O DIRETOR NO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA
Natalina Francisca Mezzari Lopes - UEM
Resumo: Considerando o contexto político e legal da democratização da educação, este artigo propõe-se a
compreender, a partir de entrevistas com diretores, a dinâmica e as intencionalidades que permeiam a
organização democrática da escola pública. A pesquisa apresenta elementos para pensar a relação entre as
políticas, as discussões teóricas e a forma como se processa a gestão democrática na escola. Inicialmente
caracterizou-se o trabalho do diretor no contexto histórico. Explorou-se a forma como os diretores compreendem
a sua função na democratização da escola. A abordagem expressou as fragilidades dos diretores ao assumirem a
função e a posterior relação com a escola e com o sistema. Os diretores ocupam a gestão da escola pautados
numa visão histórico-empirista, não compreendendo a dinâmica e as intencionalidades políticas e pedagógicas
presentes nas atividades e nas relações de trabalho. Isso se deve aos condicionantes históricos, à organização
estrutural e à formação cultural. Como forma de superação dessa defasagem, há a necessidade de fórum
permanente de discussão dos processos de gestão.
Palavras-chave: Gestão democrática. Gestão escolar. Diretor de escola.
Introdução
A partir de 1980, o processo de democratização da sociedade impulsiona a
organização da educação para grandes mudanças. Com a Constituição Federal de 1988 e com
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394) de 1996, temos as
garantias legais da gestão democrática do ensino público, gestão essa assegurada na forma da
autonomia pedagógica e administrativa às unidades de ensino e da participação dos
professores e da comunidade na elaboração e execução da proposta pedagógica.
As garantias legais para a promoção de políticas educacionais democráticas somadas
às orientações emanadas dos Conselhos de Educação e dos órgãos administrativos de todas as
esferas federativas não representaram, porém, conquista de acesso aos bens culturais a grande
parte de população. Permanecem altos os índices de analfabetismo, de evasão e de repetência.
Para Bobbio (2002), estamos vivenciando o momento de passagem da democracia
política para a democracia social. Esse enfoque acentua os espaços nos quais podem ser
exercidos os direitos. Não há dúvida de que, numa sociedade articulada em grupos diversos e
contrapostos, como a nossa, ocorrem tensões, conflitos e se desenrola um contínuo processo
2
de organização. Com isso se abrem brechas para a participação como possibilidades de
modificar ou de reiterar as regras constitutivas e reguladoras dos espaços sociais.
Para pensar a participação social partimos do pressuposto de que a atuação do homem
em qualquer campo de ação não pode ser compreendida de forma isolada. O homem é um ser
histórico, resultado da relação do homem com a natureza, com o outro e consigo mesmo 1. A
relação inclui os meios materiais mediados pela ação dos seres humanos produzindo
conhecimentos, saberes e culturas de forma sempre crescente. As constantes mudanças sociais
geram um complexo sistema de relações estruturais e políticas que, para garantir sua
organização, requerem renovação constante nas formas de gestão.
Nesse sentido, a gestão da educação e da escola como parte desse processo históricocultural da sociedade é permeada por valores e por conceitos socialmente construídos. Por
isso, “[...] a administração escolar deve ser entendida como resultado de um longo processo
de transformação histórica, que traz as marcas das condições sociais e dos interesses políticos
em jogo na sociedade [...]” (LOMBARDI, 2010, p. 22).
Historicamente, a gestão da educação tem sido influenciada pelo modelo gerencial
assentado nas ações funcionalista, burocrática e centralizadora. No final do século XX,
acompanhando as mudanças político-culturais direcionadas para a democratização da
sociedade, esse modelo é amplamente questionado. Estamos nos referindo à organização dos
Estados Democráticos, onde “Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da vida
política [...]” (BOBBIO, 2002, p. 35). Nesse contexto, a administração de um modo geral é
marcada pela transposição de linguagem de cunho autoritário para uma nova nomenclatura:
democracia, descentralização, participação, autonomia.
Entretanto, nas últimas duas décadas tem se tornado cada vez mais evidente que a
forma de participação coletiva não exclui o individual, pois, como afirma Bobbio, “[...] até
mesmo as decisões de grupos são tomadas por indivíduos” (2002, p. 31). Assim, o que se faz
necessário é o respeito às regras. Isso implica a possibilidade de que a participação nem
sempre esteja pautada no interesse da coletividade. Nesse sentido, Nogueira (2004, p. 129)
alerta para o fato de que “[...] não há participação que não se oriente por algum tipo de relação
com o poder”. Entendemos que essa relação se faz presente nas organizações políticas e
educacionais como é a escola e o sistema educacional.
1
Segundo Marx e Engels, “[...] a história não termina dissolvendo-se na „autoconsciência‟, como „espírito do
espírito‟, mas que em cada uma de suas fases encontra-se um resultado material, uma soma de forças de
produção, uma relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos, que cada geração transmite
a geração seguinte” (1999, p. 56).
3
Em pesquisa realizada por Vieira (2000) nos documentos oficiais2 e nas orientações
dos organismos multilaterais3, ficou evidenciado que a dinâmica econômica desvia o foco de
resolução dos problemas sociais para a educação e, consequentemente, responsabilizando a
escola. Como exemplo, reproduzimos uma passagem do planejamento político-estratégico
(1995) do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, onde especifica: “[...] é
exclusivamente na escola que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto,
sintetiza o nível gerencial-operacional do sistema. [...] é na escola que estão os problemas é na
escola que está a solução” (p.04 apud VIEIRA, 2001, p.138).
Esse enfoque revela a tendência de individualização dos problemas sociais,
responsabilizando a escola e seus processos de gestão. Com isso, tem lugar de destaque a ação
do diretor. Desse modo, para garantir uma educação com eficiência e qualidade, sob a
característica de democratização no âmbito das relações da escola, os organismos
multilaterais, a partir de 1990, propõem formação diferenciada ao diretor. A visão
determinista e a necessidade de democratização da educação presente no direcionamento da
gestão na escola agregam importância política ao profissional que assume a direção.
Considerando que a maior parte dos diretores são professores da escola (preparados
para a docência e não para a gestão) e tendo presente a problematização até aqui apresentada,
indagamos: O professor, ao assumir a gestão da escola, compreende a importância política da
função do diretor no processo de democratização das relações?
Buscando elementos para compreender a dinâmica e as intencionalidades que
permeiam a organização democrática da escola pública, optamos por ouvir os profissionais
que assumem a gestão da escola. Entendemos ser um trabalho exploratório, uma vez que,
como afirma André (2000, p. 37), “[...] se volta para as experiências e vivências dos
indivíduos e grupos que constroem o cotidiano escolar”. Desse modo, as reflexões tiveram
como base a análise de fontes orais organizadas a partir de entrevista semiestruturada. Essa
forma de entrevista, como escreve Lüdke e André (1986, p. 34), “[...] permite a captação
imediata e corrente da informação desejada e se desenrola a partir de um esquema básico,
porém não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias
adaptações”. Além do que, o contato pessoal do entrevistador com o entrevistado possibilita
2
LDB de 1996, Parâmetros Curriculares Nacionais, Plano Decenal de Educação para Todos (1990), FUNDEF
(2006).
3
Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL; Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO; Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF (1997); Relatório Delors (1996).
4
percepção de nuances, expressões, atitudes ou outros que dizem muito do que nem sempre é
dito na entrevista (LÜDKE & ANDRÉ, 1986).
Para
a
realização
das
entrevistas
foram
utilizados
como
elementos
de
representatividade diretores eleitos pela primeira vez e diretores reeleitos pertencendo a seis
escolas estaduais, consideradas de pequeno, médio e grande porte (por número de alunos),
localizadas no Núcleo Regional de Educação de Cascavel – Paraná.
Para a análise das entrevistas foi realizado um agrupamento das falas por identidades
que expressavam um conjunto de significações equivalentes. O primeiro agrupamento teve
como centralidade a caracterização da função do diretor na escola: tendo como eixo de
análise as expressões: autoridade intraescolar; gerenciador do processo de ensino; articulador
escola – comunidade – sistema; administrativo – pedagógico; gerente – líder; hierarquização
do trabalho na escola. O segundo agrupamento de análise pautou-se na configuração do
trabalho do diretor na escola onde foram destacados: reprodução; autonomia e participação
(centralização; descentralização; participação). Buscando superar cansativas repetições
normalmente encontradas na exposição das entrevistas, os elementos acima destacados foram
apresentados em pequenos trechos de falas, entrelaçando o que expressam o conjunto dos
diretores (sem distinção da origem) com reflexões teorizadas.
O caminho percorrido se justifica na medida em que dá voz aos diretores das escolas
como interlocutores do processo de gestão, que, apesar de estarem distanciados do centro da
tomada de decisões, pertencem ao núcleo das políticas públicas para a educação e cidadania.
Com isso, explora-se a fragilidade da organização democrática da escola, revelando o
descompasso com as políticas e com as discussões teóricas. A finalidade é de fortalecer o
processo de democratização da educação como um processo fundamental para a inclusão de
todos os indivíduos aos bens culturais.
Na construção do texto, consideramos que a atividade administrativa envolve aspectos
objetivos e aspectos subjetivos. De acordo com Paro (2002), os aspectos objetivos
correspondem às condições culturais, econômicas, sociais e políticas que precisam ser levadas
em conta na concepção e realização da atividade; já os aspectos subjetivos estão relacionados
ao modo como a consciência das condições objetivas se apresenta aos diretores para que
possam realizar de maneira intencional as atividades administrativas.
As considerações metodológicas apresentadas apontam a necessidade da compreensão
histórica da gestão como elemento direcionador das condições objetivas e subjetivas da
organização da escola. Mediante esses pressupostos, retomamos aspectos históricos
relacionados à organização estrutural da gestão da escola, enfatizando o trabalho do diretor,
5
para, na sequência, explorar as tensões produzidas diante da responsabilização dos diretores
para concretizar processos democráticos.
A organização da educação e a função do diretor
A função do diretor do ensino fundamental e médio aparece em tela, de forma mais
evidente, no Manifesto dos Pioneiros. Este documento se refere à falta de formação do diretor,
propondo que essa mesma formação deveria pautar-se no conhecimento filosófico e científico
e defende a necessidade de autonomia para romper com a centralização das decisões
educacionais.
Nas políticas educacionais brasileiras, a função do diretor é objeto de normatização
quando se constitui fator primordial para garantir a execução de programa econômico ou de
políticas sociais como, por exemplo, a organização das escolas de ensino técnico. A
necessidade é de profissionais competentes, porém somente na arte de cumprir e fazer
cumprir as normatizações produzidas e determinadas verticalmente. A função é puramente
administrativa decorrente do projeto político e ideológico do governo. O diretor identifica-se
como uma „autoridade‟ que „preside‟ o trabalho dos que atuam na escola, cabendo aos demais
cumprir com as obrigações decorrentes de sua função.
Essa forma de relação de autoridade e subordinação desenvolveu determinadas
interações entre o grupo de trabalhadores da escola que, com o passar do tempo, foram se
consolidando como cultura administrativa autoritária e centralizadora interferindo
negativamente na construção de um trabalho pautado em relações democráticas na escola.
Até a década de 1990, as referências legais em relação ao trabalho do diretor tiveram
como pressuposto a organização administrativa em detrimento do pedagógico. Esse enfoque
administrativo para a função do diretor na educação básica tem sua raiz no problema do
financiamento do ensino. Historicamente, a manutenção do ensino dependeu das
contribuições financeiras da comunidade através de festas, arrecadações, como as, ainda
denominadas, “taxas de matrículas” e as rifas.
O sistema educacional brasileiro, através das Leis Orgânicas, ou seja, da primeira
LDB (Lei Federal nº 4.024/1961 e da segunda LDB (Lei Federal nº 5.692/1971), consolidou
uma estrutura hierárquica da gestão da educação que distanciou o sistema da organização da
escola. Seguindo a lógica da administração científica, o sistema se constitui no propositor,
enquanto que a escola devia assumir a função de elemento executor, concretizando a divisão
entre o pensar e o fazer. O que rege é o primado da centralização das decisões no executivo,
que justifica a necessidade técnica do planejamento, dos programas e projetos, prevalecendo o
6
poder político e econômico, de forma a subestimar as necessidades de desenvolvimento
educacional da sociedade.
As políticas educacionais decorrentes desse perfil autoritário e centralizador
necessitam que o diretor da escola, como ocupante do cargo mais elevado no quadro
hierárquico dos trabalhadores, constitua-se num articulador dessas políticas dentro da escola.
Um articulador com capacidade de “gerenciar” no sentido da origem do termo, que, do latim,
significa gerentia de geeree, que quer dizer “fazer” e também com capacidade de fazer
“fazer”, cujo significado é o de gerenciar as normatizações, programas e projetos que chegam
até a escola.
Com a estrutura hierárquica e burocrática instalada na organização do sistema
educacional desenvolve-se uma cultura de autoridade e de poder intrínseca aos ocupantes de
níveis escalonares superiores. Para Pagés et al. (1987), o poder, sendo intrínseco da estrutura,
se constrói e se impõe através de regras, de dispositivos, de técnicas e se enraíza na prática
cotidiana da organização. A autoridade se exerce pela crença e pelo respeito a regras
inculcadas de forma ideológicas pela organização econômica e política da sociedade. Por
conseguinte, entendemos que as normatizações e as orientações relacionadas ao sistema
nacional de ensino visaram adaptar a educação às necessidades da política econômica de seu
tempo.
A partir da década de 1990, sob a influência dos organismos multilaterais, a função do
diretor de escola delineia-se como uma das principais âncoras das políticas públicas que se
instalam na organização dos ambientes de aprendizagem escolar. O vínculo educação e
desenvolvimento econômico permanece representando a síntese impulsionadora dos
processos de gestão. O problema do financiamento da educação ocupa, de forma mais
acentuada, os debates em torno da luta em defesa da educação de qualidade para todos. Como
proposta alternativa para a rigidez da burocratização financeira instalada nas décadas
anteriores a de 1990, novamente é colocado em foco o trabalho do diretor da escola. A
necessidade é de uma direção escolar capaz de organizar a gestão pautada no consenso, na
divisão de responsabilidades e, principalmente, sendo especialista na gestão compartilhada
dos recursos financeiro.
Conforme Oliveira (1997), é possível perceber que a gestão da educação foi sendo
viabilizada gradativamente a partir de reformas institucionais públicas, sempre articuladas a
orientações do mundo globalizado, visando atender a reorganização do mercado. Diante da
competitividade e da produtividade como imperativo condutor da reorganização econômica,
governar, dirigir ou gerir uma escola teve que passar a seguir os padrões de qualidade
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empresarial. A aparência é de um retorno à taylorização na gestão educacional. As reformas
educacionais são, por um lado, concebidas sem a participação da escola, por outro lado, para a
execução são transferidas para a escola sob o prisma de descentralização, autonomia e
participação.
Nessa direção, Carvalho (2009) aponta que esses paradigmas despersonalizam o poder
e aumentam a responsabilidade da escola. Para a autora, aos diretores escolares é conferida
importância estratégica como catalisadores do movimento democrático. Isso significa que os
gestores desempenham papéis de coordenador, motivador e influenciador para compartilhar as
ações – de obrigação do poder público –, com a família e com os que trabalham na escola e,
desse modo, responsabilizar-se pelo “ônus” da manutenção da escola e da resolução dos
problemas educacionais. Tais intencionalidades justificam a tão propalada necessidade de um
profissional especializado para atuar na direção da escola inclusive separando a carreira de
diretor da carreira de magistério.
Esses indicativos colocam em destaque o profissional que assume a direção da escola,
ou seja, aquele que é o responsável pela coordenação e consecução do trabalho da escola e da
relação desta com o sistema. Diante desses indicativos, na sequência exploramos as diferentes
formas como as condições objetivas se apresentam ao profissional que assume a direção da
escola.
O olhar dos diretores sobre a gestão democrática da escola
1. (Pré) Visão da função de diretor: visão histórico-empirista
Ao assumirem a direção pela primeira vez, os diretores sentiram-se distantes da
função, todos se surpreenderam: “Eu sabia que seria difícil, a gente sempre via a diretora
correndo de lá pra cá. Mas, é muita coisa. Todos querem que você tenha uma resposta para
tudo”. Surpresa que denota a falta de compreensão da função que está assumindo, pois é algo
distinto e distante (hierarquicamente) daquela dos demais trabalhadores da escola: “É uma
experiência diferente, que eu acho que todas as companheiras deviam passar para entender os
dois lados! Aqui é um lado e lá na sala de aula é outro lado”.
Esse distanciamento que o professor tem da ação administrativa e da organização da
escola revela-se numa compreensão empirista, pautada na configuração histórica da função do
diretor: “Eu imaginava ter uma situação de chegar aqui e ter condições de trabalhar no aspecto
pedagógico com os professores e estar junto, acompanhando e eu não consegui! Eu não tive
condições, então eu tenho acompanhado o pedagógico, mas de longe”.
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Diante da dificuldade de entendimento de sua função, o diretor usa do grau
comparativo com o trabalho na docência, “a direção toma um pouco mais de você que em sala
de aula, você tem mais responsabilidades, você tem que conduzir as decisões mais acertadas,
porque se você acertar, você conduz bem as coisas, e se você errar, para você retomar se torna
difícil”. Dessa forma, denota que o diretor traz para si a responsabilidade pela gestão da
escola, prevalecendo o distanciamento com os que com ele trabalham, com os estudantes e
com a comunidade. Essa forma de compreender as relações pode ser caracterizada como visão
histórico-empirista, uma vez que o professor que assume a função de diretor pauta-se nas
vivências empíricas nas relações sociais.
2. No trabalho de gestão da escola: o esfacelamento do democrático
No desenvolvimento do trabalho como diretor, a função parece se delinear: “a função
do diretor, é trabalhar sempre dobrado, porque você sabe que a escola é você”. Para tanto, é
preciso “[...] muita liderança! Ser um líder de verdade, que consigo caminhar de uma forma
para ir alcançando tudo o que eu quero”. Ao olhar para dentro da escola, o diretor se vê
hierarquicamente superior e sente-se mais responsável para conduzir a escola. Essa
responsabilidade mistura-se com a sensação de ter o controle pelo poder. Essa sensação de
influência representa a configuração histórica taylorizada do trabalho do diretor
caracterizando-se hierarquicamente mais importante dentro da organização funcional da
escola.
É interessante que, ao falar sobre o diretor enquanto autoridade na escola, a resposta
do diretor é confusa: “Não, eu não me vejo como uma autoridade. Eu me vejo no momento
liderando a escola, comandando a situação, organizando, liderando... Eu me vejo como o
carro-chefe, não como uma autoridade”.
O entendimento de autoridade, expressado pelo diretor, parece estar ligado ao
autoritarismo e não à organização democrática da escola. O que denota uma preocupação com
os estigmas de palavras: não uma autoridade, mas um líder que dirige e comanda a escola. O
que é comandar senão também dirigir como um superior, mandar, elevar-se acima de,
dominar? Mudam-se os termos, mantendo a similitude no significado e na condução do
trabalho.
Por outro lado, essas são atitudes de quem está buscando construir caminhos para
relações democráticas. Para alguns, “as decisões têm que ser do tipo formiguinha. Você tem
que caminhar de pouquinho em pouquinho para conseguir atingir o objetivo”. Aqui o diretor
reconhece que o espaço de trabalho é, às vezes, escorregadio, e ele enquanto no „comando da
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situação‟, precisa ir conquistando e construindo novas relações. O que não é fácil. Assim fala
um diretor:
Eu não quero que eles me vejam como o poderoso aqui em cima. Eu quero
que eles encontrem uma pessoa que forma um conjunto com eles. Eu não
quero que eles me vejam como a pessoa que vai tomar as decisões. Eu quero
tomar as decisões em conjunto para que a gente consiga erguer um trabalho.
Observa-se que, na prática, as relações empíricas são condutoras do processo de
democratização da escola. Os diretores se propõem a um trabalho democrático, mas
distanciado do suporte teórico que orienta a construção coletiva do projeto da escola como
orientador das ações. O fio condutor da gestão está nas relações isoladas, portanto de projetos
individualizados ou fragmentados por subgrupos no interior da escola, afirmando um
esfacelamento da gestão democrática nas relações da escola.
3. O (des)encontro com o sistema educacional: burocracia e controle
Quando o diretor volta o seu olhar para a estrutura organizacional do sistema de
educação, do qual faz parte, demonstra, com palavras, a angústia e o vazio da função que
ocupa: “tudo é determinado em nível de Estado e na realidade o diretor fica na situação de ter
que se adaptar com aquilo que o Estado propõe”. Desvela a centralização e a burocracia como
determinantes do lugar do diretor na escola, no sistema educacional e na relação estrutural.
Assim um diretor explica essa relação:
No sentido pedagógico, o que nós podemos é fazer dentro das normas
estabelecidas pelo Estado. O Estado tem uma linha de ação. Ele determinou
uma grade para cada estabelecimento, e dentro desta grade, (...) o diretor
pode simplesmente ver alguns projetos que podem ser adaptados e
incrementados e tentar enriquecer aquilo que está. Ele não tem uma
autonomia para escolher, por exemplo, uma determinada disciplina ou alterar
o próprio conteúdo. Ele só tem liberdade para alterar a metodologia, é a
única liberdade que ele tem.
O caminho é distante daquele do poder imaginado antes de assumir a direção da
escola. Agora, as palavras de ordem são “estabelecidas”, “determinadas”, “linha de ação”,
“adaptar-se”, sem falar na “burocracia”, para outro diretor: “a gente está na era da informática
e há muita burocracia em questão de papéis para você conseguir alguma coisa”. O desejo de
liberdade para dirigir a escola encontra um caminho íngreme e confuso.
Nota-se que o envolvimento do diretor com questões organizacionais do sistema
garante o controle de suas ações: “É tanto papel que chega na escola, que você passa a maior
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parte do tempo envolvida com eles, que fica até tonta! Não sei porque tanta tecnologia se toda
hora tem papelada para preencher, e pior, sempre tudo em cima da hora”.
Manter o diretor sempre ocupado com ações, programas ou projetos faz lembrar o
“poder das organizações” que, segundo Pagés, o poder não é atribuído às pessoas ou a um
grupo de pessoas, ele se exerce através das regras, dos dispositivos das técnicas e se enraíza
na prática cotidiana da organização estrutural da empresa (PAGÉS et al., 1987) e, no caso em
estudo, podemos nos referir à organização da educação. Com isso, o tempo para estudos e
reflexões coletivas é absorvido pelos aspectos organizacionais desviando a centralidade no
processo de ensino-aprendizagem.
Ainda, no que diz respeito à relação como o sistema, uma diretora desabafa:
Eu me sinto um pouco constrangida, em relação aos meus professores, (...)
porque têm algumas coisas que a gente poderia aqui dentro da escola mesmo
tomar decisões, ver caso a caso, situações, e a gente não pode, porque tem
que seguir algumas instruções, algumas normas, algumas leis que impõe que
a gente faça do jeito que tem que ser.
Desta forma, segundo a expressão de uma das diretoras entrevistadas, “o diretor fica
de mãos atadas”. Entendemos evidenciar o poder disciplinador e de controle do Estado
oriundos das regulamentações manifestadas por agenda congestionada de ações, programas,
propostas, etc. Com isso, é também absorvido o tempo como categoria fundamental para o
desenvolvimento de processos democráticos.
O Núcleo Regional de Educação – NRE, que deveria se constituir como programa de
descentralização do sistema estadual de ensino, produz um efeito inverso para a gestão da
escola. O próprio NRE não se constitui em instância descentralizada da Secretaria de Estado
da Educação conforme é possível conferir na fala do diretor: “Eu vejo [o NRE] mais como
repasse de informação e até uma certa imposição, porque na verdade a gente vai lá [no NRE]
e recebe as coisas praticamente prontas. Então você tem que fazer acontecer”.
O que deveria configurar-se num espaço de encontro, de diálogo, de colaboração (o
caso dos NREs) transforma-se num local de legitimação das políticas de governo e de Estado.
Assim, as relações permanecem focadas no âmbito organizativo estrutural, encapsuladas pela
burocracia e controle.
4. O falso conflito administrativo – pedagógico
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A sensação desoladora e de impotência para realizar um trabalho direcionador das
relações democráticas assim se manifesta no cotidiano: “Em termos reais, a minha função
hoje é administrar conflitos dentro da escola: administrar recursos humanos, recursos
financeiros, administrativos e os recursos físicos da escola (...) e fazer um acompanhamento
de longe no aspecto pedagógico”. Observa-se que se consolida exatamente o que lhe é
indicado por meio das normatizações, programas do sistema pautados nas “orientações”
externas que, na verdade, se impõem para o gestor.
As falas dos diretores denunciam a separação do trabalho na escola entre o
administrativo e o pedagógico: “A parte administrativa, um grande setor da escola como
patrimônio, não é mais tão difícil [de administrar] [...], você sabe que está aí, mas a parte
pedagógica é o que mais te toma tempo e hoje está se tornando a coisa mais difícil de se tratar
dentro da escola”.
Quando o diretor denuncia que seu trabalho centraliza-se no administrativo ficando
mais distante o pedagógico e, ainda, que o problema do seu trabalho é administrar o
pedagógico, fica evidente que as ações correspondem a outro projeto que, evidentemente, não
é o da comunidade escolar. Toda a ação administrativa sempre está vinculada a uma dimensão
política que, por sua vez, produz uma ação pedagógica. Trata-se, portanto, não de uma
desvinculação entre o administrativo e o pedagógico, mas de uma vinculação à ação
administrativo-político-pedagógica do sistema.
Diante de falas como esta: “a minha escola está hoje com o freio de mão puxado, eles
[a direção anterior] deixaram para trás muita coisa (...) principalmente o Projeto PolíticoPedagógico, (...) não sei por onde começar, eu acho que essa é a parte mais difícil da minha
decisão neste ano”, percebe-se o longo caminho que precisa ser percorrido para romper com o
instituído e a escola entender-se como organização que tem sua identidade na construção de
um projeto social mais amplo.
Considerações finais
Com essa pesquisa observamos, como escreve Nascimento (1997), que existe uma
uniformidade de normas e de procedimentos que são determinados com certa facilidade na
escola, como: horários, distribuição de classes, planejamento do espaço físico e outros, por
outro lado, os conteúdos e a forma de administrar a escola ficam soltos. Nesse entendimento,
cada trabalhador da escola isola-se na prática educacional de maior importância que é o
ensino-aprendizagem. E, não havendo um projeto comum dos trabalhadores da escola, ela
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passa ser dirigida, governada ou gerida pelos objetivos de quem está na direção, podendo ser
o diretor ou o sistema educacional a que faz parte.
A pesquisadora Bertran (1997), em sua tese, demonstrou que muitas das práticas
eleitas e direcionadas pelo diretor, por falta de uma reflexão teórica do papel que elas
representam, acabam por expressar modelos autoritários construídos historicamente, como o
clientelismo, o assistencialismo, o coronelismo e/ou o autoritarismo.
Essa falta de participação e reflexão do conjunto dos trabalhadores da escola nas
questões relacionada à gestão escolar, somada à legitimidade do cargo de direção (garantida
pela escolha direta e nomeação pelo sistema de ensino4) conduz o grupo a transferir ou,
simplesmente, deixar a responsabilidade da direção da escola ao diretor. Desse modo,
revestido do poder que lhe é conferido pelo seu grupo, o diretor passa a sentir-se um pouco
dono da escola. Encontramos em Engels (1985) uma passagem que explicita o caráter
contraditório da transferência ou da delegação de poder quando trata do Estado como um
produto da sociedade que é “[...] nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando
cada vez mais [...]” de quem o produziu (p.191). A gestão da escola traz a marca das
contradições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade. Dessa forma, o que se
percebe é a tendência de vigorarem as leis do mercado, situação na qual a preocupação é com
os parâmetros de qualidade, tais como: aprovação, evasão, estrutura física, programas, entre
outros.
Os tão falados e reivindicados direitos de participação – como cogestores da
organização política e pedagógica do ensino na escola – e de autonomia pelos professores e
funcionários, ficam como que subordinados à autoridade do dirigente do estabelecimento de
ensino. A participação dos educadores e funcionários na escola se desenvolve de forma muito
variável. Segundo a classificação de Bordenave (1994, p. 30-33), o grupo transita por um grau
de participação muito pequeno chamado de informação/reação para graus um pouco mais
elevados como a consulta facultativa e a consulta obrigatória. O grau de participação chega,
no máximo, ao nível de elaboração e recomendação de propostas ao diretor da escola,
permanecendo distanciados dos educadores, profissionais da escola e comunidade os graus
mais elevados de participação como a cogestão, delegação e a autogestão.
No entanto, sabe-se que estão sendo construídas práticas na área de gestão da escola e
da educação que se constituem em caminhos possíveis em direção à superação do
4
Sobre escolha do diretor, refere-se ao Estado do Paraná, onde o cargo de direção é ocupado por um professor
ou pedagogo do quadro do magistério eleito pelos seus colegas e pais dos alunos. No segundo capítulo será
melhor explicitada essa forma de escolha do diretor.
13
tradicionalismo autoritário, como, por exemplo, a presença de conselhos nas escolas e em
administrações da educação municipal.5 Essas práticas reafirmam que o caminho da
transformação constrói sua força a partir da base. Assim, portanto, lutar pela gestão
democrática da escola é lutar pela gestão democrática da educação e da sociedade. Por
conseguinte, conforme afirma Lombardi (2010), o desafio é de todos, tendo no diretor a sua
liderança:
Eis o desafio e que se impõe a todo cidadão, porém, com maior
responsabilidade àqueles que atuam profissionalmente na área educacional e,
dentre estes, mais ainda aos gestores escolares, por seu papel de liderança e
de aglutinação dos demais segmentos participantes da vida da escola. Tratase, certamente, de um desafio ao mesmo tempo político e pedagógico do
qual não é possível ao gestor se esquivar, visto ser inerente ao cargo por ele
exercido, e cujo enfrentamento, uma vez assumido verdadeiramente,
permitirá que se concretize toda a relevância social do papel que lhe cabe no
interior da instituição escolar (p.18).
Com efeito, pensar, propor ou construir uma gestão da escola pautada em relações
democráticas passa, necessariamente, pela ação do diretor da escola. Dessa forma, tem-se que
o diretor, na expressão de Paro (2000, p. 23), “é a autoridade máxima dentro da escola”, tanto
para manter as relações autoritárias como para viabilizar um projeto coletivo. Nesse contexto
contraditório de conservação e mudança em que a escola se encontra, os diretores reconhecem
que existe um campo de possibilidades6 para implementar práticas democráticas no processo
de gestão da escola, mas não conseguem efetivar-se como construtor de um espaço de
relações e ações democráticas, transferindo e justificando as dificuldades nos problemas
sociais. É certo que a escola precisa ser reconhecida no contexto de que faz parte, sem,
contudo, imobilizá-la. Nesse sentido, Franco (1991) afirma que:
[...] não basta atribuir todas as responsabilidades pelos problemas escolares
aos fatores externos à escola. Que os fatores externos são determinantes e
interferem no trabalho escolar nos parece inquestionável. Aceitar pura e
simplesmente essa realidade, no entanto, é cair na resignação, na
impotência, no imobilismo, é recusar o desafio. (1991, p. 64).
Diante da dinâmica social e das intencionalidades direcionadas a consolidar relações
democráticas no interior da escola, o diretor precisa enfrentar as condicionalidades impostas
pelo sistema e a falta de entendimento crítico do processo de gestão da escola, por parte dos
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Confira estudo que trata dessas práticas: Lima, A. B. (2001).
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Neste texto a expressão “campo de possibilidades” está sendo utilizado conforme significado apresentado por
Sartre (1984, p. 152), “[...] o campo dos possíveis é o objetivo em direção ao qual o agente supera sua situação
objetiva. E este campo, por sua vez, depende estreitamente da realidade social e histórica”.
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que nela atuam. Esse enfrentamento requer muito mais do diretor do que a capacidade de
liderar, apaziguar conflitos ou envolver a comunidade, no âmbito intraescolar. É preciso lutar,
acima de tudo, por um programa de formação com abrangência de todos os trabalhadores da
educação.
A conjugação do teorizado, do propalado e da prática passa, segundo Sartre (1984),
pela responsabilidade e compromisso social do homem (de todos os homens) quando diz que
“[...] não são as ideias que modificam os homens, não basta conhecer uma paixão pela sua
causa para suprimi-la, é preciso vivê-la, opor-lhe outras paixões, combatê-la com tenacidade,
enfim, trabalhar-se” (p. 117). Assim, entende-se que é, também, no compromisso ético de
cada um que atua na definição das políticas, na gestão do sistema e na organização escola que
será possível constituir o novo momento da e na história da gestão escolar.
Por fim, este estudo demonstrou que as dificuldades que o diretor tem para
implementar relações democráticas, a partir de sua função, têm condicionantes: a) na
dimensão histórica: que explicita como o contexto econômico mantém historicamente o grau
de superioridade da função do diretor em relação aos demais trabalhadores da escola; b) na
organização estrutural: as condicionalidades impostas pelo sistema na caracterização do
trabalho da escola; e c) na formação cultural: a vivência social e a formação profissional
estão distanciadas de uma discussão crítica sobre a organização e gestão do trabalho da
escola.
Apontamos a necessidade de constituição de fórum permanente de discussão dos
processos de gestão educacional como uma via de solução para esses condicionamentos. A
possibilidade de superação do que está posto historicamente e que continua se reproduzindo
passa pela consciência dos processos de gestão da sociedade, para então construir novos
caminhos ou novos paradigmas para a organização da escola e o sistema no sentido de
garantir a todos o acesso a uma educação de qualidade.
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o diretor no processo de democratização da escola pública