FALÊNCIA. CONCEITOS BÁSICOS (arts. 75 a 82 da Lei 11.101/2.005) Rénan Kfuri Lopes Advogado, Autor de várias obras jurídicas, Palestrante, Articulista, Professor, Pósgraduado em Direito Empresarial, Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Tributário, Membro Integrante da Associação Brasileira de Direito Constitucional. Sumário: 1. CONCEITO E AFASTAMENTO DO DEVEDOR 2. A CELERIDADE E A ECONOMIA PROCESSUAL 3. A INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALENCIAL AS EXCEÇÕES: 3.1 AS CAUSAS TRABALHISTAS 3.2 AS EXECUÇÕES FISCAIS 3.3 AÇÕES DE CONHECIMENTO EM QUE FOR PARTE OU INTERESSADA A UNIÃO, ENTIDADE AUTÁRQUICA OU EMPRESA PÚBLICA FEDERAL 4. 3.4 AÇÕES QUE PLEITEIAM QUANTIAS ILÍQUIDAS 3.5 AÇÕES NÃO REGULADAS PELA LREF 3.6 AÇÕES REAIS IMOBILIÁRIAS SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO FALIDO PELO ADMINISTRADOR JUDICIAL E INCLUSÃO DA EPÍGRAFE NO NOME DA FALIDA 1 5. VENCIMENTO ANTECIPADO, EQUALIZAÇÃO E CRÉDITOS EM MOEDA ESTRANGEIRA 6. A DISTRIBUIÇÃO PREVINE A COMPETÊNCIA 7. DEPENDÊNCIA DOS INCIDENTES E AÇÕES PREVISTAS NA LREF 8. PREFERÊNCIA DOS PROCESSOS DE FALÊNCIA EM QUALQUER INSTÂNCIA 9. CRÉDITOS REMANESCENTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL 10. FALÊNCIA DE SOCIEDADE COM SÓCIOS ILIMITADAMENTE RESPONSÁVEIS 11. RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS SÓCIOS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, DOS CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DA FALIDA 11.1 A INDISPONIBILIDADE DOS BENS PARTICULARES 11.2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 11.3 . EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA PARA EMPRESAS DO GRUPO 1. CONCEITO E AFASTAMENTO DO DEVEDOR A lei falencial através do art. 75 alterou significativamente o conceito anterior de que a falência era o fim da empresa, pressupondo a figura de desonestidade do falido, sendo irrecuperável o crédito; superou-se a regra 2 drástica de que mors omnia solvit, ou seja, em tradução literal, uma ideia de que a morte [do devedor] tudo se resolveria. Originalmente o instituto da falência foi concebido sob forte inspiração punitiva. Pressupunha-se, então, a desonestidade do falido, refletida na máxima decoctor ergo fraudator 1. Por conta disso, destacavamse na falência as normas penais, destinadas à repressão do comerciante fracassado. Nesse contexto, compreendia-se a rigidez dos efeitos da quebra sobre a pessoa do comerciante atingido pela quebra, chegando a ser considerado como se fosse um morto, decoctor pro mortuohabetur. 2 Agora não é bem assim, pois a legislação vigente avançou sobremaneira, retirando do monopólio Judiciário os destinos da recuperação judicial e da própria falência. Tanto que no curso do processo de falência o Administrador Judicial e o Comitê podem se organizar e promover a venda imediata dos bens corpóreos, afastando a deterioração, ou desenvolver opções empresariais que estanquem custos da massa e possibilitem a geração de ingresso de recursos no ativo falencial, como, por exemplo, o arrendamento de equipamentos, de parque industrial, transferência para terceiros da força produtiva, numa ótica diversa da anterior. Enfim, além das enumeradas na Lex Specialis, os interessados têm o direito de promover 1 “ Na Id ad e Médi a p ro cu rou -se ma i s a i n da rep ri mi r e p un i r o s come rci a nt e s deson est o s, t al como um del i n qu en t e co mum. É q ue nes sa épo ca era t ra ço mar can t e a repr essã o pen al , p oi s o i n st i t ut o da f a l ênci a era ma i s se vero e, ao de vedo r, era l he i mp ut a da a p ena da i nf â mi a, o q ue l h e t o rna va um rép ro bo so ci al . E nã o f o i f á ci l o i n st i t ut o despr end er -s e d e s eus ví n cul o s p ena l i st a s. Cara ct e ri za va -s e a i n ci p i en t e t eori a f a l i ment a r, na Ida d e M éd i a, p el o a xi o ma d e co ct o r erg o f ra ud at o r ” (i n REQU IÃ O, Ruben s. Curso de Di rei t o Fal i m en t a r . 17 ed . São P au l o: S arai va, vol . I, 19 98 , p. 11 ). 2 SOU ZA JR. , Fran ci sc o Sat i r o d e; e P ITOMB O, An t on i o S ér gi o A. d e M. (C o ord s. ). Comen t ári os à L ei d e Re cup era çã o d e Emp re sa s e Fal ên ci a s: Lei nº 1 1. 1 01 / 20 05 Art i go por art i go. 2. ed . re v. , at u al . e ampl . São P aul o: Ed i t ora Re vi st a d o s Tri bun ai s, 2 00 7. p. 3 37 -33 8. 3 atitudes negociais lícitas com o propósito de minorar e reduzir os efeitos drásticos da quebra. Com isso, as chances de recebimento pelos credores aumentarão na recuperação judicial quanto na falência, defronte as novas oportunidades para a pronta realização do ativo e quiçá a reativação da falida sob um prisma negocial positivo. A atual LREF não é formalista e se preocupa com a função social da empresa dentro do seu meio de atuação. Empresa é risco 3. E há empresas que convivem com riscos diuturnos de iliquidez e nem por isso esmaecem 4. No Brasil, que adota um sistema capitalista e de economia instável -passando a ser normal a falta de liquidez na gestão empresária -- há riscos em qualquer atividade empresarial por inúmeros fatores que escapam ao controle até do mais competente homem de negócios, que podem levar a uma falência. Assim, arredada definitivamente a id eia ultrapassada de que o empresário falido seja uma erva daninha, salvo nos casos que o propó sito de fraude esteja latente. 3 Consi d er and o-s e a e mpr es a co mo a at i vi d ad e ec on ô mi c a or g an i zad a p ar a a pr odu çã o e ci rcu l açã o d e ben s ou d e ser vi ços, o e mp r esári o qu e a ex erce, pr ofi ssi on al e ha bi t ual men t e, t e m, p er man ent e men t e, n ece ssi d ad e d e p ess o al ha bi l i t ad o, ca pi t al , recu rs os n at u rai s e t ecn ol ogi a, ret i rand o -o s d o mer cad o de fat ores de pr odu çã o, d e t rab al h o, d e c a pi t ai s e t ecn ol o gi a, e xi gi nd o, p or ou t r o l ad o, a pu j anç a d o mer cad o consu mi d or d e bens e ser vi ços. Oc asi on al men t e, p or é m, p od e ocorrer i nd esej áve l cri se em d et er mi n ad a e mpre sa, vi st o q ue, por mai s qu e o e mp re sári o s e es for ce par a at uar d a mel h or for ma, n o d es e mp enh o d e sua at i vi d ad e e mpr esari al , est á su j ei t o a const ant es ri s c os ( P AC HECO, J osé d a Si l va. Pro ce sso d e Re cup eraçã o Ju di ci al , Ext raj u di ci al e Fal ên ci a, 4 ª ed. , 2 . 0 13 , Foren s e, R i o d e Janei r o, t ópi c o 1 71 . 2). 4 JÚNIOR, Wal d o F az zi o. Man ua l d e Di r ei t o Co mer ci al . Ed . Atl as, 3 ª ed . , p. 39 Refl exõ es so bre a cri se ec on ô mi c o-fi n an cei ra co mo pressu post o d a r ecu p er açã o j ud i ci al . 4 Indispensável essa afirmação, pois não se pode olvidar as centenas e milhares de empregos que os empresários falidos sustentaram durante o período de vida produtiva da empresa. E isso é importante ser dito, pois certamente esses empregos traduziram-se na sobrevivência de um grande número de famílias dos trabalhadores pelo curso de tempo que ficaram empregados. E essa sensibilidade muitas das vezes não é compreendida pelo Juiz, Administrador Judicial, Promotor de Justiça e Advogados dos credores, notadamente quando jamais praticaram em seus ofícios o dogma de empregar e gerar empregos, que possibilitassem aos trabalhadores com seus salários constituírem família, sustentando-as com dignidade. Entretanto, o empresário (pessoa natural ou jurídica) que não pagou os credores e se mostrou débil financeiramente (insolvente), a falência há de ser declarada (sentença), com o afastamento do devedor de suas atividades, visando preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa falida (art. 75 caput). O decreto da falência vem a ser um estado de direito da devedora proveniente da verificação e reconhecimento de um estado de fato preexistente de insolvência. Revela-se como uma crise econômico-financeira não ultrapassada pela recuperação, judicial ou extrajudicial, impossibilitando o empresário de prosseguir em suas atividades 5. Manteve a LREF o princípio de uma execução concursal, na qual todo o patrimônio do falido é apreendido para acudir aos credores num único juízo, privilegiando os trabalhadores mais necessitados numa ordem 5 CAMP IN HO, S ér gi o. Fal ên ci a e recu p era çã o de empr esa: O n ovo re gi me d a i nsol vê nci a empr es ari al . 3. ed. Ri o de Jan ei ro: R en o var, 2 00 8, p. 1 97 . 5 preestabelecida de pagamento. São preservadas as garantias legais contratuais, o direito dos credores trabalhistas, tributários, com garantia real, privilegiados e quirografários, em obediência à ordem de classificação de pagamento. A LREF tem sistema e regras processuais próprias, com algumas passagens complexas, jungida a fundamentos de direito substantivo que disciplinam os efeitos jurídicos na relação credor-devedor quanto aos seus direitos e obrigações, atuando o Juiz mais como superintendente da atividade administrativa interna do processo falencial, fazendo cumprir o desiderato legal, assumindo a ideia de patrimônio único. É uma universalidade jurídica (universitas iuris), de coletividade de direitos e deveres 6, que o Estado intervém ordenando essas relações jurídicas na qual há uma submissão obrigatória de todos que mantêm relação com a falida em vários quadrantes. Antes da falência, as sociedades são ordinariamente submetidas aos poderes de uma assembleia de quotistas ou acionistas 7, nas quais o empresário exerce seu poder de controle e a administração de certos órgãos específicos (sócios-gerentes ou administradores) 8. Porém, com o decreto da falência, o devedor se retira da gerência do destino da falida, pois os interesses doravante são dirigidos preponderantemente ao pagamento dos credores 9. 6 CC, art. 91 . Lei nº 6 . 40 4/ 7 6. Art. 12 1. 1 . A ass e mbl ei a -g eral , c on vo c ad a e i n st al ada de a cord o co m a l ei e o est at u t o, t e m pod ere s par a d eci d i r t od os o s ne gó ci o s rel at i vos a o o bj et o da c ompan hi a e t o mar as r es ol u çõe s qu e j u l gar c on ve ni en t es à sua d e fes a e des en vol vi ment o. 8 Con for me F á bi o Kon der C o mpar at o, ‘a so ci ed ad e n ão é o empr es ári o, i st o é, o t i t ul ar d o p od er d e cont r ol e, ma s o ‘t i t u l ar da e mp resa’. A l i gaç ão d a p es s oa j u rí di c a aos ben s s oci ai s n ã o é de poder ( pl ena i n repo t est a s ) e si m d e mera pert i n ênci a. Os bens s o ci ai s pert en c em à s oci ed ad e, mas q u e m d et ém s o br e el e s o p od er d e di sp osi ç ão é o e mpre sári o, ou s ej a, o t i t ul ar d o cont r ol e’ (COMP ARA TO, F ábi o Kon d er e F ILHO, Cal i xt o S al o mã o. O Po de r de Con t rol e na So ci ed ad e Anô ni ma . Ri o de Jan ei r o, F or ens e, 20 05 , p. 13 1). 9 LREF, art. 75 , cap ut . 7 6 Entretanto, os falidos não são totalmente afastados do processo de falência. Mantêm o direito de fiscalizar as habilitações, fiscalizar os atos praticados pelo Administrador Judicial no exercício do seu múnus, inclusive objetar as decisões de interesse da massa falida, peticionar nos autos e requerer o que entenderem necessário 10. Os mandatos outorgado s aos procuradores com poderes ad negotia cessarão como efeito legis da sentença da quebra11, enquanto os outorgados ad judicia para representação processual vigorarão até que sejam expressamente revogados pelo Administrador Judicial 12. Além de perder os poderes de administração dos bens, os falidos também perdem a capacidade de representar a devedora em juízo, pois a massa falida passa a ser, exclusivamente, representada pela figura do Administrador Judicial, sob pena de nulidade do processo 13. E é o Administrador Judicial nomeado pelo Juiz quem passa a responder pelos interesses transitórios da massa falida, enquanto não encerrada por sentença. Reflexo da falência imediato é a inabilitação do falido para o exercício de qualquer atividade empresarial e a p erda do direito de administrar os seus bens e deles dispor 14. Com a falência instaura-se o concurso universal dos titulares de créditos, obediente ao tratamento paritário entre os credores, par conditio creditorum, realizando o ativo do devedor empresário, incumbindo à massa 10 11 12 13 14 LREF , LREF , LREF , LREF , LREF , art. 1 03 , ca pu t e pará g r afo ú ni co. art. 1 20 , cap ut . art. 1 20 , § 1º . art. 7 6, p ará gr af o ú ni c o. arts. 1 02 e 1 03 . 7 falida, dentro de suas possibilidades, quitar integralmente ou ratear a satisfação dos créditos, em consonância com a ordem de classificação prevista na Lex Specialis. Difere a execução concursal das pessoas físicas, pois nessa quadra o processo da execução global é diverso, através da insolvência civil, regulamentada pelos arts. 748 usque 786-A do CPC 15. 2. A CELERIDADE E A ECONOMIA PROCESSUAL Os princípios da celeridade e da economia processual se encontram cimentados no parágrafo único do art. 75 da LREF. Ambos têm finalidade similar, pois a economia processual compreende, além da economia do tempo, também a do custo 16. Enquanto que o princípio da celeridade processual ou da razoável duração do processo advindo da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 está inserido entre os direitos e garantias fundamentais, qual seja, o direito à razoável duração do processo 17. No cotidiano forense o processo tem como anseio máximo, tanto por parte daqueles militantes no direito e, principalmente, aos jurisdicionados, a pretensão da menor onerosidade (economia de gastos e custos do mecanismo 15 A sent en ça q ue d ecl arar a i ns ol vên ci a ci vi l d o de ve d or n ã o co mer ci ant e (ci vi l ) eq ui val e, e m t e se, à da fal ên ci a e pre c ed e d e u ma fase co gn i t i va. De cl ar ad o o e st ad o i nsol ve nt e, i n i ci a -s e a fas e ex ecu t i va ( execu çã o u ni vers al ) qu an d o oc orr e rá a ve nd a dos bens arr ecad ad os para, co m o pr od ut o, part i l h ar en t re os cred or es. 16 “ Pel o pri ncí p i o d a cel eri d ad e, t od a e qu al qu er d el on g a oper a ci on al , ad mi n i st rat i v a e pr oc e ssu al d eve ser evi t ad a na máxi ma medi d a d o p os sí vel , ai nd a qu e s e res p ei t as se o car át er c o mpl e xo d o pr o cedi ment o fal i men t ar. O p ri ncí p i o d a e con omi a pro cessu al re co men d a o mí ni mo e mpre go p ossí vel de at i vi dad es j ud i ci ai s, co m o s mel h or es re sul t ad os p ossí ve i s da at u ação j urí d i ca, t an t o n a esfer a ci vi l q uant o n a cri mi n al . ” ( TZIR U LN IK, Lu i z. R ecup era çã o Ju d i ci a l de Empresa s e Fal ên ci a , Ed. R T, 5 ª Ed . , São P aul o, 2 . 00 2, p. 1 47 ). 17 CF , art. 5º . . . . LX X VIII. a t od os, n o âmb i t o j ud i ci al e ad mi n i st rat i vo, sã o ass e gu r ad os a raz oá vel d ura ção d o pr o ce ss o e os mei os qu e gar an t am a c el eri d ad e d e sua t rami t aç ão. 8 judiciário) e da mais rápida prestação jurisdicional (economia de tempo e de esforço para uma rápida solução da lide), embora saibamos que hoje essa conjetura de justiça pronta, rápida e sem procrastinação é utópica, salvo se suceder um revés na estrutura do Poder Judiciário desse país 18. Há muito prelecionava CHIOVENDA, “o princípio da economia dos processos, que mais não é que a aplicação do princípio do menor esforço à atividade jurisdicional e não só em cada processo, mas em referência a vários processos relacionados entre si: importa obter o máximo de resultado na atuação da lei com o mínimo emprego possível de atividade processual. Desse princípio se origina a solicitude das leis no simplificar e facilitar o curso do processo, a qual se revela, entre outros: a) nas sanções ou outras providências para impedir atos inúteis ou supérfluos; b) nas normas sobre a união de causas conexas; c) no uso das preclusões” 19. A Lei n. 11.101/2005 exige que os atuantes no processo, Juiz, Promotor de Justiça, Administrador Judicial e Advogados estudem suas disposições, regra geral, principalmente os novatos na área empresarial especializada. A ratio essendi da LREF é a rapidez da solução com o pagamento aos credores, por inteiro ou parcialmente, não se podendo prestar para o vedetismo midiático daqueles ensimesmados de criar inúmeros incidentes e recursos que ao final das contas nada trazem de positivo para o processo, senão a sua eternidade20. Claro que a lei haverá de ser cumprida e 18 “A ut o pi a est á l á no ho ri zo nt e. Ap ro xi mo do i s pa sso s, el a se af a st a do i s pa sso s. Cami n ho d ez pa sso s e o h ori zon t e co r re d ez pa s sos. Po r ma i s q u e eu ca mi nh e, jama i s al can çar ei . Para qu e ser ve a ut o pi a ? S erve pa ra i sso: p ara qu e eu nã o d ei x e de cami n ha r” (A ZEVEDO D IN IZ II). 19 CHIOVEN DA, Gi us e pp e. In st i t ui ções de Di r. Pro c. C i vi l , Ed. Foren s e, vol . I, n º 29 , p. 10 0. 20 A vai dad e e xc essi va, g era prep ot ênci a. Co m vai dade e pre pot ên ci a vo cê pod e at é i r l on ge. A gora, co m h u mi l d ad e e res p ei t o voc ê che ga a ond e qu i ser (GU ILHE RME A LBUQ UERQUE). 9 com rigidez, porém de maneira equilibrada e justa, de modo a permitir a satisfação possível aos credores e garantir ao devedor incauto a possibilidade de se reabilitar, desde que satisfeitos os requisito s legais. A direção do processo e os atos administrativos haverão de ser praticados com racionalidade, alcançando apenas e tão somente aqueles realmente necessários à prestação jurisdicional, eliminando -se o excesso de dispensáveis formalidades, em prol da efetividade da jurisdição, mas, sempre, preservando o sagrado direito de defesa. É preciso que os participantes da falência não se afastem da dicção desses dispositivos (art.75, parágrafo único e art.79), dispensando requerimentos e pedidos de diligênc ias sem proveito objetivo para que o processo prossiga mais enxuto e não fuja ao trilho do cronograma legal. E como há maneiras alternativas de interpretar ou “moldurar” o que encontram na norma, os intérpretes parecem ser bastante adictos a encontrar as justificações e argumentos que lhes convêm para afilar, limar e alterar seletivamente a mensagem normativa, data venia. A opção preferida (“justa”) é aquela que melhor se adéqua aos princípios, métodos, regras ou critérios de racionalidade, razoabilidade e objetividade por meio dos quais a decisão haverá de ser gerada. 3. A INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALENCIAL E SUAS EXCEÇÕES 10 De pronto, para melhor concatenar o tema, necessário esclarecer que competência do juízo tanto para o processamento da recuperação judicial quanto da falência é o do local do principal estabelecimento do devedor constante no Registro Público da Empresa 21 ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil 22. Havendo concorrência de juízos competentes, a prevenção será do juízo a qu e foi o pedido distribuído inicialmente contra o empresário ou sociedade empresária em relação ao devedor 23. Assim, qualquer outro pedido de falência, automaticamente será redirecionado para o juízo competente primeiramente distribuído. O art. 76, caput da LREF determina que o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido de conteúdo patrimonial, especificadamente nomeados no dispositivo “todas as ações sobre bens, interesses e negócio s do falido”. Esse princípio de unicidade exclusivamente para demandas previstas neste dispositivo (art. 76, caput) é conhecido no seio jurídico como a vis attractiva do juízo universal, possibilitando o conhecimento e acompanhamento por todos os credores da falida do caso concreto e seu reflexo nos bens, interesses e negócios do falido, que direta ou indiretamente possam refletir nos credores. O raciocínio traçado na ratio legis alcança na plenitude a condição de igualdade entre os credores, o par conditio creditorum, modular no direito falimentar 24. 21 CC, art. 1. 1 50 . LREF , art. 3 º . 23 LREF , art. 6 º , § 8º . 24 Tod as a s pr et en sõe s e xecut ó ri as c on t ra a mas sa se reún em n o j uí z o u ni vers al d a fal ên ci a (art s. 3º, 6 º e 11 5). 22 11 Assim, dentro da ordem de preferência estabelecida pela LREF, todos os credores são tratados com igualdade, em paridade de condição na moeda da falência quando dos seus pagamentos, vale dizer, segundo um mesmo índice percentual que exprime a proporcionalidade entre o ativo líquido, o passivo e o quantum do crédito individual. Também se presta com relevância para a administração da falência, pois as contendas serão de conhecimento comum do Juiz, Ministério Público, Administrador estabelecendo Judicial, uma credores, ampla relação falidos e terceiros interessados, processual coletiva, afastando a possibilidade de dispersão de ações que possam resultar em decisões conflitantes sobre os bens do falido com satisfação de algum credor fora da ordem de preferência legal 25, vez que os bens, interesses e negócios do falido 26, são, no frigir dos ovos, os que servirão para atingir o fito maior de estabelecer um ativo para o pagamento dos credores 27. Em síntese, por força da vis atractiva do juízo universal, uma vez decretada a falência, todas as ações e execuções individuais, salvo as exceções legais previstas na segunda parte do art. 76, caput, são atraídas para o processo falimentar 28. 25 At end e, e m t es e, aos pri n cí pi os da e con o mi a p ro cessu al - efi ci ên ci a d a pr est a çã o j uri sd i ci on al (art . 75 ), vez qu e os fat os e os p osi c i on ame nt o s j urí d i co s e m rel açã o ao s bens e n egó ci os d a fal i d a serã o d e t od os c on h e ci d os. 26 Nã o s e ol vi d and o de q u e t amb ém n a fal ên ci a h á a p os si bi l i dad e e pr es er va çã o d a ut i l i d ade pr odu t i va d a fal i d a ou de s eu s bens. 27 “S e, po r e xe mp l o, o co rr er a ci dent e d e t rân si t o en vol v end o veí cul o p ert en cen t e a uma co mpa nh i a, p or cul p a d o emp rega do d e st a , e , em s egu i da , f or d ecl arad a a su a f al ên ci a , a a çã o d e i n den i za ção a ser p ro mo vi d a pel o prop ri et á ri o d o o ut ro veí cu l o co rr erá p era nt e o juí zo u ni ver sa l da f al ên ci a , nã o se ap l i can do a regra d o a rt . 10 0, pa rág ra f o ú ni co do C PC --- f o ro do do mi cí l i o d o a ut o r ou l ocal d o f at o ” (COELHO, Fá bi o Ul h oa. Com ent á ri os à No va L ei de Fa l ên ci a s e d e R ecup era çã o d e E mp r esa s , Ed. Sarai va, 2. 0 05 , São Paul o, p. 20 1). 28 TJM G, A I 1 . 00 79 . 07 . 34 32 15 -9/ 0 01 , DJ 1 2. 1 0. 2 00 7. 12 AS EXCEÇÕES: Todavia há exceções previstas na segunda parte do caput do art. 76: “ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”. 3.1 AS CAUSAS TRABALHISTAS A constituição de um crédito líquido, certo e exigível, suscetível de ser a posteriori habilitado como credor da massa falida, oriundo da relação de trabalho terá como juízo competente para processar, julgar e liquidar a ação trabalhista a Justiça Especializada do Trabalho 29. As indenizações derivadas de acidentes de trabalho foram atraídas para o juízo laboral (EC 45/2.004), salvo aquelas que já tiveram sentença proferida pela justiça comum. 3.2 AS EXECUÇÕES FISCAIS O art. 5º da Lei n. 6.830/1980 que versa sobre as execuções tributárias afasta a competência privativa da lei de quebra, direcionando -as para o juízo da vara especializada para processar e julgar as execuções da Dívida Ativa da Fazenda Pública, com exclusão de qualquer outro juízo 30. E, ainda, o art. 187 do CTN prevê que as execuções tributárias não se sujeitam a nenhum concurso de credores, nem à habilitação de crédito na falência. 29 CF , art. 1 14 e LRE F, art. 6 º , § 2º. A P ri mei ra Tur ma d o Su peri or Tri bu nal d e Ju st i ça, n o j u l ga ment o d o REs p. n º 64 4. 3 37 / RS, Rel . Mi n . Jos é D el gad o, DJ d e 1 9 . 1 2. 2 00 5, reconh e ceu, c om ba se e m vá ri os pr ec ed en t e s d o Tri bu n al , a p ossi bi l i d ad e d e ser sus p en s a a çã o d e ex ecu çã o fi s cal , ‘ e m r az ã o d e ex ame, n o Ju í zo F al i men t ar, de ped i d o d e re st i t ui çã o d e ad i ant a men t o d e c ont rat o d e c âmbi o, u ma vez q ue es se cr édi t o, por se c on st i t ui r e m coi sa d e t erc ei r o, pr efer e a qu al q u er ou t r o, i ncl u si ve o créd i t o t ra bal h i st a e fi sc al . 30 13 3.3 AÇÕES DE CONHECIMENTO EM QUE FOR PARTE OU INTERESSADA A UNIÃO, ENTIDADE AUTÁRQUICA OU EMPRESA PÚBLICA FEDERAL É competente a Justiça Federal nas lides e ações de conhecimento que versarem interesse da União, Entidade Autárquica ou Empresa Pública Federal como traçado pelo art. 109, inciso I da Constituição Federal 31. 3.4 AÇÕES QUE PLEITEIAM QUANTIAS ILÍQUIDAS O juízo universal da falência não atrai as ações que estejam em tramitação no curso da falência discutindo quantia ilíquida, vez que há necessidade de se apurar um quantum certo, líquido e exigível para que possa ingressar no quadro de credores da massa falida. Assim, enquanto não atingida essa fase com a constituição do título judicial líquido e certo, não há como invocar a competência do juízo falencial 32. 3.5 Há AÇÕES NÃO REGULADAS PELA LREF no direito uma multiplicidade de demandas traçadas nas legislações substantivas, materiais e especiais. Entretanto, a LREF tem como escopo único angariar recursos com a realização do ativo, vendendo os bens dos falidos para o pagamento dos credores ou respondendo a massa por prejuízos causados a terceiros. Portanto, sendo a massa falida autora, ré ou litisconsorte ativa e passiva de ação que não tem regulamentação prevista na LREF (v.g., ação de desapropriação, usucapião, despejo, etc.), a regra da 31 CF, art. 10 9. Aos j uí ze s fed erai s c o mp et e pr oc ess ar e j u l gar: I. As cau sa s e m qu e a Uni ã o, en t i d ad e au t árq ui c a ou e mpre sa pú b l i ca fed er al fore m i n t ere ss ad as n a cond i ç ão d e au t oras, ré s, as si st en t es ou op on en t es, e xcet o as d e fal ên ci a, as d e aci d en t es d e t rabal h o e a s suj ei t a s à Ju st i ça El ei t or al e à Just i ç a d o Tr ab al h o; (. . . ). 32 LREF , art. 6º , § 1º . Ter á pr o ss e gu i men t o n o j u í zo n o q ual est i ver se pr o ces san d o a ação q ue d e mand ar q uant i a i l í q ui d a. 14 competência a ser seguida é aquela prevista no CPC ou na legislação especial. Merece realce a questão relativa às “instituições financeiras”, pois a LREF dispõe no art. 2º, II que esta lei não se aplica às instituições financeiras públicas ou privadas 33. Porém, na parte das disposições finais, a mesma LREF no seu art. 197 prevê que enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos na Lei n. 6.024/74 que dispõe sobre a Intervenção e a Liquidação Extrajudicial de Instituições Financeiras. E o art. 12, alínea `d´ da Lei 6.024/74 autoriza ao liquidante 34 “requerer a falência da entidade quando o seu ativo não for suficiente para cobrir sequer metade do valor dos créditos quirografários, ou quando julgada inconveniente a liquidação extrajudicial, ou quando a complexidade dos negócios da instituição ou a gravidade dos fatos apurados aconselharem a medida”. 35 Assim, preenchidos os requisitos dessa lei especial, possível ao liquidante confessar a falência da instituição financeira, sendo competente o juízo universal da falência para a medida cautelar de sequestro (tem como objeto a indisponibilidade de bens dos réus) e a ação principal de responsabilidade 33 LREF, art. 2º. Esta Lei não se aplica a: I.empresa pública e sociedade de economi a mista; II. instituição financeira pública ou pri vada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capital ização e outras enti dades legalmente equiparadas às anteriores. 34 Lei n. 6. 024, art. 16, caput. A liquidação extrajudicial será executada por li quidant e nomeado pelo Banco Central do Brasi l, com ampl os poderes de administração e liquidação, especial mente os de verificação e classificação d os créditos, podendo n omear e demitir funcionários; fi xando-lhes os venci mentos, outorgar e cassar mandatos, propor ações e representar a massa em juízo ou fora dele. 35 O art. 21, alínea ´b´ da Lei n. 6.024/74 também permite ao liqui dante requerer a falênci a da entidade, quando o seu ativo não for sufi ciente para cobrir pelo men os a met ade d o valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de cri mes falimentares. 15 (indenização) estabelecidas nos art. 45, caput e 46, caput da Lei n. 6.024/74 36. 3.6 AÇÕES REAIS IMOBILIÁRIAS As ações que versam sobre os direitos reais imobiliários, embora não elencadas nas exceções do art. 76 da LREF, persiste sua tramitação no juízo da situação da coisa (CPC, art. 95), prescrevendo o art. 83, inc. II da LREF que os créditos com garantia real (hipoteca, penhor, anticrese, etc.), o credor terá direito a receber até o limite do bem gravado 37. 4. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO FALIDO PELO ADMINISTRADOR JUDICIAL E INCLUSÃO DA EPÍGRAFE NO NOME DA FALIDA Ocorrerá sempre a substituição processual do falido pelo Administrador Judicial em todas as ações que a massa integrar os pólos ativo e passivo, sem exceção. Incumbirá ao Juiz da causa em curso fora do juízo falencial, determinar que o Administrador Judicial seja intimado da demanda nas formas previstas pela legislação instrumental civil, atingindo esse objetivo, sob pena de recair nulidade sob o processo (arts. 76, parágrafo 36 Lei n. 6.024/74. Art. 45, caput. Concluindo o inquérito pela existência de prej uízos, será ele, com o respecti vo relatório, remetido pelo Banco Central do Brasil ao juiz da falência, ou ao que for competente para decret á-la, o qual o fará com vista ao órgão d o Ministério Público, que, em 8 (oito) di as, sob pena de responsabilidade, requererá o sequestro dos bens dos ex-administradores, que não tinham sido atingi dos pel a indisponibilidade prevista no art. 36, quantos bastem para a efetivação d a responsabili dade. Art. 46, caput. A responsabilidade dos ex-administradores, defi nida nesta Lei, será apurada em ação própria, proposta no juízo d a falência ou no que for para ela competent e. 37 S TJ, Con fl i t o d e Co mp et ên ci a 2 . 13 6/ S P, DJ 1 6. 03. 1 99 2. 16 único 38 c.c. art.22, III, alínea ‘n’ e art.12, III do CPC). Haverá também necessidade de se alterar na distribuição o nome da parte falida, incluindo a epígrafe “falência de” (art.191 parágrafo único) 39. 5. VENCIMENTO ANTECIPADO, EQUALIZAÇÃO E CRÉDITOS EM MOEDA ESTRANGEIRA A decretação da falência determina o vencimento antecipado ope legis das dívidas certas do devedor e dos sócios ilimitada e solid ariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros legais ou outros porventura convencionados (compensatórios e moratórios), ex vi art. 77 40. Possível também identificar os juros embutidos, através do cotejo entre o valor das vendas à vista e das vendas a prazo dentro da prática empresarial do credor. Esse dispositivo não obriga ao pagamento imediato das dívidas vencíveis na data da falência, mas antecipa no tempo a produção dos efeitos da relação jurídica obrigacional - fatos jurídicos de execução diferida, também previsto no art. 333, inc. I do Código Civil 41-, centralizando o valor da obrigação numa única data de vencimento dos créditos: o dia que a sentença de quebra foi proferida. 38 LREF, art. 76 . Parág r af o ú ni c o. Tod as as açõ es, i n cl u si ve as e xc et uad a s no cap ut d est e art i g o, t er ã o pr oss egui ment o c om o ad mi ni st r ad or j u di ci al , qu e de ver á s er i nt i mad o para r epresent ar a mass a fal i da, s ob p en a d e nu l i d ad e d o pr o ce ss o. 39 LREF, art. 19 1. Parág raf o ú ni co. As pu bl i c aç õ es ord en ad as n est a Lei cont er ã o a epí gra fe "r e cu p era çã o j ud i ci al d e ", "r ecu per açã o ext raj u di ci al de " ou "fal ên ci a d e". 40 Os j u ros re mun erat óri os é a forma d o cred or r ec eber u m va l or ad i ci on al p el o t e m p o qu e fi cou pri va d o d o pr on t o adi mpl ement o . 41 CC, a rt. 3 33 . A o cr ed or assi st i rá o di rei t o d e co brar a d í vi d a an t es d e ve n ci d o o pr az o est i pul ad o n o c ont rat o ou mar cad o n est e C ód i go: I - n o c as o d e fal ênci a d o de ved or, ou d e con curs o de c red or es; (. . . ). 17 Antes da decretação da falência são devidos os juros de mora, independentemente da existência de ativo suficiente para o pagamento do principal, sendo viável a aplicação da taxa SELIC 42, que se perfaz em índice de correção monetária e juros; e após a decretação da falência, a incidência dos juros fica condicionada à suficiência do ativo para o pagamento do principal e de todos os créditos, inclusive os subordinados 43. O mesmo princípio aplica-se aos créditos trabalhistas, cujos juros haverão de ser computados, a princípio, até a data da quebra 44. Preserva-se o tratamento igualitário aos credores, par condictio creditorium. Porém, resta mantida a obrigação do credor promover a habilitação do seu crédito, cujo valor será calculado com base na data da sentença da quebra e incluído no quadro geral de credores na ordem de sua classificação para oportuna satisfação. A disposição do art. 77 harmoniza com a do art. 124, caput, ambas da LREF no tocante à inexigibilidade dos juros vencidos após a decretação da falência, previstos em lei ou em contrato, desde que, aí há uma condicionante, “se o ativo não bastar para o pagamento dos credores subordinados”, ou seja, acaso o ativo da massa falida for suficiente para o pagamento integral dos créditos com preferência na ordem de classificação com a integralidade dos juros. 42 A Tax a S el i c con st i t u i o val or a pu r ad o n o Si s t e ma Es peci al d e Li q ui d a çã o e d e Cust ó di a, med i an t e c ál cu l o da t a x a méd i a p on derad a e aj ust ad a da s o per açõ es d e fi nan ci a men t o p or u m d i a e re fl et e, basi ca m en t e, as c ond i çõ es i n st an t ân e as d e l i qu i dez n o mer cad o mon et ári o, d ec o mp on d o -s e em t axa d e j ur os r e ai s e t a xa d e i nfl a ção n o p erí od o c on si d erad o ( S TJ, Ag Rg n o Re s p 1. 0 86 . 05 8/ P R, DJe 03 . 09 . 20 09 ). 43 S TJ, Resp 6 87 . 41 7/ P R, DJ 21 . 02 . 2 00 6 e Resp 2 58 . 31 4/ RS , DJ 06 . 03. 2 00 6. 44 S TJ, Resp 4 48 . 63 3/ MG, DJ 14 . 0 4. 2 00 3. 18 Mas é lógico que se não estipulados juros, nada há para ser deduzido do valor do crédito. Insta pontuar que esse regramento não se aplica em relação aos créditos do falido. Mutatis mutandis, o vencimento antecipado dos juros não se aplica por impossibilidade lógica àquelas dívidas sem um prazo ou termo definitivo, cujo adimplemento só se dará mediante o cumprimento de obrigações futuras. Nessa hipótese, aplica-se a regra geral dos juros até a data da quebra. Aplica-se o vencimento antecipado das dívidas com o abatimento dos juros, às dívidas contraídas apenas pela sociedade falida e aos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis (CC, art. 333, inc. I), não alcançando terceiros devedores solventes que assumiram como garantidores da dívida. Mas aos créditos do falido não se aplicam essa antecipação, permanecendo as datas ajustadas dos seus respectivos vencimentos. Preservando o princípio de igualdade entre os credores, todos os credores estrangeiros ou nacionais em moeda estrangeira deverão ter seus crédidos convertidos na moeda do país pelo câmbio do dia da decisão judicial da quebra, impedindo, com isso, os efeitos da variação cambial 45. O Juiz ao proferir a sentença, na parte dispositiva, deliberará sobre qual o valor da taxa de conversão do dólar e do euro (moedas mais praticadas no mercado internacional), informando a fonte adotada no decisório para fins de cálculo. Sabendo que hoje o câmbio é flutuante, diante das constantes 45 É vál i da a cont rat açã o em moed a est r an gei ra, d e sde qu e o p agame nt o s ej a e fet u ad o med i an t e a d e vi da c on ver são e m moed a n aci o nal ( v. g. S TJ AI 61 2. 4 05 / MG, DJ 22 . 08 . 20 05 ; Resp 4 02 . 0 71 / CE, DJ 24 . 02. 2 00 3). 19 intervenções do Banco Central do Brasil, caberá ao Juiz fixar um critério. Ad exemplificandum, critério razoável seria o “câmbio oficial informado no site do Banco Central do Brasil” no link de conversão de moedas na data da falência. Se na sentença não contiver essa particularidade, ela poderá vir a ser deliberada posteriormente pela via integrativa dos embargos declaratórios ou por uma decisão interlocutória, pois não se trata de matéria essencial do decisum da quebra. 6. DISTRIBUIÇÃO PREVINE A COMPETÊNCIA O art. 78 caput prevê que os pedidos de falência estão sujeitos a distribuição obrigatória ao juízo competente dentro da organização do judiciário de cada estado, com ou sem varas especializadas, respeitando a ordem cronológica de apresentação no cartório distribuidor. Se competente, o primeiro pedido de falência distribuído p revine definitivamente o juízo. Em caso de ajuizados outros requerimentos, restarão prejudicados seu processamento em virtude da anterior distribuição no mesmo sentido, cabendo ao Juiz determinar sua remessa para apensamento ao primitivo pedido de falência 46. Tecnicamente falando, não se aplica a regra processual da prevenção para o Juiz de igual competência que primeiro despachar, mas sim a ordem cronológica do protocolo no cartório distribuidor, como diz a lei, “respeitada a ordem de apresentação”. 46 LREF, art. 6 º . . . § 8 º . A di st ri bui ção d o ped i do d e fal ên ci a ou d e re cu p era çã o j ud i ci al pr evi n e a j uri sdi çã o d e q u al q ue r ou t ro ped i do de r ecu per ação j ud i ci al o u d e fal ên ci a, rel at i vo ao mes mo d e ve d or. 20 7. DEPENDÊNCIA DOS INCIDENTES E AÇÕES PREVISTAS NA LREF E também serão distribuídas por dependência ao processo matriz da quebra as demandas incidentais que envolvam os bens, interesses e negócios do falido, bem como aquelas expressamente previstas na LREF, v.g., habilitação de crédito, impugnação de crédito, ação revocatória, ação de restituição, ação de responsabilidade dos administradores, ação de retificação do quadro geral de credores 47, prestação de contas e relatórios do Administrador Judicial (art. 78, parágrafo único). 8. PREFERÊNCIA DOS PROCESSOS DE FALÊNCIA EM QUALQUER INSTÂNCIA A prioridade para o processamento e julgamento do processo principal da falência e via de consequência seus incidentes se trata de norma cogente prevista no art. 79. Por isso, preferem a quaisquer outros na ordem de agilidade dos feitos em qualquer instância. O escopo é alcançar com a maior brevidade a satisfação de uma comunidade de credores, vez que numa falência, regra geral, a maioria dos credores são trabalhadores de parcos recursos financeiros, dentro da lógica legal da celeridade e da economia processual 48. Como não é possível a criação de varas especializadas na maioria das comarcas do interior, seria interessante que as Corregedorias de Justiça dos Tribunais delegassem a uma determinada vara cível o processamento das falências, resultando num melhor conhecimento desta matéria especializada 47 48 LREF , art. 1 0, § 6 º. LREF , art. 7 5, p ará gr af o ú ni c o. 21 por parte do Juiz, Ministério Público, Advogado e Serventuário da Justiça. Não são poucos os magistrados e promotores de justiça que se aposentam compulsoriamente e têm pouca ou nenhuma noção da lei especial que versa sobre recuperação judicial e falência. 9. CRÉDITOS REMANESCENTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Dentro do princípio do aproveitamento dos atos praticados em nome da celerid ade processual, considerar-se-ão habilitados os créditos remanescentes de frustrada recuperação judicial incluídos no quadro geral de credores convertidos em falência, porquanto já aferidos sua exatidão, existência, montante e qualificação na recuperação de crédito (art. 80). Outrossim, não mais poderão ser objeto de impugnação na falência as habilitações de crédito não impugnadas e inclusas no quadro geral de credores, pois reconhecidos definitivamente sua existência, valor e classificação, restando preclusa (temporal=inércia dos credores depois de publicados os editais e consumativa= as impugnações foram definitivamente julgadas) qualquer insurgência 49, salvo as hipóteses do art. 19, caput. 50 A publicidade da relação de credores é referendada desde o início do processo da recuperação judicial com a apresentação na inicial da relação nominal dos credores e empregados 51, publicada na decisão que defere o processamento 52 e oportunizado aos credores e ao Administrador Judicial sua 49 LREF , art. 1 5, I. LREF, art. 1 9, ca pu t . . . fal si d ad e, d ol o, si m ul açã o, fr aud e, err o es sen ci al ou , ai nd a, d ocu me nt o s i gn orad os na é po ca d o j u l g ament o d o cr éd i t o ou d a i n cl u são n o qu ad r o-geral d e cr ed or es. 51 LREF , art. 5 1, i nc. III e IV. 52 LREF , art. 5 2, § 1 º , II. 50 22 conferência 53. E, ainda, diante da obrigatoriedade da publicação do rol de credores quando da decretação da falência, mesmo nos casos de convolação na quebra e nas declarações prestadas pelo falido 54. As habilitações de crédito em curso, ainda não julgadas na recuperação judicial convolada em falência ou as novas que estejam em curso, prosseguirão regularmente na falência, obedientes aos trâmites legais. Os eventuais recebimentos efetivados no período da recuperação judicial serão deduzidos do valor apontado na habilitação de crédito, atualizando-os pelas tabelas oficiais aplicadas no juízo, bastando refazer o cálculo para se atingir o valor atualizado do crédito. 10. FALÊNCIA DE SOCIEDADE COM SÓCIOS ILIMITADAMENTE RESPONSÁVEIS Cumpre observar que na realidade, o art. 81 da LREF terá pouca aplicabilidade, com diminuta repercussão pragmática nos palcos forenses, pois incomuns os casos de sociedade com responsabilidade ilimitada dos sócios, restringidas apenas às raras sociedades em nome coletivo e a comandita simples em relação aos sócios que nos estatutos se apresentem como ilimitadamente responsáveis. E mesmo assim, essas sociedades deverão ter a natureza de sociedades empresárias, para serem suscetíveis à quebra (art. 1°). Portanto, ficam fora da incidência o empresário - pessoa física, a sociedade limitada, a sociedade anônima e a sociedade simples. 53 54 LREF , art. 7 º , § 1º . LREF , art. 9 9, p ará gr af o ú ni c o e art. 10 4, XI. 23 A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes sócios, que ficarão sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzido s em relação à sociedade falida. E por isso, deverão ser citados individualmente todos os sócios para, querendo, apresentarem as respectivas contestações ao pedido de falência (art. 81, caput), aplicando -se o prazo dobrado do art. 98, caput, vez que incidente a regra do art. 191 do CPC 55. Formar-se-á um litisconsórcio passivo necessário. A falta de citação de qualquer sócio ilimitadamente responsável acarretará insanável nulidade ab ovo do processo. Com a sentença da quebra, cada um dos sócios ilimitadamente responsáveis constituirá uma massa falida individual própria, formando -se várias massas falidas agrupadas em litisconsórcios passivos. Os sócios ilimitadamente responsáveis terão as suas falências decretadas juntamente com a da sociedade. Os efeitos previstos no art. 81, caput estendem-se àquele sócio que tenha se retirado voluntariamente ou excluído da sociedade há menos de 02 (dois) anos quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência como prescrito no §1º do art. 81. Anote-se a importância do marco quanto ao prazo a quo da responsabilidade dos sócios ilimitadamente responsáveis que se retiraram ou foram excluídos da sociedade prevista no §1º do art. 81 , qual seja, há menos 55 LREF, art. 98 , ca pu t . Ci t ado, o d eved or p od erá apr esent ar c on t est a çã o n o pr az o de 1 0 (d ez) di as. 24 de 02 (dois) anos do arquivamento da alteração do contrato nos órgãos competentes, gerando daí os efeitos de direito erga omnes desse ato jurídico. Portanto, é considerado ineficaz o afastamento do sócio dentro de 02 (dois) anos, respondendo com seu patrimônio se ocorrer a quebra. Essa retroação dos efeitos prevista no §1° do art. 81 foi mal redigida, pois açambarca apenas ao sócio que tenha “se retirado voluntariamente” ou “excluído da sociedade” 56. Sem dúvida alguma, dá margem à interpretação que o dispositivo não inclui o sócio que vendeu suas cotas, pois não está enquadrada essa hipótese nas situações expressamente delimitadas de retirada voluntária e exclusão, salvo se demonstrada a má-fé nesta alienação. A sentença de quebra estenderá automaticamente seus efeitos ao patrimônio dos sócios ilimitadamente responsáveis que poderá ser arrecadado, não levando em conta a personalidade jurídica dos sócios (pessoas físicas ou jurídicas). Evidente que os bens de família protegid os pela Lei n. 8.009 de 29.03.1990 e outros relacionados como impenhoráveis pela lei instrumental civil (CPC, art. 649) e leis esparsas, a princípio, não poderão ser arrecadados. Agora, acerca da reserva da meação do cônjuge do sócio ilimitadamente respo nsável, se porventura atingida na arrecadação, nas hipóteses em que a lei e a jurisprudência preservarem esse direito ao cônjuge que não participa da sociedade, o afastamento da constrição judicial será discutido em sede de embargos de terceiro promovidos pela parte interessada, analisando de per se cada caso concreto e suas particularidades. 56 A pen as os só ci os qu e de scu mp r em a s obri ga çõ e s s o ci ai s pre vi st as n o s est at ut os ou pr at i qu e m at os i l í ci t os s ão c o mpul s ori ament e e xcl u í d os d a so ci ed ad e, ger al men t e at ra vés d e aç ão de d i ssol u çã o parci al de s oci eda de. 25 A representação processual das sociedades com sócios ilimitadamente responsáveis ficará a cargo dos seus administradores ou liquidantes prevista no contrato social, que terão os mesmos direitos e obrigações do falido (art. 81, §2°). Mas isso não quer dizer que os administradores e liquidantes não sócios terão contra si os efeitos da falência, pois o dispositivo é sistemático e exaure-se na questão da representação 57. Se demonstrado que os administradores ou liquidantes agiram contra a lei, sendo que esses atos deram causa à falência da sociedade, desde que demonstrado cabalmente essa circunstância, além dos direitos garantidos aos falidos pela LREF, também ficarão sujeitos às mesmas obrigações dos sócios ilimitadamente responsáveis (art.81, § 2º, parte final). 11. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRA OS SÓCIOS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, OS CONTROLADORES E OS ADMINISTRADORES DA FALIDA O art. 82 reuniu nesse único dispositivo tanto a ação de responsabilização como a ação de integralização. Têm legitimidade ativa o Administrador Judicial, o Ministério Público e qualquer credor da massa falida. E podem figurar no pólo passivo as pessoas físicas ou jurídicas dos sócios de uma sociedade de responsabilidade limitada, dos controladores de uma sociedade anônima, daqueles que ocupam cargos de administração de qualquer sociedade falida e terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) que venham a praticar condutas ilícitas (atos fraudulentos). 57 Co m o d e cret o d a ban c arr ot a, os fal i do s p erd e m a ad mi ni st r açã o d e seus b en s e o pod er de d i s por so bre el es ( art . 1 03 ). 26 O rito é o ordinário do CPC, com fundamento na legislação civil ou especial que regulam as suas respectivas responsabilidades. A competência para o processamento e julgamento da ação de responsabilidade é exclusiva do juízo fale ncial pelo qual tramita a falência da sociedade (art. 82, caput) 58. A base legal para o ajuizamento da ação de responsabilidade não é o fato isolado da quebra, mas sim a identificação do ato de direção direta ou indireta da falida considerado ilícito, contrário aos objetivos da sociedade, que malfere a legislação civil ou especial da atividade empresarial da sociedade falida, que venha a lhe redundar danos (CC, art. 1.080) 59. A apuração da responsabilidade está desvinculada da realização do ativo e da constatação de sua insuficiência patrimonial, tencionando apenas para a identificação dos responsáveis. FÁBIO ULHOA COELHO elucida a propositura da ação de responsabilidade contra os sócios para fins de integralização do capital social, independentemente de ilícito como prevê o art. 1.052 do Código Civil 60. A finalidade da demanda, “ação de integralização”, teria como 58 CPC, a rt. 1 13 . A i nc omp et ên ci a a bs ol u t a d e ve ser d e cl ar ada d e o fí ci o e p od e s e r al eg ad a, e m q u al qu er t e mpo e grau de j u ri sdi ç ão, i nd ep en den t ement e d e e xce çã o. §1 º . Não send o, p or é m, d edu zi d a n o pra z o da con t est a çã o, ou n a pri mei r a op ort u ni d ad e e m q u e l he cou b er fal ar n os aut o s, a part e r es pond erá i nt e gral men t e pel as cu st as. § 2º . De cl ar ad a a i nc omp et ênci a absol u t a, s oment e os at os d eci sóri o s ser ã o n ul os, re met end o-s e os aut os ao j u i z c omp et en t e. 59 CC, art. 1. 0 80 . As del i ber açõ es i n fri n gent es d o c on t rat o ou d a l ei t orna m i l i mi t ad a a res pon sa bi l i dad e do s qu e ex pr es sa men t e as a pr o va ra m. 60 CC, art. 1 . 0 52 . Na s oci ed ad e l i mi t ad a, a res p on sa bi l i dad e de c ad a só ci o é re st ri t a ao val or de su as q u ot as, ma s t od os r es p on d e m sol i dari a men t e p el a i n t egr al i za çã o d o ca pi t al so ci al . 27 objeto a condenação para que os sócios integralizassem o valor do capital subscrito 61. A responsabilidade é subjetiva e é necessário que o autor da ação ordinária demonstre por prova segura, identificando quem cometeu o dano, os fatos ocorridos, a disposição legal contrariada e o valor do prejuízo 62. O valor pecuniário do dano poderá ser identificado de plano, apurado no transcorrer da instrução ou em liquidação de sentença pelos meios de prova admitidos em direito, pois o produto alcançado servirá para pagar os credores. O propósito único da ação ordinária de responsabilidade falencial é declarar a responsabilidade dos sócios e terceiros que tenham contribuído diretamente para causar a quebra, respondendo com seus patrimônios para a satisfação dos credores da massa falida. A ação ordinária de responsabilidade poderá ser proposta no limiar do processo de falência, até mesmo antes da alienação dos bens arrecadados (realização do ativo) e da demonstração se o que foi vendido será ou não suficiente para pagar os débitos da massa falida (satisfazer o passivo). Isso possibilitará um adiantamento da prestação jurisdicional quando se constatar por antecipação, de forma concreta, segura, a prática de ato ilícito pelos demandados (art. 82, caput). 61 COE LHO, F ábi o Ul h oa. Com ent á ri os à No va L ei de Fal ên ci a s e de Recu pe ra ç ã o Ju di ci a l , Ed . Sarai va, 2 . 00 5, S ão P au l o, p. 2 10 . 62 Na Ju st i ça d o Tr abal h o a res p on sa bi l i dade d os só ci os é o bj et i va, re sp on den d o o s mes mos c om s eus res pect i vos pat ri môn i os n o c aso d e des cu mpri ment o de obri ga çõe s t rab al hi st a s d e for ma a obst ar o l o cu pl et a men t o i nd e vi d o do t rab al h o al hei o. S e o pat ri môn i o d a emp re sa d esa par e c er, p ou co i mpor t an do a cau sa, os só ci os, di ret ore s e di ri gent es r esp on d e m c o m s eu s pat ri mô ni o s pess oai s . ( TR T/ S P, 02 96 03 11 70 6, Ac. 02 97 00 04 58 0). 28 Importante ressaltar que nessa ação a responsabilidade é subjetiva, pois as obrigações são de meio e não de resultado, impondo-se verificar se as atitudes praticadas enquadram-se ou não dentro da noção racional e usual da diligência do cargo. Figurarão no pólo passivo o sócio quando infringir a lei ou o contrato social (CC, art.1.080) agindo com abuso de direito (CC, art. 187) 63; o administrador da sociedade limitada quando trouxer prejuízos à sociedade por descumprir seus deveres de diligência (CC, arts. 1.011 e 1.016) 64; o acionista controlador por abuso no exercício do poder de controle (LSA, art. 117) 65; o administrador de sociedade anônima se conduzir de forma ilícita os negócios sociais (LSA, art. 158) 66. Se a sentença na ação de responsabilidade for proferida antes do encerramento da falência, haverá de ser consignado na sua parte dispositiva a ressalva de que o valor da condenação será executado apenas até o limite do saldo devedor remanescente para a satisfação dos credores da massa falida. Assim, se o ativo realizado na falência cobrir integralmente o passivo, a execução da sentença de responsabilidade se limitará à parte sucumbencial, perdendo-se o objeto a outra parte da execução em virtude da superveniência da quitação aos credores da massa falida. A ação de responsabilidade é 63 CC, a rt. 18 7. Ta mbé m co met e at o i l í ci t o o t i t ul ar de u m d i rei t o q u e, ao e xer cê -l o, exc ed e mani fest ament e os l i mi t es i mpost os pel o seu fi m ec on ô mi c o ou s oci al , pel a bo a-fé ou pel os bons c ost u mes. 64 CC, art. 1. 01 1, cap ut . O ad mi ni st rad or d a s o ci edad e d ever á t er, n o e xer cí ci o d e suas fun çõ es, o cu i d ad o e a di l i g ên ci a qu e t od o h ome m at i vo e pr ob o cost u m a empr eg ar n a ad mi ni st ra çã o de s eu s pró pri os ne gó ci o s. CC, art. 1. 01 6. Os ad mi ni st r ad or es r esp on d e m s ol i d ari a men t e per an t e a s oci ed ade e os t er cei ro s pr ej ud i cad os, por cul p a n o des empen ho de su as fun çõ e s. 65 Lei 6. 4 04 / 74 , a rt. 11 7, ca pu t . O a ci on i st a cont rol ad or r es pon d e pel o s d an o s cau sad os por at os prat i c ad os c o m a bu s o de pod er . 66 Lei 6 . 40 4/ 7 4, art. 15 8. O admi n i st r ad or nã o é pess oal men t e r esp on s ável pel a s obri ga çõ es qu e c on t rai r em n ome d a s oci edad e e em vi rt ud e d e at o regu l ar d e g est ã o; res p on d e, porém, ci vi l men t e, p el os pr ej uí z os q u e cau sar, q u and o pr oced er: I. d ent r o de su as at ri bu i çõe s ou pod ere s, c om cul p a ou dol o; II. c o m vi ol a çã o d a l ei ou d o est at u t o. 29 limitada à importância pecuniária suficiente para cobrir a insuficiência remanescente do passivo, endereçada ao pagamento dos credores. Prescreverá em 02 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilidade (art. 82, § 1º) 67. Após o encerramento da falência, desaparecendo do cenário jurídico a figura do Administrador Judicial, a legitimidade ativa restringirá aos credores que porventura não tenham recebido integralmente seus créditos no transcorrer do processo de falência, dando oportunidade de reivindicá-los através da ação de responsabilidade em comento, preservando a competência do juízo falencial pelo qual tramitou a falência encerrada. 11.1 A INDISPONIBILIDADE DOS BENS PARTICULARES É possível de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ao autor da ação, na maioria das vezes a massa falida, que sejam indisponibilizados os bens particulares dos réus na medida certa prevista em lei, qual seja, “em quantidade compatível com o dano provocado”, até o julgamento da ação de responsabilização (art. 82, § 2º). Considerando se tratar de uma ação ordinária, essa pro vidência preventiva haverá de obedecer aos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil que trata da “tutela antecipada”, através de decisão fundamentada quando presentes a prima facie a prova inequívoca que demonstre a verossimilhança da alegação, havendo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, caput, 67 LREF, art. 15 6. Apres en t ad o o rel at ó ri o fi n al , o j ui z en c errar á a fal ên ci a p o r sen t en ç a. Parág raf o ú ni c o. A s ent en ça d e en ce rra men t o s erá pu bl i cad a p or edi t al e del a ca b erá apel aç ã o. 30 incisos I e II), sob pena de ser proferida uma abominável decisão arbitrária, quando os fatos não tiverem bem aclarados e sem dar oportunidade à parte demandada de se defender em obediência ao devido processo legal 68 (CF, art. 5º, LIV e LV) 69. Importantíssimo na aplicação da “tutela antecipada” que o Juiz identifique de maneira racional, jamais vogando no campo da hipótese ou conjetura, a presença dos requisitos preditos do art. 273 do CPC. Isso porque a tutela antecipada só poderá ser concedida quando não houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, ou seja, se o autor tiver condições de reparar integralmente o réu na hipótese de posteriormente ser revogada a tutela antecipada, como dita o comando do §2º do art. 273 do CPC 70. E no trato legal em comento exige-se do Juiz saber ou pelo menos ter uma noção da “quantidade compatível com o dano provocado” evitando exageros que transgridam o princípio da proporcionalidade. E, se verificados, que sejam de pronto corrigidos, afastando o que for excessivo. 68 Já di zi a Ari st ó fane s: "Como era sá bi o a qu el e qu e di s se: nã o jul g ue s s em t e r ou vi do amb as a s pa rt e s" (RO SAS, R ob ert o. Di rei t o Pro ce ssua l Con st i t uci o na l Pri ncí p i os d o Pro cesso C i vi l , R T, 2ª. ed . , p. 93 ). 69 CF , art. 5 º. LIV- n i ngu é m s er á pri va d o d a l i ber d ad e ou d e s eu s bens sem o de vi d o pr o ce ss o l eg al ; LV- ao s l i t i gant e s, e m pr oc ess o j u di ci al ou ad mi ni st rat i vo, e ao s acu sad os em ger al sã o as se gur ad os o cont radi t ó ri o e ampl a d efe sa, c om os mei os e recu rs os a el a i ner ent es. 70 CPC, a rt. 2 73 . § 2º . N ão s e c on ced er á a an t eci paç ão d a t u t el a qu an d o h ou ve r peri go d e i rre ver si bi l i d ade d o pr o vi ment o ant eci pad o. A con c essã o d e t ut el a an t eci pad a, medi d a exce p ci on al , s oment e d eve o co rrer q uan d o pr een chi d os os pressu p ost o s l e gai s, si t ua ç ão qu e n ão se e vi d en ci a q u and o a mat éri a em l i t í gi o de man d a pr ofu nd a an ál i se d o c on t ext o pr ob at ó ri o, at é ne cessi t an d o d a i nt erpret a çã o d e cl áusu l as cont rat u ai s ( TJMG, A I 1 . 02 23 . 05 . 16 92 40 -6/ 0 01 , DJ 30 . 03 . 20 07 ). 31 Como medida intermediária, interessante observar a sabedoria e cautela da dicção do §7º do art. 273, que não avança no mérito, restringindo a indisponibilidade como uma medida de natureza cautelar 71. 11.2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem em processo de considerável ressonância na jurisprudência inglesa, conhecido por Salomon vs. Salomon & Co. Julgado pela House Of Lords em 1897, o pedido de desconsideração, acolhido em primeiro grau, foi rejeitado em segundo. A construção doutrinária e pretoriana, nada obstante, se desenvolveu e fixou postulados em torno da matéria. Inúmeros casos semelhantes grassaram nos Estados Unidos e na Inglaterra, levando os tribunais destes países a se pronunciar reiteradamente sobre a “disregard doctrine”. O direito inglês foi o primeiro a converter a doutrina e os julgamentos em lei: se no curso da liquidação da sociedade constatar-se que um seu negócio foi concluído com o objetivo de perpetrar uma fraude contra credores, dela ou de terceiro, ou mesmo uma fraude de outra natureza, a Corte, a pedido do liquidante, credor ou interessado, pode declarar, se considerará cabível, que toda pessoa que participou, de forma consciente, da referida operação fraudulenta será direta e ilimitadamente responsável pela obrigação, ou mesmo pela totalidade do passivo da sociedade 72. No Brasil falou -se pela primeira vez na teoria da desconsideração com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943 71 CP C, art. 2 73 . § 7º . Se o au t or, a t í t ul o d e an t eci p aç ão d e t ut el a, requ er e r pr o vi d ên ci a de n at ure za caut el ar, p od er á o j u i z, q uand o pr es en t es os res pe ct i vo s pr essu po st os, d eferi r a med i d a c au t el ar e m car át er i n ci dent al d o pr oc ess o aj u i zad o. 72 Companies Act, 1929, Seção 279 - Bastid-David-Luchaire, 1960/77. 32 (art. 2º, §2º). Seguiram-se, assim, pela justiça laboral, inúmeros julgados analisando o novel instituto. A jurisprudência do direito comum, todavia, somente mais tarde se preocupou com a questão, tornando-se célebre o v. acórdão conduzido pelo voto do eminente Desembargador paulista EDGAR DE MOURA BITTENCOURT, do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “A assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu a entravar a própria ação do Estado, na realização de perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do Juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao direito” (RT 238/394). Naquela oportunidade já vigorava a Lei de Falência, comprometendo os bens particulares dos sócios em caso de quebra fraudulenta. Seguiram -se inúmeros julgados da justiça comum, todos procurando sistematizar a teoria para aplicá-la em casos concretos. Em 1988, a nova Constituição Federal, estabelecendo “a liberdade de associação para fins lícitos” (art. 5º, XVII), forneceu subsídios importantes à jurisprudência para sedimentar com maior solidez os decretos de desconsideração da pessoa jurídica, responsabilizando diretamente os sócios quando atuem encobertos pela sociedade para fins ilícitos, vale dizer, afrontando a ordem jurídica e os bons costumes. Despontou, em seguida, o art. 18 da Lei Antitruste, nº. 8.884/94, autorizando a desconsideração por “infração da ordem econômica”, “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. 33 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor assentou em seu art. 28 a possibilidade da desconsideração, sempre que “houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, bem como em caso de “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”. Por fim, o art. 50 do Código Civil vigente também prevê este instituto. Procurando ordenar a teoria, sustentava expressiva p arcela de estudiosos da matéria, que a aplicação se fundava na existência dos pressupostos legais enumerados nos diplomas transcritos. Falava-se, pois, no despontar de um instituto ousado, em admissão da desconsideração da personalidade jurídica apenas quando se evidenciasse abuso de direito, excesso de poder, infração à lei ou ao contrato social e quebra por gestão ruinosa. Observado que a lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, conceito de CARNELUTTI, toda vez que ao órgão judicante se opuser um obstáculo à justa composição do interesse de quem pretende dirimir o conflito, será lícito ao julgador admitir processamento que leve à desconsideração da personalidade jurídica causadora do óbice. Doutrina e jurisprudência admitem, pacificamente, a “disregard doctrine”, possibilitando o esboroamento da cortina de fumaça, ou “piercing the veil”, na expressão dos juristas ingleses, que envolve atividades sociais ilícitas, encobertadas pela presunção de que a sociedade não se confunde com o sócio. 34 Exige-se no que se buscará desvendar o exercício irrestrito do contraditório, vale dizer, a obediência ao devido processo legal, pois fincado que “A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser demonstrado sob o crivo do devido processo legal” (STJ, Resp 347.524-SP, DJ 19.05.2003). Não é qualquer “indício” que pode deflagrar a instauração da desconsideração da personalidade jurídica, mas há necessidade de elementos mais sensíveis ou materiais, vestígios, traços e coincidências que por indução venham a possibilitar o juízo do fato provado. Apenas a não localização de bens do devedor não é motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica na falência. Indispensável a prova do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio d e finalidade ou confusão patrimonial para aplicar-se o disregard teory, como pontua o eg. TJSP. 73 Tanto em sede de tutela antecipada initio lide, como no transcorrer do processo de conhecimento, acaso se verifique o abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, assentado no comando do art. 50 do Código Civil coadjuvado pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, o Juiz excepcionalmente poderá atingir o patrimônio dos sócios da pessoa jurídica, através da desconsideração da personalidade jurídica 74. 73 TJSP, AI 0186124-14.2011.8. 26.0000, j. 28. 02.2012, DJ 14.03.2012; TJSP, AI 021965795.2010. 8.26.0000, j . 23.11.2010 , DJ 10.12.2010. 74 CC, art. 50 . Em ca s o de a bu so d a pers on al i dade j u rí di ca, c ar act eri z ad o pe l o des vi o d e fi n al i dade, ou pel a c on fus ã o pat ri mon i al , pod e o j ui z d e ci di r, a 35 No emblemático caso da falência da VASP, o d. juízo da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais - Foro Central Cível de São Paulo, na Habilitação de Crédito n. 0070520-25.2013.8.26.0100, indeferiu o pedido formulado pelo Ministério Público para a desconsideração da personalidade jurídica dos integrantes do CONSELHO FISCAL da VASP, pois não seria razoável a determinação de bloqueio liminar de bens de conselheiros na fase inicial do processo, sem que existisse, ao menos por enquanto, uma demonstração segura da efetiva participação na gestão fraudulenta ou no desvio de bens da sociedade falida. E caso se verifique que terceira empresa apenas está sendo usada como escudo de proteção do patrimônio desviado da massa falida (recebendo ativos desviados para “escondê-los” dos credores da falida), não há necessidade de extensão da falência, sendo suficiente o reconhecimento da ineficácia das transferências patrimoniais, buscando -se os bens e ativos que estejam em poder dessa empresa pelos meios previstos em lei. A aplicação da “disregard doctrine”, também conhecida como doutrina da penetração, não anula a personalidade jurídica protegida pelo art. 52 do Código Civil 75, apenas a torna inoperante em determinadas circunstâncias para responsabilizar o sócio por atos praticados em nome da sociedade da qual faz parte. Mas a decisão judicial que a confere tem req ueri men t o d a p art e, ou d o Mi ni st éri o Pú bl i co qu an d o l h e c ou ber i nt er vi r n o pr o ce ss o, qu e os e fei t os d e cert as e det er mi n ada s rel açõ e s d e obri gaçõ es sej a m est end i d o s aos ben s p art i cu l are s do s ad mi ni st r ad or es ou só ci os d a p es s oa j u rí di ca. CDC, art. 2 8, ca pu t . O j u i z poder á de scon s i d erar a pers on al i d ad e j urí d i ca d a soci ed ad e q uan d o, e m d et ri men t o d o c on su mi d o r, h ou ver abu so d e d i rei t o, e xcess o de pod er, i nfr açã o d a l ei , fat o ou at o i l í ci t o ou vi ol aç ão d os e st at u t os ou cont rat o soci al . A d es c on si der açã o t a mbé m s erá e fet i vad a qu an d o h ou ve r fal ên ci a, e st ad o d e i nsol vê nci a, enc err a men t o ou i n at i vi dad e d a pess oa j u rí di ca pr o vo cad o s po r má ad mi ni st r açã o. 75 CC, art. 52 . Apl i c a -se às pe ss o as j u rí di ca s, n o qu e c ou ber, a pr ot eçã o d os d i r ei t o s da p ers on al i dad e. 36 natureza declaratória alcançando apenas os bens dos sócios, como forma de penalizar a fraude e a promiscuidade dos negócios, trazendo ativo para a massa falida --retirada do patrimônio de outra sociedade ou do sócio, pessoa natural --, sem que, com isso, venha a atingir a autonomia ou os direitos das personalidades da pessoa física ou da sociedade quanto aos seus fins 76. Em função do princípio da autonomia jurídica, a sociedade é titular de um patrimônio distinto e inconfundível com o patrimônio particular de cada sócio que a compõe. As sociedades empresárias podem ser utilizadas por pessoas inescrupulosas para acobertar fraudes ou abuso de direito. Para coibir certos ilícitos surgiu a desconsideração da personalidade jurídica. 77 De acordo com o art. 50 do Código Civil, os pressupostos para a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica são (i) o “abuso da personalidade”, caracterizado pelo desvio de finalidade (que ocorre quando os sócios ou administradores se utilizam da pessoa jurídica para fins diversos daqueles almejados pelo legislador, ou seja, fora do objeto societário); (ii) ou pela “confusão patrimonial” na forma de troca ou mudança de patrimônio entre sócios e sociedade 78. 76 S al i en t e-se qu e há di st i n çã o en t re o s con cei t os d e abus o d e di rei t o e d e fr au de. At o fr au du l ent o é o ne gó ci o j u rí di c o en t abul ad o para pr ej ud i car t ercei r os, c om van t a ge m (i l í ci t a) par a o ag en t e. Nad a o bst an t e, o a bu so de d i rei t o man i fest a -se q u an d o há us o i nad eq u ad o d o d i rei t o, ai nd a q u e n ão s ej a pro pó s i t o d o a gen t e o d e pr ej u di car di rei t o de out r e m (A bus o de di rei t o e fraud e at r a vé s da p ers on al i dad e j u rí di ca. Enci cl op éd i a Sar ai va de Di r ei t o, S ão P au l o, Ed . S arai va, 1 97 7, - Vol . 0 2, p. 5 8-7 6). 77 No famoso caso “Bateau Mouche”, decidiu a Quarta Turma que “o juiz pode julgar ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a l ei ou prejudicar terceiros" (S TJ, Resp 158. 051/RJ, DJ de 12.04.99). 78 Se a própria executada indicou à penhora para garantia do valor que deve, bem d e propriedade de outra empresa su bmetida ao control e aci onário da mesma pessoa que ela, afigura-se adequado o raci ocínio do juiz de que os patrimônios del as se con fundem à medida que, administrados por uma só pessoa, são utilizados para suprirem obrigações uma da outra, assi m como se mostra perfeito o at o do juiz que com base nisso desconsiderou a personali dade jurídica da executada (que comprovadamente não dispõe d e bens suficientes para pagar o que deve) e deferiu a subst ituição da penhora do guindaste 37 A jurisprudência acresceu que a dissolução irregular de uma sociedade possibilita o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, como se verifica do enunciado da Súmula n. 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. O deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica de sociedade empresária reclama a demonstração pelo requerente da ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não sendo suficiente a alegação de inexistência de bens passíveis de satisfazer crédito reclamado em ação de execução 79. E a decisão concessiva ou negatória há de ser intensamente fundamentada com base na lei, ajustada aos princípios constitucionais e fáticos como prediz o Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. INDISPONIBILIDADE RELATIONEM. DE DECISÃO BENS. POSSIBILIDADE. LIMINAR DE MOTIVAÇÃO PER AUSÊNCIA DE da outra empresa por créditos que ela t em a receber de terceiros, ainda mais que o objeti vo da execução é realizar o crédito do exequente e não proteger o patrimônio d o executado, de forma que se o juiz não ti vesse deferi do a substitui ção de penhora, o credor é que teria ficado expost o ao ri sco de dano de difícil e incerta reparação (TJRJ, AI 2008.002.03462, DJ 15.04.2008). No caso, observa-se que as contas pessoais do deved or se confundem com as contas da empresa da qual é o titular, assim fazendo inci dir, co m suficient e plausibilidade, a norma que se extrai do disposto no novo Código Civil, em seu art. 50, a exigir tão soment e o proveito econômico para a caracterização d a desconsideração da pessoa jurídica. Provi mento parcial do recurso para excluir da penhora soment e as contas da pessoa jurídica, mantida a constrição sobre as contas da pessoa física do titular da empresa (TJRJ, AI 2005.002.21761, DJ 06.12.2005 e TJRJ, AI 2005.002.21761,DJ 06.12.2005). 79 TJMG, Apel. Cível 1.0024.06.089447 -4/001, DJ 11.03.2008. 38 FUNDAMENTAÇÃO. SIMPLES MENÇÃO A PEÇAS DO PROCESSO. NULIDADE. OCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça admite que decisões judiciais adotem manifestações exaradas no processo em outras peças, desde que haja um mínimo de fundamento, com transcrição de trechos das peças às quais há indicação ( per relationem). 2. No presente caso, a decisão tida como não fundamentada foi proferida nos seguintes termos (fls. 12): "Indefiro o pedido de indisponibilidade dos bens do réu, bem como o seqüestro de bens e valores dos seus representantes, dada a juntada pelo Requerido dos documentos de fls. 336-579, que elidem a existência do fumus boni juris e periculum in mora necessários para a medida cautelar constritiva postulada". 3. A simples remissão empreendida pelo Juiz a quo na decisão agravada a mais de duas centenas de documentos não permite aferir quais foram as razões ou fundamentos incorporados à sua decisão para indeferir a indisponibilidade dos bens do réu, bem como o seqüestro de bens e valores dos seus representantes, exsurgindo, daí, a nulidade do julgado. 4. Recurso especial provido (STJ, Resp 1.399.997/AM, DJe 24.10.2013). Sérgio Campinho conceitua a desconsideração explicando que ela "representa uma salvaguarda dos interesses de terceiros contra fraudes e ilícitos praticados por via da utilização indevida da autonomia de personalidade da sociedade em relação à de seus sócios" 80. 80 CAMP IN HO, S ér gi o. Fa l ên ci a e Recu p era ção d e Emp resa . Ed . Sarai va, 6 ª ed. , 2. 0 12 , São Paul o, p. 21 1. 39 Caio Mário da Silva Pereira expressa o significado do instituto em tela: “A denominada disregard doctrine significa, na essência, que em determinada situação fática a Justiça despreza ou ´desconsidera´ a pessoa jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama à responsabilidade e impõe punição a uma pessoa física, que seria o autêntico obrigado ou o verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato ” 81. Conforme Ana Caroline Santos Ceolin, a desconsideração representa: "[...] remédio jurídico que possibilita aos magistrados prescindirem da estrutura formal da pessoa jurídica para tornar a sua existência autônoma, como sujeito de direitos, ineficaz em uma situação particular" 82. Fábio Ulhoa Coelho nos dá um conceito mais aprofundado: “É uma elaboração teórica destinada à coibição das práticas fraudulentas que se valem da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o instituto da pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele. Ainda, é uma tentativa de resguardar a própria pessoa jurídica que foi utilizada na realização da fraude, ao atingir nunca a validade de seu ato constitutivo, mas apenas a sua eficácia episódica. Em suma, pela teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o direito pretende livrar-se da fraude e do abuso perpetrados através de uma pessoa jurídica, preservando-a, contudo, em sua autonomia patrimonial” 83. 81 P ERE IRA, C ai o Mári o d a Si l va. In st i t ui çõ es d e di rei t o ci vi l . 22 ª ed . ver. e at u al . Ri o de J an ei r o: F oren se, v. 1 , 20 07 , p. 29 7. 82 CEO LIN, Ana C ar ol i ne Sant os. Abu so n a a pl i c açã o da t eo ri a d a d escon si dera ç ã o da pessoa ju rí d i ca . Del Re y, B el o Hori z on t e, 20 02 . 83 COE LHO, F ábi o Ul h oa. Ma nu al d e Di rei t o Co mer ci al -Emp re sa, Ed . Sar ai va, 2 3 ª ed . , S arai va, p. 1 13 . 40 Portanto, o objetivo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é coibir a fraude preservando a pessoa jurídica e sua autonomia, pois se tratam de instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, mas sem ao desabrigo terceiros vítimas de fraude. Entretanto, exige-se um exame acurado, pois se trata de uma exceção e não regra, como adverte a Ministra NANCY ANDRIGHI, relatora do Resp 970.635/SP, DJe 01.12.2009, assim ementado: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE BENS DE PROPRIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC⁄02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. - A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica. - A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC⁄02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. - Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva 41 da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. O tema é muito bem abordado pela eminente relatora Ministra NANCY ANDRIGHI em seu voto condutor: “I- Da desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas pela sociedade. No campo doutrinário e acadêmico, várias teorias foram desenvolvidas sobre o tema, todas elas esculpidas com a finalidade de estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para viabilizar a desconsideração. Assim, quanto aos pressupostos de incidência da desconsideração, duas são as principais teorias que foram adotadas no ordenamento jurídico pátrio: a Teoria Maior e a Teoria Menor da Desconsideração. De acordo com os postulados da Teoria Maior da Desconsideração, a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações não constitui motivo suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica. Exige-se, portanto, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão patrimonial. 42 Assim, verificado o desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, teria lugar a Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração, ao passo que, caracterizada a confusão patrimonial, evidenciada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios, aplicável seria a Teoria Maior Objetiva da Desconsideração. A Teoria Menor da Desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria desconsideração se maior, pois justificaria para pela ela simples a incidência da comprovação da insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para esta teoria, portanto, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas sim pelos sócios e⁄ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e⁄ou administradores da pessoa jurídica. Na legislação pátria, observa-se que a adoção da Teoria Menor, justamente pelo fato de possuir menos condicionantes para a sua incidência, tem se restringido apenas às situações excepcionais em que se mostra necessário proteger bens jurídicos de patente relevo social e inequívoco interesse público, tal como se dá, por exemplo, na defesa dos interesses do consumidor ou na tutela do meio ambiente (REsp 279.273⁄SP, de minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 29⁄03⁄2004). 43 A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art. 50 do CC⁄02, que recepciona e consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva. Na presente hipótese, os motivos que deram ensejo à desconsideração da personalidade jurídica determinada pelo TJ⁄SP foram a aparente insolvência da recorrente e o fato de ela não mais exercer suas atividades no endereço em que estava sediada. Contud o, não demonstrada a confusão patrimonial nem o desvio de finalidade, não merece prosperar o entendimento adotado no acórdão, sendo de rigor, portanto, o afastamento da desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e a ele DOU PROVIMENTO para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente”. Recaindo a desconsideração da personalidade jurídica sobre uma pessoa jurídica, necessária a sua citação para o exercício maior do inarredável exercício do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIX e LV) 84. O Superior Tribunal de Justiça, sem discrepância, entende pela impossibilidade da constrição judicial sobre o faturamento da empresa devedora, mutatis mutandis, quando atingida pela desconsideração da personalidade jurídica, quando existente patrimônio suficiente para garantia do juízo: “A penhora sobre o faturamento é medida excepcional e somente admitida, quando esgotados todos os esforços na localização de bens, livres e desembaraçados, ou seja, quando cabalmente comprovada a inexistência 84 Os t er c ei ro s al c an ç ad os pel a d e sc on si der a çã o d a pers on al i dade j urí d i ca d a fal i d a est ã o l e gi t i mad o s a i nt er por, per an t e o pró pri o j uí zo fal i men t ar, os r e curs os t i d o s por ca bí vei s, vi san d o a d e fesa de seu s d i r ei t o s (S TJ, RMS 1 6. 1 05 / GO, D J 22 . 09 . 20 03 ). 44 de qualquer outro bem que possa garantir a execução. Existindo bem capaz de garantir a dívida, não há falar em penhora sobre o faturamento (STJ, AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO 700.464/RJ, DJ 30.10.2006)” 85. Prevalece o entendimento que quando a constrição recair sobre faturamento dependerá da análise de cada caso concreto, mantendo -se em geral, uma média de 30% (trinta por cento) sobre o faturamento bruto ou líquido, como pontuam os tribunais pátrios, v.g.: “Fixação em percentual que não inviabilize a consecução da atividade empresarial. Sendo assim, se a parte executada não demonstra a existência de bens disponíveis que poderão ser objetos de constrição, viabiliza a penhora do seu faturamento.” (TJMG, AI 1240359-37.2012.8.13.0000, DJ 19.07.2013) 86. 11.3 . EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA PARA EMPRESAS DO GRUPO Diante da lentidão do Poder Judiciário, de conhecimento e reclamação geral, emergiu no meio forense a necessidade de se proferir sentenças aos montes, para atingir as metas traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça, descarregando milhares de processos para que os Juízes Substitutos ou os assessores dos tribunais desandem a decidir com pressa, resultando muitas das vezes no afastamento de um nível jurídico satisfatório, mais sedimentado. 85 No mes mo s ent i d o: Res p 90 4. 8 75 / SP, DJ 2 6. 0 8. 20 08 ; Resp 90 9. 9 42 / SP , D J 15 . 10 . 20 07 ; Resp 83 9. 9 54 / SP , DJ 24 . 0 8. 2 00 6; Res p 80 3. 4 35 / RJ, DJ 1 8. 1 2. 2 00 6; Resp 67 7. 84 4/ RS , DJ 01 . 02 . 20 05 den t re out r os. 86 No me smo s ent i d o: TJS P, A I 00 25 91 1 -63 . 2 01 3 . 8 . 26 . 00 00, DJe 21 . 05 . 2 01 3; TJ S P AI 0 25 94 63 -69 . 20 12 . 8. 2 6. 00 00 , Dj e 1 1. 03 . 20 13 ; TJS P, AI 0 19 49 30 04 . 20 12 . 8. 26. 00 00 , DJe 2 0. 0 2. 2 01 3; TJS P, A I 01 85 99 7 -4 2. 2 01 2. 8 . 2 6. 0 00 0, DJe 12 . 03 . 20 13 ; TJS P, A I 0 60 06 46 -34 . 20 12 . 8. 1 2. 00 00 , DJ 28 . 02 . 20 13. 45 Com efeito, a celeridade processual buscada pela EC 45/2.004 jamais pode ser sinônimo de supressão de qualquer garantia inerente ao Devido Processo Legal. E a razoável duração do pro cesso deve ser compreendida justamente como aquele período de tempo mínimo em que se busca a prática econômica - sob todos os aspectos - e segura dos atos de cada fase do processo, e sem prejuízo da isonomia entre as partes, da ampla defesa, do contraditório e de outros princípios inerentes à jurisdição e ao processo, como o do duplo grau de jurisdição, do juízo natural, do ônus da prova e da verdade real 87. E para que se pratique justiça numa decisão extremada e aguda que estende os efeitos da falência para outra sociedade não integrante da demanda matriz, indispensável verificar com a máxima segurança o acervo probatório, analisando com maior rigor as premissas do art. 273, caput, incisos I e II do CPC. A questão inerente à prova na extensão mais ampla não se pode desconectar da concepção maior de seu relevante papel no Estado Democrático de Direito: “Toda pretensão prende-se a algum fato, ou fatos, em que se fundamenta. Deduzindo sua pretensão em juízo, ao autor da demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base, qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional. As afirmações de fato feitas pelo autor podem corresponder ou não à verdade. E a elas ordinariamente se contrapõem as afirmações de fato feitas pelo réu em sentido oposto, as quais, por sua vez, também podem ser ou não ser 87 FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. FORMAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA OBSERVADOS. POSSIB ILIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA. Respeitados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla d efesa e, comprovada a exi stência de grupo econômico, no qual se inclui a falida, cabí vel a extensão dos efeit os da fal ência às sociedades coligadas” (TJMG, AI 1. 0024.07.552106-2/002, DJ 20.11.2009). 46 verdadeiras. As dúvidas sobre a veracidade das afirmações de fato feitas pelo autor ou por ambas as partes no processo, a pro pósito de dada pretensão deduzida em juízo, constituem as questões de fato que devem ser resolvidas pelo juiz, à vista da prova dos fatos pretéritos relevantes. A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo” 88. O Prof. Humberto Theodoro Júnior ressalta que a possibilidade jurídica do pedido de extensão dos efeitos da falência é "a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico" 89. Em situações derradeiras como é a extensão dos efeitos da falência há necessidade do Juiz raciocinar, dentro do caso em apreço, com “ponderações de valores” diante de uma tensão dialética de limites dos direitos fundamentais --até que ponto é possível buscar o exercício de um direito fundamental tutelado e como solucionar quando há conflito entre estes direitos--, que se dividem em 05 (cinco) premissas: I. CELERIDADE PROCESSUAL x GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. A celeridade processual não pode 88 C INTRA, An t ôn i o Carl os d e Araúj o, D INAMARCO, Când i d o Ra n g el e GR IN OVER, Ada P el l e gri n i . Teo ri a Gera l do Pr oce sso , 19 ª ed . , Mal h ei ro s Edi t ore s, Sã o P au l o, 20 03 , p. 34 8. 89 Curso de Di reit o Processual Civil, 44ª ed., Rio de Janei ro: Forense, 2.008, vol. I. p. 50. 47 se sobrepor à garantia do contraditório e da ampla defesa, dada a relevância da repercussão falimentar a todos que vierem, comprovadamente, integrar o grupo econômico. II. DIREITOS A PONDERAÇÃO FUNDAMENTAIS. DE É VALORES possível NA enunciar COLISÃO que os DOS direitos fundamentais não são absolutos e ilimitados, encontrando seus limites em outros direitos fundamentais, também consagrados pela Magna Carta do constituinte de 1988. No exercício interpretativo, quando houver colisão entre direitos fundamentais deve o intérprete harmonizar sua decisão com o sistema constitucional, ou seja, outros valores podem servir de parâmetro para fortalecer a decisão adequada, elucidando a Constituição como um todo. III. do Na colisão dos direitos fundamentais utilizar-se-á da aplicação PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DA PROPORCIONALIDADE que possibilitará uma aplicação coerente e segura da norma constitucional, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto. O princípio da proporcionalidade é hoje o axioma do Direito Constitucional, corolário constitucional. A regra da proporcionalidade não confere hierarquia absoluta de um princípio sobre outro, ao contrário, assegura a aplicação das normas em colisão, na qual uma delas fatalmente será preterida ou atenuada em prol da melhor justiça. IV. O JUÍZO DE PONDERAÇÃO se dá no plano do seu “peso valorativo” entre os princípios colidentes que deverão ser ponderados não no plano da validade, como no caso do conflito entre regras. V. Observação do PRINCÍPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO que contempla a constituição como um todo, não podendo 48 assim existir normas conflitantes no texto, vez que se trata de um sistema coerente e harmônico, incompatível com a ideia de antinomias. Daí, antes de decidir, recomenda-se que se colha a manifestação da terceira parte que se pretende atingir, possibilitando com isso uma decisão mais madura, concreta, atrelada aos ele mentos probatórios dos autos, evitando que se cometa irreparáveis prejuízos às terceiras sociedades que atuam de forma regular ou deixar ao desamparo os credores. Muito comum o fato de existir um parentesco entre o falido com outra empresa que atue em atividade similar, inaudita altera parte, o Juiz de pronto estender os efeitos da falência. E, posteriormente, quando encarado o contraditório, verifica-se que na realidade não caracterizam à luz do direito como integrantes do mesmo grupo empresarial da falida, sendo sociedades completamente distintas. O dano é irreparável para o empresário e muito dificilmente a massa falida terá condições de indenizar. Por isso, se faz esse alerta com veemência para que venha uma decisão firme, consolidada em elementos probatórios cimentados nos autos, distante das quebradiças presunções 90. É preciso ter em mente que o decreto falencial, bem como sua extensão a terceiros é medida extrema e deve ser encarada como a última ratio para a satisfação dos credores. A quebra importa a inabilitação do devedor para o exercício da atividade empresarial, a perda do direito de administrar seus bens e o vencimento antecipado de suas dívidas, conduzindo ao próprio fim da sociedade empresária. 90 Pretensão de redirecionamento da execução a t odas as empresas apontadas como formad oras de grupo econô mico. Rejeição. Ausência de comprovação de conduta irregular daquelas, de molde a justificar este “salto” ou ultrapassagem de responsabili dades (TJRJ, AI 0018671-18.2013.8. 19.0000, DJ 10.06.2013). 49 Admoesta Fábio Ulhoa Coelho que "o efeito da decretação da falência em relação à pessoa jurídica da sociedade empresária é a sua extinção. A decretação da falência provoca a dissolução da sociedade empresária. (...) A falência é hipótese de dissolução total judicial. A sentença declaratória da falência desfaz todos os vínculos existentes entre os sócios ou acionistas e inaugura o processo judicial de terminação da personalidade jurídica da sociedade. É, portanto total" 91. Noutra senda, não se pode conceber que o decreto da falência imponha à pessoa física do falido (cidadão) não mais poder trabalhar para o sustento próprio e de sua família, impingindo -lhe a condição de ex-empresário para um ser inútil numa sociedade capitalista. Ora, a bancarrota não lhe retira o direito assegurado constitucionalmente de preservar sua dignidade como ser humano. E muito menos há previsão legal que o impeça de trabalhar e exercer a profissão para a qual tem vocação, observadas as restrições impostas pelos arts. 102 a 104 da LREF 92. Ademais, por falta de previsão legal e inexistindo abuso, a desconsideração da personalidade jurídica de uma das empresas do grupo econômico, não implica, automaticamente, na “presunção ” de conduta 91 Comentários à Nova Lei de F alências e de Recuperação de Empresas, Ed. Saraiva, p. 287. 92 APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNC IA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. DESCONS IDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIO QUOTIS TA NÃO PARTICIPANTE DA ADMINIS TRAÇÃO: IMPOSS IBILIDADE. 1. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária com o fi m de estender as relações obrigaci onais aos bens particulares dos administradores e sóci os somente se justifica na excepcional hipótese de uso indevido d e sua finalidade ou excesso de pod er, nos termos d o art. 50, do Código Civil. 2. Ausent e prova de que a sócia quotista, ainda maj oritária, tenha participado dos atos que implicaram frustração dos direi tos dos credores, havendo, ao contrário, ind ícios da participação dos administradores de fato e de direito, não se lhe devem estender os efeitos da quebra (TJMG, Apel . Cível 1. 0024.06.069844-6/ 001, DJ 06.11.2012). 50 irregular de todas as empresas que eventualmente formam um conglomerado econômico 93. E ainda, necessário individualizar os atos tidos como de máadministração ou indicadores da referida confusão e por quem foi praticado, pois se trata de responsabilidade subjetiva (não há presunção de ilicitude) e seria profunda injustiça que a extensão da quebra atingisse indistintamente a todos os sócios ou acionistas, que tenham ou não agido de modo a justificar a extensão dos efeitos da falência e, concomitantemente, a desconsideração da personalidade jurídica da terceira empresa 94. Neste contexto, aplicável a decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp 786.435/SP, DJe 26.11.2008, assim ementado: COMERCIAL. DESPERSONALIZAÇÃO. SOCIEDADE POR AÇÕES. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. A despersonalização de sociedade por ações e de socied ade por quotas de responsabilidade limitada só atinge, respectivamente, os administradores e os sócios-gerentes; não quem tem apenas o status de acionista ou sócio (DJe 26.11.2008). Segundo WALDÍRIO BULGARELLI, entende-se por GRUPO ECONÔMICO OU SOCIETÁRIO, como uma "concentração de empresas, sob a forma de integração (participações societárias, resultando no controle 93 TJRJ, AI 0018671-18.2013.8.19. 0000, DJ 10. 06.2013. Sociedad es Anô ni mas. Pel o comando do art igo 158 da atual Lei das Sociedades Anôni mas (Lei nº 6.404 de 15.12.76), o admini strador responde ci vil mente pel os prejuízos que causar na gestão da empresa, quando proceder com culpa ou d olo, ou com vi olação d a lei ou estatuto. Segundo a Lei 6.024/74--que dispõe sobre a i ntervenção e a liquidação extrajudicial de instituições financeiras) --, artigos 36 e 40, a indisponibilidade dos bens pessoais dos administradores das institui ções financeiras em liquidação extraj udici al ou falência pode ser decretada, criando responsabil idade solidária para tais administradores, até que se cumpram as obrigações por eles assumidas em nome da pessoa j urídica. Exsurge, ainda, no artigo 18 da Lei do Abuso do Poder Econômico (Lei nº 8.884/94), sendo também recepci onada pel o Código de Defesa do Consumidor, arti go 28. 94 51 de uma ou umas sobre as outras), obedecendo todas a uma única direção econômica" 95. As SOCIEDADES COLIGADAS são as que resultam da relação estabelecida entre duas ou mais sociedades submetidas ao mesmo controle por participarem do mesmo grupo econômico. As sociedades coligadas, em suas relações de capital, podem ser: a) as controladas, ante o fato de a maioria do seu capital, representado por ações, se enco ntrar em poder da controladora; não têm o poder de decidir nas deliberações sociais, nem o de eleger a maioria dos administradores (CC, art. 1.098); b) filiadas, se outra sociedade participa do seu capital (CC, art. 1.099), sem, contudo contro lá-la; c) de simples participação, se outra sociedade possuir parte de seu capital tendo direito de voto (CC, art. 1.100) 96. A extensão dos efeitos da falência para outra empresa do mesmo grupo econômico, embora seja um pleito incidental, pode ser pedido e decidido nos próprios autos principais pelo qual tramita a falência, assegurando à terceira sociedade atingida o pleno direito de defesa através de todos os meios probatórios previstos na legislação 97. Admitem-se para caracterização do grupo econômico as hipóteses que mesmo não sendo idênticas as atividades e objetos, constata-se a presença da formação de empresas de um conglomerado quando presentes outras circunstâncias de coincidência, como por exemplo, se as sedes se localizarem no mesmo local; os movimentos contábeis se confundirem, não havendo como distinguir uma da outra; utilizarem as mesmas contas correntes; identidade de gerentes e os funcionários são registrados em nome de uma das 95 Manual das Sociedades Anônimas. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 299. DINIZ, Maria Hel ena. Código Civil Anotado.11ª ed. São Paulo: 2005, p. 869. 97 STJ, Resp 1.034.536/MG, DJ 05.02.2009. 96 52 empresas trabalharem igualmente e no mesmo horário para as demais empresas do grupo, evidenciando flagrante confusão patrimonial 98. Na verdade, a autonomia das unidades que compõem o grupo, ou seja, a sua personalidade jurídica, aliada à ideia de controle de uma das empresas sobre as demais, possibilita que a existência de um interesse comum entre as diversas empresas componentes do grupo fique encoberta pelo "véu" da personalidade jurídica e somente quando “levantado o véu”, constata -se a realidade subjacente de ilicitude perpetrada pelo grupo de empresas. A desconsideração da personalidade jurídica, nos grupos econômicos, dá transparência ao que parece opaco. Firme o repositório jurisprudencial acolhendo a declaração da extensão dos efeitos da falência para empresas do mesmo grupo econômico da falida em situações diversas: PROCESSO SOCIEDADES CIVIL. FALÊNCIA. COLIGADAS. EXTENSÃO DE POSSIBILIDADE. EFEITOS. AÇÃO AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE. DECISÃO INAUDITA ALTERA PARTE. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propó sito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos, mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando 98 TJRJ, AI 0054173-86.2011.8. 19.0000, 43.2011. 8.19.0000, DJ 07.11.2011. DJ 28.09.2011; TJRJ, MS 0010791 - 53 claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses. 3. A EXTENSÃO DA FALÊNCIA A SOCIEDADES COLIGADAS INDEPENDENTEMENTE AUTÔNOMO. A DA PODE SER INSTAURAÇÃO VERIFICAÇÃO DA DE FEITA PROCESSO EXISTÊNCIA DE COLIGAÇÃO ENTRE SOCIEDADES PODE SER FEITA COM BASE EM ELEMENTOS FÁTICOS QUE DEMONSTREM A EFETIVA INFLUÊNCIA DE UM GRUPO SOCIETÁRIO NAS DECISÕES DO OUTRO, INDEPENDENTEMENTE DE SE CONSTATAR A EXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL. Na hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos. 5. Recurso especial não provido (STJ, Resp 1.259.018/SP, DJe 25.08.2011). CIVIL E PROCESSUAL DESCONSIDERAÇÃO CONFUSÃO CIVIL. DA PATRIMONIAL. RECURSO ESPECIAL. PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DIVISÃO MERAMENTE FORMAL. CITAÇÃO DAS DEMAIS EMPRESAS. A confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão societária entre empresas conjugadas (STJ, Resp 907.915/SP, DJe 27.06.2011). 54 O E. Superior Tribunal de Justiça tem aceitado a desconsideração da personalidade jurídica da empresa no caso de grupos econômicos, em casos excepcionais, quando verificado que a empresa devedora pertence a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unicidade gerencial, laboral e patrimonial e, ainda, quando se visualizar a confusão de patrimônio, fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores (STJ, Resp 968.564/RS, DJ 18.12.2008). FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS ÀS EMPRESAS COLIGADAS. TEORIA PERSONALIDADE REQUERIMENTO. DA DESCONSIDERAÇÃO JURÍDICA. SÍNDICO. DA POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE. AÇÃO AUTÔNOMA. PRECEDENTES DA SEGUNDA SEÇÃO DESTA CORTE. I - O síndico da massa falida, respaldado pela Lei de Falências e pela Lei n.º 6.024/74, pode pedir ao juiz, com base na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que estenda os efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de sua utilização com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros. II – A providência prescinde de ação autônoma. Verificados os pressupostos e afastada a personificação societária, os terceiros alcançados poderão interpor, perante o juízo falimentar, todos os recursos cabíveis na defesa de seus direitos e interesses (STJ, Resp 228.357/SP, DJ 02.02.2004). 55 FALÊNCIA. GRUPO MERAMENTE FORMAL. DE SOCIEDADES. ADMINISTRAÇÃO ESTRUTURA SOB UNIDADE GERENCIAL, LABORAL E PATRIMONIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA FALIDA. EXTENSÃO DO DECRETO FALENCIAL A OUTRA SOCIEDADE DO GRUPO. POSSIBILIDADE. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência. Legitimidade recursal. 1. Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legitima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. 2. IMPEDIR A DESCONSIDERAÇÃO JURÍDICA NESTA HIPÓTESE DA PERSONALIDADE IMPLICARIA PRESTIGIAR A FRAUDE À LEI OU CONTRA CREDORES. 3. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica DISPENSA A PROPOSITURA DE AÇÃO AUTÔNOMA para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros. 4. Os terceiros alcançados pela desconsideração da personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando a defesa de seus direitos (STJ, RMS 12.872, DJ 16.12.2002). 56 AÇÃO DE RESPONSABILIDADE INCIDENTAL AO PEDIDO DE FALÊNCIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. LIMINAR. REQUISITOS. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. A nulidade prevista no art. 93, IX, da Constituição Federal, só se verifica com a ausência completa dos fundamentos que levam o julgador a formar seu convencimento, porquanto a Constituição admite apenas que a decisão seja fundamentada, sem estabelecer, todavia, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, e nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. Evidenciada a relevância do pedido com base em fundados indícios de atos fraudatórios aos direitos da universalidade dos credores, aliado à imperiosa necessidade de assegurar o cumprimento da obrigação que ao final vier a ser profer ida responsabilizando o sócio, acionista ou administrador, admite-se a indisponibilidade de bens do réu (TJMG, Apel. Cível 0065743 37.2011.8.13.0000, DJ 19.08.2011). Em relação aos débitos tributários-fiscais dos grupos econômicos, o simples fato de duas empresas fazerem parte do mesmo grupo econômico não justifica a existência de interesse comum para efeitos tributários, que implica a existência da premissa de serem ambas, sujeitos passivos da relação jurídica que embasa a execução fiscal, com espeque no art. 124, I do CTN 99. Nesse sentido a lição de Paulo de Barros Carvalho: "o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado 99 CTN, art. 124. São soli dariamente obrigadas: I. as pessoas que tenham interesse comu m na situação que constitua o fato gerad or da obrigação principal;... 57 pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador" 100. Em sua obra clássica, ensina o mestre Rubens Gomes de Sousa sobre essa matéria: “São solidariamente obrigadas pelo crédito tributário as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, segundo prevê o art. 124, I, do CTN. O interesse comum das pessoas não é revelado pelo interesse econômico no resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da obrigação principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É solidária a pessoa que realiza conjuntamente com outra, ou ou tras pessoas, a situação que constitui o fato gerador, ou que, em comum com outras pessoas, esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem a tributação por outras palavras (...) pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou n egócio tributário" 101. Também Fábio Fanucchi entende no mesmo sentido: “Na verificação da solidariedade de fato, entretanto, não é impossível que se cometam 100 101 Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 8ª ed., 1996, p. 220. Compêndio de Legislação Tributária, Edições Financeiras, 3ª ed, p 67. 58 excessos, tentando envolver a responsabilidade de terceiros numa relação obrigacional tributária de cujo fato gerador não se tenham beneficiado ou, nele não tenham interesse comum ou do sujeito passivo” 102. Deflui-se, portanto, que para fins de análise do inciso I do art. 124, o objetivo do estudo deste preceito deve estar voltado para solidariedade passiva, que ocorre com a presença de mais de um sujeito passivo na mesma relação tributária de caráter obrigacional. Nessa sujeição passiva da obrigação tributária destaca-se como premissa a existência do “interesse comum” na situação que constitua o fato gerador da obrigação, cuja presença das pessoas que participam da situação fática geradora da obrigação principal (a solidariedade) decorra de uma situação jurídica (não meramente de fato), e que, por conseqüência, não passam à condição de devedores solidários para fins de extensão dos efeitos da falência. Apenas o fato de pertencerem ao mesmo grupo econômico não justifica o entendimento de que exista o interesse comum. Seria necessário que ambas as empresas confluíssem na atuação para o objeto da execução fiscal. Nesse sentido, o seguinte precedente da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA (LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO). AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA. RECUSA. POSSIBILIDADE. MENOR ONEROSIDADE. ART. 620 DO CPC. SÚMULA 7 /STJ. LEGITIMIDADE PASSIVA. 102 Curso de Direito Tributário, Ed. Resenha Tribut ária, vol. I, 4ª ed, p. 249. 59 EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE. INEXISTÊNCIA. 1. É legítima a recusa pela exeqüente de nomeação à penhora de bem de difícil alienação, in casu, as apólices da dívida pública, sem cotação na Bolsa de Valores. Precedentes: (AgRg no Ag 616978/RJ Rel. Min. LUIZ FUX DJ 20.06.2005; AgRg no Ag 705716/SP Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI DJ 28.11.2005; AgRg no REsp 476560/RS Rel. Min. ELIANA CALMON DJ 02.06.2003). 2. A exegese do art. 656 do CPC (aplicável subsidiariamente à execução fiscal) torna indiscutível a circunstância de que a gradação de bens estabelecida no artigo 655 visa favorecer apenas o credor⁄exeqüente, porquanto a nomeação pelo executado só é válida e eficaz se houver concordância daquele. 3. O Tribunal a quo concluiu pela configuração da hipótese extremada. Por isso que afastar tal premissa esbarra no óbice da Súmula 7 ⁄STJ. 4. Na relação jurídico-tributária, quando composta de duas ou mais pessoas caracterizadas como contribuinte, cada uma delas estará obrigada pelo pagamento integral da dívida, perfazendo-se o instituto da solidariedade passiva. Ad exemplum, no caso de duas ou mais pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do IPTU, uma vez que a situação de fato - a co-propriedade - é-lhes comum. 5. A Lei Complementar 116/03, definindo o sujeito passivo da regramatriz de incidência tributária do ISS, assim dispõe: 'Art. 5º. Contribuinte é o prestador do serviço.' 6. Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do CTN, verbis: "Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador 60 da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei". 7. Conquanto a expressão 'interesse comum' - encarte um conceito indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido dispositivo legal (CTN, art. 124, I). Nesse diapasão, tem-se que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração, no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido qualquer participação na ocorrência do fato gerador da ob rigação. Segundo doutrina abalizada, in verbis: "... o interesse comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel. Tratando -se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo 61 tomador." (Paulo de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 8ª ed., 1996, p. 220). Destarte, a situação que evidencia a solidariedade (STJ, REsp 859.616⁄RS, DJU de 15.10.07). No mesmo sentido : STJ, Resp. 1.001.450/RS, DJe 27.03.2008; STJ, AgRg no Resp 1.102.894/RS, DJ 05.11.2010; STJ, AgRg no AI 1.228.247/RS, DJe 30.11.2010; Resp 834.044⁄RS, DJe 15.12.2008, dentre tantos outros. 10.V.2014 62