EDUCAÇÃO INFANTIL COMUNITÁRIA NO MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE Maria Otilia Kroeff Susin Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Resumo Este texto aborda a relação público/privado instituída no município de Porto Alegre, a partir de movimento reivindicatório das comunidades carentes que deixavam de ter suas ações subsidiadas pela Legião Brasileira de Assistência - LBA. O Município passa então, a discutir, com o movimento social comunitário, as alternativas para a continuidade deste atendimento e as formas de financiamento para tal. A parceria instituída em Porto Alegre para atender a educação infantil, resultante destas negociações, se impõe devido às restrições econômicas vivenciadas pelo Município, e decorrentes das políticas econômicas de superação das crises do capital, levadas a efeito em nível nacional e internacional e expressas na minimização do Estado e na precarização as políticas públicas passando, muitas delas, a ser atendidas pelo setor “público não-estatal”. O processo de conveniamento para atender a educação infantil, no Município, e o estabelecimento de princípios e parâmetros para tal, efetivou-se a partir de ampla discussão com as comunidades que resultou na emissão, pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente - CMDCA, de documento orientador dos convênios, onde a participação passa a ser critério central. O presente texto discute, ainda, a retirada paulatina do Estado da oferta de um serviço que tem como principais responsáveis os municípios; a supremacia de algumas lideranças ocasionada pela desagregação das comunidades, que permite que estas se repitam ano, após ano; os limites na relação público/privado no que se refere à transparência na administração dos recursos das entidades mantenedoras conveniadas, as quais devem ser entidades sem fins lucrativos; os restritos orçamentos para a educação infantil e os vazios de atendimento nesta etapa da educação básica, que clamam por políticas públicas efetivas de cuidado e educação das crianças pequenas. Por fim, a educação infantil aqui é reivindicada como direito das crianças e de suas famílias e deve ser assumida pelos municípios, sem que sejam buscadas alternativas que venham propiciar exclusão ou engendrar mecanismos que responsabilizem a sociedade civil pela carência de políticas públicas, de competência do Estado. Palavras chave: educação infantil, “público não-estatal”, convênio/parceria, participação social. Introdução A implementação da educação infantil, política social que se constitui como direito das crianças e de suas famílias, é um desafio para o município de Porto Alegre. O governo municipal, cujo executivo é encabeçado pelo Partido dos Trabalhadores, no poder de 1989 até 2004, tem como um de seus objetivos a ampliação significativa da educação infantil, através da cooperação com o movimento popular comunitário, de conhecida trajetória nesta oferta, no município, desde 1993. A parceria público/privado, constituída entre o Poder Público, através da Secretaria Municipal de Educação e entidades da sociedade civil está ancorada na necessidade de aproximar as ações das duas esferas, a pública e a privada, na construção participativa de políticas públicas com a formação de esferas públicas de decisão, bem como discutindo e construindo alternativas frente à carência de recursos, para a ampliação do atendimento da educação infantil. Esta forma de atendimento propõe a distribuição de recursos e serviços junto à sociedade civil, estimulando a participação comunitária. As creches comunitárias conveniadas com a Prefeitura se constituem como entidades privadas, sem fins lucrativos que têm parte de suas despesas subsidiadas pelo poder público e muitas delas com outras fontes de renda, onde se inclui a cobrança de mensalidades, para as famílias com condições de pagar uma taxa. Esta prática tem representado um empecilho para o acesso de muitas crianças, cujas famílias não dispõem de recursos para tal, sendo 11 justamente estas as mais carentes por este serviço. A relação público/privado no atendimento da educação infantil em Porto Alegre e as decisões tomadas nas creches, pelos seus gestores, têm repercussões na administração destas instituições e no trabalho pedagógico ali desenvolvido, evidenciando a necessidade da ampliação da participação da comunidade nestes espaços. A questão que se coloca é a possibilidade de avanço deste processo político-social, desenhado pela sociedade civil e pelo poder público, que envolve cidadãos e governo, afirmando a necessidade de assegurar, a quem de direito, a plenitude de políticas sociais qualificadas e universais. O presente texto, ao discutir a parceria instituída em Porto Alegre, pontua a inserção do município no contexto macro, a relativização das políticas sociais decorrentes da minimização do Estado e a atuação com organizações da esfera “pública não-estatal”. O Contexto Econômico As crises pelas quais passou o capital a partir dos anos 70, trouxeram conseqüências para o país, cujos desdobramentos se fazem sentir no orçamento público dos estados e municípios. No Brasil, em 1995 os investimentos em educação diminuíram, “de 20,3% sobre as receitas correntes em 1995, para 8,9% em 2000, enquanto os gastos com juros da dívida subiram de 24,9% das receitas para 55,1% em 2000” (SADER, 2003, p. 156). A política econômica global vigente impõe a minimização do Estado, a redução de crescimento, o elevado nível de desemprego e a degradação das condições de vida de grande parte da população, o que torna as populações pobres cada vez mais carentes por serviços públicos, que precisam ser assegurados através de políticas sociais. A educação infantil, política social, cuja oferta é de responsabilidade prioritária dos municípios, não pode ter seu estudo, mesmo no município de Porto Alegre, descolado do contexto econômico global, pois queiramos ou não, a economia municipal, assim como a estadual e a nacional vivem a globalização e suas conseqüências, onde o capital e o mercado regulam as relações sociais de trabalho e determinam as políticas públicas. Conforme afirma Mészáros, o capital e a sua “poderosa estrutura totalizadora” a tudo submete inclusive os seres humanos, os quais estão fadados a perecer caso não se ajustem a suas leis (MÉSZÁROS, 1994; p. 96). Daí a impossibilidade de uma análise da educação e seus rumos, descolada da política econômica do país. A política econômica brasileira mantém o diagnóstico conservador das causas da crise fiscal do Estado. O corte de investimentos na subvenção de políticas exigidas pelas camadas populares continua sendo a alternativa usada para não onerar o Estado e para impulsionar o crescimento. Esta política traz subjacente o aprofundamento das diferenças sociais, mantendo as populações pobres alijadas da cidadania, sem condições de participação social. Esta prática restringe as políticas sociais promovendo a retração do Estado neste campo, levando à redução de investimentos em saúde, habitação e educação. Não é o Estado e as suas ações voltadas para as regulações da máquina administrativa, para a garantia da autonomia da iniciativa privada, para a liberdade de circulação do capital, 11 para o enxugamento do Estado na economia e para a retração de políticas sociais que vai dar conta dos problemas estruturais do capital. Conforme afirma Mészáros (1994), o Estado entra como mediador nesta crise, mas não irá acabar com as contradições do capital. Esta mediação, exigindo a intervenção do Estado na garantia de uma política econômica financeirizada, conduz as ações governamentais para a priorização do capital em detrimento do trabalho, vulnerabilizando às populações carentes que mais necessitam de políticas garantidoras de direitos sociais, aqui explicitado o caso da educação infantil pública. Nesta perspectiva, a educação infantil fica desassistida, pois não se trata de direito subjetivo do cidadão e sendo uma opção das famílias, ela não é promovida pelos governos com a mesma obrigatoriedade de oferta, da qual se reveste o ensino fundamental. Segundo o IBGE (2003) as populações pobres das cidades já somam 50% dos brasileiros e são estas pessoas que protagonizam os episódios mais cruéis da crise social brasileira – desemprego, miséria, exclusão social, violência, narcotráfico, ausência do Estado de direito e do Estado de bem-estar social. Aí se situam o grupo majoritário da população brasileira – crianças e jovens da periferia das grandes cidades. Excedentes do capitalismo são vítimas dos esquadrões da morte, da discriminação e particularmente da falta de lugar social para eles. Não se socializam nem na família, nem na escola e menos ainda o trabalho (SADER, 2003, p. 156). O alarmante quadro de pobreza do país, seguido do déficit de políticas sociais, está diretamente relacionado com a política econômica posta em prática pelos governos brasileiros, cuja prioridade tem sido o mercado de capitais. Para ampliar a oferta de educação infantil o município de Porto Alegre enfrenta o dilema da falta de financiamento, considerando ao alto investimento necessário, devido à especificidade do atendimento desta etapa da educação básica, bem como o nível salarial alcançado pelos seus trabalhadores. Embora o município tenha regulamentado na sua Lei Orgânica a vinculação de 30% de todos os impostos arrecadados para a educação, o Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF (financiamento da educação em vigência no período analisado) subvinculava boa parte destes, para investimento somente no ensino fundamental. O Convênio com o Movimento Social Comunitário O aumento da demanda por educação infantil em Porto Alegre, registrado no ano de 1993, teve como elemento desencadeador o movimento organizado pelas populações da periferia da cidade que buscavam alternativas para a continuidade do funcionamento das suas creches, ameaçadas pela extinção da parceria com a assistência social. A luta das comunidades organizadas, reivindicando atendimento às crianças pequenas, segundo liderança comunitária, começou pela organização das pessoas em torno de necessidades básicas como água e esgoto. Por outro lado, a sociedade tinha que tomar conhecimento da existência daquelas pessoas que apesar de estarem vivendo 11 em situação precária, também eram cidadãos pagavam impostos, portanto tinham direitos (Sarai Lima, entrevistada em 2003). Deste movimento vai surgir a parceria público/privado, no atendimento da educação infantil, em Porto Alegre. Ao reivindicar políticas públicas, estas comunidades obrigaram a Prefeitura a posicionar-se frente ao atendimento das crianças da periferia da cidade, principalmente depois da extinção da Legião Brasileira de Assistência – LBA, órgão federal de assistência que distribuía verba para a s associações de bairro para beneficiar populações carentes, durante o governo Collor de Mello (1990/1992). O atendimento da LBA, que ora se extinguia, constava de repasse trimestral de verbas da assistência social para as associações de moradores e similares, que se dava de forma irregular. Além disso, a LBA construiu alguns espaços para atendimento da comunidade usados para diversos fins: atendimento de idosos, de adolescentes e de crianças. Havia também os prédios das Associações de Moradores que cediam as dependências durante o dia, nos turnos da manhã e da tarde, para abrigar as creches. O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA se integra ao movimento da comunidade e chama toda a cidade para discutir e construir os parâmetros para o conveniamento. Os princípios e parâmetros criados a partir destas discussões compõem documento emitido pelo CMDCA, a Resolução 030/93, que estabelece normas básicas para a celebração dos convênios. Nesta Resolução a creche é definida enquanto espaço de direitos específicos da criança de zero a seis anos, direito a ser assegurado através de políticas públicas que garantam o atendimento integral da criança, sem descuidar do seu caráter educacional e político, devendo contemplar melhorias qualitativas no trabalho realizado pelas creches. O convênio com as creches tem como objeto viabilizar o atendimento de crianças na faixa etária de zero a seis anos. Para atender os objetivos previstos, o município se compromete a repassar mensalmente à entidade mantenedora da creche um determinado valor, relacionado com o número de crianças atendidas. Em 1993 foram conveniadas as primeiras 40 creches. Em 1994 foram 60 creches. De 1995 até 1999, a partir de política definida pelo Orçamento Participativo – OP foram conveniadas dez creches a cada ano, nas diferentes regiões da cidade, completando um total de 110 creches. No ano de 2000, foram conveniadas somente oito creches. Em 2001 foram mais duas creches, em 2002 mais seis creches e, em 2003, outras três, chegando a um total de 129, que atendem 8.399 crianças. Até 2004 o município mantinha convênio com 133 creches. Os últimos convênios, em número inferior a dez creches ano, introduzem modificações no processo de parceria com a sociedade civil por não haver, na cidade, prédios em condições de serem conveniados pela precariedade de seus espaços. O poder público então, constrói os prédios nas regiões indicadas pelo OP, e os repassa para a comunidade administrar, em regime de parceria, subsidiando parte dos custos de funcionamento. Na parceria expressa, no convênio em análise, ambas as partes têm responsabilidades, e a Secretaria Municipal de Educação, mesmo repassando verba mensalmente para as instituições, não as mantém. Estas permanecem entidades privadas, sem fins lucrativos e com mantenedoras próprias. Embora a maior parte da arrecadação das creches comunitárias seja proveniente do poder público, não é esta, na maioria dos casos, a única 11 fonte de renda das instituições. Quando se analisa o convênio de Porto Alegre, temos que vê-lo como inovador, afirma Judite Guerra, assessora pedagógica da SMED, entrevistada em dezembro de 2003. “O que eu vejo de diferente, dos demais convênios de outras cidades, é que este foi uma construção social”. O acolhimento e o entendimento que tinham a SMED e o Executivo Municipal era o de pensar, junto com os representantes de todas as regiões da cidade e outros órgãos governamentais, as questões que a cidade apontava como importantes neste processo, embora “a responsabilidade na condução das discussões fosse do governo” que tinha que sinalizar para o que era possível pactuar informa Judith Guerra, em 2003. O “Público Não-Estatal” A parceria, poder público e sociedade civil torna evidente que o município de Porto Alegre tem limites para atender a demanda por educação infantil. Para compensá-los se socorre de instituições da sociedade civil que, anteriormente, cumpriam este papel de forma assistencial. Podemos afirmar que o conveniamento representa um avanço nas condições físicas e pedagógicas das creches, pois traz, no seu conteúdo, exigências legais relacionadas com a qualidade do atendimento prestado às crianças, bem como exigências no que diz respeito à relação público/privado através da fiscalização destas entidades, pelo poder público e pela comunidade. No entanto, há que se ter cuidado em não elevar esta alternativa à categoria de solução, pensando e agindo no sentido da superação dos limites que esta oferta encerra, bem como no avanço paulatino da educação pública para que o poder público retome e assuma, na integralidade, a oferta desta política. Em Porto Alegre, a pressão social foi um importante fator na construção da parceria pública com a sociedade civil para a expansão do atendimento em educação infantil. As populações da periferia da cidade encontraram um espaço privilegiado de participação, a partir de 1989 e durante os governos da Frente Popular (coligação de partidos tendo à frente o Partido dos Trabalhadores responsável por quatro gestões municipais), quando este desenvolve e aprimora um projeto de democracia participativa, o Orçamento Participativo-OP. Para Tarso Genro, a consolidação do Orçamento Participativo-OP, no município, cria “uma esfera pública ‘não-estatal’ de controle”, processo no qual “o Estado se torna uma estrutura pública controlada pela sociedade civil organizada”. Esta esfera tem um caráter “indutivo, fiscalizador e controlador do Estado” (GENRO, 1995, p.27). O surgimento de uma nova esfera “pública não-estatal”, não subordinada puramente às relações mercantis, “pode promover ações de co-gestão como o Estado, tendendo a dissolver os interesses privados que operam na sociedade civil no crivo do interesse público” (Ibid.,1995, p. 1). No entanto, existe uma diferença conceitual bastante grande entre o “público-não estatal” proposto por Tarso Genro e o conceituado por Bresser Pereira no documento orientador da Reforma do Aparelho do Estado, posta em prática em 1995, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (presidente do Brasil eleito em 1994 e reeleito em 1998). Enquanto para Genro o “público não-estatal” é uma instância de participação popular visando à fiscalização e 11 a aproximação do Estado ao cotidiano do cidadão, para Bresser Pereira, ministro da Reforma do Estado (1995), é uma instância de execução dos serviços não-exclusivos do Estado, uma vez que visa repassar à sociedade civil a oferta de políticas públicas, transformando os cidadãos em gestores de serviços e responsáveis pela implementação destes. A reforma do papel do Estado, amplamente defendida pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, cria mecanismos legais para descentralizar a execução dos serviços que não envolvem o poder do Estado, consubstanciando a propriedade pública “não-estatal”. É o caso das organizações sociais-OS e das organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP, ambas consubstanciadas em Lei Federal. Em que pese à constatação do avanço limitado das organizações sociais, nos moldes propostos pela reforma do Estado, muitas práticas utilizadas pelos Municípios, para dar conta das demandas por serviços sociais, se encaminham para alternativas que minimizam a presença do Estado no campo das políticas sociais, através da parceria público/privado. Não sendo qualificadas como OSs ou OSCIPs, as creches comunitárias tem no seu conteúdo muita similitude com estas organizações. Mas, qualificadas ou não como organizações sociais, as instituições privadas de educação infantil que ofertam serviço de interesse público, em parceria com o município, atendem uma demanda social que, assumida pelo poder público, ampliaria a dimensão deste ente federado. Portanto, a prática da parceria se encaminha para o atendimento do princípio fundamental que rege as organizações sociais, que é o de reduzir ou de não ampliar o tamanho do Estado, deixando que a sociedade assuma funções não-exclusivas deste. As Decorrências da Parceria: Sociedade Civil e Poder Público A relação estabelecida entre o poder público municipal e as creches comunitárias tem por objetivo oferecer educação infantil, em espaços privados comunitários. Esta oferta é pautada no regime de parceria entre município e entidades da sociedade civil, todas sem fins lucrativos. Desta forma, o município repassa parte da responsabilidade e do custo da oferta, da primeira etapa da educação básica, para a sociedade civil. Muitas questões que hoje emergem deste processo de parceria, ainda não pactuadas, estão a exigir definições que necessitam ser discutidas por todos os envolvidos, como é o caso da escolha e contratação dos educadores, da cobrança de mensalidades e da prestação de contas de todos os valores arrecadados pelas creches. O caráter do serviço prestado por estas instituições, “permite que relações dúbias se estabeleçam” (COSTA, 2003) dificultando a apropriação da escola pela comunidade, possibilitando que a tomada de decisões, neste espaço, seja protagonizada por um pequeno grupo dirigente, ou até mesmo por um líder comunitário. Esta prática dificulta a transparência na relação com a comunidade e até mesmo com o poder público, não oportunizando discussões, muito menos de temas polêmicos, como os acima citados. A direção de uma entidade é responsável pela assinatura da carteira de trabalho dos profissionais que atuam nas creches. Embora haja uma discussão, promovida pela Secretaria de Educação, sobre o perfil do educador a ser 11 contratado por uma instituição de educação infantil, a decisão final é do dirigente. A realidade do desemprego crescente na nossa sociedade faz desta uma oportunidade para o dirigente empregar pessoas, as quais ele pode escolher. Assim, ele tem o poder de resolver os problemas daqueles que lhes são mais próximos, fazendo da creche, muitas vezes, a extensão de sua família, não separando o que é público do que é privado. O convênio entre a Prefeitura e as creches comunitárias não cobre a totalidade dos custos que a instituição tem para atender as crianças matriculadas e a cobrança de mensalidade surge como mais uma forma de arrecadação, o que vem restringindo o acesso e a permanência de muitas crianças nestes espaços. Os momentos para discussão de assuntos polêmicos como cobrança de mensalidades e critérios de ingresso das crianças, além de pouco divulgados, ainda servem para que os pais referendem aquilo que as instituições colocam como necessidade para a manutenção do atendimento das crianças (SUSIN, 2005, p. 220). A fiscalização pela sociedade, preconizada por Bresser Pereira (2005) na relação “público/privado”, constituindo-se em ganho para o cidadão “no caso das creches comunitárias em Porto Alegre [...] não se efetiva, pois a comunidade não é chamada a fiscalizar e não participa efetivamente da prestação de contas do que é repassado pelo poder público” às creches comunitárias (Ibid., 2005, p. 216). Embora apresente muitas contradições a parceria entre o Poder Público e o movimento social comunitário, para atender a educação infantil no município de Porto Alegre, apresenta saltos de qualidade no que diz respeito à formação dos educadores, a qualificação das ações pedagógicas, a existência de projeto político pedagógico, a organização dos grupos de crianças, a variedade e quantidade do material didático e a organização dos espaços físicos. A parceria do poder público com instituições privadas na oferta da educação infantil tem suas possibilidades construídas juntamente com a sociedade civil e no momento se constitui em alternativa para dar conta das dificuldades que circundavam e ainda circundam as políticas para a infância, uma vez que somente na constituição de 1988 é definida, de forma clara, a responsabilidade do Estado para com as crianças pequenas, não sendo definido, contraditoriamente, as fontes de financiamento para esse atendimento, o que passa a ser minimizado com a viabilização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. A inclusão na educação infantil exige uma política de valorização da criança através da garantia do direito universal à educação (hoje do zero aos cinco anos), já assegurado de forma legal pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Significa também educação infantil pública assumida pelos municípios, sem que sejam buscadas alternativas que venham propiciar exclusão ou engendrar mecanismos que responsabilizem a sociedade civil pela carência de políticas sociais de competência do Estado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 11 CIDADE, Centro de Assessoria e Estudos Urbanos. Quem é o público do Orçamento Participativo. Porto Alegre: Nova Prova, 2003. FARENZENA, Nalú. O Novo Ordenamento Constitucional, Legal e Institucional da Atenção à Criança de 0 a 6 Anos. Porto Alegre, 1993. FERNADES, Florestan. Nova república? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1986. GENRO, Tarso. Reforma do Estado e Democratização do Poder Local, in Poder Local, Participação e Construlção da Cidadania. 1995. GIDDENS, Anthony. A terceira Via. Reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-democracia. Rio de Janeiro: Rcord, 2001. JUSTEN Fº, Mraçal. Comentáriops à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 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