OFICINA LITERÁRIA
AULA 6
CURSO DE LETRAS - PROF. Me. CLÁUDIA SOARES
Rio de Janeiro, 03 de dezembro de 2011
O CONTO
RELEMBRANDO!
Uma das formas de narrar, o conto é a forma narrativa, em
prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho).
Entre suas principais características, estão a concisão, a
precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total.
O conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita
excitação e emotividade. Ao escritor de contos dá-se o nome
de contista.
Universalmente admirado, versa sobre os mais variados
assuntos e são classificados por tipo: "Contos Policiais",
"Contos de Fadas", "Contos Eróticos", "Ficção", "Contos
Infantis", etc.Essa forma narrativa de menor extensão se
diferencia do romance e da novela não só pelo seu tamanho,
mas também por possuir características estruturais próprias.
Possui os mesmos componentes do romance, mas evita
análises, complicações do enredo, e o tempo e o espaço são
muito bem delimitados. O conto é um só drama, um só
conflito, uma única ação. Tudo gira em torno do conflito
dramático. A montagem do conto está em volta de uma só
idéia, uma imagem ou vida, desprezando-se os acessórios. É
uma narrativa linear, que não se aprofunda no estudo da
psicologia das personagens nem nas motivações de suas
ações. “O conto é uma narrativa breve; desenrolando um
só incidente predominante e um só personagem principal,
contém um só assunto cujos detalhes são tão
comprimidos e o conjunto do tratamento tão organizado,
que produzem uma só impressão”. (J. Berg Esenwein)
A aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o
exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças.
Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o
apartheid, a situação na América Central ou no Oriente Médio
ou a grande aventura do homem sobre a Terra. Situa-se no
terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média.
Enfim. Aconteceu com um amigo meu. Fictício, é claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade
rotineira, todos os dias à mesma hora. Um homem dos seus 40
anos, naquela idade em que já sabe que nunca será o dono de
um cassino em Samarkand, com diamantes nos dentes, mas
ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar
na loto ou furar-lhe um pneu. Furou-lhe um pneu. Com
dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para
A batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que
o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o
macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não
funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o
macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava
fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo
dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para
pegar a aliança do asfalto, mas sem querer a chutou. A aliança
bateu na roda de um carro que passava e voou para um
bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais
ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde,
entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que
diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e
respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
- Você não sabe o que me aconteceu!
— O quê?
— Uma coisa incrível.
— O quê?
— Contando ninguém acredita.
— Conta!
— Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
— Não.
— Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
— O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O
macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E
a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
— Que coisa - diria a mulher, calmamente.
— Não é difícil de acreditar?
— Não. É perfeitamente possível.
— Pois é. Eu...
Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o
que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para
namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em
casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma
história em que só um imbecil acreditaria.
— Mas, meu bem...
— Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de
algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu
sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir
explicações. Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o
atraso? Muito trânsito. Por que essa cara? Nada, nada. E,
finalmente:
— Que fim levou a sua aliança? E ele disse:
— Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no
motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar
nosso casamento agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com
a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo
significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com
bom-senso, a venceriam.
— O mais importante é que você não mentiu pra mim.
E foi tratar do jantar.
As mentiras que os homens contam
Luiz Fernando Verissimo
• O primeiro aspecto que
percebemos é o bom humor
do texto.
•O autor não utilizou grandes
recursos de linguagem nem
criou situações complexas.
•O texto é leve e fácil de ser
compreendido.
•O texto é imaginado, é criado
a partir de um fato, de uma
cena corriqueira, do dia a dia.
A história da crônica
Do grego chronikós, referente a tempo (chrónos), pelo
latim chronica ,o vocábulo crônica, segundo Massaud
Moisés, “designava, no início da era cristã, uma lista ou
relação de acontecimentos, segundo a marcha do tempo,
isto é, em seqüência cronológica.”
Outras fontes nos informam que em suas origens a
crônica destinava-se a relatos de fatos verídicos e nobres,
também em ordem cronológica. No Antigo Testamento,
por exemplo, no livro das Crônicas, o que se visava era o
registro da grande história do povo e dos reis de Israel.
E em Portugal em 1434,
Fernão Lopes, notário,
guardião-mor da Torre
do
Tombo,
foi
oficialmente designado
pelo infante rei D.
Duarte, a escrever as
crônicas
dos
reis
anteriores e dos feitos
do rei D. João I.
Já da época das grandes navegações,
que diz respeito ao Brasil, a carta de
Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel
é tida como a primeira crônica nacional.
O relato da descoberta de nosso país
era uma crônica no sentido atribuído ao
vocábulo, ou seja, narrativa em ordem
cronológica do que acontecia no Novo
Mundo. Indiscutível também foi seu
valor literário, “pois ele recria com
engenho a arte tudo o que ele registra
no contato direto com os índios e seus
costumes naquele instante de confronto
entre a cultura européia e a cultura
primitiva”. (Jorge de Sá).
A crônica se afastou da História com o avanço da imprensa
e do jornal. Tornou-se "Folhetim". João Roberto Faria no
prefácio de Crônicas Escolhidas de José de Alencar nos
explica:"Naqueles tempos, a crônica chamava-se folhetim e
não tinha as características que tem hoje. Era um texto
mais longo, publicado geralmente aos domingos no rodapé
da primeira página do jornal, e seu primeiro objetivo era
comentar e passar em revista os principais fatos da
semana, fossem eles alegres ou tristes, sérios ou banais,
econômicos ou políticos, sociais ou culturais. O resultado,
para dar um exemplo, é que num único folhetim podiam
estar, lado a lado, notícias sobre a guerra da Criméia, uma
apreciação do espetáculo lírico que acabara de estrear,
críticas às especulações na Bolsa e a descrição de um
baile no Cassino."3
No século XIX, com a ampla difusão da imprensa, a
crônica assumiu seu sentido estritamente literário.
Segundo alguns estudiosos, ela apareceu inicialmente em
forma de folhetim, no rodapé dos jornais da época. José
de Alencar definiu o folhetim como uma miscelânea de
assuntos, de artigos a ensaios ou resenhas literárias.
Dos folhetins iniciais, foi então se aclimatando na pena
de grandes talentos de nossa literatura, até assumir,
segundo alguns críticos literários, uma identidade
própria, uma característica tipicamente nacional,
componente imprescindível dos jornais.
O folhetim fazia parte da estrutura dos jornais, era
informativa e crítica. Aos poucos foi se afastando e se
constituindo como gênero literário: a linguagem se
tornou mais leve, mas com uma elaboração interna
complexa, carregando a força da poesia e do humor.
Ainda hoje há a relação da crônica e o jornalismo.
Os jornais ainda publicam crônicas diariamente, mas seu
aspecto literário já é indiscutível. O próprio fato de
conviver com o efêmero propicia uma comunicação que
deve
ser
reveladora,
sensível,
insinuante
e
despretenciosa como só a literatura pode ser. É "uma
forma de conhecimento de meandros sutis de nossa
realidade e de nossa história” 2.
No
Brasil,
a
crônica
se
consolidou por volta de 1930 e
atualmente vem adquirindo uma
importância maior em nossa
literatura graças aos excelentes
escritores, como Rubem Braga e
Luís Fernando Veríssimo, além
dos grandes autores brasileiros,
como Machado de Assis, José de
Alencar e Carlos Drummond de
Andrade, que também resolveram
dedicar seus talentos a esse
gênero. Tudo isso fez com que a
crônica se desenvolvesse no
Brasil de forma significativa.
Na crônica, "Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e
reflexão, ou simplesmente de divertimento, de
esquecimento momentâneo de nós mesmos a troco do
sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da
imaginação. Para voltarmos mais maduros à vida..."4.
1 - Afrânio Coutinho - "A literatura no Brasil" - Volume III - RJ:Livr. São José,1964.
2 - Davi Arrigucci Jr. - "Fragmentos sobre a crônica" - Folha de São Paulo,1987
3- João Roberto Faria no prefácio (Alencar conversa com os seus leitores) de
"Crônicas escolhidas - José de Alencar" - São Paulo: Ed. Ática e Folha de São Paulo,
1995.
4 - Antônio Cândido no artigo "A vida ao rés-do-chão".
As características da crônica:
· Ligada à vida cotidiana;
· Narrativa informal, familiar, intimista;
· Uso da oralidade na escrita: linguagem coloquial;
· Sensibilidade no contato com a realidade;
· Síntese; Brevidade;
· Uso do fato como meio ou pretexto para o artista exercer
seu estilo e criatividade;
· Dose de lirismo;
· Natureza ensaística;
· Leveza;
· Diz coisas sérias por meio de uma aparente conversa
fiada;
· Uso do humor;
· É um fato moderno: está sujeita à rápida transformação e
à fugacidade da vida moderna.
A ênfase, no caso da crônica, incide sobre uma visão
pessoal dos acontecimentos. Há uma forte carga de
subjetividade. O que é levado em consideração é a visão
que o cronista tem dos fatos, os quais ele classifica
como importantes para ele e para o leitor. Sendo assim,
onde está a verdade dos fatos? Ora, não sabemos ao
certo, pois a veracidade é emotiva.
Devido à subjetividade, há um diálogo natural com o
leitor. Tudo acontece como se o cronista estivesse
conversando com o leitor. No entanto, existe um detalhe.
O interlocutor é mudo. O leitor não pode
expor suas considerações diante daquilo que está sendo
contado.
Uma das características essenciais da crônica é esta: a
trivialidade. Atos como acordar, fazer o café e procurar o
pão ganham uma relevância a ponto de se transformarem
em objetos de criação literária.
Geralmente, as crônicas apresentam linguagem simples,
espontânea, situada entre a linguagem oral e a literária.
Isso contribui também para que o leitor se identifique
com o cronista, que acaba se tornando o porta-voz
daquele que lê.
A linguagem direta, espontânea, jornalística e, por isto
tudo, fácil de ser compreendida, mas com alguns
aspectos literários.
Não há espaço para devaneios. O cronista tem que se
manter preso aos fatos. Mesmo quando a subjetividade
aflora, isto é, torna-se mais perceptível pelo leitor, o
cronista não pode perder de vista o fato real.
Trata-se, então, de uma linguagem que flutua entre a
referencialidade do jornal e a plurissignificação das
palavras da literatura. Joga, portanto, com os dois lados
da moeda.
O cronista capta uma situação qualquer e dá a ela,
através da linguagem, uma outra dimensão. Ao dar a uma
situação banal um estilo ágil e, muitas vezes, poético, a
crônica conquista o leitor.
Onde termina a crônica e começa o
conto?
Personagens
Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na
construção da personagem, o cronista age de maneira
mais solta. As personagens não têm descrição
psicológica profunda; são levemente caracterizadas (uma
ou duas características), suficientes para compor seus
traços genéricos, com os quais, qualquer pessoa pode se
identificar: Fulano é distraído, Beltrano é mau-caráter. Em
geral, as personagens não têm nomes: é a moça, o
menino, a velha, o senador, a mulher, a dona de casa. Ou,
se têm, são nomes comuns, como: dona Nena, seu
Chiquinho. Às vezes, o cronista cria personagens, mas
sempre a partir de uma matriz real, isto é, pessoas reais
que se tornam personagens.
Narrador
Enquanto no conto o narrador é um personagem. Na
crônica, o cronista sequer tem a preocupação de colocarse no seu lugar. Quem narra uma crônica é o seu autor
mesmo; pois, o cronista parte de experiências próprias,
de fatos que testemunhou (com certo envolvimento) ou
dos quais participou. Por isso, a crônica tem, quase
sempre, um caráter confessional, autobiográfico.
O Assunto
O assunto de uma crônica é sempre resultado daquilo que
o cronista colhe na sua vivência. Portanto, o assunto da
crônica, geralmente, está centrado em uma experiência
pessoal. Ao passo que o conto, não raro, é produto da
imaginação, da ficção.
O Desfecho
No conto há um conflito e, geralmente, um desfecho para
ele. Como a finalidade da crônica é analisar as
circunstâncias de um fato e não concluí-lo, o desfecho é,
praticamente, inexistente. Seu texto não tem resolução,
não tem moral como na fábula, é aberto para que cada
leitor crie o final que melhor desejar. O cronista, no fundo,
deseja que seu leitor seja um coautor.
A Linguagem
O cronista procura trazer para suas crônicas a oralidade
das ruas. Daí ser predominante nas crônicas a linguagem
coloquial e até popular, para introduzir um linguajar de
bate-papo, de conversa-fiada; todos carregados de gírias.
"[...], pois o artista que deseje cumprir sua função
primordial de antena do seu povo, captando tudo aquilo
que nós outros não estamos aparelhados para
depreender, terá que explorar as potencialidades da
língua; buscando uma construção frasal que provoque
significações várias (mas não gratuitas ou ocasionais),
descortinando para o público uma paisagem até então
obscurecida ou ignorada por completo." (SÁ, Jorge de. A
crônica. São Paulo: Ática, 1985. Série Princípios)
O Diálogo
É a presença do diálogo na crônica, que faz com que ela
se aproxime do conto. Mas, na crônica, o diálogo é forma
de interação, que cria uma importante cumplicidade com o
leitor, principalmente, através de perguntas lançadas ao
ar; ou então, para manter um formato que se aproxime do
bate-papo, sua característica marcante.
Conclusão
A crônica tem, hoje, uma linguagem própria, um espaço
definido e independente - no jornal ou em qualquer outro
veículo de comunicação.
A crônica é literatura graças ao trabalho consciente dos
cronistas-escritores, que fizeram e fazem de seu ofício
uma profissão de fé. Machado de Assis, Olavo Bilac,
Humberto Campos, Raquel de Queirós ou Rachel de
Queiroz, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade,
Rubens Braga, Paulo Mendes, Paulo Francis, Arnaldo
Jabor, Érico Veríssimo e tantos outros, cultivaram-na ou
cultivam-na com peculiar engenhosidade, criatividade e
assiduidade.
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/2226899
O cronista pode trabalhar qualquer assunto, basta que
tenha talento para fazê-lo. Até a falta de um assunto pode
ser um assunto. Crônica Lírica ou Poética
Crônica de Humor
Crônica-Ensaio
Crônica Descritiva
Crônica Narrativa
Crônica Dissertativa
Crônica Reflexiva
Crônica Metafísica
"A crônica não é um ‘gênero maior’ [...] ‘Graças
a Deus’, - seria o caso de dizer, porque sendo
assim ela fica perto de nós. E para muitos pode
servir de caminho não apenas para a vida, que
ela serve de perto, mas para a literatura (...)."
(CANDIDO, Antonio. Prefácio Para Gostar de Ler.
São Paulo: Ática, 1980.)