações da parte contrária e
oportunidade para refutar tais alegações (art. 52, LV, da CF de 1988); 3.
pelainafastabilidade do Poder Judiciário, que, em havendo ilegalidade ou
abuso de poder, poderá ser invocado, com base no art. 52, XXXV, da
Constituição Federal de 1988, na defesa dos interesses (reintegração no
cargo, refazimento do julgamento, reparação civil por danos morais...) do
profissional prejudicado pela sanção que lhe foi imposta.
Sobretudo, o que se cobra do jurista na atualidade é esse tipo de visão
que faculta maior penetração dentro das ambições da sociedade à qual se
dirigem as normas jurídicas. Assim, ao interpretá-las, e/ ou aplicá-las,
demanda-se do jurista consciência na realização de fins do Direito,
consagrados pela idéia de norma jurídica, juntamente com fins
valorativos, consagrados pela idéia de justiça. Mais que ter no direito o
fim de toda atividade jurídica, postula-se que se tenha na justiça o fim de
toda atividade jurídica; no lugar do que é legal, o que é justo, o que é
atual e necessário, o que é sócio-culturalmente adequado, o que é
principiologicamente engajado com mandamentos éticos.
Isso porque a atuação do jurista possui mais que simplesmente efeitos e
conseqüências jurídicas, e o próprio ato jurídico em si possui mais que
efeitos puramente jurídicos. Todo operador do direito pratica atos que se
projetam por sobre outras áreas (social, financeira, econômica, política,
familiar, ambiental, sanitária, cultural...), de modo que se exige do jurista
uma atuação prática e teórica com vistas aos desdobramentos possíveis
da assunção de determinada posição.
BITTAR, Eduardo C. B. Curso de Ética Jurídica: ética
geral e profissional. 2ª. ed. São Paulo; Saraiva: 2004.
XI. CONSCIÊNCIA ÉTICA DO JURISTA
filantrópicos; 11 fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de Assistente Social na
respectiva região; III expedir carteiras profissionms de Assistentes Sociais, fixando a
respectiva taxa; N - zelar pela observância do Código de Ética Profissional,
funcionando como Tribunais Regionais de Ética Profissional; V - aplicar as sanções
previstas no Código de Ética Profissional; VI fixar, em assembléia da categoria, as
anuidades que devem ser pagas pelos Assistentes Sociais; VII - elaborar o respectivo
Regimento Interno e submetê-lo a exame e aprovação do fórum máximo de deliberação
do conjunto CFESS/CRESS".
O jurista tem de estar consciente de que o instrumental que manipula é
aquele capaz de cercear a liberdade, de alterar fatores econômicos e
prejudicar populações inteiras, de causar a desunião de uma sociedade e
a corrosão de um grande foco de empregos e serviços, de desestruturar
uma fann1ia e a saúde psíquica dos filhos dela oriundos, de intervir sobre
65
a felicidade e o bem-estar das pessoas ... A consciência ética e social do
jurista é um mister na medida em que o instrumental jurídico também
pode ser dito um instrumental ético e social, na medida em que interfere
na conduta e no comportamento das pessoas e em sua forma de se
organizar e distribuir socialmente.
às exigências da observação e da experimentação, daí sua restrição ao
que está posto (positum - ius positivum)135.
Assim, com a escora desse tipo de doutrina, sobretudo com base em
Hans Kelsen, fez-se da teoria do direito uma teoria pura do direito, o que
significa dizer que dela se fez apenas um conglomerado de preocupações
formais e estruturais a respeito das normas. O jurista passou a ter limites
em sua atuação, e esses limites passaram a ser os horizontes do jurista;
limitado ao que é normativo, conseqüentemente, o jurista, em sua miopia
intelectual, passou a ser a primeira vítima das alterações legislativas.
1.1. Consciência ética do jurista teórico
Se assim se fala a respeito do jurista em geral, do operador do direito,
então, o que se deve dizer do jurista propriamente dito, ou seja, do
doutrinador do direito?133 A consciência ética deve ser ainda mais
estimulada neste, uma vez que o jurista teórico lapida a ciência do
direito, os conceitos fundamentais, as estruturas de significado do
ordenamento jurídico com vistas ao ensino do quid iuris.
Contestada por muitas correntes de pensamento (a tópica, a retórica, a
semiótica, a discussão sobre a justiça, o culturalismo, a fenomenologia.),
a metodologia do direito desapegou-se do modelo positivista com forma
de explicação de sua cientificidade, e, nesse sentido, vem-se
aproximando cada vez mais das preocupações com o social, deixando de
ser uma mera especulação superficial sobre formas normativas.
Percebeu-se que ciências humanas e ciências matemáticas jamais
poderão se encontrar em suas metodologias; a métrica e a exatidão, a
verificabilidade dos resultados e a previsão de efeitos não são
características do fenômeno jurídico, que é, sim, social e humano, por
excelência136.
Durante largos anos, dentro de uma certa tradição filosófico-teórica, o
positivismo e o normativismo se mostraram como teorias suficientes e
bastantes para a explicação metodológica do direito.
O positivismo jurídico134, como movimento antagônico à aceitação de
qualquer fundamento naturalista, metafísico, sociológico, histórico,
antropológico... para a explicação racional do direito, adentrou de tal
forma nos meandros jurídicos que suas concepções se tomaram estudo
indispensável e obrigatório para a melhor compreensão lógicosistemática do fenômeno jurídico. Sua contribuição é notória no sentido
de que fornece uma dimensão integrada e científica do direito, porém, a
metodologia do positivismo jurídico identifica que o que não pode ser
provado racionalmente não pode ser conhecido; sem dúvida nenhuma,
retira os fundamentos e as finalidades, contentando-se com o que satisfaz
Estar consciente dessa deficiência da estreiteza positivista é estar cônscio
do papel hermenêutico das ciências jurídicas (zetéticas ou dogmáticas), o
que significa dizer estar cônscio de que o discurso da ciência do direito,
ao produzir sentido, é o mais potente elemento para influenciar, por meio
do saber, a formação de decisões, a escolha de valores, a formulação de
interpretações jurídicas, a extração de argumentos que apontem para a
133
135
"O jurista é, por excelência, o doutrinador de Direito. É o produtor da Ciência que
permite orientar a conformação jurídica dos povos" (Ives Gandra da Silva Martins, A
cultura do jurista, in Nalini (coord.), Formação jurídica, 1994, p. 114).
134
"A pureza metodológica perseguida por Kelsen baseia-se na ausência de juízos de
valor, de que acabamos de falar, e na unidade sistemática da ciência: voltase, portanto,
para uma nova noção de ciência fundada em pressupostos filosóficos da escola
neokantiana" (Mario Losano, na Introdução em O problema dajustiça, p. XIII).
"A sua teoria pura do direito constitui a mais grandiosa tentativa de fundamentação
da ciência do Direito como ciência mantendo-se embora sob império do conceito
positivista desta última e sofrendo das respectivas limitações - que o nosso século veio
até hoje a conhecer" (Larenz, Metodologia da ciência do direito, trad. José Lamego,
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989, p. 82).
136
A respeito dessa reflexão, com todas as correntes metodológicas, consulte-se Larenz,
Metodologia da ciência do direito, 1989, p. 10-220.
66
correção, emenda, aperfeiçoamento ou modificação de normas jurídicas
vigentes ....
estudo que é o direito.
A partir do momento em que a doutrina jurídica passa a ser uma
manifestação de afetos pessoais, para se converter na arma do descrédito
alheio, perde sua finalidade e perverte-se em delongas morais e
profissi0nais pessoais daquele que dela se vale para qualquer outro tipo
de finalidade. Desnaturada a atividade, deve-se considerar que não se
pode mais nomear jurista aquele que dessa forma conduz o saber
jurídico.
Assim, o que se tem presente é que, pela só faculdade que possui de
influenciar a formação de novos sentidos, e, por conseguinte, de novos
textos jurídicos, é um discurso que demanda uma grande consciência
ética. Isso requer do jurista uma formação toda especial nas
humanidades137, para que seu verbo seja a exteriorização consciente dos
efeitos sociais, políticos, econômicos... que possivelmente possam se
extrair de um simples ato jurídico por ele praticado, ou, ainda, que
possam se extrair de lições doutrinárias por ele apregoadas. Nesse
sentido, o que se destaca é a capacidade que esse discurso possui de gerar
influência sobre os demais operadores do direito, e, especialmente, sobre
o legislador e a autoridade decisória.
O saber jurídico, dogmático ou zetético, está na base do aperfeiçoamento
da cultura jurídica nacional. E, nesse sentido, ciência dogmática e
zetética precisam se unir no sentido da realização deste objetivo comum.
Deve-se, portanto, estar consciente de que a zetética não se constitui
puramente em saber de contestação do saber dogmático, e muito menos
que o saber dogmático se constitui em um saber obtuso da realidade
jurídica. Dogmática e zetética são ferramentas metodológicas de
conhecimento, uma com vistas à decisão (ênfase na resposta e no
resultado prático), outra com vistas à especulação (ênfase na pergunta e
no questionamento), que se aliam no sentido da investigação dos
complexos desdobramentos do fenômeno jurídico138.
1.2 Vocação ética das ciências jurídicas
É curioso pensar que, como decorrência dessa consciência ética do
jurista em geral, e sobretudo do jurista teórico, surge a responsabilidade
no operar discursos jurídicos. Por vezes se vêem páginas e páginas
doutrinárias lançadas em vão para a contestação de pressupostos teóricos
alheios, discriminação de escritos alheios, desabilitação epistemológica
deste ou daquele teórico e de sua doutrina... Ora, a ciência jurídica é um
saber que se volta para a compreensão do fenômeno jurídico, que possui
imbricação direta com causas sociais. Desse modo, a ciência jurídica
também possui este compromisso social de estar a serviço do
aperfeiçoamento dos saberes constituídos em torno do rico objeto de
O que se quer dizer é que são complementares e indispensáveis para a
caracterização científica dos diversos enfoques possíveis do fenômeno
jurídico. Sua complementaridade faz com que possam ser qualificadas
como sendo: indispensáveis para o adequado conhecimento das diversas
facetas do mesmo fenômeno; meios para a realização de fins maiores;
dependentes uma com relação à outra, na medida em que da somatória de
suas atuações metodológicas deve resultar um proveito maior;
conviventes necessárias, uma vez que a pura dogmática afasta o jurista
de outras preocupações, e a pura zetética é incapaz de produzir
conhecimentos capazes de articular soluções práticas com vistas à
137
"Por essa razão, o jurista é necessariamenteum profissional voltado para a Ciência.
Deve buscar conhecê-la, ganhando dimensão universal. Não pode ficar adstrito a um
conhecimento limitado à própria técnica produtora da norma, mas necessariamente deve
ter uma visão mais abrangente da ciência na qual se especializou. É o
instrumentalizador de todas as ciências sociais no plano da Ciência Jurídica. Deve, pois,
ter uma cultura humanística que lhe permita ver, no Direito presente, o Direito
Universal e Intertemporal. Deve ser, pois, historiador, filósofo, economista, sociólogo,
futurólogo, psicólogo, sobre não desconhecer rudimentos das Ciências exatas" (Ives
Gandra da Silva Martins, A cultura do jurista, in Nalini (coord.), Formação jurídica,
1994, p. 115).
138
Vide a respeito das palavras dogmática e zetética, a obra de Ferraz Júnior,
Introdução ao estudo do direito, 1999, p. 39-43, por meio da qual se conferiu amplo uso
a elas, na proposta de divulgação do trabalho de Theodor Vieweg.
67
NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 3ª. ed.
São Paulo: Ed. Rev. dos Tribunais, 2001.
decidibilidade.
Brandir para que essa cultura seja cada vez mais politizada, cada vez
mais engajada, cada vez mais aproximada das preocupações da nação
para a redução de desigualdades sociais, cada vez mais sólida para que se
desfaça o colonialismo cultural139 do país... estas são as preocupações
frontais da ciência jurídica e das práticas de discurso científico-jurídico.
O cientista do direito possui as fórmulas para a construção de uma
herança intelectual que deve ser perpetuada como atividade em prol do
social, e não a favor de si ou, muito menos ainda, contra outrem.
XII. A ÉTICA DO ESTUDANTE DE DIREITO
1.1 Ética é assunto para todas as idades
Preocupar-se com a conduta ética não é privativo dos idosos ou dos
formados. Assim como o aprendizado técnico é uma gradual evolução
sem previsão de termo final, assimilar conceitos éticos e empenhar-se em
vivenciá-los deve ser tarefa com a duração da vida.
Há que se pensar, portanto, que as criações intelectuais são
especialmente objetos sociais140. As obras são dotadas de uma peculiar
capacidade de penetração social, dom especial de produção de efeitos
sobre a realidade com a qual interagem. Quanto maior seu grau de
penetração, maior sua repercussão, maior sua importância para uma
determinada sociedade. Nesse sentido, é a obra um instrumento incisivo
que recorta a realidade condicionando-a a sua entrada no seio da
realidade.
As crianças precisam receber noções de postura compatíveis com as
necessidades da convivência. Não é fácil treinar para a verdade, para a
lealdade, para o companheirismo e a solidariedade quem nasce numa era
competitiva, onde se deve levar vantagem em tudo. Uma sociedade
enferma, a conviver tranqüilamente com o marginalizado, a se
despreocupar com o idoso, a agredir a natureza e o patrimônio alheio,
pode ser escola cruel das futuras gerações.
Nem por isso se deve abandonar o projeto de tomá-las mais sensíveis e
solidárias. De um ideal de formação em que a razão e a informação
prevaleceram deve-se partir para novo paradigma. É hora de desobstruir
canais pouco utilizados, como os sentimentos, as sensações e a intuição.
Se a humanidade não se converter e não vivenciar a solidariedade, pouca
esperança haverá de subsistência de um padrão civilizatório preservador
da dignidade.
É nesse espaço do social que se releva o papel da ciência do direito141.
Os fins sociais e prospectivos da ciência jurídica prevalecem com relação
aos fins individuais, pessoais e egoístas que eventualmente a ela se
queira dar. A ciência jurídica é mais que um discurso de juristas para
juristas; dessa forma, deve ser encarada como algo mais que seu discurso
interno. Faz-se como prática social e deve estar voltada para o alcance de
fins sociais. Esta é a sua finalidade, esta é a sua natureza, esta é a sua
vocação; aqui reside a ética da ciência do direito.
A melhor lição é o exemplo. Temos falhado ao legar à juventude um
modelo pobre de convivência. Estamos nos acostumando a uma
sociedade egoísta, hedonista, imediatista e consumista. Egoísmo
distanciado da visão otimista de Shaftesbury e Butler, para quem o
indivíduo é altruísta por natureza.142l Egoísmo na sua versão mais
139
Essa é a preocupação fu1cral do pensamento de Franco Montoro. A respeito,
consulte-se a seguinte obra: Montoro, Estudos de filosofia do direito, 1999.
140
Principalmente pelo fato de que "(...) de regra as obras intelectuais são criadas
exatamente para comunicação ao público (...)" (Bittar, Direito de autor, 1994, p. 49).
141
A respeito do tema enfocado, estude-se a obra de Ferraz Júnior, Função social da
dogmática jurídica.
142
LORD SHAFTESBURY, "An inquiry conceming virtue, or merit", in D. D.
RAPHAEL (comp.), British moralist, Oxford : Clarendon Press, 1969, t. l, p. 173-175 e
JOSEPH BUTLER, "Fifteen sermons", idem, p. 325, apud MARTÍN DIEGO FARREL,
68
pessimista, a conceber o homem "como um ser egoísta, preocupado
primeiro consigo mesmo e logo pelas pessoas mais próximas a ele,
disposto a competir com os demais e a prejudicá-los, se isto for
necessário à satisfação de seus desejos"143.2 Hedonismo exacerbado,
pregando o prazer a qualquer custo e a conversão da vida em uma eterna
festa. A juventude é passageira e, além de prolongá-la mediante
utilização de todos os recursos, reclama-se ao jovem vença um
campeonato de resistência para participar de todos os certames: sexuais,
esportivos, sociais e lúdicos. Imediatismo, como se o mundo estivesse
prestes a se acabar e houvesse pressa em usufruir de todas as suas
benesses. Consumismo impregnando a própria concepção de vida: tudo
constitui produto na sociedade de massas, que descarta valores, descarta
a velhice, os sacrifícios e tudo aquilo que não significar um permanente
desfrute.
depois de cinco anos, queira-se ou não, estará ele entregue a um mercado
de trabalho com normativa ética bem definida. Os advogados têm Código
de Ética; juízes e promotores também. E, até há pouco, nada ouvia o
estudante quanto à ciência dos deveres em seu curso.
Os Tribunais de Ética da OAB vêm enfrentando inúmeras denúncias de
pessoas prejudicadas por seus advogados. Avolumam-se as queixas,
multiplicam-se as apurações. Tudo isso por não haver a Escola de
Direito, até há bem pouco tempo e com as honrosas exceções de sempre,
se preocupado seriamente com a formação ética dos futuros
profissionais.
Seria ilusão pueril acreditar-se que o salto qualitativo nas carreiras
jurídicas, vinculado ao incremento ético de seus integrantes, decorra de
um processo de aperfeiçoamento espontâneo da comunidade. A
decantação dos maus costumes para ver aflorar os bons não tem sido a
regra na história das civilizações. Há razões para muito ceticismo e, até,
para certo pessimismo. O momento de se pensar seriamente em ética era
ontem, não amanhã. O futuro cobrará do profissional posturas cujo
fundamento ele não entenderá perfeitamente e de cuja experiência não
dispõe, pois nada se lhe transmitiu ou cobrou.
Não se pode esperar de escolares cujas mães quase se agridem
fisicamente na disputa de vaga para estacionar seu carro à saída da escola
venham a se portar eticamente quando adultos. Nem se aguarde que os
filhos de pais que lesam o fisco, seus empregados ou patrões, que se
referem à honestidade como um atributo dos tolos, venham no futuro a
constituir modelos morais. Se o pai resolve os seus problemas mediante
arranjos de duvidosa moralidade, se vem a se gabar de haver enganado
outrem ou de não ser alguém que deixe de tirar vantagem em tudo, está
construindo os filhos com padrões idênticos.
Todo professor experiente já ouviu indagações de seu alunado de Direito
que chegam a chocar, tal o despreparo. Poucas as vocações alertadas do
que significa estudar Direito e qual o compromisso assumido por quem
ingressa na Faculdade de Ciências Jurídicas. Afinal, está-se a viver um
tempo em que as sociedades criminosas destinam parcela considerável de
seu dinheiro para formar profissionais voltados à sua tutela jurídica e,
portanto, operadores destinados a atuar pró-criminalidade. Só o estudo
aprofundado e a meditação conseqüente sobre a ética profissional é que
poderá fazer frente a essa situação nova.
O estudante de Direito optou por uma carreira cujo núcleo é trabalhar
com o certo e com o errado. Ele tem responsabilidade mais intensificada,
diante dos estudantes destinados a outras carreiras, de conhecer o que é
moralmente certo e o que vem a ser eticamente reprovável.
Alguma ética todo jovem possui. Mesmo que seja a ética do deboche, ou
a ética do desespero, a ética do resultado ou a ética do deixa disso. Na
Faculdade de Direito ele desenvolverá essa formação ética inicial e,
Ainda é tempo, embora se faça a cada dia mais urgente, de propiciar uma
reflexão crítica sobre a ética e de envolver a juventude nesse projeto
digno de reconstrução da credibilidade no Direito e na Justiça. O
entusiasmo da mocidade e o convívio com heterogeneidades próprias à
Métodos de la ética, Buenos Aires: AbeledoPerrot, 1994, p. 18-19.
143
MARTÍN DIEGO FARREL, Métodos de la ética, cit., idem, p. 26.
69
atual formação jurídica são propícios a fornecer aos mais lúcidos os
instrumentos de sua conversão em profissionais irrepreensivelmente
éticos, se os responsáveis pela educação jurídica se compenetrarem de
que o ensino e a vivência ética não constituem formalismo. A inclusão
da disciplina Ética Geral e Profissional no currículo das Faculdades de
Direito surgiu do reconhecimento de que os patamares de legitimidade
das carreiras jurídicas, em virtude das denúncias disseminadas e
ampliadas pela mídia, chegaram a níveis insuspeitados.
permitido em nome da informalidade e da franqueza maior que preside o
relacionamento humano neste início de milênio, como se explicar a
preservação de alguns símbolos em Justiças mais tradicionais e
respeitadas do que a brasileira? Pense-se, como exemplo, na cabeleira do
juiz inglês, formalidade essencial e sem a qual os julgamentos são nulos.
Um pouco mais de adequação no trajar e nos modos como se apresentam
os alunos não causaria malefício à educação jurídica. Até os treinos para
a futura atuação restam prejudicados quando se faz uma simulação de
julgamento e o aluno escolhido para representar o juiz se apresenta de
bermuda e com camiseta cavada ... Hoje, com a necessidade de um treino
efetivo da futura profissão, substituindo-se as desnecessárias simulações
por uma prestação de justiça real, não meramente virtual, o traje é mais
importante ainda. A parte que trouxer os seus problemas à resolução dos
Juizados Especiais sentir-se-á mais confortada se estiver diante de
alguém que se vista adequadamente.
O momento, agora, é o da reversão. Para isso, a juventude também há de
ser conclamada e as lideranças acadêmicas precisam se conscientizar de
que mais importante do que promover as tradicionais e pouco criativas
Semanas Jurídicas, delas se reclama um investimento na formação de um
profissional ético, em quem se possa confiar. Projeto que, se não
começou antes, é inadiável tenha início na Faculdade de Direito.
1.2 Deveres para consigo mesmo
Todavia, mais importante do que a forma é o conteúdo. A criatura
humana é destinada à perfectibilidade. Todos podem tomar-se cada dia
melhores. Melhor seria dizer: uma vida só se justifica se o compromisso
de se tomar cada dia um pouco menos imperfeito vier a ser um projeto
sério. Essa é uma proposta individual que depende apenas de cada
consciência. Ao se propor a estudar Direito, o estudante assume um
compromisso: o de realmente estudar. Isso parece óbvio e realmente o é.
Quem conhece o aluno do bacharelado jurídico sabe que as obviedades
precisam ser enfrentadas. Exemplo disso é que continua a existir o uso da
cola ou de outros artifícios para obtenção de graus favoráveis nas
avaliações periódicas. Cresce a praxe da contratação de profissionais ou
equipes para a confecção de trabalhos científicos ou da monografia, hoje
necessária à obtenção do grau de bacharel em Direito144.
Os princípios que regem a conduta humana devem contemplar, em
primeiro lugar, os deveres postos em relação à própria pessoa. Não se
fale em ética para consigo mesmo, que ética é algo a ser cultivado em
relação aos outros. Ninguém contesta a existência de deveres para com a
própria identidade. Assim o dever de subsistir, ínsito ao instinto de
sobrevivência, o dever de se manter corporal e espiritualmente hígido, o
dever de higiene pessoal e o de se apresentar em condições compatíveis
com o local, momento e circunstâncias.
As Faculdades de Direito de antigamente eram reflexos da solenidade
que imperava na atuação judicial. Os alunos freqüentavam aulas de
paletó e gravata e se portavam como futuros operadores. A multiplicação
das Escolas, com a conseqüente ampliação das turmas - quantos milhares
de brasileiros hoje estudam Direito? -, as transformações da sociedade,
vieram a gerar um fenômeno visual na maior parte das Faculdades. Hoje
não se distingue o estudante do Direito do estudante de Educação Física.
Ambos comparecem às aulas vestindo trainings, quando não calções,
chinelos de dedo e outros trajes. Se o hábito não faz o monge, tudo sendo
Todos os anos - e agora, todos os semestres - milhares de jovens são
144
Este é um sinal que depõe contra o estudante, não apenas eticamente. Deixa de
executar o trabalho solicitado e, em lugar de aprender, está pagando para alguém
aprender mais em seu nome.
70
chamados ao vestibular e optam pelo Direito. Grande parte deles
desconhece o que seja o compromisso jurídico. Estão pensando em fazer
um curso que lhes permita a continuidade do trabalho, ou de acesso
relativamente fácil, diante da quantidade de vagas oferecida. Seja na
escola pública, seja na particular, os esquemas de aprovação permitem
que, depois de cinco anos, esse universitário seja um bacharel. A
passagem de uma série a outra é sempre facilitada. Poucas as exigências
e os obstáculos postos ao estudante. O resultado é que o número de
advogados no Brasil vai logo chegar a um milhão. Pois são quase
quinhentas Faculdades, lançando - diria até, arremessando semestralmente, ao mercado de trabalho, milhares de novos bacharéis.
não se negue, decorre dos próprios estudantes. Ressalve-se o fato de não
conhecerem a realidade do ensino jurídico, quantos atraídos para o
estudo do Direito por fatores que não imbricam com o objetivo de
aperfeiçoar as carreiras jurídicas. Há uma parcela de estudantes que
ingressou na Faculdade de Direito sem saber exatamente o que ali
encontrará. Parta-se do pressuposto, por amor à argumentação, de que a
maioria ingressou conscientemente na Faculdade de Direito. Ainda esses,
em expressiva maioria, se impregnam do espírito conservador e inerte da
academia e resistem às tentativas de transformação. As mudanças
importam em esforço maior e necessidade de abandonar hábitos antigos.
Uma avaliação contínua importa em estudo permanente. É mais
confortável o sistema clássico das provas periódicas, centenas de alunos
reunidos, estudo muito superficial e atribuição de notas favoráveis a
todos quantos estejam em dia com os seus carnês de pagamento.
Parcela considerável da responsabilidade pelas deficiências do ensino de
Direito é de ser tributada aos educadores. Chame-se de educador alguém
bem intencionado. Não merece essa denominação o mero empresário,
que abre escola apenas para ganhar dinheiro e que poderia estar se
dedicando a qualquer outra atividade lucrativa. Pois os bons educadores,
muitas vezes, conformam-se com o curso tradicional, mantêm as grandes
turmas, com aulas proferidas em auditórios. Os professores, em regra,
nunca se dedicam exclusivamente ao ensino. Limitam-se a ministrar
aulas prelecionais, quase sempre resumidas ao exame seqüencial da
codificação. Não há espaço para a reflexão crítica, nem para a pesquisa.
Inviável o acompanhamento individual do aprendizado ou orientação
direta sobre os estudos. O ensino é sofrível, a pesquisa quase ausente,
nem se fale na extensão145.
A resistência às transformações não é incomum. Os alunos resistiram ao
exame de avaliação da Universidade, conhecido por Provão, a cujos
propósitos não se pode recusar idoneidade. Essa avaliação permanente da
peiformance da Universidade e dos universitários vai se integrando na
realidade educacional brasileira e passará a produzir outros frutos. O
desempenho dos alunos passará a ser considerado pelas futuras
empregadoras e pelas instituições às quais eles recorrerão quando
disputarem as reduzidas vagas nas carreiras jurídicas mais prestigiadas.
Opondo-se às modificações, não lutando por elas, preferindo a via
facilitada da obtenção do diploma sem maiores sacrifícios, os efeitos não
tardarão a ser sentidos pelos próprios alunos. Terminado o curso, vem a
angústia de quem não sabe exatamente o que fazer com o diploma: "Sou
bacharel em direito! E daí?". Haverá dia, não muito longínquo, no
Brasil, em que será necessário perguntar quem não é bacharel em
Direito.
Outra parcela de responsabilidade pelas carências da formação jurídica,
145
A Universidade brasileira goza de autonomia didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial e obedecerá ao princípio da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão. Longo caminho resta a ser trilhado para se atingir ao ideal
do equilíbrio entre esses três pilares. Se o ensino vem sendo transmitido, embora com
deficiências reconhecidas, pouco se realiza em termos de pesquisa na Universidade
privada e os trabalhos de extensão ainda carecem de eficiência e visibilidade. São os
estudantes que precisam motivar as mantenedoras a promover tais objetivos, comandos
cogentes do constituinte brasileiro em relação à Universidade, conforme se verifica do
artigo 207, caput, da Constituição da República.
A advocacia está se tomando um território inexpugnável. Poderia parecer
paradoxal que a multiplicação dos profissionais represente dificuldade
maior no exercício da atividade jurídica básica. Todavia, em virtude
mesmo do crescimento da oferta, só os mais capazes ostentam condições
71
de sobrevivência. Enormes escritórios, verdadeiras empresas jurídicas,
recrutam os mais qualificados. Os demais procuram sobreviver, mas
culminam por continuar a fazer aquilo que já realizavam antes de
formados. Vai desaparecendo aos poucos o advogado profissional liberal.
Um seleto grupo de profissionais que atendem aos maiores casos, que
são os advogados mediáticos, sobrevivem desse exercício artesanal.
a visão das metrópoles, nas quais existe a grande concentração de
Faculdades e de profissionais - poderia vir a ser atenuada se o estudante
de Direito souber exatamente o que pretende. Ao ingressar no primeiro
ano da Faculdade de Direito, já terá condições de se encaminhar para
uma das opções profissionais abertas a quem se propõe a obter o grau de
Bacharel em Direito. O direito é instrumento de solução de conflitos e de
garantia do Estado de Direito de índole democrática. Somente o direito
poderá oferecer respostas viáveis para uma sociedade enferma. Sinais de
sua moléstia o convívio entre tecnologia de ponta e ignorância, entre
abundância e miséria, entre inclusão e exclusão, dentre tantas outras
situações polarizadas.
O caminho para o jovem advogado é árduo. Se não tiver uma família já
respeitada na área e que o encaminhe, a trilha até o êxito profissional
dependerá de enorme esforço e de redobrados sacrifícios. Aqueles que
insistem só encontram espaço para servir como qualificados office boys
de advogados há mais tempo no mercado. Será longo e árduo o caminho
até à redenção profissional.
A juventude é naturalmente inquieta e revoltada contra a injustiça. Fora
despertada a descobrir a potencialidade do direito para a solução de todas
as grandes indagações do final do milênio e mergulharia num projeto de
transformação do mundo com início na conversão pessoal. Conversão à
causa da justiça. Justiça que tem início em se autopropiciar um curso de
direito da melhor qualidade.
O concurso constitui via atraente para ingresso a carreiras ainda dotadas
de certa aura de respeitabilidade. Tais certames congregam cada vez um
número maior de interessados. São milhares de candidatos que acorrem à
chamada e uma percentagem mínima logra aprovação. Tanto assim que
várias iniciativas exitosas vão suprindo a falta de preparação desses
profissionais. A função que seria da própria instituição - Poder Judiciário
e Ministério Público, especialmente - foi de fato delegada a alguns
educadores que descobriram essa via e são hoje, na realidade, os
responsáveis pela renovação de quadros nas carreiras públicas.
O primeiro dever do estudante de direito é se manter lúcido e consciente.
Indagar-se sobre o seu papel no mundo, a missão que lhe foi confiada e
que depende, exclusivamente, de sua vontade. Atingido o discernimento,
o estudo contínuo, sério e aprofundado será conseqüência natural. A
pessoa lúcida sabe que ela pode, no seu universo, pequeno e
insignificante lhe pareça, transformar o mundo.
O defeito maior do concurso é o seu atrelamento a uma forma arcaica de
seleção. Ela é baseada apenas na memorização de legislação, doutrina e
jurisprudência. Vence o candidato que consegue se recordar de minúcias,
não raramente encontradas com facilidade nos Códigos. Descuida-se,
ainda, de maior preocupação vocacional. A dificuldade no acesso ao
mercado de trabalho faz do novo bacharel um candidato crônico.
Inscreve-se para todos os concursos. Encontra-se o mesmo concorrente
igualmente interessado a disputar as provas nas seleções para os quadros
da Magistratura, do Ministério Público, das Defensorias, das
Procuradorias, das Polícias. Precisa, na verdade, de um emprego.
Saberá reclamar um padrão de qualidade à sua escola, desde os aspectos
físicos à excelência do ensino, aí incluídas as virtudes do corpo docente,
direção e funcionalismo. A maior parte dos que se dedicam ao ensino é
formada de pessoas bem-intencionadas. Estimuladas por um alunado
entusiasta, reagirá para converter a Faculdade de Direito em usina de
criatividade, concretizando a reforma do ensino jurídico hoje
delineada146.
A visão aparentemente pessimista - na verdade é realista, ao menos para
146
72
Sobre a reforma do ensino jurídico, ver JOSÉ RENATO NALINI, "O novo ensino
O acadêmico brasileiro deve ter sempre na consciência o fato de ser um
privilegiado. Ínfima a percentagem dos nacionais que ingressam na
Universidade. Como na parábola dos talentos, a quem mais é dado, mais
é pedido. O universitário tem um débito para com a comunidade e a
forma adequada de começar a saldá-lo é procurar extrair proveito
máximo de sua permanência na Faculdade. Estudando e exigindo ensino
adequado, pois alguém está pagando para recebê-lo e alguém está sendo
pago para ministrá-lo. Empenhando-se na pesquisa, parte indissociável
do processo educativo. Participando da extensão, que é forma de
abertura da Universidade à comunidade.
Um trabalho de conscientização da juventude para os problemas da droga
e da delinqüência poderia ser realizado pelos universitários. Afinal,
parece que a dependência vai conquistando a juventude e cada dia mais
cedo. A infração praticada por menor é uma percentagem considerável da
grande criminalidade pátria.
Os encarcerados precisam também de assistência jurídica plena. Ela não
significa apenas assistência judiciária. Há situações pessoais dos presos
que precisam ser resolvidas. Questões familiares, de vizinhança, de
benefícios paralisados ou suspensos. Esse atendimento poderia vir a ser
feito pelos acadêmicos. A população carcerária de São Paulo, por
exemplo, alcança hoje o razoável número de cem mil presos. Não existe
condição de assistência jurídica integral prestada por advogados. Os
jovens acadêmicos podem desempenhar relevante serviço se vierem a se
interessar pela sorte daqueles que a sociedade priva da liberdade por
haverem delinqüido. E passarão a entender melhor a realidade de que o
crime é um fenômeno social e de que o preso não é problema da polícia
ou questão da administração penitenciária, mas é um desafio para toda a
sociedade.
Tanto pode ser feito pelo universitário de Direito para melhorar a
situação dos seus semelhantes. Basta, para isso, acionar a sua vontade.
Assim, os mutirões jurídicos para resolver problemas de documentação
das pessoas necessitadas, o atendimento para a resolução de dúvidas
jurídicas, as cruzadas da cidadania, para alertar a população quanto a
seus direitos. Muitos projetos especiais podem ser desenvolvidos e já
encontram exemplo em inúmeras Faculdades: a instalação de juizado
especial no interior da escola, com funcionamento a cargo dos alunos.
Juizado especial que pode ser o informal de conciliação ou o de pequenas
causas. As Faculdades também podem ser detentoras do arquivo dos
Tribunais, propiciando a seus alunos o contato direto com os processos e
devem ter cartórios-modelo, para treinar o aluno com a rotina forense.
A participação do aluno na vida concreta do direito é essencial. A escola
não pode ser transmissora inerte da verdade codificada e de alguma
orientação jurisprudencial. Ela tem o dever de formar uma consciência
crítica no alunado. O novo bacharel deve ser um agente transformador da
realidade, imbuído do compromisso de aperfeiçoar o ordenamento. E,
antes de a faculdade lhe oferecer tudo isso, é seu dever ético dela exigir a
fidelidade para com esse ideário.
A falência do Estado como instituição onipotente e pronta a atender a
todos os reclamos deve incentivar a participação do alunado de Direito
na resolução dos problemas locais. O trabalho voluntário do estudante de
Direito poderá resgatar muitos semelhantes de uma situação de
marginalidade. Os Diretórios Acadêmicos poderão se encarregar de
prover os excluídos de documentação civil e profissional, auxiliando-os a
obter certidões dos assentos indispensáveis - nascimento e casamento -,
regularizando as situações conjugais, encaminhando-os ao mercado de
trabalho.
Outro exercício recomendável é a participação na política acadêmica. A
Faculdade é formadora de líderes. Líderes precisam treinar os seus
talentos de liderança, de maneira a estarem preparados quando
recorrerem a eles na vida profissional. O treino político auxilia o
enfrentamento da tensão dialética, sem a qual o direito não opera. Se
existe pretensão a uma ética na política, esse paradigma há de se iniciar
na disputa democrática dos cargos diretoriais, para que a política
propriamente dita não perca a qualidade.
do Direito", RT 715/342 e ss.
73
A Escola de Direito sempre foi o celeiro dos políticos. As Arcadas, a
tradicional Faculdade do Largo de São Francisco, proveu o Brasil de seus
primeiros Presidentes da incipiente República. Era dali que saía a reação
contra a ditadura, contra os desmandos e o autoritarismo. Hoje, o
território dos acadêmicos de direito é um vazio político. Não se
reivindica, não se reclama, não se participa da vida política nacional. A
comprovar a velha ponderação do notável André Franco Montoro, de que
seria tarefa fácil derrubar a ditadura, mas missão extremamente difícil a
construção da democracia.
mal-humorado. A verdadeira virtude é aquela que Aristóteles já
encontrava na parte superior da alma sob forma dúplice: a sabedoria, a
considerar as supremas razões dos seres, e a sabedoria prática.
Todo o sistema ético está centrado na sabedoria prática. As tendências,
apetites e desejos devem estar num justo meio-termo, no equilíbrio que
deriva da prudência. A idéia de moderação, ou do justo meio, "consiste
em fazer o que se deve, quando se deve, nas devidas circunstâncias, em
relação às pessoas às quais se deve, para o fim devido e como é
devido"148. O justo meio não é outra coisa senão o dever. "Por exemplo,
a virtude da coragem modera o medo; ela é o justo meio-termo entre a
covardia e a audácia: modera o medo para que sejamos firmes diante do
obstáculo e não fujamos covardemente; modera a audácia para que não
enfrentemos o perigo atabalhoadamente. A justiça modera a paixão do
lucro, levando-nos a honrar os contratos sem lesão ao próximo e sem
danos pessoais"149. A reiteração de condutas equilibradas conduz à
racionalidade. Quando se é racional, pode-se afirmar que a virtude
triunfou. O ser humano venceu a paixão, que não deixa de ser paixão,
mas segue racionalizada.
Um Estado de Direito de índole democrática exige Democracia. E a
Democracia brasileira tem o modelo constitucional participativo. Deve
ser reinventado o princípio da subsidiariedade. Tudo aquilo que a
comunidade puder fazer por si, ela deve fazê-lo, desnecessitando de
invocar o governo. O jovem acadêmico de Direito é o protagonista mais
indicado para mostrar ao povo como se faz uma verdadeira Democracia e
corno se edifica o Estado de Direito.
Tudo isso pertine à ética. Um estudante desprovido de ética não será um
bom profissional. A Democracia resultante de sua atuação não será a
forma ideal de vida comunitária em que se procura garantir o bem de
todos, prevalecendo a orientação da maioria, mas será um regime
hegemônico, baseado na priorização dos interesses sociais. É por esse
motivo que a ética reveste uma importância absoluta neste início de
milênio.
A ética deve servir para isso. Não para alimentar discussões teóricas, mas
para a vida real, para a prática existencial de toda e qualquer pessoa. Se
não houver o compromisso de viver eticamente, o estudo e o aprendizado
da ética de nada servirá.
1.3 Relacionamento com os colegas
Ouso afirmar que o estudante de direito deve procurar agir eticamente e
ser virtuoso desde os bancos escolares. A prática da virtude não significa
perder a alegria, renunciar ao prazer ou aos jogos lúdicos de sua
idade147.6 Ser virtuoso não equivale a ser circunspecto, arredio, azedo e
O companheirismo acadêmico é sempre espontâneo e prazeroso. Os anos
a perfeição à qual chegamos, mais é necessário participarmos da natureza divina.
Portanto, é próprio de um homem sábio usar as coisas e ter nisso o maior prazer
possível (sem chegar ao fastio, o que não é mais ter prazer)". SPINOZA, "Éthique", IV,
escólio da prop. 45, trad. Appuhn, apud ANDRÉ COMTE-SPONVILLE, Pequeno
tratado das grandes virtudes, São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 45.
148
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, VI, I, 1138 b 19-20, apud OLINTO A.
PEGORARO, Ética é justiça, Petrópolis: Vozes, 1995, p. 26.
149
OLINTO A. PEGORARO, Ética é justiça, cit., idem, p. 26-27.
147
Spinoza já observara: "Certamente, apenas uma feroz e triste superstição proíbe ter
prazeres. Com efeito, o que é mais conveniente para aplacar a fome e a sede do que
banir a melancolia? Esta a minha regra, esta a minha convicção. Nenhuma divindade,
ninguém, a não ser um invejoso, pode ter prazer com a minha impotência e a minha dor,
ninguém toma por virtude nossas lágrimas, nossos soluços, nosso temor e outros sinais
de impotência interior. Ao contrário, quanto maior a alegria que nos afeta, quanto maior
74
passados na Universidade podem ser considerados dentre os mais felizes
na vida de qualquer profissional. Costuma-se recordar com saudades
desse tempo que, enquanto transcorre, é célere e inconseqüente.
Um dever ético para com o colega é conhecê-lo. Identificá-lo pelo nome.
Participar de sua vida. Ser solidário nas dores - quem as não sofre? - e
nas alegrias. Não se está por acaso na mesma turma. Essa é a
oportunidade de fazer amigos, de se irmanar com aqueles que estão
submetidos à mesma experiência convivida em tempo idêntico. É triste
respirar o mesmo ar de um semelhante dias, meses e anos seguidos, sem
chegar a apreender o universo de suas qualidades e partilhar com ele as
próprias angústias.
Mesmo assim, a massificação do ensino fez com que algumas práticas
fossem relegadas. As antigas turmas das academias tradicionais levavam
muito a sério a circunstância de integrarem homogêneo grupo que, a
partir da formatura, era designado pelo respectivo ano. Os laços de
convívio eram verdadeiramente fraternos. As turmas seguiam unidas pela
vida, reunindo-se a cada aniversário de formatura, irmanadas na memória
de um tempo de sadia e gostosa convivência. Até mesmo a alegria
espontânea da organização da festa de formatura foi substituída e
delegada a uma empresa. Aquele tempo destinado a um estreitamento de
convívio, às brincadeiras e jogos jocosos, foi trocado pela contratação de
uma empresa especializada em realizar a cerimônia da colação de grau e
de entrega do diploma.
Interessar-se pelo colega leva também ao dever ético de solidariedade.
A ausência de um companheiro durante alguns dias deve motivar a
indagação da classe e a sua proposta de auxiliá-lo a enfrentar eventual
problema. De maneira idêntica, a ética impõe se visite o colega
acidentado ou enfermo, que se faça presente ao funeral de seu familiar,
que se compareça à sua casa quando convidado. Exatamente como se faz
com os amigos. Não se exclui a oportunidade de se proceder a uma
coleta, sem alarde e sem constranger o beneficiado, quando algo lhe
tenha ocorrido que impeça de satisfazer às mensalidades ou taxas da
Faculdade.
Compreende-se que tudo muda. Mas parece haver mudado·para pior. Os
formandos se limitam a pagar mensalidades e a comparecer a uma festa
que não foi por eles programada, mas parece um grande happening, com
projeções, músicas e até fogos de artifício. Tudo para disfarçar o
desaparecimento da alegria genuína que deveria ser a tônica daquela
comemoração. Sem dizer que o treino de organização da festa era uma
prova concreta da capacidade de administrar o interesse coletivo, de
vivenciar a idéia do condomínio, de respeitar a orientação da maioria, de
saber conciliar as diferenças. Tudo essencial a quem se propõe a exercer,
profissionalmente, a atividade da composição dos conflitos, rumo à
obtenção da pacificação.
Ao se defrontar com o colega aparentemente perturbado ou preocupado,
aquele que estiver motivado por uma sadia ética de coleguismo deverá
procurar mitigar-lhe o desconforto. Este pode ter origem na família, no
trabalho, em tantas outras fontes. O angustiado gostaria de ser ouvido,
mas não encontra quem se disponha a abandonar, momentaneamente, as
próprias atribulações para tentar compreender o sofrimento alheio.
Esse é um fenômeno generalizado na vida contemporânea. As pessoas já
não têm paciência para ouvir. A única audiência que se consegue hoje,
cronometrada e mediante pagamento, é a dos profissionais da psicanálise.
E o ombro amigo sempre foi necessário e ainda funciona como terapia de
apoio para quase todos os humanos.
A oferta do ensino jurídico massificado, objeto de consumo educacional
e colocado à disposição do aluno como verdadeira mercadoria, esmaeceu
a sensibilidade desses contornos. Alunos de uma mesma classe não se
conhecem. Passam anos ocupando o mesmo espaço físico sem trocarem
palavra. Nada sabem a respeito da vida, das vicissitudes, das angústias e
sonhos de seus colegas. São passageiros transitórios da nave mercantil
que se propôs a dar-lhes um diploma.
Outra postura ética a ser perseguida é respeitar as diferenças. No
universo de uma classe há muitas individualidades diversas. Pessoas que
se distinguem por raça, cor, aspecto físico, origem social, preferências
75
sexuais. Todas elas merecem respeito e compreensão. O preconceito é
alguma coisa a ser banida e chega a ser intolerável numa comunidade
jurídica. Pois nesta se ensina que o ser humano, qualquer seja ele, é
titular de direitos e de igual dignidade perante a ordem jurídica.
encarada com resistência pelos operadores jurídicos. A questão é
realmente polêmica. O sucesso na carreira já credencia o profissional
como vitorioso, apto a demonstrar com sua experiência que a opção do
estudante está no reto caminho, valeu a pena e propicia êxito. Nem
sempre, contudo, a proficiência na carreira se faz acompanhar por
inequívocos dotes na transmissão do conhecimento. Profissionais de
reconhecido prestígio não são professores de mérito. Outros há,
privilegiados, que acumulam as qualidades.
A juventude pode ser cruel quando seleciona alguns caracteres que
considera estranhos e sobre eles faz recair a ironia, o sarcasmo ou o
deboche. A classe é expressão gregária e obedece a alguns condutores.
Os líderes naturais, formadores de opinião, respeitados por todo o grupo,
estes precisam estar atentos para impedir que os colegas martirizem
outros, submetendo-os a contínuos vexames. Episódios lamentáveis uma
e outra vez são registrados, em que o aluno é obrigado a se transferir, talo
clima de animosidade instaurado em sua classe.
Novamente se invoque o princípio do justo-termo. O operador jurídico
bem sucedido, respeitado em sua profissão, reveste condições para ser
um educador eficiente. Para isso, não constitui demasia reclamar-se
formação específica. Não parece necessário um curso universitário
regular de pedagogia, mas algumas noções de didática, de metodologia
do ensino jurídico poderiam formar o formador, com reflexos evidentes
na qualidade da educação do Direito.
A virtude, em todas essas hipóteses, é geradora de consistente satisfação
naquele que se dispôs a abrir-se ao convívio. Ela dá prazer enorme a
quem a pratica. Envolver-se na tentativa de mitigar a carga alheia de
problemas é remédio para o trato da sua própria cota de infelicidade. E o
treino durante a Universidade não é senão experiência adquirida para um
saudável exercício profissional pouco adiante.
Em virtude da especialíssima situação do corpo docente da Faculdade de
Direito, nem sempre o convívio com o alunado é o ideal.
As turmas ainda são muito numerosas. Isso impede o contato pessoal
entre professor e aluno. É raro tenha o mestre condições de identificar
por nome os estudantes de sua classe. Não lhe é permitido trabalhar em
grupos, orientar estudos e privar da companhia dos seus discípulos.
1.4 Relacionamento com os professores
Recrutam-se professores para a Faculdade de Direito dentre os
profissionais exitosos em suas respectivas carreiras. Os formados em
Direito fornecem quadros para um dos poderes do Estado - o Judiciário e para instituições prestigiadas como o Ministério Público e a advocacia,
ambas essenciais à administração da Justiça. Existe, portanto,
contingente enorme de potencial mão-de-obra para a indústria do ensino
jurídico.
O fato de dedicar-se a outra carreira, que é a responsável por seu
sustento, faz com que as aulas sejam objeto de preocupação secundária.
A remuneração nas Faculdades não estimula o professor a uma dedicação
mais intensa. Envolvido com seus afazeres profissionais, devota-se ao
ensino pelo tempo necessário à ministração das aulas. São fatores de
distanciamento para os quais o aluno deve atentar, pois os mestres do
Direito sempre são estimulados quando o discente demonstra um
interesse genuíno por sua formação.
Tal circunstância vai condicionar o perfil do professor de Direito. O juiz
é convidado a lecionar porque venceu o severo concurso de ingresso e
tomou-se expressão da soberania estatal. O mesmo vale para o integrante
do Ministério Público. Não se indaga sobre seus pendores didáticopedagógicos. A exigência de uma formação para o magistério sempre foi
Todo universitário que fizer chegar ao seu mestre a pretensão legítima a
uma orientação intelectual direcionada a determinado concurso ou
76
atividade sem dúvida será bem recebido. A aproximação mestre/aluno é
sempre benéfica ao processo do aprendizado. Nada obsta que o passo
inicial parta do discípulo, se não brotar do próprio mestre.
daqueles educadores que o orientaram, que serviram de sinalizadores e
de paradigmas em sua formação. Quase sempre, quando isso ocorre, a
falta da presença física do Mestre já não permitirá ao discípulo
agradecido a exteriorização de seu reconhecimento.
Algumas regras há que nem se podem dizer éticas, mas se mostram
relevantes para a edificação de um clima de cordialidade e estima. São os
pequenos gestos denunciadores de respeito, como prestigiar a aula,
atentar para a exposição, indagar e contribuir para um debate fecundo. Os
alunos de antigamente faziam saudação inicial aos professores, quando
tomavam contato com eles pela primeira vez. Saudavam-nos no dia do
professor e, a final, agradeciam pela oportunidade de convivência
acrescentadora de seus conhecimentos e experiência.
1.5 O estudante e a sociedade
Todo estudante é um devedor, inicialmente insolvente, da comunidade
por ele integrada. Para assegurar-lhe vaga no sistema reconhecido de
educação regular, ela investiu consideravelmente. Num país de escassos
recursos ante inesgotáveis necessidades, outros bens da vida foram
sacrificados para garantir essa oportunidade de conclusão do ciclo
normal de formação.
Os tempos são outros. Mas as pessoas continuam as mesmas. Suscetíveis
de se sensibilizarem com gestos singelos, mas que predispõem o
professor a conferir maior afinco à missão de ensinar.
O estudante precisa devolver à sociedade um pouco daquilo que ela
investiu nele, mediante participação efetiva no processo político, não
deixando de se interessar por eleições, votando e podendo ser, eleito, e
mediante aproveitamento efetivo dos recursos postos à sua disposição.
É engano pensar que a mensalidade atende a todas as necessidades da
escola. A educação é subsidiada, considerando-se a participação estatal
em seus projetos privados. Pagar é obrigação de quem contrata os
serviços educacionais de uma empresa. Mas esta se beneficia também de
recursos governamentais, resultantes de uma coleta a que acorrem todas
as pessoas. Mesmo aquelas subtraídas ao processo educacional comum.
Raramente se detém a pensar que o excluído, aquele que não pode
estudar na época mais favorável, também sustenta o sistema educacional
de seu país. Se o estudante tivesse noção plena dessa realidade, saberia
dedicar-se com responsabilidade maior ao seu projeto pessoal de
aprendizado.
Ética é também a conduta do aluno que, tendo razões de queixa em
relação ao professor, as expõe ao próprio interessado, antes de procurar
direção ou entidade mantenedora para solicitar a substituição do docente.
Essa praxe até ocorre em grandes empresas de prestação educacional,
onde o consumidor é o aluno e ele deve estar sempre satisfeito com o
produto. Afasta-se ela, todavia, do ideal ético da verdade, da
transparência, da lealdade e da correção. O profissional do Direito deve
enfrentar todas as questões de maneira frontal, sem se abrigar no
anonimato e sem recorrer a técnicas pouco preservadoras da dignidade
do próximo.
A relação professor/aluno deve ser franca, amistosa, cooperativa. Se
assim for, o ensino fluirá mais naturalmente, o aprendizado será um
processo espontâneo. O encontro entre estudantes de Direito menos
experientes e mais experientes - outra coisa não é o professor - deve ser
uma parcela prazenteira do período regular de estudo. O ideal seria o
estabelecimento de laços de amizade entre eles. Onde existe afeição, a
conduta ética virá por acréscimo, desnecessárias profundas cogitações.
Só muito mais tarde o profissional terá condições de reconhecer o mérito
Todo estudante pode melhorar seu país, mesmo antes de se formar,
participando de projetos de promoção humana, integrando-se a serviços
voluntários tendentes ao resgate dos excluídos, atuando decisivamente na
fixação dos rumos da conduta dos titulares de funções públicas.
A nacionalidade parece haver despertado para a vergonha da miséria e o
77
movimento Comunidade solidária precisa de todos os brasileiros para
reduzir os índices de exclusão que envergonham qualquer compatriota.
Inúmeras organizações não governamentais - ONGs - se prestam a
motivar a comunidade a zelar por interesses descuidados e de cuja tutela
pode depender a própria subsistência da humanidade. Os detentores de
funções públicas são exercentes transitórios de um mandato outorgado
pela cidadania. Esta tem o dever ético de fiscalizar o eleito, para que a
sua postura parlamentar ou de governo não se afaste do ideal assinalado
pela comunidade.
integrados em grandes empresas educacionais, voltadas à exploração de
uma atividade lucrativa como outra qualquer no desenfreado capitalismo
da pós-modernidade. A sociedade brasileira vem adquirindo fisionomia
singular, onde o valor reside na aparência, no físico, no lazer e no
entretenimento. Qualquer propagador de cultura tradicional está excluído
do processo do enriquecimento. Não se premia a cultura e a erudição,
mas o show e o circo.
Existem ainda os professores vocacionados. Aqueles que acreditam que o
Direito é instrumento de solução das controvérsias, de pacificação e
harmonização comunitária e de realização da democracia. Estes fazem do
magistério um sacerdócio e nutrem a esperança de estar a construir o
futuro. Mas também não se exclua a meta da obtenção de prestígio,
favorecedor do êxito em outras atividades, nas quais o título de professor
universitário ainda impressiona. E os que pretendem conviver com a
juventude, extraindo dela um pouco de ânimo para vencer os embates
existenciais. Ou os que nisso enxergam oportunidade para atualizar os
estudos, enfrentar o desafio de se colocar diante da mocidade e ouvir
suas cobranças, sua sinceridade cruel e até, muita vez, insolente.
O estudante de Direito tem grande poder e a História está pontuada de
episódios heróicos em que a luta dos acadêmicos serviu à defesa da
democracia, da liberdade e da ordem jurídica. O Brasil está a viver uma
tênue experiência democrática, de futuro ainda condicionado ao êxito da
estabilização econômica. Por isso toda atuação acadêmica tendente ao
fortalecimento democrático é bem-vinda.
Freqüentar aulas, estudar, fazer trabalhos, pesquisar e se submeter a
avaliações é o mínimo ético reclamado ao universitário. Mais do que
isso, ele precisa ingressar na vida política, num sentido bastante amplo,
favorecendo com as luzes de seu conhecimento e com o entusiasmo de
sua juventude, a consecução de objetivos propiciadores de um futuro
cada vez mais digno à sua Pátria.
Há um misto de tudo isso nos quadros do magistério superior jurídico
brasileiro. Parte-se de uma constatação empírica e genérica, sem
contemplar alguns casos episódicos e extremados. Como o daqueles que,
na cátedra, pretendem apenas criar uma clientela fixa para a compra de
suas apostilas ou livros. Ou de quem precise de um argumento forte para
estar fora de casa ao menos duas vezes por semana, convivendo com
jovens que se tomam companheiros - mais ainda companheiras - de
noitadas, de chopadas e de esticadas em barzinhos de convívio.
1.6 A Ética do professor de Direito
Este tópico não está deslocado no capítulo dedicado à ética dos
estudantes de Direito. O professor de Direito não é senão um estudante
qualificado, mais experiente e responsável pelo despertar de outros
colegas para viver a paixão fascinante pelas ciências jurídicas.
Esta reflexão não serve a caracterizar o magistério em outras carreiras e a
sofrida classe do magistério do ensino básico e fundamental. Conseguiuse, em algumas décadas, proletarizar o professor, hoje mal remunerado,
sem perspectivas de carreira, sem possibilidade de continuar seus estudos
e às voltas com um alunado a cada dia mais rebelde, indisciplinado e sem
limites. Enquanto não se conferir seriedade ao trato da educação, a
começar da seleção e da reciclagem dos professores, não haverá solução
O que leva uma pessoa a aceitar uma função de professor de Direito?
As respostas podem ser múltiplas. A menos provável delas é a de que
pretende, com isso, sustentar-se e à família. A remuneração, quase
sempre, chega a ser indecorosa, mesmo naqueles estabelecimentos
78
eficiente para muitos dos problemas brasileiros.
humana. Somente uma alma bem formada terá condições de contribuir
para uma nova era, mais sensível aos verdadeiros valores, menos
oprimida pela necessidade de vencer a qualquer preço.
O que também não existe ainda no Brasil é um processo completo e real
de formação do professor de Direito. A pós-graduação em sentido estrito
contribui para a elaboração de dissertações e teses relevantes. Pouco
investe, porém, na preparação de educadores. Favorece-se
exclusivamente o estudo do Direito, sem se deter no ensino da didática,
da pedagogia, da psicologia educacional e das modernas técnicas de
transmissão do conhecimento.
O professor já não se considera responsável pela moral de seus alunos.
Principalmente na Faculdade, eles chegam cidadãos feitos, de caráter e
personalidade praticamente acabada. São os filhos da TV, dos vídeo
games, das salas de chat da conversa virtual, da liberação dos costumes,
da permissividade, das mães que abdicaram das tarefas domésticas e não
encontraram quem as substituísse, de pais assustados com o avanço do
feminismo. Alguém deve ter coragem,de dizer a esses jovens em que
acreditar, redescobrindo a singeleza das coisas essenciais - o valor da
família, da solidariedade, da lealdade, a finitude da vida e a sua
celeridade, o destino de transcendência da humanidade, o compromisso
de contínuo aperfeiçoamento na breve aventura terrestre.
Não são muitos os professores preocupados com isso. Raros aqueles que
se propõem uma reciclagem ou um aprendizado de tais saberes, sem os
quais grande parte da cultura jurídica do docente deixa de chegar ao
discente. Um pouco de técnica de ensino auxiliaria notáveis juristas a um
salto qualitativo no desempenho docente, com reflexos favoráveis no
processo formativo das novas gerações de estudantes do direito.
Ainda é tempo de o professor resgatar as qualidades de uma carreira que
já teve concretamente reconhecida a sua nobreza na hierarquia das
profissões liberais. Basta aceitar que sua missão envolve mais do que
ensinar direito. Do autêntico mestre se aguarda transmita lições e prática
do respeito, da moral, da amizade, da tolerância e da compreensão.
O primeiro cânone ético do professor de Direito é conscientizar-se de
que, na cátedra, ele não é juiz, nem promotor, nem advogado ou qualquer
outro profissional do direito. Ele é professor, é alguém cuja incumbência
é formar um colega, é fazer com que os quadros jurídicos de reposição
sejam preparados com ciência e com ética.
Para desincumbir-se de um compromisso de tamanha abrangência, não
basta conhecer ética. Antes, é preciso acreditar na ética e viver
eticamente.
Tomar-se cada vez melhor professor não é impossível. Quem gosta de
ensinar ou aprecia o convívio com a juventude não encontrará
dificuldades em desobstruir os canais impeditivos de uma eficiente
transmissão do conhecimento.
Impregnando-se de consciência ética, o docente jurídico de imediato
reconhecerá que a escola de Direito deve formar bons profissionais,
tecnicamente preparados, mas, antes disso, deve preocupar-se com a
formação de cidadãos conscientes. A escola não pode se limitar a
transmitir algum conhecimento jurídico e lançar à competição do
mercado profissionais que encontram dificuldade nos exames da OAB,
demonstram resultados sofríveis nos concursos públicos às carreiras
forenses e, em sua imensa maioria, continuam a desempenhar as funções
e a ocupar os empregos anteriores à colação de grau. Ela também tem o
dever ético de tomar útil o diploma de Direito, de conscientizar o aluno
Exigências éticas também residem no compromisso de oferecer ao
educando não somente préstimos de ensino técnico, senão de orientação
moral, pois não há verdadeiro progresso se não houver progresso moral.
Mais do que um compilador de jurisprudência, alguém proficiente no
manuseio dos códigos e na assimilação da doutrina, o mundo precisa de
um jurista eticamente engajado num projeto de redenção de seus
semelhantes. O profissional do Direito é aquele que poderá fornecer
alternativas à violência, à competição, ao menosprezo à dignidade
79
vislumbrada para o século XXI: o desaparecimento da Universidade"150
Conclua-se ou não como esses autores, a Universidade vive uma crise. E
em Estado-Nação de desenvolvimento heterogêneo como o Brasil, uma
crise angustiante, pré-comatosa. "Mera fábrica de habilitações (Patricio
Randle), supermercado de guloseimas (Bernardino Montejano), a
Universidade dos nossos tempos, apoiada na cosmovisão da aparência,
abdicou, senão inteiramente, em muita parte, de sua autoridade moral e
intelectual, permitindo que, com um poder extraordinário, os meios de
comunicação ocupassem o espaço e a tarefa que à Universidade estavam
destinados pela sociedade que a nutre. Apartada da tradição de sua
cultura, alheia de uma filosofia que a pudesse alimentar, cerrada aos
problemas de seu tempo, a Universidade agoniza, faz-se moribunda,
pede um socorro que não se pode predizer chegue a ponto de recobrála"151.
sem vocação de que deverá procurar um curso compatível com suas
aptidões e de que aqueles que permanecerem deverão demonstrar paixão
pelo Direito.
As escolas, em geral, não estão educando para a vida. Transmitem
conhecimento de que o aluno não extrairá proveito em sua subsistência,
pois divorciado das exigências concretas postas à pessoa. Mas a escola, a
mantenedora, a Universidade, a Reitoria, a direção constituem realidades
abstratas para o aluno. A pessoa que, concretamente, ocupa o seu dia-adia é o professor. Este não pode deixar de se imbuir da responsabilidade
de alertar o educando de todos os desafios que encontrará a partir da
conclusão do curso. A relação que se estabelece entre professor e aluno é
pessoal, palpável e duradoura. Ela gera efeitos cuja qualidade está
condicionada ao senso crítico do docente. Dele depende tomar-se alguém
que exerça influência permanente sobre a formação do aluno, ou ocupar
sem convicção um lugar no professorado universitário.
A sociedade não se mostra satisfeita com sua Universidade. A própria
comunidade universitária também já não se aceita nos moldes como
funciona. Seus alunos não se conformam com o distanciamento entre as
necessidades do mundo e o acervo de conhecimentos que lhes é
transmitido. Seus professores vivenciam desalento, vendo o país
remunerar com generosidade os apresentadores de TV, os jogadores de
futebol, as dançarinas do sensualismo e a eles reservar uma carreira
medíocre, sem garantia de subsistência digna quando da aposentadoria.
Quem se dedica à pesquisa, depois de uma vida toda empenhada em
estudos e análises, não percebe o suficiente para sustentar uma velhice
digna. Não há estímulo para o estudo. Os prêmios para a cultura são
simbólicos. O Governo, em fase de enxugamento, pretende sacrificar
ainda mais as dotações para a Universidade.
Não se é professor compulsoriamente. O corpo docente da Faculdade de
Direito é integrado de profissionais competentes e pessoas idôneas em
suas carreiras. Embora o sistema esteja todo comprometido com a
inércia, a reforma do ensino jurídico pode partir de uma reforma da
consciência do professor. Ele poderá transformar o mundo se iniciar uma
conversão de sua consciência, pondo-a a serviço da formação integral do
jovem perante ele colocado.
1.7 A Ética da Universidade
Em substancioso texto, Ricardo Henry Marques Dip, educador por
excelência, analisa o que pode ser a morte da Universidade, ao ponderar:
"Quando autores de variada geografia e diversa doutrina falam, numa
linguagem comum e atual, na Universidade moribunda (Vargas Llosa),
na Universidade que agoniza (Alian Bloom), na Universidade que
reclama socorro para não morrer (Pierre Aubenque), parece que cabe
ver nesses alardes em uníssono uma perspectiva até então não
De situação tal não escapam nem as Universidades Católicas, nascidas
150
RICARDO HENRY MARQUES DIP, "Para a retificação do ensino jurídico no
Brasil", in Temas Atuais de Direito, edição comemorativa do Jubileu de Prata da
Academia Paulista de Direito, São Paulo: Ltr, coord. Milton Paulo de Carvalho, 1998,
p. 59.
151
RICARDO HENRY MARQUES DIP, "Para a retificação do ensino jurídico no
Brasil", cit., idem, p. 60.
80
no coração da Igreja e inseridas no sulco da tradição que remonta à
própria origem da Universidade como instituição, revelando-se sempre
um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o
bem da humanidade152.
no estudo do Direito. Ele também gerou uma cultura de qualidade total
no ensino, preocupando-se as mantenedoras em qualificar o pessoal
docente, em dotar as bibliotecas de elementos de consulta e em preparar
os alunos para as provas de avaliação.
A educação é necessidade a mais premente para um país de terceiro
mundo. O terceiro milênio será a era do saber, erigida sobre o capital
único do conhecimento. Essa constatação é um truísmo, reiterado e
recorrente em solenes proclamações. A implementação de um programa
consistente de educação para todos - sem contemplar idade, pois o
projeto ideal é continuado e para sempre - esbarra em alguns óbices de
índole ética.
Está em causa, todavia, algo muito mais relevante. A Universidade está
sendo chamada a uma contínua renovação, pois "está em causa o
significado 'da investigação científica e da tecnologia, da convivência
social, da cultura, mas, mais profundamente ainda, está em causa o
próprio significado do homem"157. Embora destinadas às instituições
católicas de ensino superior, as disposições contidas na Constituição
Apostólica de João Paulo II sobre as Universidades Católicas podem
representar um parâmetro seguro de atuação dos institutos de ensino
superior em um Estado-Nação como o Brasil.
A educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade153. A
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino154 permite o
desenvolvimento de significativo número de iniciativas. Nem todas
podem ser consideradas padrões éticos de instituições educacionais.
Toda Universidade, "enquanto Universidade, é uma comunidade
acadêmica que, dum modo rigoroso e crítico, contribui para a defesa e o
desenvolvimento da dignidade humana e para a herança cultural
mediante a investigação, o ensino e os diversos serviços prestados às
comunidades locais, nacionais e internacionais"158. Para bem
desempenhar sua tarefa, precisa de autonomia institucional e de garantia
de liberdade acadêmica preordenada à salvaguarda dos direitos do
indivíduo e da comunidade, no âmbito das exigências da verdade e do
bem comum159.
Aos proprietários de escolas precisa acudir a límpida admoestação de
Miguel Reale: "A educação tem, em verdade, como fim primordial
aformação e a realização da personalidade, o que significa a
constituição de um sujeito consciente de sua própria valia e, por
conseguinte, em condições de afirmar e salvaguardar sua própria
liberdade"155. Não há perversão em se obter lucro com educação.
Perverso é pensar apenas em lucro, em detrimento da excelência nos
sistemas de aprendizado e ensino.
que fixou as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico.
157
JOÃO PAULO 11, Alocução ao Congresso Internacional sobre as Universidades
Católicas, 25.04.1989, n.34, AAS-18, 1989, p. 1.218.
158
La Magna Charta delle Università Erupee, Bolonha, Itália, 18.09.1988, Princípios
Fundamentais.
159
CONCÍLIO VATICANO 11, Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et Spes., n.59, AAS-58, 1966, p.1.080, Gravissimum
educationis, n. 10, AAS-58, 1966, p. 737. Autonomia Institucional significa que o
governo de uma instituição acadêmica é e permanece interno à instituição. Liberdade
acadêmica é a garantia, dada a quantos se dedicam ao ensino e à investigação de, no
âmbito do seu campo específico de conhecimento e de acordo com os métodos próprios
de tal área, poder procurar a verdade em toda a parte onde a análise e a evidência as
O novo currículo jurídico156 representa significativa intenção de avanço
152
JOÃO PAULO II, Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas, de
15.08.1990.
153
Artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil.
154
Artigo 206, inciso m, da Constituição da República.
155
MIGUEL REALE, "Variações sobre a educação", O Estado de S. Paulo de 31.1
0.1998.
156
Portaria 1. 886, de 30.12.1994, do Ministro de Estado de Educação e do Desporto,
81
A consciência das finalidades de uma Universidade que pretenda
subsistir no terceiro milênio conduzirá a uma coesão de princípios, com o
trabalho em comunhão dos dirigentes, dos professores, dos alunos e do
pessoal administrativo. E a Universidade imbuída de sua
responsabilidade ética é solicitada a ser instrumento cada vez mais eficaz
de desenvolvimento cultural para os indivíduos e para a sociedade. "As
suas atividades de investigação, portanto, incluirão o estudo dos graves
problemas contemporâneos, como a dignidade da vida humana, a
promoção da justiça para todos, a qualidade da vida pessoal e familiar,
a proteção da natureza, a procura da paz e da estabilidade política, a
repartição mais equânime das riquezas do mundo e uma nova ordem
econômica e política, que sirva melhor a comunidade humana em nível
nacional e internacional. A investigação universitária será dirigida a
estudar em profundidade as raízes e as causas dos graves problemas do
nosso tempo, reservando atenção especial às suas dimensões éticas e
religiosas160.
destinada a reformar o mundo, assegurando a verdade que liberta e
promovendo a consecução dos objetivos nacionais rumo à edificação de
uma comunidade justa, fraterna e solidária. É da Universidade que
poderia provir a alternativa ao esvaziamento da cidadania, fenômeno
reiteradamente constatado por José Eduardo Faria: "... a simbiose entre a
erosão da ordem estatal e a conversão do mercado em árbitro das
decisões finais desarticula os mecanismos de formação das vontades
coletivas, mina a efetividade da ação redistributiva dos governos,
dissolve a distinção entre público e privado e esvazia o papel
transformador das práticas políticas. Como nesse contexto a cidadania
simplesmente se esvanece, ao impedir a democracia de assegurar
padrões mínimos de igualdade material e integração social, a simbiose
entre Estados fracos, governos impotentes e mercados cada vez mais
desregulamentados e autônomos também liquida todo um padrão ético e
todo um sistema de direitos construídos em torno de valores como o
respeito à dignidade humana e às liberdades públicas "162.
A responsabilidade ética da Universidade num Estado-Nação de miséria
crescente é de evidência palmar161. Essa a Instituição especificamente
Abandone-se a sua destinação episódica de legitimadora de requisitos
para o exercício profissional ou de mera mercadora de diplomas, para
assumir-se como instância privilegiada de repensamento do pacto social.
Afinal, a Universidade é a fábrica da educação. E a idéia da educação foi
concebida como "condição imprescindível para que a história, tal como
foi postulado pelo filósofo Benedetto Croce, seja efetivamente a façanha
da liberdade, fruto da educação, outrora momento inicial da formação
do homem e, já agora, exigência perene que acompanha o homem ao
longo de toda a sua existência. Vivemos, com efeito, num mundo tão
conduzam, e de poder ensinar e publicar os resultados de tal investigação, tendo
presentes os critérios de salvaguarda dos direitos do indivíduo e da comunidade, das
exigências da verdade e do bem comum.
160
JOÃO PAULO 11, Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas, cit.,
idem.
161
O relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento-BID, intitulado
Enfrentando a Desigualdade na América Latina, divulgado em novembro de 1998,
constata que a América Latina é a região do mundo que exibe a maior desigualdade de
renda e o Brasil é o campeão absoluto da categoria. Os 10% mais ricos do País detêm
47% da renda nacional, ou 58 vezes mais do que os lO% mais pobres. E o fenômeno
está intimamente vinculado à educação. O tempo da escolaridade entre os 10% mais
ricos é de 10,53 anos, enquanto entre os 10% mais pobres é de 1,98. Apenas 19%
dentre os mais pobres completam o curso primário. E quem são os mais ricos? São
principalmente empregados e profissionais que recebem uma alta taxa de retorno por
sua educação e experiência. As diferenças de escolaridade são transmitidas de uma
geração a outra pela família, pela transferência de recursos que os pais fazem quando
limitam seu consumo para pagar pela educação dos filhos, que gozarão dos benefícios
do capital humano acumulado no mercado de trabalho futuro. As informações
necessárias estão na página do BID da Internet - http:/ /www.iadb.org.
162
JOSÉ EDUARDO CAMPOS DE OLIVEIRA FARIA, O direito na economia
globalizada, Malheiros-Editorial Trotta, no prelo. A visão do sociólogo e Mestre da
USP é pessimista: "Por ironia, tudo isso vem ocorrendo justamente quando a
Declaração Universal dos Direitos do Homem, forjada como resposta simbólica às
barbáries da 2ª. Guerra, completa seu primeiro cinqüentenário. Com a exclusão social
trivializando o desrespeito sistemático de seus princípios, comprometendo o futuro
imediato das novas gerações por falta de oportunidades profissionais, tornando os
mecanismos representativos manipuláveis pela demagogia, pelo messianismo, pela
xenofobia e pelo cinismo, abrindo caminho para formas tardias de fascismo e levando
à banalização da violência autodefensiva por parte dos incluídos, há motivos para
alguma comemoração?".
82
marcado pelas constantes mudanças que, dia a dia, nos reciclamos, isto
é, nos educamos, tanto para enriquecimento interior como para nos
tornarmos aptos a viver com a virtude da contemporaneidade"163.
A Educação para o presente século, o século XXI, se assenta sobre
quatro pilares: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e
aprender a conhecer164. Na visão de Basarab Nicolescu, Presidente do
Centro Internacional de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares-CIRET,
"há uma transrelação que liga os quatro pilares do novo sistema de
educação e que tem sua origem em nossa própria constituição como
seres humanos. Uma educação só pode ser viável se for uma educação
integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta
do ser humano e não apenas a um de seus componentes"165. Depende de
toda a sociedade brasileira investir nesses quatro pilares, para converter a
Universidade em um centro de transformação do mundo, muito mais do
que um espaço fechado de diletantismo e esgrima entre intelectualidades
vaidosas.
A Universidade brasileira tem uma hipoteca a resgatar junto aos
excluídos. Se o não fizer, terá decretada a sua insolvência moral,
apressando o seu destino rumo ao nada, como antevêem não poucos
pensadores contemporâneos.
1.8 O futuro ético da Universidade
A comunidade foi despertada para a reivindicação participativa e tem
adquirido treino social progressivo. Já se reivindica mais, já se fiscaliza a
atuação do homem público e das instituições, já se cobram coerência e
transparência. Parece chegado o momento de inverter a perversa equação
reinante, traduzível por uma insensibilidade quanto à coisa pública,
considerada res nullius (coisa sem dono).
A educação do futuro precisa ser transdisciplinar. Estão superadas as
compartimentações. Antes da multiplicação preservada de formulações
medievais - esse o modelo universitário ainda vigente e reproduzido sem
criatividade - é mister oferecer um novo paradigma de ensino neste
século.
A Universidade poderá colher os frutos dessa participação consciente da
cidadania. A conquista de estágio mais condigno para a nação brasileira,
aspiração de um Estado de Direito de índole democrática, está
condicionada a um salto qualitativo na educação. E um projeto
consistente de educação integral se subordina à formação de quadros,
tarefa indelegável da Universidade.
Edgar Morin aceitou o desafio de aprofundar a visão transdisciplinar da
educação, atendendo a uma solicitação da UNESCO. Produziu um texto
instigante, que denominou Os Sete Saberes Necessários à Educação do
Futuro, e este pode ser um roteiro para os atuais estudiosos da questão
educacional.
A preocupação com uma educação mais consistente, otimizadora de seus
instrumentos e resultados, não é apenas brasileira. Mas o Brasil é um país
que necessita muito mais do que os outros de um tratamento sério para o
tema. Todos os males brasileiros residem na educação.
O primeiro dos saberes contempla as cegueiras do conhecimento: o erro
e a ilusão. Segundo o próprio Morin, "é impressionante que a educação
que visa a transmitir conhecimentos seja cega quanto ao que é o
conhecimento humano, seus dispositivos, enfermidades, dificuldades,
tendências ao erro e à ilusão, e não se preocupe em fazer conhecer o que
Miséria, exclusão, corrupção, maltrato da coisa pública, destruição da
natureza, violência, nada existe de ruim que não possa ser atribuível à
falência do projeto educativo de uma sociedade heterogênea.
163
164
Estes quatro pilares são aqueles indicados pelo Relatório Delors, assim chamado
pois coordenado por Jacques Delors, pela Comissão Internacional sobre a Educação
para o Século XXI. Ler Os sete saberes necessários à educação do futuro, Edgar
Morin, São Paulo/Brasília, Editora Cortez, Unesco, 2000, p. 11.
165
EDGAR MORlN, Os sete saberes, cit., idem, ibidem.
MIGUEL REALE, Variações sobre a educação, cit., idem, ibidem.
83
é conhecer"166.25 É essencial introduzir e desenvolver no processo
educacional o estudo das características mentais e culturais do
conhecimento, com vistas a evitar o erro ou a ilusão.
teoremas estão quase todos resolvidos. Mesmo assim, insiste-se em
submeter os alunos ao suplício de resolvê-los, assim como às equações e
logaritmos. Ainda existe preocupação com a memorização das fórmulas
químicas e com a classificação sintática das palavras e das expressões na
frase.
O segundo saber diz com os princípios do conhecimento pertinente. A
técnica da compartimentação na transmissão do conhecimento impede a
apreensão do conjunto, rompe o vínculo entre partes e totalidade.
Cumpre fazer com que sejam apreendidos os objetos em seu contexto,
sua complexidade e seu conjunto.
Será que isso contribui, efetivamente, para tornar o educando um ser
mais crítico, consciente e, a final, mais feliz?
A Escola precisa preparar para a vida. E a vida oferece mais imprevistos
do que o previsível. A Universidade repete o conhecimento já mastigado
e sedimentado, sem fornecer ao alunado as estratégias hábeis ao
enfrentamento do inesperado. Lembra Morin, "é preciso aprender a
navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de
certeza"168. E completa: "Afórmula do poeta grego Eurípedes, que data
de vinte e cinco séculos, nunca foi tão atual: o esperado não se cumpre,
e ao inesperado um deus abre o caminho. O abandono das concepções
deterministas da história humana, que acreditavam poder predizer nosso
futuro, o estudo dos grandes acontecimentos e desastres de nosso século,
todos inesperados, o caráter doravante desconhecido da aventura
humana devem-nos incitar a preparar as mentes para esperar o
inesperado, para enfrentá-lo. É necessário que todos os que se ocupam
da educação constituam a vanguarda ante a incerteza de nossos
tempos"169.
Como terceiro saber está o ensino da condição humana. "O ser humano é
a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico. Esta
unidade complexa da natureza humana é totalmente desintegrada na
educação por meio das disciplinas, tendo-se tornado impossível
aprender o que significa ser humano"167. Investindo nesse saber,
capacitar-se-á o indivíduo a reconhecer a unidade e a complexidade
humana. O ser educando poderá, a partir dele, tomar consciência de sua
identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros
humanos.
Ensinar a identidade terrena é o objeto do quarto saber. A chamada
globalização, que teve início muito antes do que se convém afirmar, mas
já existia no século XVI, deve ser encarada sob a ótica da solidariedade.
A humanidade partilha de um destino comum. Basta examinar as
agressões causadas à natureza. O efeito estufa não interessa apenas aos
mais agressivos dentre os emissores de carbono. O suicídio da
humanidade é obra coletiva e ninguém se salvará sozinho se a Terra vier
a perecer.
O sexto saber é o ensino da compreensão. Embora sendo meio e fim da
comunicação humana, a compreensão é ignorada pela educação
convencional. Dela apenas se ocupam as confissões religiosas e essa
transmissão é considerada propagandística, vinculada a objetivos
salvíficos e, como regra, pouco respeitada pela comunidade científica.
Adverte Edgar Morin que "o planeta necessita, em todos os sentidos, de
compreensão mútua"170. Sem compreensão não haverá espaço para a
O quinto saber é enfrentar as incertezas. Se as ciências permitem que
tenhamos hoje muitas certezas, ainda perduram as zonas de incerteza.
Nossa educação tradicional se preocupa com a transmissão das certezas e
se descuida de abordar as incertezas. Estas são muito maiores. Os
168
EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 16.
EDGAR MORIN, op. cit., idem, ibidem.
170
EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 17.
166
169
EDGAR MORlN, op. cit., idem, p. 13-14.
167
EDGAR MORIN, op. cit., idem, p. 14-15.
84
verdadeira democracia, nem para a edificação de uma sociedade menos
iníqua. Para haver compreensão, haverá necessidade de reforma de
mentalidades. Este um dos principais objetivos da educação do presente.
individuais, das participações comunitárias e da consciência de pertença
à espécie humana, a mais nobre dentre as criadas.
Uma Universidade fundada sobre os quatro pilares e empenhada em
desenvolver esses novos saberes será um laboratório de vida democrática
e uma usina produtora da compreensão. O campo está aberto para tentar
essa nova utopia. Há lugar para isso. Não apenas porque o projeto de
expansão educacional promovido pelas autoridades brasileiras acredita
num processo de decantação natural, com futura sobrevivência das boas
escolas e sufocamento das más, todavia por um outro motivo mais
profundo.
À compreensão só se chegará se houver conhecimento mais preciso do
que é a incompreensão. Mergulhando no estudo das causas e raízes da
incompreensão humana, saber-se-á imunizar o homem contra o
preconceito, o racismo, a xenofobia, o desprezo, a indiferença, a
insensibilidade. Haverá, com isso, condições mais propícias para o
reconhecimento do outro, de seu espaço e de seus direitos, um dos
dramas da vida democrática. Conhecendo-se a incompreensão e suas
causas, estar-se-á educando para a paz, destino ao qual a humanidade
precisa estar vinculada, por essência e ínsita destinação.
É que as utopias estão na moda. Estão sendo revigoradas. "Normalmente
a mudança de idéias precede as mudanças sociais, não o contrário.
Assim, uma descoberta científica acontece às vezes por acaso, mas uma
visão nova (uma revolução científica, no dizer de Thomas Kuhn) anterior
tornou-a possível. ( ... ) Deste modo, é possível definir o sentido atual de
utopia. Antes de ser o produto de uma mente genial trancada em um
gabinete, ela é resposta a uma situação e a um problema comum, ela é
uma aspiração partilhada"172.
O último dos saberes é o mais importante para estas reflexões, pois
incide sobre a ética do gênero humano. Explica-o, com palavras muito
lúcidas, o formulador Edgar Morin: "A educação deve conduzir à
antropo-ética, levando em conta o caráter ternário da condição humana,
que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a
ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo
indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética
indivíduo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre"171
Essa aspiração partilhada já está disseminada. Todos os seres lúcidos se
preocupam com a Universidade brasileira, com suas falhas e suas
carências. Divide-se, no sentido exato de partilha, o sonho de uma
Universidade essencialmente ética. A etapa essencial é a primeira.
Depois dela, inexoravelmente, virá o agir.
A educação ética é a alternativa mais eficaz de tomar cada indivíduo um
zeloso controlador da vida democrática. O melhor termômetro dos
índices democráticos é a vigilância ativa por parte de uma cidadania
consciente. Não se ensinará tal ética apenas mediante lições de moral.
Será mais eficiente semeá-la nas mentes juvenis - não necessariamente
juvenis em termos cronológicos, mas em vista da vontade de transformar
o mundo - com fundamentos na consciência de que o homem não é um
ser uno e isolado. Cada homem é, simultaneamente, indivíduo, cidadão e
parcela da espécie. A tríplice realidade impõe um desenvolvimento
também complexo. O desenvolvimento verdadeiramente humano precisa
abranger o crescimento em plenitude e conjunto das autonomias
BRASIL. OAB FEDERAL. Código de ética e disciplina
da OAB. Brasília: OAB, 13/02/1995.
CÓDIGO DE ÉTICA EH DISCIPLINA DA OAB
O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao
172
171
PHILIPPE J. BERNARD, Perversões da utopia moderna, Bauru-SP, EDUSC, 2000,
p. XVI.
EDGAR MORIN, op. cit., idem, ibidem.
85
instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a
consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais
como: os de lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da
Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão,
em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum;
ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais;
proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos do seu
oficio; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao
constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus
legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez,
defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o
indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo
que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social do seu trabalho; aprimorarse no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tomar-se
merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos
intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de
bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe.
II - atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade,
dignidade e boa-fé;
III - velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV - empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;
V - contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis;
VI - estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a
instauração de litígios;
VII - aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial;
VIII - abster-se de:
a) utilizar de influência indevida, em seu beneficio ou do cliente;
Inspirado nesses postulados é que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelos arts. 33 e 54, V, da Lei n°
8.906, de 04 de julho de 1994, aprova e edita este Código, exortando os advogados
brasileiros à sua fiel observância.
b) patrocinar interesses ligados a outras atividades estranhas à advocacia, em que
também atue;
c) vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso;
TÍTULO I
DA ÉTICA DO ADVOGADO
d) emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a
dignidade da pessoa humana;
CAPÍTULO I
DAS REGRAS DEONTOLÓGICAS FUNDAMENTAIS
e) entender-se diretamente com a parte adversa que tenha patrono constituído, sem o
assentimento deste.
Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste
Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais
princípios da moral individual, social e profissional.
IX - pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos
individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade.
Art. 20 O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado
democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social,
subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que
exerce.
Art. 3° O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as
desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para
garantir a igualdade de todos.
Art. 4° O advogado vinculado ao cliente ou constituinte, mediante relação empregatícia
ou por contrato de prestação permanente de serviços, integrante de departamento
jurídico, ou órgão de assessoria jurídica, público ou privado, deve zelar pela sua
liberdade e independência.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I - preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando
pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
86
Parágrafo único. É legítima a recusa, pelo advogado, do patrocínio de pretensão
concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie expressa
orientação sua, manifestada anteriormente.
advogado de receber o quanto lhe seja devido em eventual verba honorária de
sucumbência, calculada proporcionalmente, em face do serviço efetivamente prestado.
Art. 15. O mandato judicial ou extrajudicial deve ser outorgado individualmente aos
advogados que integrem sociedade de que façam parte, e será exercido no interesse do
cliente, respeitada a liberdade de defesa.
Art. 5° O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de
mercantilização.
Art. 6° É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a
verdade ou estribando-se na má-fé.
Art. 16. O mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo,
desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no
interesse da causa.
Art. 7° É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou
indiretamente, inculcação ou captação de clientela.
Art. 17. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em
caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar em juízo clientes
com interesses opostos.
CAPÍTULO II
DAS RELAÇÕES COM O CLIENTE
Art. 18. Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando
acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento, optará o advogado
por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional.
Art. 8° O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a
eventuais riscos da sua pretensão, e das conseqüências que poderão advir da demanda.
Art. 19. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou exempregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissional e as
informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.
Art. 9° A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga
o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do
mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações
solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.
Art. 10. Concluída a causa ou arquivado o processo, presumem-se o cumprimento e a
cessação do mandato.
Art. 20. O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral ou à
validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta;
da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido convidado
pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido seu parecer.
Art. 11. O advogado não deve aceitar procuração de quem já tenha patrono constituído,
sem prévio conhecimento deste, salvo por motivo justo ou para adoção de medidas
judiciais urgentes e inadiáveis.
Art. 21. É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua
própria opinião sobre a culpa do acusado.
Art. 12. O advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem
motivo justo e comprovada ciência do constituinte.
Art. 22. O advogado não é obrigado a aceitar a imposição de seu cliente que pretenda
ver com ele atuando outros advogados, nem aceitar a indicação de outro profissional
para com ele trabalhar no processo.
Art. 13. A renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da
responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante o prazo
estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos causados dolosa
ou culposamente aos clientes ou a terceiros.
Art. 23. É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como
patrono e preposto do empregador ou cliente.
Art. 24. O substabelecimento do mandato, com reserva de poderes, é ato pessoal do
advogado da causa.
Art. 14. A revogação do mandato judicial por vontade do cliente não o desobriga do
pagamento das verbas honorárias contratadas, bem como não retira o direito do
87
§f6. O substabelecimento do mandato sem reservas de poderes exige o prévio e
inequívoco conhecimento do cliente.
§2° Especialidades são os ramos do Direito, assim entendidos pelos doutrinadores ou
legalmente reconhecidos.
§2° O substabelecido com reserva de poderes deve ajustar antecipadamente seus
honorários com o substabelecente.
§3° Correspondências, comunicados e publicações, versando sobre constituição,
colaboração, composição e qualificação de componentes de escritório e especificação
de especialidades profissionais, bem como boletins informativos e comentários sobre
legislação, somente podem ser fornecidos a colegas, clientes, ou pessoas que os
solicitem ou os autorizem previamente.
CAPÍTULO III
DO SIGILO PROFISSIONAL
§4° O anúncio de advogado não deve mencionar, direta ou indiretamente, qualquer
cargo, função pública ou relação de emprego e patrocínio que tenha exercido, passível
de captar clientela.
Art. 25. O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo
grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo
próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito
ao interesse da causa.
§5° O uso das expressões "escritório de advocacia" ou "sociedade de advogados" deve
estar acompanhado da indicação de número de registro na OAB ou do nome e do
número de inscrição dos advogados que o integrem.
Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que
saiba em razão de seu oficio, cabendo-lhe recusar-se a depor como testemunha em
processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de
quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que autorizado ou solicitado pelo
constituinte.
§6° O anúncio, no Brasil, deve adotar o idioma português, e, quando em idioma
estrangeiro, deve estar acompanhado da respectiva tradução.
Art. 27. As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos
limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo constituinte.
Art. 30. O anúncio sob a forma de placas, na sede profissional ou na residência do
advogado, deve observar discrição quanto ao conteúdo, forma e dimensões, sem
qualquer aspecto mercantilista, vedada a utilização de "outdoor" ou equivalente.
Parágrafo único. Presumem-se confidenciais as comunicações epistolares entre
advogado e cliente, as quais não podem ser reveladas a terceiros.
Art. 31. O anúncio não deve conter fotografias, ilustrações, cores, figuras, desenhos,
logotipos, marcas ou símbolos incompatíveis com a sobriedade da advocacia, sendo
proibido o uso dos símbolos oficiais e dos que sejam utilizados pela Ordem dos
Advogados do Brasil.
CAPÍTULO IV DA PUBLICIDADE
Art. 28. O advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou
coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa,
vedada a divulgação em conjunto com outra atividade.
§1° São vedadas referências a valores dos serviços, tabelas, gratuidade ou forma de
pagamento, termos ou expressões que possam iludir ou confundir o público,
informações de serviços jurídicos suscetíveis de implicar, direta ou indiretamente,
captação de causa ou clientes, bem como menção ao tamanho, qualidade e estrutura da
sede profissional.
Art. 29. O anúncio deve mencionar o nome completo do advogado e o número da
inscrição na OAB, podendo fazer referência a títulos ou qualificações profissionais,
especialização técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços, horário
do expediente e meios de comunicação, vedadas a sua veiculação pelo rádio e televisão
e a denominação de fantasia.
§2° Considera-se imoderado o anúncio profissional do advogado mediante remessa de
correspondência a uma coletividade, salvo para comunicar a clientes e colegas a
instalação ou mudança de endereço, a indicação expressa do seu nome e escritório em
partes externas de veículo, ou a inserção de seu nome em anúncio relativo a outras
atividades não advocatícias, faça delas parte ou não.
§1 ° Títulos ou qualificações profissionais são os relativos à profissão de advogado,
conferidos por universidades ou instituições de ensino superior, reconhecidas.
88
Art. 32. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio,
de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para
manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos,
educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados
pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.
que foi ajustado na aceitação da causa.
Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e
forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado
evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter
sensacionalista.
§3° A forma e as condições de resgate dos encargos gerais, judiciais e extrajudiciais,
inclusive eventual remuneração de outro profissional, advogado ou não, para
desempenho de serviço auxiliar ou complementar técnico e especializado, ou com
incumbência pertinente fora da Comarca, devem integrar as condições gerais do
contrato.
§2° A compensação ou o desconto dos honorários contratados e de valores que devam
ser entregues ao constituinte ou cliente só podem ocorrer se houver prévia autorização
ou previsão contratual.
Art. 33. O advogado deve abster-se de:
Art. 36 - Os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, atendidos os
elementos seguintes:
I - responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios de
comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;
I - a relevância, o vulto, a complexidade e a dificuldade das questões versadas;
II - debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio ou patrocínio
de colega;
II - o trabalho e o tempo necessários;
III - abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que
o congrega;
III - a possibilidade de ficar o advogado impedido de intervir em outros casos, ou de se
desavir com outros clientes ou terceiros;
IV - divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas; V - insinuarse para reportagens e declarações públicas.
IV - o valor da causa, a condição econômica do cliente e o proveito para ele resultante
do serviço profissional;
Art. 34. A divulgação pública, pelo advogado, de assuntos técnicos ou jurídicos de que
tenha ciência em razão do exercício profissional como advogado constituído, assessor
jurídico ou parecerista, deve limitar-se a aspectos que não quebrem ou violem o
segredo ou o sigilo profissional.
V - o caráter da intervenção, conforme se trate de serviço a cliente avulso, habitual ou
permanente;
VI - o lugar da prestação dos serviços, fora ou não do domicílio do advogado; VII - a
competência e o renome do profissional;
CAPÍTULO V
DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS
VIII - a praxe do foro sobre trabalhos análogos.
Art. 35. Os honorários advocatícios e sua eventual correção, bem como sua majoração
decorrente do aumento dos atos judiciais que advierem como necessários, devem ser
previstos em contrato escrito, qualquer que seja o objeto e o meio da prestação do
serviço profissional, contendo todas as especificações e forma de pagamento, inclusive
no caso de acordo.
Art. 37. Em face da imprevisibilidade do prazo de tramitação da demanda, devem ser
delimitados os serviços profissionais a se prestarem nos procedimentos preliminares,
judiciais ou conciliatórios, a fim de que outras medidas, solicitadas ou necessárias,
incidentais ou não, diretas ou indiretas, decorrentes da causa, possam ter novos
honorários estimados, e da mesma forma receber do constituinte ou cliente a
concordância hábil.
§1° Os honorários da sucumbência não excluem os contratados, porém devem ser
levados em conta no acerto final com o cliente ou constituinte, tendo sempre presente o
Art. 38. Na hipótese da adoção de cláusula quota litis, os honorários devem ser
89
necessariamente representados por pecúnia e, quando acrescidos dos de honorários da
sucumbência, não podem ser superiores às vantagens advindas em favor do constituinte
ou do cliente.
Art. 46. O advogado, na condição de defensor nomeado, conveniado ou dativo, deve
comportar-se com zelo, empenhando-se para que o cliente se sinta amparado e tenha a
expectativa de regular desenvolvimento da demanda.
Parágrafo único. A participação do advogado em bens particulares de cliente,
comprovadamente sem condições pecuniárias, só é tolerada em caráter excepcional, e
desde que contratada por escrito.
CAPÍTULO VII
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 47. A falta ou inexistência, neste Código, de definição ou orientação sobre questão
de ética profissional, que seja relevante para o exercício da advocacia ou dele advenha,
enseja consulta e manifestação do Tribunal de Ética e Disciplina ou do Conselho
Federal.
Art. 39. A celebração de corremos para prestação de serviços jurídicos com redução dos
valores estabelecidos na Tabela de Honorários implica captação de clientes ou causa,
salvo se as condições peculiares da necessidade e dos carentes puderem ser
demonstradas com a devida antecedência ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina,
que deve analisar a sua oportunidade.
Art. 48. Sempre que tenha conhecimento de transgressão das normas deste Código, do
Estatuto, do Regulamento Geral e dos Provimentos, o Presidente do Conselho
Seccional, da Subseção, ou do Tribunal de Ética e Disciplina deve chamar a atenção do
responsável para o dispositivo violado, sem prejuízo da instauração do competente
procedimento para apuração das infrações e aplicação das penalidades cominadas.
Art. 40. Os honorários advocatícios devidos ou fixados em tabelas no regime da
assistência judiciária não podem ser alterados no quantum estabelecido; mas a verba
honorária decorrente da sucumbência pertence ao advogado.
Art. 41. O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais,
não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de
Honorários, salvo motivo plenamente justificável.
TÍTULO II
DO PROCESSO DISCIPLINAR
CAPÍTULO I
DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA
Art. 42. O crédito por honorários advocatícios, seja do advogado autônomo, seja de
sociedade de advogados, não autoriza o saque de duplicatas ou qualquer outro título de
crédito de natureza mercantil, exceto a emissão de fatura, desde que constitua exigência
do constituinte ou assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de
protesto.
Art. 49. O Tribunal de Ética e Disciplina é competente para orientar e aconselhar sobre
ética profissional, respondendo às consultas em tese, e julgar os processos disciplinares.
Parágrafo único. O Tribunal reunir-se-á mensalmente ou em menor período, se
necessário, e todas as sessões serão plenárias.
Art. 43. Havendo necessidade de arbitramento e cobrança judicial dos honorários
advocatícios, deve o advogado renunciar ao patrocínio da causa, fazendo-se representar
por um colega.
Art. 50. Compete também ao Tribunal de Ética e Disciplina:
CAPÍTULO VI
DO DEVER DE URBANIDADE
I - instaurar, de oficio, processo competente sobre ato ou matéria que considere passível
de configurar, em tese, infração a princípio ou norma de ética profissional;
Art. 44. Deve o advogado tratar o público, os colegas, as autoridades e os funcionários
do Juízo com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento e zelando
pelas prerrogativas a que tem direito.
II - organizar, promover e desenvolver cursos, palestras, seminários e discussões a
respeito de ética profissional, inclusive junto aos Cursos Jurídicos, visando à formação
da consciência dos futuros profissionais para os problemas fundamentais da Ética;
Art. 45. Impõe-se ao advogado lhaneza, emprego de linguagem escorreita e polida,
esmero e disciplina na execução dos serviços.
III - expedir provisões ou resoluções sobre o modo de proceder em casos previstos nos
regulamentos e costumes do foro;
90
IV - mediar e conciliar nas questões que envolvam:
presente a substituta na audiência:173 (NR)
a) dúvidas e pendências entre advogados;
§3° O relator pode determinar a realização de diligências que julgar convenientes. §4°
Concluída a instrução, será aberto o prazo sucessivo de 15 (quinze) dias para a
apresentação de razões finais pelo interessado e pelo representado, após a juntada da
última intimação.
b) partilha de honorários contratados em conjunto ou mediante substabelecimento, ou
decorrente de sucumbência;
§5° Extinto o prazo das razões finais, o relator profere parecer preliminar, a ser
submetido ao Tribunal.
c) controvérsias surgidas quando da dissolução de sociedade de advogados.
CAPÍTULO II
DOS PROCEDIMENTOS
Art. 53. O Presidente do Tribunal, após o recebimento do processo devidamente
instruído, designa relator para proferir o voto.
Art. 51. O processo disciplinar instaura-se de oficio ou mediante representação dos
interessados, que não pode ser anônima.
§1º O processo é inserido automaticamente na pauta da primeira sessão de julgamento,
após o prazo de 20 (vinte) dias de seu recebimento pelo Tribunal, salvo se o relator
determinar diligências.
§1° Recebida a representação, o Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção,
quando esta dispuser de Conselho, designa relator um de seus integrantes, para presidir
a instrução processual.
§2° O representado é intimado pela Secretaria do Tribunal para a defesa oral na sessão,
com 15 (quinze) dias de antecedência.
§2° O relator pode propor ao Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção o
arquivamento da representação, quando estiver desconstituída dos pressupostos de
admissibilidade.
§3° A defesa oral é produzida na sessão de julgamento perante o Tribunal, após o voto
do relator, no prazo de 15 (quinze) minutos, pelo representado ou por seu advogado.
Art. 54. Ocorrendo a hipótese do art. 70, 3, do Estatuto, na sessão especial designada
pelo Presidente do Tribunal, são facultadas ao representado ou ao seu defensor a
apresentação de defesa, a produção de prova e a sustentação oral, restritas, entretanto, à
questão do cabimento, ou não, da suspensão preventiva.
§3° A representação contra membros do Conselho Federal e Presidentes dos Conselhos
Seccionais é processada e julgada pelo Conselho Federal.
Art. 52. Compete ao relator do processo disciplinar determinar a notificação dos
interessados para esclarecimentos, ou do representado para a defesa prévia, em qualquer
caso no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 55. O expediente submetido à apreciação do Tribunal é autuado pela Secretaria,
registrado em livro próprio e distribuído às Seções ou Turmas julgadoras, quando
houver.
§1° Se o representado não for encontrado ou for revel, o Presidente do Conselho ou da
Subseção deve designar-lhe defensor dativo.
Art. 56. As consultas formuladas recebem autuação em apartado, e a esse processo são
designados relator e revisor, pelo Presidente.
§2° Oferecida a defesa prévia, que deve estar acompanhada de todos os documentos e o
rol de testemunhas, até o máximo de cinco, é proferido o despacho saneador e,
ressalvada a hipótese do § 2° do artigo 73 do Estatuto, designada, se reputada
necessária, a audiência para oitiva do interessado, do representado e das testemunhas. O
interessado e o representado deverão incumbir-se do comparecimento de suas
testemunhas, a não ser que prefiram suas intimações pessoais, o que deverá ser
requerido na representação e na defesa prévia. As intimações pessoais não serão
renovadas em caso de não-comparecimento, facultada a substituição de testemunhas, se
§f6 O relator e o revisor têm prazo de dez (10) dias, cada um, para elaboração de seus
173
Modificação aprovada nos termos da Proposição 0042/2002/COP, julgada pelo
Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB, na Sessão Ordinária do dia 09 de
dezembro de 2002, publicada no Diário da Justiça do dia 03.02.2003, página 574, Seção
1.
91
pareceres, apresentando-os na primeira sessão seguinte, para julgamento.
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
§2° Qualquer dos membros pode pedir vista do processo pelo prazo de uma sessão e
desde que a matéria não seja urgente, caso em que o exame deve ser procedido durante
a mesma sessão. Sendo vários os pedidos, a Secretaria providencia a distribuição do
prazo, proporcionalmente, entre os interessados.
Art. 62. O Conselho Seccional deve oferecer os meios e suporte imprescindíveis para o
desenvolvimento das atividades do Tribunal.
Art. 63. O Tribunal de Ética e Disciplina deve organizar seu Regimento Interno, a ser
submetido ao Conselho Seccional e, após, ao Conselho Federal.
§3° Durante o julgamento e para dirimir dúvidas, o relator e o revisor, nessa ordem, têm
preferência na manifestação.
Art. 64. A pauta de julgamentos do Tribunal é publicada em órgão oficial e no quadro
de avisos gerais, na sede do Conselho Seccional, com antecedência de 07 (sete) dias,
devendo ser dada prioridade nos julgamentos para os interessados que estiverem
presentes.
§4° O relator permitirá aos interessados produzir provas, alegações e arrazoados,
respeitado o rito sumário atribuído por este Código.
§5° Após o julgamento, os autos vão ao relator designado ou ao membro que tiver
parecer vencedor para lavratura de acórdão, contendo ementa a ser publicada no órgão
oficial do Conselho Seccional.
Art. 65. As regras deste Código obrigam igualmente as sociedades de advogados e os
estagiários, no que lhes forem aplicáveis.
Art. 66. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data de sua
publicação, cabendo aos Conselhos Federal e Seccionais e às Subseções da OAB
promover a sua ampla divulgação, revogadas as disposições em contrário.
Art. 57. Aplica-se ao funcionamento das sessões do Tribunal o procedimento adotado
no Regimento Interno do Conselho Seccional.
Art. 58. Comprovado que os interessados no processo nele tenham intervindo de modo
temerário, com sentido de emulação ou procrastinação, tal fato caracteriza falta de ética
passível de punição.
Brasília - DF, 13 de fevereiro de 1995.
Art. 59. Considerada a natureza da infração ética cometida, o Tribunal pode suspender
temporariamente a aplicação das penas de advertência e censura impostas, desde que o
infrator primário, dentro do prazo de 120 dias, passe a freqüentar e conclua,
comprovadamente, curso, simpósio, seminário ou atividade equivalente, sobre Ética
Profissional do Advogado, realizado por entidade de notória idoneidade.
(Comissão Revisora: Licínio Leal Barbosa, Presidente; Robison Baroni, Secretário e
Subrelator; Nilzardo Carneiro Leão, José Cid Campelo e Sérgio Ferraz, Membros)
José Roberto Batochio Presidente Modesto Carvalhosa Relator
BRASIL. OAB FEDERAL. Estatuto da advocacia e da
OAB. Brasília: OAB, 13/02/1995.
Art. 60. Os recursos contra decisões do Tribunal de Ética e Disciplina, ao Conselho
Seccional, regem-se pelas disposições do Estatuto, do Regulamento Geral e do
Regimento Interno do Conselho Seccional.
ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB
Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994174
Parágrafo único. O Tribunal dará conhecimento de todas as suas decisões ao Conselho
Seccional, para que determine periodicamente a publicação de seus julgados.
Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do
Brasil- OAB
Art. 61. Cabe revisão do processo disciplinar, na forma prescrita no art. 73, inciso 5°, do
Estatuto.
CAPÍTULO III
174
92
Publicada no Diário Oficial, de 5 de julho de 1994, Seção 1, p. 10.093-10.099.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Art. 2° 0 advogado é indispensável à administração da justiça.
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:
> Ver Provimento n° 9712002 - Constitui infra-estrutura de Chaves
Públicas da OAB.
TÍTULO I DA ADVOCACIA
CAPÍTULO I
DA ATIVIDADE DE ADVOCACIA175
§ l° No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e
exerce função social.
§ 2° No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de
decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e
seus atos constituem múnus público.
Art. l° São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados
especiais176
§ 3° No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e
manifestações, nos limites desta Lei.
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Art. 3° 0 exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a
denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB.
§ l° Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de
habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.
> Ver Provimento n° 37/69 - Inscrição de advogados portugueses;
§ 2° Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de
nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes,
quando visados por advogados.
> Ver Provimento n° 9112000 - Dispõe sobre o exercício da atividade de
consultores e sociedade de consultores em direito estrangeiro no Brasil.
> Ver art. 2°, parágrafo único do Regulamento Geral; Provimento n°
49/81.
§ l° Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei,
além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da
Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da
Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades
de administração indireta e fundacional.
§ 3° É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra
atividade.
> Ver Provimento n° 9412000 - Regula publicidade e propaganda da
advocacia.
> Ver Lei n° 9.527, de 10.12.97 (Nota 13 no CAPÍTULO V
175
Ver Provimento n° 66/88 - Abrangência das atividades do advogado; ver também o
art. S' do Regulamento Geral - Efetivo exercício da advocacia.
176
ADIn n° 1.127-8. O STF reconheceu a constitucionalidade do dispositivo, mas
excluiu sua aplicação aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à
Justiça de Paz. Neles, a parte pode postular diretamente.
§ 2° O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os
atos previstos no art. 1°, na forma do Regulamento Geral, em conjunto
com advogado e sob responsabilidade deste.
93
> Ver arts. 37 e seguintes do Regulamento Geral
Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os
serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da
profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e
condições adequadas a seu desempenho.
Art.4°São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa
não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e
administrativas.
Art. 7°São direitos do advogado:
Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado
impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que
passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.
I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
II - ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo
profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de
seus arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações,
inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão
determinada por magistrado e acompanhada de representante da
OAB;178
Art. 5° 0 advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do
mandato.
§ 1° O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração,
obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por
igual período.
III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo
sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos
em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados
incomunicáveis;
§ 2° A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar
todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exija
m poderes especiais.
IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em
flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para
lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais
casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;179
> Ver art. 6° do Regulamento Geral.
§ 3° O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez
dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo
se for substituído antes do término desse prazo.
V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado,
senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades
condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS DO ADVOGAD0177
Art. 6° Não há hierarquia nem subordinação entre advogados,
magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se
com consideração e respeito recíprocos.
178
ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em
medida liminar.
179
ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em
medida liminar.
177
Ver arts. 15 e seguintes do Regulamento Geral - Defesa de direitos e prerrogativas;
Provimento n° 48/81 - Normas gerais pertinentes a direitos e prerrogativas.
94
domiciliar; 180
prazo maior for concedido;181
VI - ingressar livremente:
X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, mediante
intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em
relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento,
bem como para replicar acusação ou censura que lhe forem feitas;
a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que
separam a parte reservada aos magistrados;
XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo,
tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei,
regulamento ou regimento;
b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios
de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e
prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da
presença de seus titulares;
XII - falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação
coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou
outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova
ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do
expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente
qualquer servidor ou empregado;
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo,
ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em
andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a
sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;
d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa
participar o seu cliente, ou perante a qual este deve comparecer, desde
que munido de poderes especiais;
XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração,
autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
VII - permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais
indicados no inciso anterior, independentemente de licença;
XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer
natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos
prazos legais;
VIII - dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de
trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra
condição, observando-se a ordem de chegada;
XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo
prazo de dez dias;
IX - sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo,
nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância
judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se
XVII - ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da
profissão ou em razão dela;
180
181
ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em
medida liminar.
ADIn n° 1.105-7. A eficácia de todo o dispositivo foi suspensa pelo STF, em medida
liminar.
95
difamação ou desacato183 puníveis qualquer manifestação de sua parte,
no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das
sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.
> Ver arts. 18 e 19 do Regulamento Geral - Procedimento do Desagravo
Público.
XVIII - usar os símbolos privativos da profissão de advogado;
> Ver Provimento n° 8/64 - Vestes tal ares e insígnias privativas do
advogado.
§ 3° O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de
exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o
disposto no inciso IV deste artigo.184
XIX - recusar-se a depor como testemunha em processo no qual
funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de
quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo
constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional;
§ 4° O Poder Judiciário e o Poder Executivo devem instalar, em todos os
juizados, fóruns, tribunais delegacias de polícia e presídios, salas
especiais permanentes para os advogados, com uso e controle185
assegurados à OAB.
XX - retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato
judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não
tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante
comunicação protocolizada em juízo.
§ 5° No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou
de cargo ou função de órgão da OAB, o conselho competente deve
promover o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da
responsabilidade criminal em que incorrer o infrator.
CAPÍTULO III
DA INSCRIÇÃO186
§ 1° Não se aplica o disposto nos incisos XV e XVI:
1) aos processos sob regime de segredo de justiça;
Art. 8°Para inscrição como advogado é necessário:
2) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração
ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos
no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em
despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a
requerimento da parte interessada;
I - capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição
de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
3) até o encerramento do processo, ao advogado que houver deixado de
devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de
intimado.182
III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
183
ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em
medida liminar.
184
ADIn n° 1.127-8. O STF atribuiu a interpretação de que o dispositivo não abrange o
crime de desacato à autoridade judicial.
185
ADIn n° 1.127-8. A eficácia da expressão foi suspensa pelo STF, em medida
liminar.
186
Ver arts. 20 e seguintes do Regulamento Geral.
§ 2° O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria,
182
ADIn n° 1.127 -8. A eficácia da expressão destacada foi suspensa pelo STF, em
medida liminar.
96
IV - aprovação em Exame de Ordem;
art. 80; II - ter sido admitido em estágio profissional de advocacia.
V - não exercer atividade incompatível com a advocacia; VI - idoneidade
moral;
§ 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos,
realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas
respectivas instituições de ensino superior, pelos Conselhos da OAB, ou
por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela
OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e
Disciplina.
VII - prestar compromisso perante o Conselho.
§ 1º O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho
Federal da OAB.
§ 20 A inscrição do estagiário é feita no Conselho Seccional em cujo
território se localize seu curso jurídico.
> Ver Provimentos nos 81/96 - Dispõe sobre o Exame de Ordem, 53/82 Manutenção de inscrição de integrantes do Ministério Público e 72/90 Dispõe sobre certidões destinadas a inscrição de advogados em entidades
congêneres no exterior.
§ 30 O aluno de curso jurídico que exerça atividade incompatível com a
advocacia pode freqüentar o estágio ministrado pela respectiva
instituição de ensino superior, para fins de aprendizagem, vedada a
inscrição na OAB.
§ 20 O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no
Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição
estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais
requisitos previstos neste artigo.
§ 4° O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito
que queira se inscrever na Ordem.
Art. 10. A inscrição principal do advogado deve ser feita no Conselho
Seccional em cujo território pretende estabelecer o seu domicílio
profissional, na forma do Regulamento Geral.
> Ver Provimento n° 9112000 - Exercício da atividade de consultores e
sociedades de consultores em direito estrangeiro.
§ 30 A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser
declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos
de todos os membros do conselho competente, em procedimento que
observe os termos do processo disciplinar.
> Ver arts. 20 e seguintes do Regulamento Geral.
§ 1° Considera-se domicílio profissional a sede principal da atividade de
advocacia, prevalecendo, na dúvida, o domicílio da pessoa física do
advogado.
§ 40 Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido
condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.
> Ver arts. 27 e seguintes do Regulamento Geral.
§ 2° Além da principal, o advogado deve promover a inscrição
suplementar nos Conselhos Seccionais em cujos territórios passar a
exercer habitualmente a profissão, considerando-se habitualidade a
intervenção judicial que exceder de cinco causas por ano.
I - preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do
> Ver art. 5° e parágrafo único do Regulamento Geral
Art. 9°Para inscrição como estagiário é necessário:
97
> Ver Provimento n° 45/78 - Inadmissibilidade de inscrição suplementar
para provisionado.
também deve ser acompanhado de provas de reabilitação.
Art. 12. Licencia-se o profissional que:
§ 3° No caso de mudança efetiva de domicílio profissional para outra
unidade federativa, deve o advogado requerer a transferência de sua
inscrição para o Conselho Seccional correspondente.
I - assim o requerer, por motivo justificado;
II - passar a exercer, em caráter temporário, atividade incompatível com
o exercício da advocacia;
> Ver Provimento n° 42/78 - Uniformização de normas para exame pelas
Seções da Ordem dos Advogados do Brasil nos pedidos de transferência
de inscrições de advogados.
III - sofrer doença mental considerada curável.
§ 4° O Conselho Seccional deve suspender o pedido de transferência ou
inscrição suplementar, ao verificar a existência de vício ou ilegalidade na
inscrição principal, contra ela representando ao Conselho Federal.
Art. 13. O documento de identidade profissional, na forma prevista no
Regulamento Geral, é de uso obrigatório no exercício da atividade de
advogado ou de estagiário e constitui prova de identidade civil para todos
os fins legais.
Art.11. Cancela-se a inscrição do profissional que:
> Ver arts. 32 a 36 do Regulamento Geral - Regulamenta a identidade
profissional.
I - assim o requerer;
II - sofrer penalidade de exclusão;
Art. 14. É obrigatória a indicação do nome e do número de inscrição em
todos os documentos assinados pelo advogado, no exercício de sua
atividade.
III - falecer;
IV - passar a exercer, em caráter definitivo, atividade incompatível com a
advocacia; V - perder qualquer um dos requisitos necessários para
inscrição.
Parágrafo único. É vedado anunciar ou divulgar qualquer atividade
relacionada com o exercício da advocacia ou o uso da expressão
"escritório de advocacia", sem indicação expressa do nome e do número
de inscrição dos advogados que o integrem ou o número de registro da
sociedade de advogados na OAB.
§ l° Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II, III e IV, o cancelamento
deve ser promovido, de ofício, pelo Conselho competente ou em virtude
de comunicação por qualquer pessoa.
> Ver Provimento n° 9412000 - Regulamenta a publicidade da
advocacia.
§ 2° Na hipótese de novo pedido de inscrição - que não restaura o
número de inscrição anterior deve o interessado fazer prova dos
requisitos dos incisos I, V, VI e VII do art. 8°.
CAPÍTULO IV
§ 3° Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição
98
DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS187
mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades
estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou
totalmente proibido de advogar.
Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação
de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no
Regulamento Geral.
§ 1° A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos,
um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de
sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo.
§ 1° A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o
registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da
OAB em cuja base territorial tiver sede.
§ 2° O licenciamento do sócio para exercer atividade incompatível com a
advocacia em caráter temporário deve ser averbado no registro da
sociedade, não alterando sua constituição.
§ 2° Aplica-se à sociedade de advogados o Código de Ética e Disciplina,
no que couber.
§ 3° É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas
jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras
finalidades, a atividade de advocacia.
§ 3° As procurações devem ser outorgadas individualmente aos
advogados e indicar a sociedade de que façam parte.
Art. 17. Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e
ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no
exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em
que possa incorrer.
§ 4° Nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de
advogados, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo
Conselho Seccional.
§ 5° O ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da
sociedade e arquivado junto ao Conselho Seccional onde se instalar,
ficando os sócios obrigados a inscrição suplementar.
CAPÍTULO V188
DO ADVOGADO EMPREGADO
Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a
isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à
advocacia.
§ 6° Os advogados sócios de uma mesma sociedade profissional não
podem representar em juízo clientes de interesses opostos.
Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as
sociedades de advogados que apresentem forma ou características
188
As disposições constantes deste Capítulo não se aplicam à Administração Pública
direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às
autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às
sociedades de economia mista, conforme dispõe o Art. 4° da Lei n° 9.527, de 10.12.97,
in verbis: "Art. 4° As disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei n° 8.906, de
4 de julho de 1994, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às suas autarquias, às
fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas e às sociedades de economia
mista."
187
Ver arts. 37 e seguintes do Regulamento Geral; Provimentos nos 69/89 - Prática de
atos privativos por sociedades não registradas na OAB, 77/93 - Registro e autenticação
de livros e documentos contábeis, 9112000 - Dispõe sobre sociedades de consultores
em direito estrangeiro e 9212000 - Registro e atos correlatos das sociedades de
advogados.
99
ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.189
Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação
de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da
relação de emprego.
CAPÍTULO VI
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS190
Art. 19. O salário mínimo profissional do advogado será fixado em
sentença normativa, salvo se ajustado em acordo ou convenção coletiva
de trabalho.
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na
OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por
arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da
profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas
e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em
caso de dedicação exclusiva.
§ 10 O advogado, quando indicado para patrocinar causa de
juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria
Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários
fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da
OAB, e pagos pelo Estado.
> Sobre dedicação exclusiva ver art. 12 do Regulamento Geral.
§ 1° Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o
tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador,
aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades
externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte,
hospedagem e alimentação.
§ 2° Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por
arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o
valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos
estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
§ 3° Salvo estipulação em contrário, um terço dos honorários é devido no
início do serviço, outro terço até a decisão de primeira instância e o
restante no final.
§ 2° As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são
remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor
da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.
§ 4° Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários
antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz
deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da
quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os
pagou.
§ 3° As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as
cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas
do adicional de vinte e cinco por cento.
Art. 21. Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este
representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados
empregados.
§ 5° O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de mandato
outorgado por advogado para defesa em processo oriundo de ato ou
189
ADln n° 1.194-4 - O STF decidiu limitar a aplicação desse parágrafo único aos casos
em que não haja estipulação contratual em contrário.
190
O advogado, se necessário, deve consultar a Tabela de Honorários, organizada pelo
Conselho Seccional onde tem inscrição.
Parágrafo único. Os honorários de sucumbência, percebidos por
advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre
100
omissão praticada no exercício da profissão.
III - da ultimação do serviço extrajudicial;
Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou
sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para
executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório,
quando necessário, seja expedido em seu favor.
IV - da desistência ou transação;
V - da renúncia ou revogação do mandato.
Art. 26. O advogado substabelecido, com reserva de poderes, não pode
cobrar honorários sem a intervenção daquele que lhe conferiu o
substabelecimento.
Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato
escrito que o estipular são títulos executivos e constituem crédito
privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência
civil e liquidação extrajudicial.
CAPÍTULO VII
DAS INCOMPATIBILIDADES E IMPEDIMENTOS192
§ 1° A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos
da ação em que tenha atuado o advogado, se assim lhe convier.
Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o
impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.
§ 2° Na hipótese de falecimento ou incapacidade civil do advogado, os
honorários de sucumbência, proporcionais ao trabalho realizado, são
recebidos por seus sucessores ou representantes legais.
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as
seguintes atividades:
§ 3° É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção
individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao
recebimento dos honorários de sucumbência191
I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e
seus substitutos legais;
II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos
tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz,
juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de
julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública
direta ou indireta;193
§ 4° O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo
aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os
convencionados, quer os concedidos por sentença.
Art. 25. Prescreve em cinco anos a ação de cobrança de honorários de
advogado, contado o prazo:
> Ver art. 8°, caput, e parágrafos do Regulamento Geral
I - do vencimento do contrato, se houver;
192
Ver também o Provimento n° 62/88 - Dispõe sobre incompatibilidade de cargos e
funções de natureza policial, sob a égide da Lei n° 4.215/63, se bem que o inciso V do
art. 28 do novo EAOAB seja mais abrangente.
193
ADln n° 1.127-8 - O STF deu a esse dispositivo a interpretação de que da sua
abrangência estão excluídos os membros da Justiça Eleitoral e os juízes suplentes não
remunerados.
II - do trânsito em julgado da decisão que os fixar;
191
ADln n° 1.194-4 - O STP suspendeu liminarmente os efeitos desse parágrafo.
101
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da
Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas
empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
> Ver art. 2° e parágrafo único do Regulamento Geral
I - os servidores da administração direta, indireta ou fundacional, contra a
Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade
empregadora;
IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a
qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e
de registro;
II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra
ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas,
sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais
ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a
atividade policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa;
Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso os docentes dos
cursos jurídicos.
VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de
lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições
parafiscais;
CAPÍTULO VIII
DA ÉTICA DO ADVOGAD0194
VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições
financeiras, inclusive privadas.
Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o tome merecedor de
respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1° A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou
função deixe de exercê-lo temporariamente.
§ 1° O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência
em qualquer circunstância.
§ 2° Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham
poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do
Conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica
diretamente relacionada ao magistério jurídico.
§ 2° Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer
autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado
no exercício da profissão.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício
profissional, praticar com dolo ou culpa.
Art. 29. Os Procuradores - Gerais, Advogados - Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta,
indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício
da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da
investidura.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será
solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este
194
Ver também o Código de Ética e Disciplina; Provimentos nos 83/96 - Regula
processos éticos de representação por advogado contra advogado e 84/96 - Combate ao
nepotismo no âmbito da OAB.
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
102
para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
VI - advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé
quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em
pronunciamento judicial anterior;
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres
consignados no Código de Ética e Disciplina.
VII - violar, sem justa causa, sigilo profissional;
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do
advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e,
ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência
jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos
disciplinares.
VIII - estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do
cliente ou ciência do advogado contrário;
IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;
CAPÍTULO IX
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES DISCIPLINARES195
X - acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade
do processo em que funcione;
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
XI - abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias
da comunicação da renúncia;
I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por
qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;
XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando
nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;
II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos
estabelecidos nesta Lei;
XIII - fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente,
alegações forenses ou relativas a causas pendentes;
> Ver Provimento n° 69/89 - Prática de atos privativos por sociedades
não registradas na Ordem.
XIV - deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária e de
julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte
contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;
III - valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos
honorários a receber;
XV - fazer, em nome do constituinte, sem autorização escrita deste,
imputação a terceiro de fato definido como crime;
IV - angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros;
V - assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim
extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado;
XVI - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada
do órgão ou autoridade da Ordem, em matéria da competência desta,
depois de regularmente notificado;
XVII - prestar concurso a clientes ou a terceiros para realização de ato
contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
195
Ver Código de Ética e Disciplina - CED; Provimento n° 83/96 - Processos éticos de
representação por advogado contra advogado.
103
XVIII - solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para
aplicação ilícita ou desonesta; XIX - receber valores, da parte contrária
ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa
autorização do constituinte;
c) embriaguez ou toxicomania habituais.
Art. 35. As sanções disciplinares consistem em:
I - censura;
XX - locupletar-se, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte
adversa, por si ou interposta pessoa;
II - suspensão;
XXI - recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de
quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;
III - exclusão;
IV - multa.
> Ver Provimento n° 70/89 - Prestação de contas por quantias recebidas.
Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do
inscrito, após o trânsito em julgado da decisão, não podendo ser objeto
da publicidade a de censura.
XXII - reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em
confiança;
XXIII - deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços
devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo;
Art. 36. A censura é aplicável nos casos de:
I - infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34; II violação a preceito do Código de Ética e Disciplina;
XXIV - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;
XXV - manter conduta incompatível com a advocacia;
III - violação a preceito desta Lei, quando para a infração não se tenha
estabelecido sanção mais grave.
XXVI - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na
OAB;
XXVII - tomar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
Parágrafo único. A censura pode ser convertida em advertência, em
ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, quando
presente circunstância atenuante.
XXVIII - praticar crime infamante;
Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de:
XXIX - praticar, o estagiário, ato excedente de sua habilitação. Parágrafo
único. Inclui-se na conduta incompatível:
I - infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34; II reincidência em infração disciplinar.
a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;
§ 1° A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício
profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a
doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos
b) incontinência pública e escandalosa;
104
neste capítulo.
a) sobre a conveniência da aplicação cumulativa da multa e de outra
sanção disciplinar;
§ 2° Nas hipóteses dos incisos XXI e XXIII do art. 34, a suspensão
perdura até que satisfaça integralmente a dívida, inclusive com a
correção monetária.
b) sobre o tempo de suspensão e o valor da multa aplicáveis.
Art.41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar
requerer, um ano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de
provas efetivas de bom comportamento.
§ 3° Na hipótese do inciso XXIV do art. 34, a suspensão perdura até que
preste novas provas de habilitação.
Art. 38. A exclusão é aplicável nos casos de:
Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de
crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente
reabilitação criminal.
I - aplicação, por três vezes, de suspensão;
Art. 42. Fica impedido de exercer o mandato o profissional a quem forem
aplicadas as sanções disciplinares de suspensão ou exclusão.
II - infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34.
Parágrafo único. Para a aplicação da sanção disciplinar de exclusão é
necessária a manifestação favorável de dois terços dos membros do
Conselho Seccional competente.
Art. 43. A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve
em cinco anos, contados da data da constatação oficial do fato.
§ 1° Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por
mais de três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser
arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo
de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação.
Art. 39. A multa, variável entre o mínimo correspondente ao valor de
uma anuidade e o máximo de seu décuplo, é aplicável cumulativamente
com a censura ou suspensão, em havendo circunstâncias agravantes.
Art. 40. Na aplicação das sanções disciplinares são consideradas, para
fins de atenuação, as seguintes circunstâncias, entre outras:
§ 2° A prescrição interrompe-se:
I - falta cometida na defesa de prerrogativa profissional; II - ausência de
punição disciplinar anterior;
I - pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida
feita diretamente ao representado;
III - exercício assíduo e proficiente de mandato ou cargo em qualquer
órgão da OAB; N - prestação de relevantes serviços à advocacia ou à
causa pública.
II - pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da
OAB.
TÍTULO II
DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Parágrafo único. Os antecedentes profissionais do inscrito, as atenuantes,
o grau de culpa por ele revelada, as circunstâncias e as conseqüências da
infração são considerados para o fim de decidir:
CAPÍTULO I
105
DOS FINS E DA ORGANIZAÇÃ0196
> Ver art. 60 do Estatuto - Competência do Conselho Seccional para
criação subseções e os requisitos necessários.
Art. 44. A CEdem dos Advogados do Brasil - OAB, serviço público,
dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
> Ver Capítulo V do Regulamento Geral (arts. 115 e seguintes) - Da
subseção
I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de
direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar {ela boa aplicação
das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da
cultura e das instituições jurídicas;
IV - as Caixas de Assistência dos Advogados.
§ 1° O Conselho Federal, dotado de personalidade jurídica própria, com
sede na capital da República, é o órgão supremo da OAB.
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a
disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
> Patrimônio dos órgãos da OAB - arts. 47 e 48 do Regulamento Geral.
> Ver art. 45 do Regulamento Geral.
§ 2° Os Conselhos Seccionais, dotados de personalidade jurídica própria,
têm jurisdição sobre os respectivos territórios dos Estados-membros, do
Distrito Federal e dos Territórios.
§ 1° A OAB não mantém com órgão da Administração Pública qualquer
vínculo funcional ou hierárquico.
§ 3° As Subseções são partes autônomas do Conselho Seccional, na
forma desta Lei e de seu ato constitutivo.
§ 2° O uso da sigla "OAB" é privativo da Ordem dos Advogados do
Brasil.
§ 4° As Caixas de Assistência dos Advogados, dotadas de personalidade
jurídica própria, são criadas pelos Conselhos Seccionais, quando estes
contarem com mais de mil e quinhentos inscritos.
Art. 45. São órgãos da OAB:
I - o Conselho Federal;
§ 5° A OAB, por constituir serviço público, goza de imunidade tributária
total em relação a seus bens, rendas e serviços.
II - os Conselhos Seccionais;
§ 6° Os atos conclusivos dos órgãos da OAB, salvo quando reservados
ou de administração interna, devem ser publicados na imprensa oficial ou
afixados no fórum, na íntegra ou em resumo.
> Ver art. 46 do Regulamento Geral.
> Provimento n° 43/78 e Provimento n° 68/89, que criaram,
respectivamente, as seccionais de Mato Grosso do Sul e Tocantins.
III - as Subseções;
Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições,
preços de serviços e multas.
196
> Ver arts. 55 e seguintes do Regulamento Geral - Dispõem sobre
Receita da OAB. Sobre orçamento, balanço e prestação de contas: arts.
Ver também arts. 44 e seguintes do Regulamento Geral.
106
DO CONSELHO FEDERAL198
58 a 61 do Regulamento Geral e Provimento n° 101/2003, que substituiu
o Provimento no 44/78 e suas alterações, bem como o Provimento n° 104
12004, que derrogou itens do art 4º do Provimento n° 10112003
Art. 51. O Conselho Federal compõe-se:
Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão
passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito
previsto neste artigo.
I - dos conselheiros federais, integrantes das delegações de cada unidade
federativa;
II - dos seus ex-presidentes, na qualidade de membros honorários
vitalícios.
Art. 47. O pagamento da contribuição anual à OAB isenta os inscritos
nos seus quadros do pagamento obrigatório da contribuição sindical.
§ 1o Cada delegação é formada por três conselheiros federais.
Art. 48. O cargo de conselheiro ou de membro de diretoria de órgão da
OAB é de exercício gratuito e obrigatório, considerado serviço público
relevante, inclusive para fins de disponibilidade e aposentadoria.
§ 2° Os ex-presidentes têm direito apenas a voz nas sessões.
Art. 52. Os presidentes dos Conselhos Seccionais, nas sessões do
Conselho Federal, têm lugar reservado junto à delegação respectiva e
direito somente a voz.
> Ver sobre compromisso: art. 53 do Regulamento Geral; sobre vacância
de membro da Diretoria dos conselhos: art. 50 do Regulamento Geral.
Art. 49. Os Presidentes dos Conselhos e das Subseções da OAB têm
legitimidade para agir, judicial e extrajudicialmente, contra qualquer
pessoa que infringir as disposições ou os fins desta Lei.
Art. 53. O Conselho Federal tem sua estrutura e funcionamento definidos
no Regulamento Geral da OAB.
> Ver Regulamento Geral: estrutura e funcionamento (arts.62 a 73),
Conselho Pleno (arts.74 a 83); Órgão Especial (arts.84 a 86); Câmaras
(arts. 87 a 90); Sessões dos órgãos colegiados (arts.91 a 97); Provimento
n° 76/92 - Comissões Permanentes do Conselho Federal (p.126), alterado
pelos Provimentos nos 78/95 e 87/97.
Parágrafo único. As autoridades mencionadas no caput deste artigo têm,
ainda, legitimidade para intervir, inclusive como assistentes, nos
inquéritos e processos em que sejam indiciados, acusados ou ofendidos
os inscritos na OAB.
Art. 50. Para os fins desta Lei, os Presidentes dos Conselhos da OAB e
das Subseções podem requisitar cópias de peças de autos e documentos a
qualquer tribunal, magistrado, cartório e órgão197 da Administração
Pública direta, indireta e fundacional.
> Sobre Comissões Permanentes ver Provimentos nos 79/95,82/96 e
90/99.
§ 1° O Presidente, nas deliberações do Conselho, tem apenas o voto de
qualidade.
CAPÍTULO II
§ 2° O voto é tomado por delegação, e não pode ser exercido nas
197
198
ADln n° 1.127-8. Suspensa a eficácia da expressão pelo STF, em medida liminar..
107
Ver também Capítulo III do Regulamento Geral (arts. 62 a 104)
matérias de interesse da unidade que represente.
Regulamento Gral, ao Código de Ética e Disciplina, e aos Provimentos,
ouvida a autoridade ou o órgão em causa;
§ 3° Na eleição para a escolha da Diretoria do Conselho Federal, cada
membro da delegação terá direito a 1 (um) voto, vedado aos membros
honorários vitalícios (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de
2004, publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)
IX - julgar, em grau de recurso, as questões decididas pelos Conselhos
Seccionais, nos casos previstos neste Estatuto e no Regulamento Geral;
> Ver competência das Câmaras e Órgão Especial: arts. 85, 88, 89 e 90
do Regulamento Geral.
Art. 54. Compete ao Conselho Federal:
I - dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;
X - dispor sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os
respectivos símbolos privativos;
II - representar, em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou
individuais dos advogados;
> Ver arts. 32 e seguintes do Regulamento Geral e Provimento n° 8/64 Vestes talares e insígnias privativas do advogado.
III - velar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da
advocacia;
XI - apreciar o relatório anual e deliberar sobre o balanço e as contas de
sua diretoria;
IV - representar, com exclusividade, os advogados brasileiros nos órgãos
e eventos internacionais da advocacia;
XII - homologar ou mandar suprir relatório anual, o balanço e as contas
dos Conselhos Seccionais;
V - editar e alterar o Regulamento Geral, o Código de Ética e Disciplina,
e os Provimentos que julgar necessários;
> Ver Provimento n° 101/2003, com alterações do Provimento n°
10412004 - Relatório e contas dos Conselhos seccionais (substituindo o
Provimento n° 44/78 e alterações).
> Ver Regulamento Geral; Código de Ética e Disciplina; Provimento n°
26/66 - Publicação local, pelos Conselhos Seccionais, de todos os
Provimentos baixados pela Ordem dos advogados do Brasil, alterado
pelo Provimento n° 47/79.
VI - adotar medidas para assegurar o regular funcionamento dos
Conselhos Seccionais;
XIII - elaborar as listas constitucionalmente previstas, para o
preenchimento dos cargos nos tribunais judiciários de âmbito nacional ou
interestadual, com advogados que estejam em pleno exercício da
profissão, vedada a inclusão de nome de membro do próprio Conselho ou
de outro órgão da OAB;
VII - intervir nos Conselhos Seccionais, onde e quando constatar grave
violação desta Lei ou do Regulamento Geral;
> Ver Provimento n° 10212004 - Regula a elaboração das listas
sêxtuplas.
VIII - cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer
ato, de órgão ou autoridade da OAB, contrário a esta Lei, ao
XIV - ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos
normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado
108
de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;
Diretoria e a ordem de substituição em caso de vacância, licença, falta ou
impedimento.
> Ver art. 82 do Regulamento Geral.
> Ver arts. 98 a 104 do Regulamento Geral.
XV - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar,
previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para
criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos;
§ 3° Nas deliberações do Conselho Federal, os membros da diretoria
votam como membros de suas delegações, cabendo ao Presidente, apenas
o voto de qualidade e o direito de embargar a decisão, se esta não for
unânime.
> Ver art. 83 do Regulamento Geral.
> Ver arts. 68 a 73 do Regulamento Geral.
XVI autorizai; pela maioria absoluta das delegações, a oneração ou
alienação de seus bens imóveis;
CAPÍTULO III
DO CONSELHO SECCIONAL199
XVII - participar de concursos públicos, nos casos previstos na
Constituição e na lei, em todas as suas fases, quando tiverem abrangência
nacional ou interestadual;
Art. 56. O Conselho Seccional compõe-se de conselheiros em número
proporcional ao de seus inscritos, segundo critérios estabelecidos no
Regulamento Geral.
> Ver art. 52 do Regulamento Geral.
§ 1° São membros honorários vitalícios os seus ex-presidentes, somente
com direito a voz em suas sessões.
XVIII - resolver os casos omissos neste Estatuto.
Parágrafo único. A intervenção referida no inciso VII deste artigo
depende de prévia aprovação por dois terços das delegações, garantido o
amplo direito de defesa do Conselho Seccional respectivo, nomeando-se
diretoria provisória para o prazo que se fixar.
§ 2° O Presidente do Instituto dos Advogados local é membro honorário,
somente com direito a voz nas sessões do Conselho.
Art. 55. A diretoria do Conselho Federal é composta de um Presidente,
de um Vice-Presidente, de um Secretário-Geral, de um Secretário-Geral
Adjunto e de um Tesoureiro.
§ 3° Quando presentes às sessões do Conselho Seccional, o Presidente do
Conselho Federal, os Conselheiros Federais integrantes da respectiva
delegação, o Presidente da Caixa de Assistência dos Advogados e os
Presidentes das Subseções, têm direito a voz.
§ l° O Presidente exerce a representação nacional e internacional da
OAB, competindo-lhe convocar o Conselho Federal, presidi-lo,
representá-lo ativa e passivamente, em juízo ou fora dele, promover-lhe a
administração patrimonial e dar execução às suas decisões.
Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território,
as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no
que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as
normas gerais estabelecidas nesta Lei, no Regulamento Geral, no Código
§ 2° O Regulamento Geral define as atribuições dos membros da
199
109
Ver também os arts. 105 a 114 do Regulamento Geral.
de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.
10312004. e 9812002 - Regula o Cadastro Nacional das Sociedades de
Advogados.
Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:
I - editar seu Regimento Interno e Resoluções;
IX - fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços
e multas;
II - criar as Subseções e a Caixa de Assistência dos Advogados;
> Ver anotação ao inciso IV deste artigo.
III - julgar, em grau de recurso, as questões decididas por seu Presidente,
por sua diretoria, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, pelas diretorias das
Subseções e da Caixa de Assistência dos Advogados;
X - participar da elaboração dos concursos públicos, em todas as suas
fases, nos casos previstos na Constituição e nas leis, no âmbito do seu
território;
IV - fiscalizar a aplicação da receita, apreciar o relatório anual e deliberar
sobre o balanço e as contas de sua diretoria, das diretorias das Subseções
e da Caixa de Assistência dos Advogados;
> Ver art. 52 do Regulamento Geral.
XI - determinar, com exclusividade, critérios para o traje dos advogados,
no exercício profissional; XII - aprovar e modificar seu orçamento anual;
> Sobre orçamento, receita, prestação de contas, ver anotações ao art. 46
deste Estatuto.
XIII - definir a composição e o funcionamento do Tribunal de Ética e
Disciplina, e escolher seus membros;
v - fixar a tabela de honorários, válida para todo o território estadual;
> Ver art. 114 do Regulamento Geral; Código de Ética e Disciplina CED.
> Ver art. III do Regulamento Geral.
XIV - eleger as listas, constitucionalmente previstas, para preenchimento
dos cargos nos tribunais judiciários, no âmbito de sua competência e na
forma do Provimento do Conselho Federal, vedada a inclusão de
membros do próprio Conselho e de qualquer órgão da OAB;
VI - realizar o Exame de Ordem;
> Ver Provimento n° 81/96 - Regula o Exame de Ordem.
VII - decidir os pedidos de inscrição nos quadros de advogados e
estagiários;
> Ver Provimento n° 10212004 - Regula a elaboração das listas
sêxtuplas.
> Sobre inscrição, ver anotação ao Capítulo IH do Título I deste Estatuto.
XV - intervir nas Subseções e na Caixa de Assistência dos Advogados;
VIII - manter cadastro de seus inscritos;
> Ver art. 112 do Regulamento Geral.
> Ver art. 24 do Regulamento Geral; Provimentos nos 9512000 - Regula
o Cadastro Nacional dos Advogados, alterado pelo Provimento n°
XVI - desempenhar outras atribuições previstas no Regulamento Geral.
110
Art. 59. A diretoria do Conselho Seccional tem composição idêntica e
atribuições equivalentes às do Conselho Federal, na forma do Regimento
Interno daquele.
Art. 61. Compete à Subseção, no âmbito de seu território:
> Ver art. 55 deste Estatuto.
II - velar pela dignidade, independência e valorização da advocacia, e
fazer valer as prerrogativas do advogado;
I - dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;
CAPÍTULO IV
DA SUBSEÇÃ0200
III - representar a OAB perante os poderes constituídos;
Art. 60. A Subseção pode ser criada pelo Conselho Seccional, que fixa
sua área territorial e seus limites de competência e autonomia.
IV - desempenhar as atribuições previstas no Regulamento Geral ou por
delegação de competência do Conselho Seccional.
§ 1° A área territorial da Subseção pode abranger um ou mais
municípios, ou parte de município, inclusive da capital do Estado,
contando com um mínimo de quinze advogados, nela profissionalmente
domiciliados.
Parágrafo único. Ao Conselho da Subseção, quando houver, compete
exercer as funções e atribuições do Conselho Seccional, na forma do
Regimento Interno deste, e ainda:
a) editar seu Regimento Interno, a ser referendado pelo Conselho
Seccional;
§ 2° A Subseção é administrada por uma diretoria, com atribuições e
composição equivalentes às da diretoria do Conselho Seccional.
b) editar resoluções, no âmbito de sua competência;
§ 3° Havendo mais de cem advogados, a Subseção pode ser integrada,
também, por um Conselho em número de membros fixado pelo Conselho
Seccional.
c) instaurar e instruir processos disciplinares, para julgamento pelo
Tribunal de Ética e Disciplina; d) receber pedido de inscrição nos
quadros de advogado e estagiário, instruindo e emitindo parecer prévio,
para decisão do Conselho Seccional.
§ 4° Os quantitativos referidos nos parágrafos primeiro e terceiro deste
artigo podem ser ampliados, na forma do Regimento Interno do Conselho
Seccional.
CAPÍTULO V
DA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS201
§ 5° Cabe ao Conselho Seccional fixar, em seu orçamento, dotações
específicas destinadas à manutenção das Subseções.
Art. 62. A Caixa de Assistência dos Advogados, com personalidade
jurídica própria, destina-se a prestar assistência aos inscritos no Conselho
Seccional a que se vincule.
§ 6° O Conselho Seccional, mediante o voto de dois terços de seus
membros, pode intervir nas Subseções, onde constatar grave violação
desta Lei ou do Regimento Interno daquele.
200
§ 1° A Caixa é criada e adquire personalidade jurídica com a aprovação e
201
Ver também Capítulo V do título TI do Regulamento Geral (arts. 115 a 120).
111
Ver também Capítulo VI do Título II do Regulamento Geral (arts. 121 a 127).
registro de seu Estatuto pelo respectivo Conselho Seccional da OAB, na
forma do Regulamento Geral.
mandato, mediante cédula única e votação direta dos advogados
regularmente inscritos.
§ 2° A Caixa pode, em benefício dos advogados, promover a seguridade
complementar.
§ 1° A eleição, na forma e segundo os critérios e procedimentos
estabelecidos no Regulamento Geral, é de comparecimento obrigatório
para todos os advogados inscritos na OAB.
§ 3° Compete ao Conselho Seccional fixar contribuição obrigatória
devida por seus inscritos, destinada à manutenção do disposto no
parágrafo anterior, incidente sobre atos decorrentes do efetivo exercício
da advocacia.
§ 2° O candidato deve comprovar situação regular junto à OAB, não
ocupar cargo exonerável ad nuturn, não ter sido condenado por infração
disciplinar, salvo reabilitação, e exercer efetivamente a profissão há mais
de cinco anos.
§ 4° A diretoria da Caixa é composta de cinco membros, com atribuições
definidas no seu Regimento Interno.
Art. 64. Consideram-se eleitos os candidatos integrantes da chapa que
obtiver a maioria dos votos válidos.
§ 5° Cabe à Caixa a metade da receita das anuidades recebidas pelo
Conselho Seccional, considerado o valor resultante após as deduções
regulamentares obrigatórias.
> Ver art. 56 do Regulamento Geral.
§ 1° A chapa para o Conselho Seccional deve ser composta dos
candidatos ao Conselho e à sua Diretoria e, ainda, à delegação ao
Conselho Federal e à Diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados
para eleição conjunta.
§ 6° Em caso de extinção ou desativação da Caixa, seu patrimônio se
incorpora ao do Conselho Seccional respectivo.
§ 2° A chapa para a Subseção deve ser composta com os candidatos à
diretoria, e de seu Conselho quando houver.
§ 7° O Conselho Seccional, mediante voto de dois terços de seus
membros, pode intervir na Caixa de Assistência dos Advogados, no caso
de descumprimento de suas finalidades, designando diretoria provisória,
enquanto durar a intervenção.
Art. 65. O mandato em qualquer órgão da OAB é de três anos, iniciandose em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da eleição, salvo o
Conselho Federal.
Parágrafo único. Os conselheiros federais eleitos iniciam seus mandatos
em primeiro de fevereiro do ano seguinte ao da eleição.
CAPÍTULO VI
DAS ELEIÇÕES E DOS MANDATOS202
Art. 66. Extingue-se o mandato automaticamente, antes do seu término,
quando:
Art. 63. A eleição dos membros de todos os órgãos da OAB será
realizada na segunda quinzena do mês de novembro, do último ano do
> Ver art. 54 do Regulamento Geral.
202
Ver também arts. 128 e seguintes do Regulamento Geral; Provimento n° 86/97 Uniformiza a eleição da Diretoria do Conselho Federal.
I - ocorrer qualquer hipótese de cancelamento de inscrição ou de
112
licenciamento do profissional;
publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)
II - o titular sofrer condenação disciplinar;
Parágrafo único. Com exceção do candidato a Presidente, os demais
integrantes da chapa deverão ser conselheiros federais eleitos.
III - o titular faltar, sem motivo justificado, a três reuniões ordinárias
consecutivas de cada órgão deliberativo do Conselho ou da diretoria da
Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados, não podendo ser
reconduzido no mesmo período de mandato.
TÍTULO III
DO PROCESSO NA OAB203
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Parágrafo único. Extinto qualquer mandato, nas hipóteses deste artigo,
cabe ao Conselho Seccional escolher o substituto, caso não haja suplente.
Art. 68. Salvo disposição em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao
processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e,
aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo
comum e da legislação processual civil, nessa ordem.
Art. 67. A eleição da Diretoria do Conselho Federal, que tomará posse no
dia 1° de fevereiro, obedecerá às seguintes regras:
Art. 69. Todos os prazos necessários à manifestação de advogados,
estagiários e terceiros, nos processos em geral da OAB, são de quinze
dias, inclusive para interposição de recursos.
> Ver Provimento n° 86/97 - Uniformiza a eleição para a Diretoria do
Conselho Federal.
I - será admitido registro, junto ao Conselho Federal, de candidatura à
presidência, desde seis meses até um mês antes da eleição;
§ l° Nos casos de comunicação por ofício reservado, ou de notificação
pessoal, o prazo se conta a partir do dia útil imediato ao da notificação do
recebimento.
II - o requerimento de registro deverá vir acompanhado do apoiamento
de, no mínimo, seis Conselhos Seccionais;
§ 2° Nos casos de publicação na imprensa oficial do ato ou da decisão, o
prazo inicia-se no primeiro dia útil seguinte.
III - até um mês antes das eleições, deverá ser requerido o registro da
chapa completa, sob pena de cancelamento da candidatura respectiva;
CAPÍTULO II
DO PROCESSO DISCIPLINAR204
IV - no dia 31 de janeiro do ano seguinte ao da eleição, o Conselho
Federal elegerá, em reunião presidida pelo conselheiro mais antigo, por
voto secreto e para mandato de 3 (três) anos, sua diretoria, que tomará
posse no dia seguinte; (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de
2004, publicada no DOU de 23.09.2005, p. 1, S 1)
Art. 70. O poder de punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete
exclusivamente ao Conselho Seccional em cuja base territorial tenha
203
Ver também Capítulo VIII do título II do Regulamento Geral (arts. 137-A e
seguintes).
204
Ver também o art. 154, parágrafo único, do Regulamento Geral; Código de Ética e
Disciplina, especialmente o Capítulo II - arts. 51 e seguintes; Provimento n° 83/96 Regula processos éticos de representação por advogado contra advogado.
V - será considerada eleita a chapa que obtiver maioria simples dos votos
dos Conselheiros Federais, presente a metade mais 1 (um) de seus
membros. (NR dada pela Lei 11.179, de 22 de setembro de 2004,
113
§ 1o Ao representado deve ser assegurado amplo direito de defesa,
podendo acompanhar o processo em todos os termos, pessoalmente ou
por intermédio de procurador, oferecendo defesa prévia após ser
notificado, razões finais após a instrução e defesa oral perante o Tribunal
de Ética e Disciplina, por ocasião do julgamento.
ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho
Federal.
§ 1° Cabe ao Tribunal de Ética e Disciplina, do Conselho Seccional
competente, julgar os processos disciplinares, instruídos pelas Subseções
ou por relatores do próprio Conselho.
§ 2° Se, após a defesa prévia, o relator se manifestar pelo indeferimento
liminar da representação, este deve ser decidido pelo Presidente do
Conselho Seccional, para determinar seu arquivamento.
§ 2° A decisão condenatória irrecorrível deve ser imediatamente
comunicada ao Conselho Seccional onde o representado tenha inscrição
principal, para constar dos respectivos assentamentos.
§ 3° O prazo para defesa prévia pode ser prorrogado por motivo
relevante, a juízo do relator.
§ 3° O Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha
inscrição principal pode suspendê-lo preventivamente, em caso de
repercussão prejudicial à dignidade da advocacia, depois de ouvi-lo em
sessão especial para a qual deve ser notificado a comparecer, salvo se
não atender à notificação. Neste caso, o processo disciplinar deve ser
concluído no prazo máximo de noventa dias.
§ 4° Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do
Conselho ou da Subseção deve designar-lhe defensor dativo;
§ 5° É também permitida a revisão do processo disciplinar, por erro de
julgamento ou por condenação baseada em falsa prova.
Art. 71. A jurisdição disciplinar não exclui a comum e, quando o fato
constituir crime ou contravenção, deve ser comunicado às autoridades
competentes.
Art. 74. O Conselho Seccional pode adotar as medidas administrativas e
judiciais pertinentes, objetivando a que o profissional suspenso ou
excluído devolva os documentos de identificação.
Art. 72. O processo disciplinar instaura-se de ofício ou mediante
representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.
CAPÍTULO III
DOS RECURSOS205
§ 1° O Código de Ética e Disciplina estabelece os critérios de
admissibilidade da representação e os procedimentos disciplinares.
Art. 75. Cabe recurso ao Conselho Federal de todas as decisões
definitivas proferidas pelo Conselho Seccional, quando não tenham sido
unânimes ou, sendo unânimes, contrariem esta Lei, decisão do Conselho
Federal ou de outro Conselho Seccional e, ainda, o Regulamento Geral, o
Código de Ética e Disciplina e os Provimentos.
§ 2° O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo
acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade
judiciária competente.
Art. 73. Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a
quem compete instrução do processo e o oferecimento de parecer
preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. Além dos interessados, o Presidente do Conselho
Seccional é legitimado a interpor o recurso referido neste artigo.
205
114
Ver também arts. 139 a 144 - A do Regulamento Geral.
Art. 76. Cabe recurso ao Conselho Seccional de todas as decisões
proferidas por seu Presidente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, ou
pela diretoria da Subseção ou da Caixa de Assistência dos Advogados.
regime legal anterior.
Art. 80. Os Conselhos Federal e Seccionais devem promover
trienalmente as respectivas Conferências, em data não coincidente com o
ano eleitoral, e, periodicamente, reunião do colégio de presidentes a eles
vinculados, com finalidade consultiva.
Art. 77. Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem
de eleições (arts. 63 e seguintes), de suspensão preventiva decidida pelo
Tribunal de Ética e Disciplina, e de cancelamento da inscrição obtida
com falsa prova.
> Ver arts. 145 a 149 do Regulamento Geral; Provimento n° 9612001Cerimonial da OAB.
Parágrafo único. O Regulamento Geral disciplina o cabimento de
recursos específicos, no âmbito de cada órgão julgador.
Art. 81. Não se aplicam aos que tenham assumido originariamente o
cargo de Presidente do Conselho Federal ou dos Conselhos Seccionais,
até a data da publicação desta Lei, as normas contidas no Título II, acerca
da composição desses Conselhos, ficando assegurado o pleno direito de
voz e voto em suas sessões.
TÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 78. Cabe ao Conselho Federal da OAB, por deliberação de dois
terços, pelo menos, das delegações, editar o Regulamento Geral deste
Estatuto, no prazo de seis meses, contados da publicação desta Lei.
Art. 82. Aplicam-se as alterações previstas nesta Lei, quanto a mandatos,
eleições, composições e atribuições dos órgãos da OAB, a partir do
término do mandato dos atuais membros, devendo os Conselhos Federal
e Seccionais disciplinarem os respectivos procedimentos de adaptação.
> O Regulamento Geral foi aprovado nas sessões plenárias de 16.10.94 e
06.11.94 e publicado no Diário da Justiça, Seção I, de 16.11.94
(p.31.21O a 31.220)
Parágrafo único. Os mandatos dos membros dos órgãos da OAB, eleitos
na primeira eleição sob a vigência desta Lei, e na forma do Capítulo VI
do Título II, terão início no dia seguinte ao término dos atuais mandatos,
encerrando-se em 31 de dezembro do terceiro ano do mandato e em 31
de janeiro do terceiro ano do mandato, neste caso com relação ao
Conselho Federal.
Art. 79. Aos servidores da OAB, aplica-se o regime trabalhista.
> Ver Provimento n° 84/96 - Combate ao nepotismo no âmbito da OAB.
§ l° Aos servidores da OAB, sujeitos ao regime da Lei n° 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, é concedido o direito de opção pelo regime
trabalhista, no prazo de noventa dias a partir da vigência desta Lei, sendo
assegurado aos optantes o pagamento de indenização, quando da
aposentadoria, correspondente a cinco vezes o valor da última
remuneração.
Art. 83. Não se aplica o disposto no art. 28, inciso II, desta Lei, aos
membros do Ministério Público que, na data de promulgação da
Constituição, se incluam na previsão do art. 29, § 3°, do seu Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Art. 84. O estagiário inscrito no respectivo quadro, fica dispensado do
Exame da Ordem, desde que comprove, em até dois anos da
promulgação desta Lei, o exercício e resultado do estágio profissional ou
§ 2° Os servidores que não optarem pelo regime trabalhista serão
posicionados no quadro em extinção, assegurado o direito adquirido ao
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a conclusão, com aproveitamento, do estágio de "Prática Forense e
Organização Judiciária", realizado junto à respectiva faculdade, na forma
da legislação em vigor.
Art. 85. O Instituto dos Advogados Brasileiros e as instituições a ele
filiadas têm qualidade para promover perante a OAB o que julgarem do
interesse dos advogados em geral ou de qualquer dos seus membros.
Art. 86. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 87. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Lei n°
4.215, de 27 de abril de 1963, a Lei n° 5.390, de 23 de fevereiro de 1968,
o Decreto-lei n° 505, de 18 de março de 1969, a Lei n° 5.681, de 20 de
julho de 1971, a Lei n° 5.842, de 6 de dezembro de 1972, a Lei n° 5.960,
de 10 de dezembro de 1973, a Lei n° 6.743, de 5 de dezembro de 1979, a
Lei n° 6.884, de 9 de dezembro de 1980, a Lei n° 6.994, de 26 de maio
de 1982, mantidos os efeitos da Lei n° 7.346, de 22 de julho de 1985.
Brasília, 4 de julho de 1994; 173° da Independência e 106° da República.
ITAMAR FRANCO Alexandre de Paula Dupeyrat Martins
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ÉTICA PROFISSIONAL