Crônica
Prof.: Maria Anna
Turmas 1m1, 1m2 e 1m3
Crônica: definição e usos
A crônica é um gênero discursivo no qual , a partir da observação
e do relato de fatos cotidianos, o autor manifesta sua
perspectiva subjetiva, oferecendo uma interpretação que revela
ao leitor algo que está por trás das aparências ou não é percebido
pelo senso comum.
É finalidade da crônica revelar as fissuras do real, aquilo que
parece invisível para a maioria das pessoas, ajudando-as a
interpretar o que passa à sua volta.
A crônica e o estilo individual
A crônica permite a manifestação de estilos individuais, por ser
um texto inspirado em um olhar subjetivo para acontecimentos
cotidianos. No Brasil, houve um crescimento na produção de
crônicas a partir da década de 1950. Autores como Carlos
Drummond de Andrade, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos,
Fernando Sabino, Rachel de Queiroz, Carlos Heitor Cony, Otto
Lara Resende, além de promoverem a popularidade do gênero,
também estabeleceram seus estilos de modo claro e, com isso,
conquistaram leitores fieis.
Princípio desencadeador da
crônica:
Observação do real com olhos investigativos, que desejam não só
“registrar” uma cena (corriqueira ou surpreendente), mas sempre ir
além do que tal cena ilustra, para buscar seu significado mais geral em
relação ao comportamento humano.
A crônica surgiu com a finalidade de preservar a memória dos
acontecimentos e, por isso, aproximava-se da história.
“Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros
capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa
terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de
também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor
puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos
fazer! “
“Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a
qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há
de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a
Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os pilotos devem
ter este cuidado.
E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:
E digo quê:
A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9
de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos
achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali
andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a
quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou
menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de
São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.”
Como gênero a crônica tem raízes na história e na literatura. Até
o século XIX, era comum encontrar crônicas que apresentavam
essa estrutura básica de texto que preserva a memória dos
acontecimentos. Não se tratava mais de registrar os
acontecimentos de uma expedição, mas sim os fatos cotidianos.
Aos poucos, porém, as crônicas foram sofrendo modificações
significativas. Em lugar de registrarem vários acontecimentos
típicos de uma sociedade, os cronistas passaram a relatar um
único fato (ou vários fatos que ilustrassem uma tendência
comum) e, a partir desse relato, a tecer comentários mais gerais
sobre como o acontecimento apresentado podia ser interpretado.
Quando essa transformação se consolidou, a crônica assumiu a
estrutura e a finalidade que ainda hoje apresenta.
Escrito para ser publicado em jornais,
esse gênero discursivo se define por
ser claramente opinativo. Em meio a
notícias e reportagens, em que deve
prevalecer uma perspectiva imparcial,
a crônica oferece um contraponto
para o leitor. Torna-se uma espécie
de avesso da notícia: em lugar de
objetiva e imparcial, a crônica se
define como subjetiva, opinativa,
pessoal.
Contexto de circulação:
• Jornais
• Revistas semanais
• Obs.: Quanto mais geral for a abordagem jornalística do veículo no
qual a crônica se insere, maior tende a ser a liberdade dos escritores
na hora de decidirem o que irão tematizar em suas crônicas.
Os livros também são um meio de circulação bastante comum
para as crônicas. Os autores reúnem um conjunto de textos que
julgam mais representativos da sua obra e dos tempos em que
vivemos e os publicam sob a forma de livro.
Os leitores das crônicas:
• O perfil do leitor da crônica varia de acordo com o veículo no
qual esse gênero circula.
• Jornais diários: perfil mais amplo
• Publicações específicas: leitores determinados (criação de um
público leitor)
Estrutura da crônica:
Não segue um padrão fixo, mas apresenta algumas linhas
gerais que costumam ser seguidas pela maior parte dos
autores.
De modo geral, o princípio organizador da crônica é o
movimento reflexivo que parte de uma experiência
única, particular, pontual e vai ampliando a abrangência
do que foi vivido ou observado para alcançar um
significado mais geral, que ecoe a experiência de
diferentes pessoas.
Diferentes temas, diferentes
crônicas:
• Crônica mundana (sociedade)
• Crônica lírica (expressão de um estado de
espírito)
• Crônica humorística (visão irônica ou cômica dos
fatos)
• Crônica jornalística (periódica; aspectos
particulares de notícias ou fatos; pode ser
policial, esportiva, política etc.
Linguagem:
É marcada por certa informalidade. As regras
do português escrito culto devem ser seguidas,
mas admite-se a presença de algumas marcas de
oralidade.
“Rubem Braga teria feito em 2013 cem anos. Foi considerado um
gênio da crônica, capaz de modernizá-la e fixá-la como gênero
literário, ao lado de Machado de Assis. Por isso esta coluna presta
homenagem
reproduzindo
uma
crônica
sua,
publicada
originalmente em jornal, em 1957, depois incluída no livro A Traição
das Elegantes. É tão singular que faz parte de todas as suas
antologias e é considerada um dos instantes antológicos da arte de
escrever sem ter assunto, ele que nesse foi o grande mestre.”
Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que
aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse
minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e
dissesse — “ai meu Deus, que história mais engraçada!”. E então a
contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas
para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito
e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que
minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro,
quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que
ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois
repetisse para si própria — “mas essa história é mesmo muito
engraçada!”.
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o
marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante
irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela
minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria
a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má
vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse
muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro
sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse
do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria
perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de
espera a minha história chegasse — e tão fascinante de graça,
tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu
coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito,
depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e
também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes
dissesse — “por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de
prender ninguém!” . E que assim todos tratassem melhor seus
empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e
espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse
contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na
Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago
— mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a
sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de
uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e
muito velho dissesse: “Nunca ouvi uma história assim tão
engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter
vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido
inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo
tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e
que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma
história
do
céu
que
conhecimento; é divina”.
se
filtrou
por
acaso
até
nosso
E quando todos me perguntassem — “mas de onde é que
você tirou essa história?” — eu responderia que ela não é minha,
que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a
outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim:
“Ontem ouvi um sujeito contar uma história…”.
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu
inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na
tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e
sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de
meu bairro.
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