FALÊNCIA. CONCEITOS BÁSICOS
(arts. 75 a 82 da Lei 11.101/2.005)
Rénan Kfuri Lopes
Advogado, Autor de várias obras jurídicas,
Palestrante, Articulista, Professor, Pósgraduado em Direito Empresarial, Direito
Civil, Direito Processual Civil e Direito
Tributário,
Membro
Integrante
da
Associação
Brasileira
de
Direito
Constitucional.
Sumário:
1.
CONCEITO E AFASTAMENTO DO DEVEDOR
2.
A CELERIDADE E A ECONOMIA PROCESSUAL
3.
A INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALENCIAL
AS EXCEÇÕES:
3.1
AS CAUSAS TRABALHISTAS
3.2
AS EXECUÇÕES FISCAIS
3.3
AÇÕES DE CONHECIMENTO EM QUE FOR PARTE
OU INTERESSADA A UNIÃO, ENTIDADE
AUTÁRQUICA OU EMPRESA PÚBLICA FEDERAL
4.
3.4
AÇÕES QUE PLEITEIAM QUANTIAS ILÍQUIDAS
3.5
AÇÕES NÃO REGULADAS PELA LREF
3.6
AÇÕES REAIS IMOBILIÁRIAS
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DO FALIDO PELO
ADMINISTRADOR JUDICIAL E INCLUSÃO DA
EPÍGRAFE NO NOME DA FALIDA
1
5.
VENCIMENTO ANTECIPADO, EQUALIZAÇÃO E
CRÉDITOS EM MOEDA ESTRANGEIRA
6.
A DISTRIBUIÇÃO PREVINE A COMPETÊNCIA
7.
DEPENDÊNCIA DOS INCIDENTES E AÇÕES PREVISTAS
NA LREF
8.
PREFERÊNCIA DOS PROCESSOS DE FALÊNCIA EM
QUALQUER INSTÂNCIA
9.
CRÉDITOS REMANESCENTES DA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL
10.
FALÊNCIA DE SOCIEDADE COM SÓCIOS
ILIMITADAMENTE RESPONSÁVEIS
11.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DOS SÓCIOS DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA, DOS
CONTROLADORES E ADMINISTRADORES DA FALIDA
11.1
A
INDISPONIBILIDADE
DOS
BENS
PARTICULARES
11.2
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
11.3 . EXTENSÃO
DOS
EFEITOS
DA
FALÊNCIA
PARA EMPRESAS DO GRUPO
1.
CONCEITO E AFASTAMENTO DO DEVEDOR
A lei falencial através do art. 75 alterou significativamente o conceito
anterior de que a falência era o fim da empresa, pressupondo a figura de
desonestidade do falido, sendo irrecuperável o crédito; superou-se a regra
2
drástica de que mors omnia solvit, ou seja, em tradução literal, uma ideia de
que a morte [do devedor] tudo se resolveria.
Originalmente o instituto da falência foi concebido sob forte
inspiração punitiva. Pressupunha-se, então, a desonestidade do falido,
refletida na máxima decoctor ergo fraudator 1. Por conta disso, destacavamse na falência as normas penais, destinadas à repressão do comerciante
fracassado. Nesse contexto, compreendia-se a rigidez dos efeitos da quebra
sobre a pessoa do comerciante atingido pela quebra, chegando a ser
considerado como se fosse um morto, decoctor pro mortuohabetur. 2
Agora
não
é
bem
assim,
pois
a
legislação
vigente
avançou
sobremaneira, retirando do monopólio Judiciário os destinos da recuperação
judicial e da própria falência. Tanto que no curso do processo de falência o
Administrador Judicial e o Comitê podem se organizar e promover a venda
imediata dos bens corpóreos, afastando a deterioração, ou desenvolver
opções empresariais que estanquem custos da massa e possibilitem a geração
de ingresso de recursos no ativo falencial, como, por exemplo, o
arrendamento de equipamentos, de parque industrial, transferência para
terceiros da força produtiva, numa ótica diversa da anterior. Enfim, além das
enumeradas na Lex Specialis, os interessados têm o direito de promover
1
“ Na Id ad e Médi a p ro cu rou -se ma i s a i n da rep ri mi r e p un i r o s come rci a nt e s
deson est o s, t al como um del i n qu en t e co mum. É q ue nes sa épo ca era t ra ço mar can t e
a repr essã o pen al , p oi s o i n st i t ut o da f a l ênci a era ma i s se vero e, ao de vedo r, era l he i mp ut a da a p ena da i nf â mi a, o q ue l h e t o rna va um rép ro bo so ci al . E nã o f o i f á ci l
o i n st i t ut o despr end er -s e d e s eus ví n cul o s p ena l i st a s. Cara ct e ri za va -s e a i n ci p i en t e
t eori a f a l i ment a r, na Ida d e M éd i a, p el o a xi o ma d e co ct o r erg o f ra ud at o r ” (i n
REQU IÃ O, Ruben s. Curso de Di rei t o Fal i m en t a r . 17 ed . São P au l o: S arai va, vol . I,
19 98 , p. 11 ).
2
SOU ZA JR. , Fran ci sc o Sat i r o d e; e P ITOMB O, An t on i o S ér gi o A. d e M. (C o ord s. ).
Comen t ári os à L ei d e Re cup era çã o d e Emp re sa s e Fal ên ci a s: Lei nº 1 1. 1 01 / 20 05 Art i go por art i go. 2. ed . re v. , at u al . e ampl . São P aul o: Ed i t ora Re vi st a d o s
Tri bun ai s, 2 00 7. p. 3 37 -33 8.
3
atitudes negociais lícitas com o propósito de minorar e reduzir os efeitos
drásticos da quebra.
Com isso, as chances de recebimento pelos credores aumentarão na
recuperação judicial quanto na falência, defronte as novas oportunidades
para a pronta realização do ativo e quiçá a reativação da falida sob um
prisma negocial positivo. A atual LREF não é formalista e se preocupa com a
função social da empresa dentro do seu meio de atuação.
Empresa é risco 3. E há empresas que convivem com riscos diuturnos
de iliquidez e nem por isso esmaecem 4.
No Brasil, que adota um sistema capitalista e de economia instável -passando a ser normal a falta de liquidez na gestão empresária -- há riscos
em qualquer atividade empresarial por inúmeros fatores que escapam ao
controle até do mais competente homem de negócios, que podem levar a uma
falência. Assim, arredada definitivamente a id eia ultrapassada de que o
empresário falido seja uma erva daninha, salvo nos casos que o propó sito de
fraude esteja latente.
3
Consi d er and o-s e a e mpr es a co mo a at i vi d ad e ec on ô mi c a or g an i zad a p ar a a pr odu çã o
e ci rcu l açã o d e ben s ou d e ser vi ços, o e mp r esári o qu e a ex erce, pr ofi ssi on al e
ha bi t ual men t e, t e m, p er man ent e men t e, n ece ssi d ad e d e p ess o al ha bi l i t ad o, ca pi t al ,
recu rs os n at u rai s e t ecn ol ogi a, ret i rand o -o s d o mer cad o de fat ores de pr odu çã o, d e
t rab al h o, d e c a pi t ai s e t ecn ol o gi a, e xi gi nd o, p or ou t r o l ad o, a pu j anç a d o mer cad o
consu mi d or d e bens e ser vi ços. Oc asi on al men t e, p or é m, p od e ocorrer i nd esej áve l
cri se em d et er mi n ad a e mpre sa, vi st o q ue, por mai s qu e o e mp re sári o s e es for ce par a
at uar d a mel h or for ma, n o d es e mp enh o d e sua at i vi d ad e e mpr esari al , est á su j ei t o a
const ant es ri s c os ( P AC HECO, J osé d a Si l va. Pro ce sso d e Re cup eraçã o Ju di ci al ,
Ext raj u di ci al e Fal ên ci a, 4 ª ed. , 2 . 0 13 , Foren s e, R i o d e Janei r o, t ópi c o 1 71 . 2).
4
JÚNIOR, Wal d o F az zi o. Man ua l d e Di r ei t o Co mer ci al . Ed . Atl as, 3 ª ed . , p. 39 Refl exõ es so bre a cri se ec on ô mi c o-fi n an cei ra co mo pressu post o d a r ecu p er açã o
j ud i ci al .
4
Indispensável essa afirmação, pois não se pode olvidar as centenas e
milhares de empregos que os empresários falidos sustentaram durante o
período de vida produtiva da empresa. E isso é importante ser dito, pois
certamente esses empregos traduziram-se na sobrevivência de um grande
número de famílias dos trabalhadores pelo curso de tempo que ficaram
empregados. E essa sensibilidade muitas das vezes não é compreendida pelo
Juiz, Administrador Judicial, Promotor de Justiça e Advogados dos credores,
notadamente quando jamais praticaram em seus ofícios o dogma de empregar
e gerar empregos, que possibilitassem aos trabalhadores com seus salários
constituírem família, sustentando-as com dignidade.
Entretanto, o empresário (pessoa natural ou jurídica) que não pagou os
credores e se mostrou débil financeiramente (insolvente), a falência há de ser
declarada (sentença), com o afastamento do devedor de suas atividades,
visando preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e
recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa falida (art. 75
caput).
O decreto da falência vem a ser um estado de direito da devedora
proveniente da verificação e reconhecimento de um estado de fato
preexistente de insolvência. Revela-se como uma crise econômico-financeira
não ultrapassada pela recuperação, judicial ou extrajudicial, impossibilitando
o empresário de prosseguir em suas atividades 5.
Manteve a LREF o princípio de uma execução concursal, na qual todo
o patrimônio do falido é apreendido para acudir aos credores num único
juízo, privilegiando os trabalhadores mais necessitados numa ordem
5
CAMP IN HO, S ér gi o. Fal ên ci a e recu p era çã o de empr esa: O n ovo re gi me d a
i nsol vê nci a empr es ari al . 3. ed. Ri o de Jan ei ro: R en o var, 2 00 8, p. 1 97 .
5
preestabelecida
de
pagamento.
São
preservadas
as
garantias
legais
contratuais, o direito dos credores trabalhistas, tributários, com garantia real,
privilegiados e quirografários, em obediência à ordem de classificação de
pagamento.
A LREF tem sistema e regras processuais próprias, com algumas
passagens complexas, jungida a fundamentos de direito substantivo que
disciplinam os efeitos jurídicos na relação credor-devedor quanto aos seus
direitos e obrigações, atuando o Juiz mais como superintendente da atividade
administrativa interna do processo falencial, fazendo cumprir o desiderato
legal, assumindo a ideia de patrimônio único. É uma universalidade jurídica
(universitas iuris), de coletividade de direitos e deveres 6, que o Estado
intervém ordenando essas relações jurídicas na qual há uma submissão
obrigatória de todos que mantêm relação com a falida em vários quadrantes.
Antes da falência, as sociedades são ordinariamente submetidas aos
poderes de uma assembleia de quotistas ou acionistas 7, nas quais o
empresário exerce seu poder de controle e a administração de certos órgãos
específicos (sócios-gerentes ou administradores) 8. Porém, com o decreto da
falência, o devedor se retira da gerência do destino da falida, pois os
interesses doravante são dirigidos preponderantemente ao pagamento dos
credores 9.
6
CC, art. 91 .
Lei nº 6 . 40 4/ 7 6. Art. 12 1. 1 . A ass e mbl ei a -g eral , c on vo c ad a e i n st al ada de a cord o
co m a l ei e o est at u t o, t e m pod ere s par a d eci d i r t od os o s ne gó ci o s rel at i vos a o o bj et o
da c ompan hi a e t o mar as r es ol u çõe s qu e j u l gar c on ve ni en t es à sua d e fes a e
des en vol vi ment o.
8
Con for me F á bi o Kon der C o mpar at o, ‘a so ci ed ad e n ão é o empr es ári o, i st o é, o
t i t ul ar d o p od er d e cont r ol e, ma s o ‘t i t u l ar da e mp resa’. A l i gaç ão d a p es s oa j u rí di c a
aos ben s s oci ai s n ã o é de poder ( pl ena i n repo t est a s ) e si m d e mera pert i n ênci a. Os
bens s o ci ai s pert en c em à s oci ed ad e, mas q u e m d et ém s o br e el e s o p od er d e
di sp osi ç ão é o e mpre sári o, ou s ej a, o t i t ul ar d o cont r ol e’ (COMP ARA TO, F ábi o
Kon d er e F ILHO, Cal i xt o S al o mã o. O Po de r de Con t rol e na So ci ed ad e Anô ni ma . Ri o
de Jan ei r o, F or ens e, 20 05 , p. 13 1).
9
LREF, art. 75 , cap ut .
7
6
Entretanto, os falidos não são totalmente afastados do processo de
falência. Mantêm o direito de fiscalizar as habilitações, fiscalizar os atos
praticados pelo Administrador Judicial no exercício do seu múnus, inclusive
objetar as decisões de interesse da massa falida, peticionar nos autos e
requerer o que entenderem necessário 10. Os mandatos outorgado s aos
procuradores com poderes ad negotia cessarão como efeito legis da sentença
da quebra11, enquanto os outorgados ad judicia para representação processual
vigorarão até que sejam expressamente revogados pelo Administrador
Judicial 12.
Além de perder os poderes de administração dos bens, os falidos
também perdem a capacidade de representar a devedora em juízo, pois a
massa falida passa a ser, exclusivamente, representada pela figura do
Administrador Judicial, sob pena de nulidade do processo 13.
E é o Administrador Judicial nomeado pelo Juiz quem passa a
responder pelos interesses transitórios da massa falida, enquanto não
encerrada por sentença. Reflexo da falência imediato é a inabilitação do
falido para o exercício de qualquer atividade empresarial e a p erda do direito
de administrar os seus bens e deles dispor 14.
Com a falência instaura-se o concurso universal dos titulares de
créditos, obediente ao tratamento paritário entre os credores, par conditio
creditorum, realizando o ativo do devedor empresário, incumbindo à massa
10
11
12
13
14
LREF ,
LREF ,
LREF ,
LREF ,
LREF ,
art. 1 03 , ca pu t e pará g r afo ú ni co.
art. 1 20 , cap ut .
art. 1 20 , § 1º .
art. 7 6, p ará gr af o ú ni c o.
arts. 1 02 e 1 03 .
7
falida, dentro de suas possibilidades, quitar integralmente ou ratear a
satisfação dos créditos, em consonância com a ordem de classificação
prevista na Lex Specialis. Difere a execução concursal das pessoas físicas,
pois nessa quadra o processo da execução global é diverso, através da
insolvência civil, regulamentada pelos arts. 748 usque 786-A do CPC 15.
2.
A CELERIDADE E A ECONOMIA PROCESSUAL
Os princípios da celeridade e da economia processual se encontram
cimentados no parágrafo único do art. 75 da LREF. Ambos têm finalidade
similar, pois a economia processual compreende, além da economia do
tempo, também a do custo 16. Enquanto que o princípio da celeridade
processual ou da razoável duração do processo advindo da Emenda
Constitucional nº 45 de 2004 está inserido entre os direitos e garantias
fundamentais, qual seja, o direito à razoável duração do processo 17.
No cotidiano forense o processo tem como anseio máximo, tanto por
parte daqueles militantes no direito e, principalmente, aos jurisdicionados, a
pretensão da menor onerosidade (economia de gastos e custos do mecanismo
15
A sent en ça q ue d ecl arar a i ns ol vên ci a ci vi l d o de ve d or n ã o co mer ci ant e (ci vi l )
eq ui val e, e m t e se, à da fal ên ci a e pre c ed e d e u ma fase co gn i t i va. De cl ar ad o o e st ad o
i nsol ve nt e, i n i ci a -s e a fas e ex ecu t i va ( execu çã o u ni vers al ) qu an d o oc orr e rá a ve nd a
dos bens arr ecad ad os para, co m o pr od ut o, part i l h ar en t re os cred or es.
16
“ Pel o pri ncí p i o d a cel eri d ad e, t od a e qu al qu er d el on g a oper a ci on al , ad mi n i st rat i v a
e pr oc e ssu al d eve ser evi t ad a na máxi ma medi d a d o p os sí vel , ai nd a qu e s e
res p ei t as se o car át er c o mpl e xo d o pr o cedi ment o fal i men t ar. O p ri ncí p i o d a e con omi a
pro cessu al re co men d a o mí ni mo e mpre go p ossí vel de at i vi dad es j ud i ci ai s, co m o s
mel h or es re sul t ad os p ossí ve i s da at u ação j urí d i ca, t an t o n a esfer a ci vi l q uant o n a
cri mi n al . ” ( TZIR U LN IK, Lu i z. R ecup era çã o Ju d i ci a l de Empresa s e Fal ên ci a , Ed.
R T, 5 ª Ed . , São P aul o, 2 . 00 2, p. 1 47 ).
17
CF , art. 5º . . . . LX X VIII. a t od os, n o âmb i t o j ud i ci al e ad mi n i st rat i vo, sã o
ass e gu r ad os a raz oá vel d ura ção d o pr o ce ss o e os mei os qu e gar an t am a c el eri d ad e d e
sua t rami t aç ão.
8
judiciário) e da mais rápida prestação jurisdicional (economia de tempo e de
esforço para uma rápida solução da lide), embora saibamos que hoje essa
conjetura de justiça pronta, rápida e sem procrastinação é utópica, salvo se
suceder um revés na estrutura do Poder Judiciário desse país 18.
Há muito prelecionava CHIOVENDA, “o princípio da economia dos
processos, que mais não é que a aplicação do princípio do menor esforço à
atividade jurisdicional e não só em cada processo, mas em referência a
vários processos relacionados entre si: importa obter o máximo de resultado
na atuação da lei com o mínimo emprego possível de atividade processual.
Desse princípio se origina a solicitude das leis no simplificar e facilitar o
curso do processo, a qual se revela, entre outros: a) nas sanções ou outras
providências para impedir atos inúteis ou supérfluos; b) nas normas sobre a
união de causas conexas; c) no uso das preclusões” 19.
A Lei n. 11.101/2005 exige que os atuantes no processo, Juiz,
Promotor de Justiça, Administrador Judicial e Advogados estudem suas
disposições, regra geral, principalmente os novatos na área empresarial
especializada. A ratio essendi da LREF é a rapidez da solução com o
pagamento aos credores, por inteiro ou parcialmente, não se podendo prestar
para o vedetismo midiático daqueles ensimesmados de criar inúmeros
incidentes e recursos que ao final das contas nada trazem de positivo para o
processo, senão a sua eternidade20. Claro que a lei haverá de ser cumprida e
18
“A ut o pi a est á l á no ho ri zo nt e. Ap ro xi mo do i s pa sso s, el a se af a st a do i s pa sso s.
Cami n ho d ez pa sso s e o h ori zon t e co r re d ez pa s sos. Po r ma i s q u e eu ca mi nh e,
jama i s al can çar ei . Para qu e ser ve a ut o pi a ? S erve pa ra i sso: p ara qu e eu nã o d ei x e
de cami n ha r” (A ZEVEDO D IN IZ II).
19
CHIOVEN DA, Gi us e pp e. In st i t ui ções de Di r. Pro c. C i vi l , Ed. Foren s e, vol . I, n º
29 , p. 10 0.
20
A vai dad e e xc essi va, g era prep ot ênci a. Co m vai dade e pre pot ên ci a vo cê pod e at é i r
l on ge. A gora, co m h u mi l d ad e e res p ei t o voc ê che ga a ond e qu i ser (GU ILHE RME
A LBUQ UERQUE).
9
com rigidez, porém de maneira equilibrada e justa, de modo a permitir a
satisfação possível aos credores e garantir ao devedor incauto a possibilidade
de se reabilitar, desde que satisfeitos os requisito s legais.
A direção do processo e os atos administrativos haverão de ser
praticados com racionalidade, alcançando apenas e tão somente aqueles
realmente necessários à prestação jurisdicional, eliminando -se o excesso de
dispensáveis formalidades, em prol da efetividade da jurisdição, mas,
sempre, preservando o sagrado direito de defesa.
É preciso que os participantes da falência não se afastem da dicção
desses
dispositivos
(art.75,
parágrafo
único
e
art.79),
dispensando
requerimentos e pedidos de diligênc ias sem proveito objetivo para que o
processo prossiga mais enxuto e não fuja ao trilho do cronograma legal.
E como há maneiras alternativas de interpretar ou “moldurar” o que
encontram na norma, os intérpretes parecem ser bastante adictos a encontrar
as justificações e argumentos que lhes convêm para afilar, limar e alterar
seletivamente a mensagem normativa, data venia.
A opção preferida (“justa”) é aquela que melhor se adéqua aos
princípios, métodos, regras ou critérios de racionalidade, razoabilidade e
objetividade por meio dos quais a decisão haverá de ser gerada.
3. A INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALENCIAL E SUAS EXCEÇÕES
10
De pronto, para melhor concatenar o tema, necessário esclarecer que
competência do juízo tanto para o processamento da recuperação judicial
quanto da falência é o do local do principal estabelecimento do devedor
constante no Registro Público da Empresa 21 ou da filial da empresa que tenha
sede fora do Brasil 22. Havendo concorrência de juízos competentes, a
prevenção será do juízo a qu e foi o pedido distribuído inicialmente contra o
empresário ou sociedade empresária em relação ao devedor 23. Assim,
qualquer outro pedido de falência, automaticamente será redirecionado para
o juízo competente primeiramente distribuído.
O art. 76, caput da LREF determina que o juízo da falência é
indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses
e negócios do falido de conteúdo patrimonial, especificadamente nomeados
no dispositivo “todas as ações sobre bens, interesses e negócio s do falido”.
Esse princípio de unicidade exclusivamente para demandas previstas
neste dispositivo (art. 76, caput) é conhecido no seio jurídico como a vis
attractiva
do
juízo
universal,
possibilitando
o
conhecimento
e
acompanhamento por todos os credores da falida do caso concreto e seu
reflexo nos bens, interesses e negócios do falido, que direta ou indiretamente
possam refletir nos credores. O raciocínio traçado na ratio legis alcança na
plenitude a condição de igualdade entre os credores, o par conditio
creditorum, modular no direito falimentar 24.
21
CC, art. 1. 1 50 .
LREF , art. 3 º .
23
LREF , art. 6 º , § 8º .
24
Tod as a s pr et en sõe s e xecut ó ri as c on t ra a mas sa se reún em n o j uí z o u ni vers al d a
fal ên ci a (art s. 3º, 6 º e 11 5).
22
11
Assim, dentro da ordem de preferência estabelecida pela LREF, todos
os credores são tratados com igualdade, em paridade de condição na moeda
da falência quando dos seus pagamentos, vale dizer, segundo um mesmo
índice percentual que exprime a proporcionalidade entre o ativo líquido, o
passivo e o quantum do crédito individual.
Também se presta com relevância para a administração da falência,
pois as contendas serão de conhecimento comum do Juiz, Ministério Público,
Administrador
estabelecendo
Judicial,
uma
credores,
ampla
relação
falidos
e
terceiros
interessados,
processual
coletiva,
afastando
a
possibilidade de dispersão de ações que possam resultar em decisões
conflitantes sobre os bens do falido com satisfação de algum credor fora da
ordem de preferência legal 25, vez que os bens, interesses e negócios do
falido 26, são, no frigir dos ovos, os que servirão para atingir o fito maior de
estabelecer um ativo para o pagamento dos credores 27.
Em síntese, por força da vis atractiva do juízo universal, uma vez
decretada a falência, todas as ações e execuções individuais, salvo as
exceções legais previstas na segunda parte do art. 76, caput, são atraídas
para o processo falimentar 28.
25
At end e, e m t es e, aos pri n cí pi os da e con o mi a p ro cessu al - efi ci ên ci a d a pr est a çã o
j uri sd i ci on al (art . 75 ), vez qu e os fat os e os p osi c i on ame nt o s j urí d i co s e m rel açã o ao s
bens e n egó ci os d a fal i d a serã o d e t od os c on h e ci d os.
26
Nã o s e ol vi d and o de q u e t amb ém n a fal ên ci a h á a p os si bi l i dad e e pr es er va çã o d a
ut i l i d ade pr odu t i va d a fal i d a ou de s eu s bens.
27
“S e, po r e xe mp l o, o co rr er a ci dent e d e t rân si t o en vol v end o veí cul o p ert en cen t e a
uma co mpa nh i a, p or cul p a d o emp rega do d e st a , e , em s egu i da , f or d ecl arad a a su a
f al ên ci a , a a çã o d e i n den i za ção a ser p ro mo vi d a pel o prop ri et á ri o d o o ut ro veí cu l o
co rr erá p era nt e o juí zo u ni ver sa l da f al ên ci a , nã o se ap l i can do a regra d o a rt . 10 0,
pa rág ra f o ú ni co do C PC --- f o ro do do mi cí l i o d o a ut o r ou l ocal d o f at o ” (COELHO,
Fá bi o Ul h oa. Com ent á ri os à No va L ei de Fa l ên ci a s e d e R ecup era çã o d e E mp r esa s ,
Ed. Sarai va, 2. 0 05 , São Paul o, p. 20 1).
28
TJM G, A I 1 . 00 79 . 07 . 34 32 15 -9/ 0 01 , DJ 1 2. 1 0. 2 00 7.
12
AS EXCEÇÕES:
Todavia há exceções previstas na segunda parte do caput do art. 76:
“ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta
Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo”.
3.1
AS CAUSAS TRABALHISTAS
A constituição de um crédito líquido, certo e exigível, suscetível de
ser a posteriori habilitado como credor da massa falida, oriundo da relação
de trabalho terá como juízo competente para processar, julgar e liquidar a
ação trabalhista a Justiça Especializada do Trabalho 29. As indenizações
derivadas de acidentes de trabalho foram atraídas para o juízo laboral (EC
45/2.004), salvo aquelas que já tiveram sentença proferida pela justiça
comum.
3.2
AS EXECUÇÕES FISCAIS
O art. 5º da Lei n. 6.830/1980 que versa sobre as execuções tributárias
afasta a competência privativa da lei de quebra, direcionando -as para o juízo
da vara especializada para processar e julgar as execuções da Dívida Ativa
da Fazenda Pública, com exclusão de qualquer outro juízo 30. E, ainda, o art.
187 do CTN prevê que as execuções tributárias não se sujeitam a nenhum
concurso de credores, nem à habilitação de crédito na falência.
29
CF , art. 1 14 e LRE F, art. 6 º , § 2º.
A P ri mei ra Tur ma d o Su peri or Tri bu nal d e Ju st i ça, n o j u l ga ment o d o REs p. n º
64 4. 3 37 / RS, Rel . Mi n . Jos é D el gad o, DJ d e 1 9 . 1 2. 2 00 5, reconh e ceu, c om ba se e m
vá ri os pr ec ed en t e s d o Tri bu n al , a p ossi bi l i d ad e d e ser sus p en s a a çã o d e ex ecu çã o
fi s cal , ‘ e m r az ã o d e ex ame, n o Ju í zo F al i men t ar, de ped i d o d e re st i t ui çã o d e
ad i ant a men t o d e c ont rat o d e c âmbi o, u ma vez q ue es se cr édi t o, por se c on st i t ui r e m
coi sa d e t erc ei r o, pr efer e a qu al q u er ou t r o, i ncl u si ve o créd i t o t ra bal h i st a e fi sc al .
30
13
3.3 AÇÕES DE CONHECIMENTO EM QUE FOR PARTE OU
INTERESSADA
A
UNIÃO,
ENTIDADE
AUTÁRQUICA
OU
EMPRESA PÚBLICA FEDERAL
É competente a Justiça Federal nas lides e ações de conhecimento que
versarem interesse da União, Entidade Autárquica ou Empresa Pública
Federal como traçado pelo art. 109, inciso I da Constituição Federal 31.
3.4
AÇÕES QUE PLEITEIAM QUANTIAS ILÍQUIDAS
O juízo universal da falência não atrai as ações que estejam em
tramitação no curso da falência discutindo quantia ilíquida, vez que há
necessidade de se apurar um quantum certo, líquido e exigível para que
possa ingressar no quadro de credores da massa falida. Assim, enquanto não
atingida essa fase com a constituição do título judicial líquido e certo, não
há como invocar a competência do juízo falencial 32.
3.5
Há
AÇÕES NÃO REGULADAS PELA LREF
no
direito
uma
multiplicidade
de
demandas
traçadas
nas
legislações substantivas, materiais e especiais. Entretanto, a LREF tem como
escopo único angariar recursos com a realização do ativo, vendendo os bens
dos falidos para o pagamento dos credores ou respondendo a massa por
prejuízos causados a terceiros. Portanto, sendo a massa falida autora, ré ou
litisconsorte ativa e passiva de ação que não tem regulamentação prevista na
LREF (v.g., ação de desapropriação, usucapião, despejo, etc.), a regra da
31
CF, art. 10 9. Aos j uí ze s fed erai s c o mp et e pr oc ess ar e j u l gar: I. As cau sa s e m qu e
a Uni ã o, en t i d ad e au t árq ui c a ou e mpre sa pú b l i ca fed er al fore m i n t ere ss ad as n a
cond i ç ão d e au t oras, ré s, as si st en t es ou op on en t es, e xcet o as d e fal ên ci a, as d e
aci d en t es d e t rabal h o e a s suj ei t a s à Ju st i ça El ei t or al e à Just i ç a d o Tr ab al h o; (. . . ).
32
LREF , art. 6º , § 1º . Ter á pr o ss e gu i men t o n o j u í zo n o q ual est i ver se pr o ces san d o
a ação q ue d e mand ar q uant i a i l í q ui d a.
14
competência a ser seguida é aquela prevista no CPC ou na legislação
especial.
Merece realce a questão relativa às “instituições financeiras”, pois a
LREF dispõe no art. 2º, II que esta lei não se aplica às instituições
financeiras públicas ou privadas 33. Porém, na parte das disposições finais, a
mesma LREF no seu art. 197 prevê que enquanto não forem aprovadas as
respectivas leis específicas, esta Lei aplica-se subsidiariamente, no que
couber, aos regimes previstos na Lei n. 6.024/74 que dispõe sobre a
Intervenção e a Liquidação Extrajudicial de Instituições Financeiras. E o art.
12, alínea `d´ da Lei 6.024/74 autoriza ao liquidante 34 “requerer a falência
da entidade quando o seu ativo não for suficiente para cobrir sequer metade
do valor dos créditos quirografários, ou quando julgada inconveniente a
liquidação extrajudicial, ou quando a complexidade dos negócios da
instituição ou a gravidade dos fatos apurados aconselharem a medida”. 35
Assim, preenchidos os requisitos dessa lei especial, possível ao liquidante
confessar a falência da instituição financeira, sendo competente o juízo
universal da falência para a medida cautelar de sequestro (tem como objeto a
indisponibilidade de bens dos réus) e a ação principal de responsabilidade
33
LREF, art. 2º. Esta Lei não se aplica a: I.empresa pública e sociedade de economi a
mista; II. instituição financeira pública ou pri vada, cooperativa de crédito, consórcio,
entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à
saúde, sociedade seguradora, sociedade de capital ização e outras enti dades legalmente
equiparadas às anteriores.
34
Lei n. 6. 024, art. 16, caput. A liquidação extrajudicial será executada por li quidant e
nomeado pelo Banco Central do Brasi l, com ampl os poderes de administração e
liquidação, especial mente os de verificação e classificação d os créditos, podendo n omear
e demitir funcionários; fi xando-lhes os venci mentos, outorgar e cassar mandatos, propor
ações e representar a massa em juízo ou fora dele.
35
O art. 21, alínea ´b´ da Lei n. 6.024/74 também permite ao liqui dante requerer a falênci a
da entidade, quando o seu ativo não for sufi ciente para cobrir pelo men os a met ade d o
valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de cri mes
falimentares.
15
(indenização) estabelecidas nos art. 45, caput e 46, caput da Lei n.
6.024/74 36.
3.6
AÇÕES REAIS IMOBILIÁRIAS
As ações que versam sobre os direitos reais imobiliários, embora não
elencadas nas exceções do art. 76 da LREF, persiste sua tramitação no juízo
da situação da coisa (CPC, art. 95), prescrevendo o art. 83, inc. II da LREF
que os créditos com garantia real (hipoteca, penhor, anticrese, etc.), o credor
terá direito a receber até o limite do bem gravado 37.
4.
SUBSTITUIÇÃO
PROCESSUAL
DO
FALIDO
PELO
ADMINISTRADOR JUDICIAL E INCLUSÃO DA EPÍGRAFE NO
NOME DA FALIDA
Ocorrerá
sempre
a
substituição
processual
do
falido
pelo
Administrador Judicial em todas as ações que a massa integrar os pólos ativo
e passivo, sem exceção. Incumbirá ao Juiz da causa em curso fora do juízo
falencial, determinar que o Administrador Judicial seja intimado da demanda
nas formas previstas pela legislação instrumental civil, atingindo esse
objetivo, sob pena de recair nulidade sob o processo (arts. 76, parágrafo
36
Lei n. 6.024/74. Art. 45, caput. Concluindo o inquérito pela existência de prej uízos,
será ele, com o respecti vo relatório, remetido pelo Banco Central do Brasil ao juiz da
falência, ou ao que for competente para decret á-la, o qual o fará com vista ao órgão d o
Ministério Público, que, em 8 (oito) di as, sob pena de responsabilidade, requererá o
sequestro dos bens dos ex-administradores, que não tinham sido atingi dos pel a
indisponibilidade prevista no art. 36, quantos bastem para a efetivação d a
responsabili dade. Art. 46, caput. A responsabilidade dos ex-administradores, defi nida
nesta Lei, será apurada em ação própria, proposta no juízo d a falência ou no que for para
ela competent e.
37
S TJ, Con fl i t o d e Co mp et ên ci a 2 . 13 6/ S P, DJ 1 6. 03. 1 99 2.
16
único 38 c.c. art.22, III, alínea ‘n’ e art.12, III do CPC). Haverá também
necessidade de se alterar na distribuição o nome da parte falida, incluindo a
epígrafe “falência de” (art.191 parágrafo único) 39.
5. VENCIMENTO ANTECIPADO, EQUALIZAÇÃO E CRÉDITOS EM
MOEDA ESTRANGEIRA
A decretação da falência determina o vencimento antecipado ope legis
das dívidas certas do devedor e dos sócios ilimitada e solid ariamente
responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros legais ou outros
porventura convencionados (compensatórios e moratórios), ex vi art. 77 40.
Possível também identificar os juros embutidos, através do cotejo
entre o valor das vendas à vista e das vendas a prazo dentro da prática
empresarial do credor. Esse dispositivo não obriga ao pagamento imediato
das dívidas vencíveis na data da falência, mas antecipa no tempo a produção
dos efeitos da relação jurídica obrigacional - fatos jurídicos de execução
diferida,
também previsto
no
art. 333,
inc. I
do
Código
Civil 41-,
centralizando o valor da obrigação numa única data de vencimento dos
créditos: o dia que a sentença de quebra foi proferida.
38
LREF, art. 76 . Parág r af o ú ni c o. Tod as as açõ es, i n cl u si ve as e xc et uad a s
no cap ut d est e art i g o, t er ã o pr oss egui ment o c om o ad mi ni st r ad or j u di ci al , qu e
de ver á s er i nt i mad o para r epresent ar a mass a fal i da, s ob p en a d e nu l i d ad e d o
pr o ce ss o.
39
LREF, art. 19 1. Parág raf o ú ni co. As pu bl i c aç õ es ord en ad as n est a Lei cont er ã o a
epí gra fe "r e cu p era çã o j ud i ci al d e ", "r ecu per açã o ext raj u di ci al de " ou "fal ên ci a d e".
40
Os j u ros re mun erat óri os é a forma d o cred or r ec eber u m va l or ad i ci on al p el o t e m p o
qu e fi cou pri va d o d o pr on t o adi mpl ement o .
41
CC, a rt. 3 33 . A o cr ed or assi st i rá o di rei t o d e co brar a d í vi d a an t es d e ve n ci d o o
pr az o est i pul ad o n o c ont rat o ou mar cad o n est e C ód i go: I - n o c as o d e fal ênci a d o
de ved or, ou d e con curs o de c red or es; (. . . ).
17
Antes da decretação da falência são devidos os juros de mora,
independentemente da existência de ativo suficiente para o pagamento do
principal, sendo viável a aplicação da taxa SELIC 42, que se perfaz em índice
de correção monetária e juros; e após a decretação da falência, a incidência
dos juros fica condicionada à suficiência do ativo para o pagamento do
principal e de todos os créditos, inclusive os subordinados 43.
O mesmo princípio aplica-se aos créditos trabalhistas, cujos juros
haverão de ser computados, a princípio, até a data da quebra 44.
Preserva-se o tratamento igualitário aos credores, par condictio
creditorium. Porém, resta mantida a obrigação do credor promover a
habilitação do seu crédito, cujo valor será calculado com base na data da
sentença da quebra e incluído no quadro geral de credores na ordem de sua
classificação para oportuna satisfação.
A disposição do art. 77 harmoniza com a do art. 124, caput, ambas da
LREF no tocante à inexigibilidade dos juros vencidos após a decretação da
falência, previstos em lei ou em contrato, desde que, aí há uma
condicionante, “se o ativo não bastar para o pagamento dos credores
subordinados”, ou seja, acaso o ativo da massa falida for suficiente para o
pagamento integral dos créditos com preferência na ordem de classificação
com a integralidade dos juros.
42
A Tax a S el i c con st i t u i o val or a pu r ad o n o Si s t e ma Es peci al d e Li q ui d a çã o e d e
Cust ó di a, med i an t e c ál cu l o da t a x a méd i a p on derad a e aj ust ad a da s o per açõ es d e
fi nan ci a men t o p or u m d i a e re fl et e, basi ca m en t e, as c ond i çõ es i n st an t ân e as d e
l i qu i dez n o mer cad o mon et ári o, d ec o mp on d o -s e em t axa d e j ur os r e ai s e t a xa d e
i nfl a ção n o p erí od o c on si d erad o ( S TJ, Ag Rg n o Re s p 1. 0 86 . 05 8/ P R, DJe
03 . 09 . 20 09 ).
43
S TJ, Resp 6 87 . 41 7/ P R, DJ 21 . 02 . 2 00 6 e Resp 2 58 . 31 4/ RS , DJ 06 . 03. 2 00 6.
44
S TJ, Resp 4 48 . 63 3/ MG, DJ 14 . 0 4. 2 00 3.
18
Mas é lógico que se não estipulados juros, nada há para ser deduzido
do valor do crédito. Insta pontuar que esse regramento não se aplica em
relação aos créditos do falido.
Mutatis mutandis, o vencimento antecipado dos juros não se aplica por
impossibilidade lógica àquelas dívidas sem um prazo ou termo definitivo,
cujo adimplemento só se dará mediante o cumprimento de obrigações
futuras. Nessa hipótese, aplica-se a regra geral dos juros até a data da
quebra.
Aplica-se o vencimento antecipado das dívidas com o abatimento dos
juros, às dívidas contraídas apenas pela sociedade falida e aos sócios
ilimitada e solidariamente responsáveis (CC, art. 333, inc. I), não alcançando
terceiros devedores solventes que assumiram como garantidores da dívida.
Mas aos créditos do falido não se aplicam essa antecipação,
permanecendo as datas ajustadas dos seus respectivos vencimentos.
Preservando o princípio de igualdade entre os credores, todos os
credores estrangeiros ou nacionais em moeda estrangeira deverão ter seus
crédidos convertidos na moeda do país pelo câmbio do dia da decisão
judicial da quebra, impedindo, com isso, os efeitos da variação cambial 45.
O Juiz ao proferir a sentença, na parte dispositiva, deliberará sobre
qual o valor da taxa de conversão do dólar e do euro (moedas mais praticadas
no mercado internacional), informando a fonte adotada no decisório para fins
de cálculo. Sabendo que hoje o câmbio é flutuante, diante das constantes
45
É vál i da a cont rat açã o em moed a est r an gei ra, d e sde qu e o p agame nt o s ej a e fet u ad o
med i an t e a d e vi da c on ver são e m moed a n aci o nal ( v. g. S TJ AI 61 2. 4 05 / MG, DJ
22 . 08 . 20 05 ; Resp 4 02 . 0 71 / CE, DJ 24 . 02. 2 00 3).
19
intervenções do Banco Central do Brasil, caberá ao Juiz fixar um critério. Ad
exemplificandum, critério razoável seria o “câmbio oficial informado no site
do Banco Central do Brasil” no link de conversão de moedas na data da
falência. Se na sentença não contiver essa particularidade, ela poderá vir a
ser deliberada posteriormente pela via integrativa dos embargos declaratórios
ou por uma decisão interlocutória, pois não se trata de matéria essencial do
decisum da quebra.
6. DISTRIBUIÇÃO PREVINE A COMPETÊNCIA
O art. 78 caput prevê que os pedidos de falência estão sujeitos a
distribuição obrigatória ao juízo competente dentro da organização do
judiciário de cada estado, com ou sem varas especializadas, respeitando a
ordem cronológica de apresentação no cartório distribuidor.
Se competente, o primeiro pedido de falência distribuído p revine
definitivamente o juízo. Em caso de ajuizados outros requerimentos, restarão
prejudicados seu processamento em virtude da anterior distribuição no
mesmo sentido, cabendo ao Juiz determinar sua remessa para apensamento
ao primitivo pedido de falência 46.
Tecnicamente falando, não se aplica a regra processual da prevenção
para o Juiz de igual competência que primeiro despachar, mas sim a ordem
cronológica
do
protocolo
no
cartório distribuidor, como diz a
lei,
“respeitada a ordem de apresentação”.
46
LREF, art. 6 º . . . § 8 º . A di st ri bui ção d o ped i do d e fal ên ci a ou d e re cu p era çã o
j ud i ci al pr evi n e a j uri sdi çã o d e q u al q ue r ou t ro ped i do de r ecu per ação j ud i ci al o u d e
fal ên ci a, rel at i vo ao mes mo d e ve d or.
20
7. DEPENDÊNCIA DOS INCIDENTES E AÇÕES PREVISTAS NA LREF
E também serão distribuídas por dependência ao processo matriz da
quebra as demandas incidentais que envolvam os bens, interesses e negócios
do falido, bem como aquelas expressamente previstas na LREF, v.g.,
habilitação de crédito, impugnação de crédito, ação revocatória, ação de
restituição,
ação
de
responsabilidade
dos
administradores,
ação
de
retificação do quadro geral de credores 47, prestação de contas e relatórios do
Administrador Judicial (art. 78, parágrafo único).
8. PREFERÊNCIA DOS PROCESSOS DE FALÊNCIA EM QUALQUER
INSTÂNCIA
A prioridade para o processamento e julgamento do processo principal
da falência e via de consequência seus incidentes se trata de norma cogente
prevista no art. 79. Por isso, preferem a quaisquer outros na ordem de
agilidade dos feitos em qualquer instância. O escopo é alcançar com a maior
brevidade a satisfação de uma comunidade de credores, vez que numa
falência, regra geral, a maioria dos credores são trabalhadores de parcos
recursos financeiros, dentro da lógica legal da celeridade e da economia
processual 48.
Como não é possível a criação de varas especializadas na maioria das
comarcas do interior, seria interessante que as Corregedorias de Justiça dos
Tribunais delegassem a uma determinada vara cível o processamento das
falências, resultando num melhor conhecimento desta matéria especializada
47
48
LREF , art. 1 0, § 6 º.
LREF , art. 7 5, p ará gr af o ú ni c o.
21
por parte do Juiz, Ministério Público, Advogado e Serventuário da Justiça.
Não são poucos os magistrados e promotores de justiça que se aposentam
compulsoriamente e têm pouca ou nenhuma noção da lei especial que versa
sobre recuperação judicial e falência.
9. CRÉDITOS REMANESCENTES DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Dentro do princípio do aproveitamento dos atos praticados em nome
da
celerid ade
processual,
considerar-se-ão
habilitados
os
créditos
remanescentes de frustrada recuperação judicial incluídos no quadro geral
de credores convertidos em falência, porquanto já aferidos sua exatidão,
existência, montante e qualificação na recuperação de crédito (art. 80).
Outrossim, não mais poderão ser objeto de impugnação na falência as
habilitações de crédito não impugnadas e inclusas no quadro geral de
credores,
pois
reconhecidos
definitivamente
sua
existência,
valor
e
classificação, restando preclusa (temporal=inércia dos credores depois de
publicados os editais e consumativa= as impugnações foram definitivamente
julgadas) qualquer insurgência 49, salvo as hipóteses do art. 19, caput. 50
A publicidade da relação de credores é referendada desde o início do
processo da recuperação judicial com a apresentação na inicial da relação
nominal dos credores e empregados 51, publicada na decisão que defere o
processamento 52 e oportunizado aos credores e ao Administrador Judicial sua
49
LREF , art. 1 5, I.
LREF, art. 1 9, ca pu t . . . fal si d ad e, d ol o, si m ul açã o, fr aud e, err o es sen ci al ou ,
ai nd a, d ocu me nt o s i gn orad os na é po ca d o j u l g ament o d o cr éd i t o ou d a i n cl u são n o
qu ad r o-geral d e cr ed or es.
51
LREF , art. 5 1, i nc. III e IV.
52
LREF , art. 5 2, § 1 º , II.
50
22
conferência 53. E, ainda, diante da obrigatoriedade da publicação do rol de
credores quando da decretação da falência, mesmo nos casos de convolação
na quebra e nas declarações prestadas pelo falido 54.
As habilitações de
crédito
em
curso, ainda
não
julgadas na
recuperação judicial convolada em falência ou as novas que estejam em
curso, prosseguirão regularmente na falência, obedientes aos trâmites legais.
Os eventuais recebimentos efetivados no período da recuperação
judicial serão deduzidos do valor apontado na habilitação de crédito,
atualizando-os pelas tabelas oficiais aplicadas no juízo, bastando refazer o
cálculo para se atingir o valor atualizado do crédito.
10. FALÊNCIA DE SOCIEDADE COM SÓCIOS ILIMITADAMENTE
RESPONSÁVEIS
Cumpre observar que na realidade, o art. 81 da LREF terá pouca
aplicabilidade, com diminuta repercussão pragmática nos palcos forenses,
pois incomuns os casos de sociedade com responsabilidade ilimitada dos
sócios, restringidas apenas às raras sociedades em nome coletivo e a
comandita simples em relação aos sócios que nos estatutos se apresentem
como ilimitadamente responsáveis. E mesmo assim, essas sociedades deverão
ter a natureza de sociedades empresárias, para serem suscetíveis à quebra
(art. 1°). Portanto, ficam fora da incidência o empresário - pessoa física, a
sociedade limitada, a sociedade anônima e a sociedade simples.
53
54
LREF , art. 7 º , § 1º .
LREF , art. 9 9, p ará gr af o ú ni c o e art. 10 4, XI.
23
A
decisão
que
decreta
a
falência
da
sociedade
com
sócios
ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes sócios, que
ficarão sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzido s em relação à
sociedade falida. E por isso, deverão ser citados individualmente todos os
sócios para, querendo, apresentarem as respectivas contestações ao pedido de
falência (art. 81, caput), aplicando -se o prazo dobrado do art. 98, caput, vez
que incidente a regra do art. 191 do CPC 55.
Formar-se-á um litisconsórcio passivo necessário. A falta de citação
de qualquer sócio ilimitadamente responsável acarretará insanável nulidade
ab ovo do processo.
Com a sentença da quebra, cada um dos sócios ilimitadamente
responsáveis constituirá uma massa falida individual própria, formando -se
várias massas falidas agrupadas em litisconsórcios passivos. Os sócios
ilimitadamente responsáveis terão as suas falências decretadas juntamente
com a da sociedade.
Os efeitos previstos no art. 81, caput estendem-se àquele sócio que
tenha se retirado voluntariamente ou excluído da sociedade há menos de 02
(dois) anos quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da
alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da
decretação da falência como prescrito no §1º do art. 81.
Anote-se a importância do marco quanto ao prazo a quo da
responsabilidade dos sócios ilimitadamente responsáveis que se retiraram ou
foram excluídos da sociedade prevista no §1º do art. 81 , qual seja, há menos
55
LREF, art. 98 , ca pu t . Ci t ado, o d eved or p od erá apr esent ar c on t est a çã o n o pr az o
de 1 0 (d ez) di as.
24
de 02 (dois) anos do arquivamento da alteração do contrato nos órgãos
competentes, gerando daí os efeitos de direito erga omnes desse ato jurídico.
Portanto, é considerado ineficaz o afastamento do sócio dentro de 02 (dois)
anos, respondendo com seu patrimônio se ocorrer a quebra.
Essa retroação dos efeitos prevista no §1° do art. 81 foi mal redigida,
pois açambarca apenas ao sócio que tenha “se retirado voluntariamente” ou
“excluído da sociedade” 56. Sem dúvida alguma, dá margem à interpretação
que o dispositivo não inclui o sócio que vendeu suas cotas, pois não está
enquadrada essa hipótese nas situações expressamente delimitadas de
retirada voluntária e exclusão, salvo se demonstrada a má-fé nesta alienação.
A sentença de quebra estenderá automaticamente seus efeitos ao
patrimônio
dos
sócios
ilimitadamente
responsáveis
que
poderá
ser
arrecadado, não levando em conta a personalidade jurídica dos sócios
(pessoas físicas ou jurídicas). Evidente que os bens de família protegid os
pela Lei n. 8.009 de 29.03.1990 e outros relacionados como impenhoráveis
pela lei instrumental civil (CPC, art. 649) e leis esparsas, a princípio, não
poderão ser arrecadados.
Agora,
acerca
da
reserva
da
meação
do
cônjuge
do
sócio
ilimitadamente respo nsável, se porventura atingida na arrecadação, nas
hipóteses em que a lei e a jurisprudência preservarem esse direito ao cônjuge
que não participa da sociedade, o afastamento da constrição judicial será
discutido em sede de embargos de terceiro
promovidos pela parte
interessada, analisando de per se cada caso concreto e suas particularidades.
56
A pen as os só ci os qu e de scu mp r em a s obri ga çõ e s s o ci ai s pre vi st as n o s est at ut os ou
pr at i qu e m at os i l í ci t os s ão c o mpul s ori ament e e xcl u í d os d a so ci ed ad e, ger al men t e
at ra vés d e aç ão de d i ssol u çã o parci al de s oci eda de.
25
A representação processual das sociedades com sócios ilimitadamente
responsáveis ficará a cargo dos seus administradores ou liquidantes prevista
no contrato social, que terão os mesmos direitos e obrigações do falido (art.
81, §2°). Mas isso não quer dizer que os administradores e liquidantes não
sócios terão contra si os efeitos da falência, pois o dispositivo é sistemático
e exaure-se na questão da representação 57.
Se demonstrado que os administradores ou liquidantes agiram contra a
lei, sendo que esses atos deram causa à falência da sociedade, desde que
demonstrado cabalmente essa circunstância, além dos direitos garantidos aos
falidos pela LREF, também ficarão sujeitos às mesmas obrigações dos sócios
ilimitadamente responsáveis (art.81, § 2º, parte final).
11. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CONTRA OS SÓCIOS DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA,
OS CONTROLADORES E OS
ADMINISTRADORES DA FALIDA
O
art.
82
reuniu
nesse
único
dispositivo
tanto
a
ação
de
responsabilização como a ação de integralização. Têm legitimidade ativa o
Administrador Judicial, o Ministério Público e qualquer credor da massa
falida. E podem figurar no pólo passivo as pessoas físicas ou jurídicas dos
sócios de uma sociedade de responsabilidade limitada, dos controladores de
uma sociedade anônima, daqueles que ocupam cargos de administração de
qualquer sociedade falida e terceiros (pessoas físicas ou jurídicas) que
venham a praticar condutas ilícitas (atos fraudulentos).
57
Co m o d e cret o d a ban c arr ot a, os fal i do s p erd e m a ad mi ni st r açã o d e seus b en s e o
pod er de d i s por so bre el es ( art . 1 03 ).
26
O rito é o ordinário do CPC, com fundamento na legislação civil ou
especial que regulam as suas respectivas responsabilidades.
A competência para o processamento e julgamento da ação de
responsabilidade é exclusiva do juízo fale ncial pelo qual tramita a falência
da sociedade (art. 82, caput) 58.
A base legal para o ajuizamento da ação de responsabilidade não é o
fato isolado da quebra, mas sim a identificação do ato de direção direta ou
indireta da falida considerado ilícito, contrário aos objetivos da sociedade,
que malfere a legislação civil ou especial da atividade empresarial da
sociedade falida, que venha a lhe redundar danos (CC, art. 1.080) 59.
A apuração da responsabilidade está desvinculada da realização do
ativo e da constatação de sua insuficiência patrimonial, tencionando apenas
para a identificação dos responsáveis.
FÁBIO
ULHOA
COELHO
elucida
a
propositura
da
ação
de
responsabilidade contra os sócios para fins de integralização do capital
social, independentemente de ilícito como prevê o art. 1.052 do Código
Civil 60. A finalidade da demanda, “ação de integralização”, teria como
58
CPC, a rt. 1 13 . A i nc omp et ên ci a a bs ol u t a d e ve ser d e cl ar ada d e o fí ci o e p od e s e r
al eg ad a, e m q u al qu er t e mpo e grau de j u ri sdi ç ão, i nd ep en den t ement e d e e xce çã o.
§1 º . Não send o, p or é m, d edu zi d a n o pra z o da con t est a çã o, ou n a pri mei r a
op ort u ni d ad e e m q u e l he cou b er fal ar n os aut o s, a part e r es pond erá i nt e gral men t e
pel as cu st as. § 2º . De cl ar ad a a i nc omp et ênci a absol u t a, s oment e os at os d eci sóri o s
ser ã o n ul os, re met end o-s e os aut os ao j u i z c omp et en t e.
59
CC, art. 1. 0 80 . As del i ber açõ es i n fri n gent es d o c on t rat o ou d a l ei t orna m i l i mi t ad a
a res pon sa bi l i dad e do s qu e ex pr es sa men t e as a pr o va ra m.
60
CC, art. 1 . 0 52 . Na s oci ed ad e l i mi t ad a, a res p on sa bi l i dad e de c ad a só ci o é re st ri t a
ao val or de su as q u ot as, ma s t od os r es p on d e m sol i dari a men t e p el a i n t egr al i za çã o d o
ca pi t al so ci al .
27
objeto a condenação para que os sócios integralizassem o valor do capital
subscrito 61.
A responsabilidade é subjetiva e é necessário que o autor da ação
ordinária demonstre por prova segura, identificando quem cometeu o dano,
os fatos ocorridos, a disposição legal contrariada e o valor do prejuízo 62. O
valor pecuniário do dano poderá ser identificado de plano, apurado no
transcorrer da instrução ou em liquidação de sentença pelos meios de prova
admitidos em direito, pois o produto alcançado servirá para pagar os
credores.
O propósito único da ação ordinária de responsabilidade falencial é
declarar a responsabilidade dos sócios e terceiros que tenham contribuído
diretamente para causar a quebra, respondendo com seus patrimônios para a
satisfação dos credores da massa falida.
A ação ordinária de responsabilidade poderá ser proposta no limiar do
processo de falência, até mesmo antes da alienação dos bens arrecadados
(realização do ativo) e da demonstração se o que foi vendido será ou não
suficiente para pagar os débitos da massa falida (satisfazer o passivo). Isso
possibilitará um adiantamento da prestação jurisdicional quando se constatar
por antecipação, de forma concreta, segura, a prática de ato ilícito pelos
demandados (art. 82, caput).
61
COE LHO, F ábi o Ul h oa. Com ent á ri os à No va L ei de Fal ên ci a s e de Recu pe ra ç ã o
Ju di ci a l , Ed . Sarai va, 2 . 00 5, S ão P au l o, p. 2 10 .
62
Na Ju st i ça d o Tr abal h o a res p on sa bi l i dade d os só ci os é o bj et i va, re sp on den d o o s
mes mos c om s eus res pect i vos pat ri môn i os n o c aso d e des cu mpri ment o de obri ga çõe s
t rab al hi st a s d e for ma a obst ar o l o cu pl et a men t o i nd e vi d o do t rab al h o al hei o. S e o
pat ri môn i o d a emp re sa d esa par e c er, p ou co i mpor t an do a cau sa, os só ci os, di ret ore s e
di ri gent es r esp on d e m c o m s eu s pat ri mô ni o s pess oai s . ( TR T/ S P, 02 96 03 11 70 6, Ac.
02 97 00 04 58 0).
28
Importante ressaltar que nessa ação a responsabilidade é subjetiva,
pois as obrigações são de meio e não de resultado, impondo-se verificar se as
atitudes praticadas enquadram-se ou não dentro da noção racional e usual da
diligência do cargo. Figurarão no pólo passivo o sócio quando infringir a lei
ou o contrato social (CC, art.1.080) agindo com abuso de direito (CC, art.
187) 63; o administrador da sociedade limitada quando trouxer prejuízos à
sociedade por descumprir seus deveres de diligência (CC, arts. 1.011 e
1.016) 64; o acionista controlador por abuso no exercício do poder de controle
(LSA, art. 117) 65; o administrador de sociedade anônima se conduzir de
forma ilícita os negócios sociais (LSA, art. 158) 66.
Se a sentença na ação de responsabilidade for proferida antes do
encerramento da falência, haverá de ser consignado na sua parte dispositiva a
ressalva de que o valor da condenação será executado apenas até o limite do
saldo devedor remanescente para a satisfação dos credores da massa falida.
Assim, se o ativo realizado na falência cobrir integralmente o passivo,
a execução da sentença de responsabilidade se limitará à parte sucumbencial,
perdendo-se o objeto a outra parte da execução em virtude da superveniência
da quitação aos credores da massa falida. A ação de responsabilidade é
63
CC, a rt. 18 7. Ta mbé m co met e at o i l í ci t o o t i t ul ar de u m d i rei t o q u e, ao e xer cê -l o,
exc ed e mani fest ament e os l i mi t es i mpost os pel o seu fi m ec on ô mi c o ou s oci al , pel a
bo a-fé ou pel os bons c ost u mes.
64
CC, art. 1. 01 1, cap ut . O ad mi ni st rad or d a s o ci edad e d ever á t er, n o e xer cí ci o d e
suas fun çõ es, o cu i d ad o e a di l i g ên ci a qu e t od o h ome m at i vo e pr ob o cost u m a
empr eg ar n a ad mi ni st ra çã o de s eu s pró pri os ne gó ci o s.
CC, art. 1. 01 6. Os ad mi ni st r ad or es r esp on d e m s ol i d ari a men t e per an t e a s oci ed ade e
os t er cei ro s pr ej ud i cad os, por cul p a n o des empen ho de su as fun çõ e s.
65
Lei 6. 4 04 / 74 , a rt. 11 7, ca pu t . O a ci on i st a cont rol ad or r es pon d e pel o s d an o s
cau sad os por at os prat i c ad os c o m a bu s o de pod er .
66
Lei 6 . 40 4/ 7 4, art. 15 8. O admi n i st r ad or nã o é pess oal men t e r esp on s ável pel a s
obri ga çõ es qu e c on t rai r em n ome d a s oci edad e e em vi rt ud e d e at o regu l ar d e g est ã o;
res p on d e, porém, ci vi l men t e, p el os pr ej uí z os q u e cau sar, q u and o pr oced er: I. d ent r o
de su as at ri bu i çõe s ou pod ere s, c om cul p a ou dol o; II. c o m vi ol a çã o d a l ei ou d o
est at u t o.
29
limitada à importância pecuniária suficiente para cobrir a insuficiência
remanescente do passivo, endereçada ao pagamento dos credores.
Prescreverá em 02 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da
sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilidade (art. 82, §
1º) 67. Após o encerramento da falência, desaparecendo do cenário jurídico a
figura do Administrador Judicial, a legitimidade ativa restringirá aos
credores que porventura não tenham recebido integralmente seus créditos no
transcorrer do processo de falência, dando oportunidade de reivindicá-los
através da ação de responsabilidade em comento, preservando a competência
do juízo falencial pelo qual tramitou a falência encerrada.
11.1
A INDISPONIBILIDADE DOS BENS PARTICULARES
É possível de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas,
ao autor da ação, na maioria das vezes a massa falida, que sejam
indisponibilizados os bens particulares dos réus na medida certa prevista em
lei, qual seja, “em quantidade compatível com o dano provocado”, até o
julgamento da ação de responsabilização (art. 82, § 2º).
Considerando se tratar de uma ação ordinária, essa pro vidência
preventiva haverá de obedecer aos requisitos do art. 273 do Código de
Processo Civil que trata da “tutela antecipada”, através de decisão
fundamentada quando presentes a prima facie a prova inequívoca que
demonstre a verossimilhança da alegação, havendo fundado receio de dano
irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, caracterizado o abuso de direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (CPC, art. 273, caput,
67
LREF, art. 15 6. Apres en t ad o o rel at ó ri o fi n al , o j ui z en c errar á a fal ên ci a p o r
sen t en ç a. Parág raf o ú ni c o. A s ent en ça d e en ce rra men t o s erá pu bl i cad a p or edi t al e
del a ca b erá apel aç ã o.
30
incisos I e II), sob pena de ser proferida uma abominável decisão arbitrária,
quando os fatos não tiverem bem aclarados e sem dar oportunidade à parte
demandada de se defender em obediência ao devido processo legal 68 (CF, art.
5º, LIV e LV) 69.
Importantíssimo na aplicação da “tutela antecipada” que o Juiz
identifique de maneira racional, jamais vogando no campo da hipótese ou
conjetura, a presença dos requisitos preditos do art. 273 do CPC. Isso porque
a tutela antecipada só poderá ser concedida quando não houver perigo de
irreversibilidade do provimento antecipado, ou seja, se o autor tiver
condições de reparar integralmente o réu na hipótese de posteriormente ser
revogada a tutela antecipada, como dita o comando do §2º do art. 273 do
CPC 70.
E no trato legal em comento exige-se do Juiz saber ou pelo menos ter
uma noção da “quantidade compatível com o dano provocado” evitando
exageros
que
transgridam
o
princípio
da
proporcionalidade.
E,
se
verificados, que sejam de pronto corrigidos, afastando o que for excessivo.
68
Já di zi a Ari st ó fane s: "Como era sá bi o a qu el e qu e di s se: nã o jul g ue s s em t e r
ou vi do amb as a s pa rt e s" (RO SAS, R ob ert o. Di rei t o Pro ce ssua l Con st i t uci o na l Pri ncí p i os d o Pro cesso C i vi l , R T, 2ª. ed . , p. 93 ).
69
CF , art. 5 º. LIV- n i ngu é m s er á pri va d o d a l i ber d ad e ou d e s eu s bens sem o de vi d o
pr o ce ss o l eg al ; LV- ao s l i t i gant e s, e m pr oc ess o j u di ci al ou ad mi ni st rat i vo, e ao s
acu sad os em ger al sã o as se gur ad os o cont radi t ó ri o e ampl a d efe sa, c om os mei os e
recu rs os a el a i ner ent es.
70
CPC, a rt. 2 73 . § 2º . N ão s e c on ced er á a an t eci paç ão d a t u t el a qu an d o h ou ve r
peri go d e i rre ver si bi l i d ade d o pr o vi ment o ant eci pad o.
A con c essã o d e t ut el a an t eci pad a, medi d a exce p ci on al , s oment e d eve o co rrer q uan d o
pr een chi d os os pressu p ost o s l e gai s, si t ua ç ão qu e n ão se e vi d en ci a q u and o a mat éri a
em l i t í gi o de man d a pr ofu nd a an ál i se d o c on t ext o pr ob at ó ri o, at é ne cessi t an d o d a
i nt erpret a çã o d e cl áusu l as cont rat u ai s ( TJMG, A I 1 . 02 23 . 05 . 16 92 40 -6/ 0 01 , DJ
30 . 03 . 20 07 ).
31
Como medida intermediária, interessante observar a sabedoria e
cautela da dicção do §7º do art. 273, que não avança no mérito, restringindo
a indisponibilidade como uma medida de natureza cautelar 71.
11.2
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem em
processo de considerável ressonância na jurisprudência inglesa, conhecido
por Salomon vs. Salomon & Co. Julgado pela House Of Lords em 1897, o
pedido de desconsideração, acolhido em primeiro grau, foi rejeitado em
segundo.
A
construção
doutrinária
e
pretoriana,
nada
obstante,
se
desenvolveu e fixou postulados em torno da matéria. Inúmeros casos
semelhantes grassaram nos Estados Unidos e na Inglaterra, levando os
tribunais destes países a se pronunciar reiteradamente sobre a “disregard
doctrine”. O direito inglês foi o primeiro a converter a doutrina e os
julgamentos em lei: se no curso da liquidação da sociedade constatar-se que
um seu negócio foi concluído com o objetivo de perpetrar uma fraude contra
credores, dela ou de terceiro, ou mesmo uma fraude de outra natureza, a
Corte, a pedido do liquidante, credor ou interessado, pode declarar, se
considerará cabível, que toda pessoa que participou, de forma consciente, da
referida operação fraudulenta será direta e ilimitadamente responsável pela
obrigação, ou mesmo pela totalidade do passivo da sociedade 72.
No Brasil falou -se pela primeira vez na teoria da desconsideração com
a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho, em 1º de maio de 1943
71
CP C, art. 2 73 . § 7º . Se o au t or, a t í t ul o d e an t eci p aç ão d e t ut el a, requ er e r
pr o vi d ên ci a de n at ure za caut el ar, p od er á o j u i z, q uand o pr es en t es os res pe ct i vo s
pr essu po st os, d eferi r a med i d a c au t el ar e m car át er i n ci dent al d o pr oc ess o aj u i zad o.
72
Companies Act, 1929, Seção 279 - Bastid-David-Luchaire, 1960/77.
32
(art. 2º, §2º). Seguiram-se, assim, pela justiça laboral, inúmeros julgados
analisando o novel instituto.
A jurisprudência do direito comum, todavia, somente mais tarde se
preocupou com a questão, tornando-se célebre o v. acórdão conduzido pelo
voto
do
eminente
Desembargador
paulista
EDGAR
DE
MOURA
BITTENCOURT, do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “A
assertiva de que a sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um
princípio jurídico, mas não pode ser um tabu a entravar a própria ação do
Estado, na realização de perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do
Juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los ao direito” (RT
238/394).
Naquela oportunidade já vigorava a Lei de Falência, comprometendo
os bens particulares dos sócios em caso de quebra fraudulenta. Seguiram -se
inúmeros julgados da justiça comum, todos procurando sistematizar a teoria
para aplicá-la em casos concretos. Em 1988, a nova Constituição Federal,
estabelecendo “a liberdade de associação para fins lícitos” (art. 5º, XVII),
forneceu subsídios importantes à jurisprudência para sedimentar com maior
solidez os decretos de desconsideração da pessoa jurídica, responsabilizando
diretamente os sócios quando atuem encobertos pela sociedade para fins
ilícitos, vale dizer, afrontando a ordem jurídica e os bons costumes.
Despontou, em seguida, o art. 18 da Lei Antitruste, nº. 8.884/94, autorizando
a desconsideração por “infração da ordem econômica”, “abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos
ou
contrato
social”,
“falência,
estado
de
insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração”.
33
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor assentou em seu art.
28 a possibilidade da desconsideração, sempre que “houver abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social”, bem como em caso de “falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por
má administração”.
Por fim, o art. 50 do Código Civil vigente também prevê este instituto.
Procurando ordenar a teoria,
sustentava expressiva p arcela de
estudiosos da matéria, que a aplicação se fundava na existência dos
pressupostos legais enumerados nos diplomas transcritos.
Falava-se, pois, no despontar de um instituto ousado, em admissão da
desconsideração da personalidade jurídica apenas quando se evidenciasse
abuso de direito, excesso de poder, infração à lei ou ao contrato social e
quebra por gestão ruinosa.
Observado que a lide é o conflito de interesses qualificado por uma
pretensão resistida, conceito de CARNELUTTI, toda vez que ao órgão
judicante se opuser um obstáculo à justa composição do interesse de quem
pretende dirimir o conflito, será lícito ao julgador admitir processamento que
leve à desconsideração da personalidade jurídica causadora do óbice.
Doutrina e jurisprudência admitem, pacificamente, a “disregard
doctrine”, possibilitando o esboroamento da cortina de fumaça, ou “piercing
the veil”, na expressão dos juristas ingleses, que envolve atividades sociais
ilícitas, encobertadas pela presunção de que a sociedade não se confunde
com o sócio.
34
Exige-se no que se buscará desvendar o exercício irrestrito do
contraditório, vale dizer, a obediência ao devido processo legal, pois fincado
que “A desconsideração da pessoa jurídica é medida excepcional que
reclama o atendimento de pressupostos específicos relacionados com a
fraude ou abuso de direito em prejuízo de terceiros, o que deve ser
demonstrado sob o crivo do devido processo legal” (STJ, Resp 347.524-SP,
DJ 19.05.2003).
Não é qualquer “indício” que pode deflagrar a instauração da
desconsideração da personalidade jurídica, mas há necessidade de elementos
mais sensíveis ou materiais, vestígios, traços e coincidências que por
indução venham a possibilitar o juízo do fato provado.
Apenas a não localização de bens do devedor não é motivo suficiente
para a desconsideração da personalidade jurídica na falência. Indispensável a
prova do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio d e
finalidade ou confusão patrimonial para aplicar-se o disregard teory, como
pontua o eg. TJSP. 73
Tanto em sede de tutela antecipada initio lide, como no transcorrer do
processo de conhecimento, acaso se verifique o abuso da personalidade
jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial,
assentado no comando do art. 50 do Código Civil coadjuvado pelo art. 28 do
Código de Defesa do Consumidor, o Juiz excepcionalmente poderá atingir o
patrimônio dos sócios da pessoa jurídica, através da desconsideração da
personalidade jurídica 74.
73
TJSP, AI 0186124-14.2011.8. 26.0000, j. 28. 02.2012, DJ 14.03.2012; TJSP, AI 021965795.2010. 8.26.0000, j . 23.11.2010 , DJ 10.12.2010.
74
CC, art. 50 . Em ca s o de a bu so d a pers on al i dade j u rí di ca, c ar act eri z ad o pe l o
des vi o d e fi n al i dade, ou pel a c on fus ã o pat ri mon i al , pod e o j ui z d e ci di r, a
35
No emblemático caso da falência da VASP, o d. juízo da 1ª Vara de
Falências e Recuperações Judiciais - Foro Central Cível de São Paulo, na
Habilitação de Crédito n. 0070520-25.2013.8.26.0100, indeferiu o pedido
formulado pelo Ministério Público para a desconsideração da personalidade
jurídica dos integrantes do CONSELHO FISCAL da VASP, pois não seria
razoável a determinação de bloqueio liminar de bens de conselheiros na fase
inicial do processo, sem que existisse, ao menos por enquanto, uma
demonstração segura da efetiva participação na gestão fraudulenta ou no
desvio de bens da sociedade falida.
E caso se verifique que terceira empresa apenas está sendo usada
como escudo de proteção do patrimônio desviado da massa falida (recebendo
ativos desviados para “escondê-los” dos credores da falida), não há
necessidade de extensão da falência, sendo suficiente o reconhecimento da
ineficácia das transferências patrimoniais, buscando -se os bens e ativos que
estejam em poder dessa empresa pelos meios previstos em lei.
A aplicação da “disregard doctrine”, também conhecida como
doutrina da penetração, não anula a personalidade jurídica protegida pelo art.
52
do
Código
Civil 75,
apenas a
torna
inoperante em
determinadas
circunstâncias para responsabilizar o sócio por atos praticados em nome da
sociedade da qual faz parte. Mas a decisão judicial que a confere tem
req ueri men t o d a p art e, ou d o Mi ni st éri o Pú bl i co qu an d o l h e c ou ber i nt er vi r n o
pr o ce ss o, qu e os e fei t os d e cert as e det er mi n ada s rel açõ e s d e obri gaçõ es sej a m
est end i d o s aos ben s p art i cu l are s do s ad mi ni st r ad or es ou só ci os d a p es s oa j u rí di ca.
CDC, art. 2 8, ca pu t . O j u i z poder á de scon s i d erar a pers on al i d ad e j urí d i ca d a
soci ed ad e q uan d o, e m d et ri men t o d o c on su mi d o r, h ou ver abu so d e d i rei t o, e xcess o
de pod er, i nfr açã o d a l ei , fat o ou at o i l í ci t o ou vi ol aç ão d os e st at u t os ou cont rat o
soci al . A d es c on si der açã o t a mbé m s erá e fet i vad a qu an d o h ou ve r fal ên ci a, e st ad o d e
i nsol vê nci a, enc err a men t o ou i n at i vi dad e d a pess oa j u rí di ca pr o vo cad o s po r má
ad mi ni st r açã o.
75
CC, art. 52 . Apl i c a -se às pe ss o as j u rí di ca s, n o qu e c ou ber, a pr ot eçã o d os d i r ei t o s
da p ers on al i dad e.
36
natureza declaratória alcançando apenas os bens dos sócios, como forma de
penalizar a fraude e a promiscuidade dos negócios, trazendo ativo para a
massa falida --retirada do patrimônio de outra sociedade ou do sócio, pessoa
natural --, sem que, com isso, venha a atingir a autonomia ou os direitos das
personalidades da pessoa física ou da sociedade quanto aos seus fins 76.
Em função do princípio da autonomia jurídica, a sociedade é titular de
um patrimônio distinto e inconfundível com o patrimônio particular de cada
sócio que a compõe. As sociedades empresárias podem ser utilizadas por
pessoas inescrupulosas para acobertar fraudes ou abuso de direito. Para
coibir certos ilícitos surgiu a desconsideração da personalidade jurídica. 77
De acordo com o art. 50 do Código Civil, os pressupostos para a
aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica são (i) o
“abuso da personalidade”, caracterizado pelo desvio de finalidade (que
ocorre quando os sócios ou administradores se utilizam da pessoa jurídica
para fins diversos daqueles almejados pelo legislador, ou seja, fora do objeto
societário); (ii) ou pela “confusão patrimonial” na forma de troca ou
mudança de patrimônio entre sócios e sociedade 78.
76
S al i en t e-se qu e há di st i n çã o en t re o s con cei t os d e abus o d e di rei t o e d e fr au de. At o
fr au du l ent o é o ne gó ci o j u rí di c o en t abul ad o para pr ej ud i car t ercei r os, c om van t a ge m
(i l í ci t a) par a o ag en t e. Nad a o bst an t e, o a bu so de d i rei t o man i fest a -se q u an d o há us o
i nad eq u ad o d o d i rei t o, ai nd a q u e n ão s ej a pro pó s i t o d o a gen t e o d e pr ej u di car di rei t o
de out r e m (A bus o de di rei t o e fraud e at r a vé s da p ers on al i dad e j u rí di ca. Enci cl op éd i a
Sar ai va de Di r ei t o, S ão P au l o, Ed . S arai va, 1 97 7, - Vol . 0 2, p. 5 8-7 6).
77
No famoso caso “Bateau Mouche”, decidiu a Quarta Turma que “o juiz pode julgar
ineficaz a personificação societária, sempre que for usada com abuso de direito, para
fraudar a l ei ou prejudicar terceiros" (S TJ, Resp 158. 051/RJ, DJ de 12.04.99).
78
Se a própria executada indicou à penhora para garantia do valor que deve, bem d e
propriedade de outra empresa su bmetida ao control e aci onário da mesma pessoa que ela,
afigura-se adequado o raci ocínio do juiz de que os patrimônios del as se con fundem à
medida que, administrados por uma só pessoa, são utilizados para suprirem obrigações
uma da outra, assi m como se mostra perfeito o at o do juiz que com base nisso
desconsiderou a personali dade jurídica da executada (que comprovadamente não dispõe d e
bens suficientes para pagar o que deve) e deferiu a subst ituição da penhora do guindaste
37
A jurisprudência acresceu que a dissolução irregular de uma sociedade
possibilita o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente, como
se verifica do enunciado da Súmula n. 435 do STJ: “Presume-se dissolvida
irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal,
sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento
da execução fiscal para o sócio-gerente”.
O deferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica
de sociedade empresária reclama a demonstração pelo requerente da
ocorrência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, não sendo
suficiente a alegação de inexistência de bens passíveis de satisfazer crédito
reclamado em ação de execução 79.
E a decisão concessiva ou negatória há de ser intensamente
fundamentada com base na lei, ajustada aos princípios constitucionais e
fáticos como prediz o Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL
CIVIL.
INDISPONIBILIDADE
RELATIONEM.
DE
DECISÃO
BENS.
POSSIBILIDADE.
LIMINAR
DE
MOTIVAÇÃO
PER
AUSÊNCIA
DE
da outra empresa por créditos que ela t em a receber de terceiros, ainda mais que o
objeti vo da execução é realizar o crédito do exequente e não proteger o patrimônio d o
executado, de forma que se o juiz não ti vesse deferi do a substitui ção de penhora, o credor
é que teria ficado expost o ao ri sco de dano de difícil e incerta reparação (TJRJ, AI
2008.002.03462, DJ 15.04.2008). No caso, observa-se que as contas pessoais do deved or
se confundem com as contas da empresa da qual é o titular, assim fazendo inci dir, co m
suficient e plausibilidade, a norma que se extrai do disposto no novo Código Civil, em seu
art. 50, a exigir tão soment e o proveito econômico para a caracterização d a
desconsideração da pessoa jurídica. Provi mento parcial do recurso para excluir da penhora
soment e as contas da pessoa jurídica, mantida a constrição sobre as contas da pessoa
física do titular da empresa (TJRJ, AI 2005.002.21761, DJ 06.12.2005 e TJRJ, AI
2005.002.21761,DJ 06.12.2005).
79
TJMG, Apel. Cível 1.0024.06.089447 -4/001, DJ 11.03.2008.
38
FUNDAMENTAÇÃO.
SIMPLES
MENÇÃO
A
PEÇAS
DO
PROCESSO. NULIDADE. OCORRÊNCIA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça admite que
decisões judiciais adotem manifestações exaradas no processo em
outras peças, desde que haja um mínimo de fundamento, com
transcrição
de
trechos das peças às quais há
indicação
( per
relationem).
2. No presente caso, a decisão tida como não fundamentada foi
proferida nos seguintes termos (fls. 12): "Indefiro o pedido de
indisponibilidade dos bens do réu, bem como o seqüestro de bens e
valores dos seus representantes, dada a juntada pelo Requerido dos
documentos de fls. 336-579, que elidem a existência do fumus boni
juris e periculum in mora necessários para a medida cautelar
constritiva postulada".
3. A simples remissão empreendida pelo Juiz a quo na decisão
agravada a mais de duas centenas de documentos não permite aferir
quais foram as razões ou fundamentos incorporados à sua decisão para
indeferir a indisponibilidade dos bens do réu, bem como o seqüestro
de bens e valores dos seus representantes, exsurgindo, daí, a nulidade
do julgado.
4.
Recurso
especial
provido
(STJ,
Resp
1.399.997/AM,
DJe
24.10.2013).
Sérgio Campinho conceitua a desconsideração explicando que ela
"representa uma salvaguarda dos interesses de terceiros contra fraudes e
ilícitos praticados por via da utilização indevida da autonomia de
personalidade da sociedade em relação à de seus sócios" 80.
80
CAMP IN HO, S ér gi o. Fa l ên ci a e Recu p era ção d e Emp resa . Ed . Sarai va, 6 ª ed. ,
2. 0 12 , São Paul o, p. 21 1.
39
Caio Mário da Silva Pereira expressa o significado do instituto em
tela: “A denominada disregard doctrine significa, na essência, que em
determinada situação fática a Justiça despreza ou ´desconsidera´ a pessoa
jurídica, visando a restaurar uma situação em que chama à responsabilidade
e impõe punição a uma pessoa física, que seria o autêntico obrigado ou o
verdadeiro responsável, em face da lei ou do contrato ” 81.
Conforme Ana Caroline Santos Ceolin, a desconsideração representa:
"[...] remédio jurídico que possibilita aos magistrados prescindirem da
estrutura formal da pessoa jurídica para tornar a sua existência autônoma,
como sujeito de direitos, ineficaz em uma situação particular" 82.
Fábio Ulhoa Coelho nos dá um conceito mais aprofundado: “É uma
elaboração teórica destinada à coibição das práticas fraudulentas que se
valem da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o
instituto da pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no próprio
instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele. Ainda, é uma tentativa de
resguardar a própria pessoa jurídica que foi utilizada na realização da fraude,
ao atingir nunca a validade de seu ato constitutivo, mas apenas a sua eficácia
episódica. Em suma, pela teoria da desconsideração da personalidade
jurídica, o direito pretende livrar-se da fraude e do abuso perpetrados através
de uma pessoa jurídica, preservando-a, contudo,
em sua autonomia
patrimonial” 83.
81
P ERE IRA, C ai o Mári o d a Si l va. In st i t ui çõ es d e di rei t o ci vi l . 22 ª ed . ver. e at u al .
Ri o de J an ei r o: F oren se, v. 1 , 20 07 , p. 29 7.
82
CEO LIN, Ana C ar ol i ne Sant os. Abu so n a a pl i c açã o da t eo ri a d a d escon si dera ç ã o
da pessoa ju rí d i ca . Del Re y, B el o Hori z on t e, 20 02 .
83
COE LHO, F ábi o Ul h oa. Ma nu al d e Di rei t o Co mer ci al -Emp re sa, Ed . Sar ai va, 2 3 ª
ed . , S arai va, p. 1 13 .
40
Portanto, o objetivo da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica (disregard doctrine ou piercing the veil) é coibir a fraude
preservando a pessoa jurídica e sua autonomia, pois se tratam de
instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica,
mas sem ao desabrigo terceiros vítimas de fraude.
Entretanto, exige-se um exame acurado, pois se trata de uma exceção e
não regra, como adverte a Ministra NANCY ANDRIGHI, relatora do Resp
970.635/SP, DJe 01.12.2009, assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE BENS DE
PROPRIEDADE DA EMPRESA EXECUTADA. DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA
DO ART. 50 DO CC⁄02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
- A mudança de endereço da empresa executada associada à
inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo
exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração
da sua personalidade jurídica.
- A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela
prevista no art. 50 do CC⁄02, que consagra a Teoria Maior da
Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.
- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente
é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando
verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da
Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de
fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou
quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva
41
da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos
fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus
sócios.
O tema é muito bem abordado pela eminente relatora Ministra
NANCY ANDRIGHI em seu voto condutor:
“I- Da desconsideração da personalidade jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser entendida como
a superação temporária da autonomia patrimonial da pessoa jurídica
com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus sócios
ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas
pela sociedade.
No
campo
doutrinário
e
acadêmico,
várias
teorias
foram
desenvolvidas sobre o tema, todas elas esculpidas com a finalidade de
estabelecer os requisitos que devem ser preenchidos para viabilizar a
desconsideração.
Assim, quanto aos pressupostos de incidência da desconsideração,
duas são as principais teorias que foram adotadas no ordenamento
jurídico
pátrio:
a
Teoria
Maior
e
a
Teoria
Menor
da
Desconsideração.
De acordo com os postulados da Teoria Maior da Desconsideração, a
mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o
cumprimento de suas obrigações não constitui motivo suficiente para
a desconsideração da personalidade jurídica.
Exige-se, portanto, para além da prova de insolvência, ou a
demonstração de desvio de finalidade, ou a demonstração de confusão
patrimonial.
42
Assim, verificado o desvio de finalidade, caracterizado pelo ato
intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da
personalidade jurídica, teria lugar a Teoria Maior Subjetiva da
Desconsideração,
ao
passo
que,
caracterizada
a
confusão
patrimonial, evidenciada pela inexistência, no campo dos fatos, de
separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios,
aplicável seria a Teoria Maior Objetiva da Desconsideração.
A Teoria Menor da Desconsideração, por sua vez, parte de premissas
distintas
da
teoria
desconsideração
se
maior,
pois
justificaria
para
pela
ela
simples
a
incidência
da
comprovação
da
insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações,
independentemente da existência de desvio de finalidade ou de
confusão patrimonial.
Para esta teoria, portanto, o risco empresarial normal às atividades
econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a
pessoa jurídica, mas sim pelos sócios e⁄ou administradores desta,
ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é,
mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta
culposa ou dolosa por parte dos sócios e⁄ou administradores da
pessoa jurídica.
Na legislação pátria, observa-se que a adoção da Teoria Menor,
justamente pelo fato de possuir menos condicionantes para a sua
incidência, tem se restringido apenas às situações excepcionais em
que se mostra necessário proteger bens jurídicos de patente relevo
social e inequívoco interesse público, tal como se dá, por exemplo, na
defesa dos interesses do consumidor ou na tutela do meio ambiente
(REsp 279.273⁄SP, de minha relatoria, 3ª Turma, DJ de 29⁄03⁄2004).
43
A regra geral adotada em nosso ordenamento é aquela prevista no art.
50 do CC⁄02, que recepciona e consagra a Teoria Maior da
Desconsideração, tanto na sua vertente objetiva quanto na subjetiva.
Na presente hipótese, os motivos que deram ensejo à desconsideração
da personalidade jurídica determinada pelo TJ⁄SP foram a aparente
insolvência da recorrente e o fato de ela não mais exercer suas
atividades no endereço em que estava sediada. Contud o, não
demonstrada a confusão patrimonial nem o desvio de finalidade, não
merece prosperar o entendimento adotado no acórdão, sendo de rigor,
portanto, o afastamento da desconsideração da personalidade jurídica
da recorrente.
Forte em tais razões, CONHEÇO do recurso especial e a ele DOU
PROVIMENTO para afastar a desconsideração da personalidade
jurídica da recorrente”.
Recaindo a desconsideração da personalidade jurídica sobre uma
pessoa jurídica, necessária a sua citação para o exercício maior do
inarredável exercício do devido processo legal, do contraditório e da ampla
defesa (CF, art. 5º, LIX e LV) 84.
O Superior Tribunal de Justiça, sem discrepância, entende pela
impossibilidade da constrição judicial sobre o faturamento da empresa
devedora, mutatis mutandis, quando atingida pela desconsideração da
personalidade jurídica, quando existente patrimônio suficiente para garantia
do juízo: “A penhora sobre o faturamento é medida excepcional e somente
admitida, quando esgotados todos os esforços na localização de bens, livres
e desembaraçados, ou seja, quando cabalmente comprovada a inexistência
84
Os t er c ei ro s al c an ç ad os pel a d e sc on si der a çã o d a pers on al i dade j urí d i ca d a fal i d a
est ã o l e gi t i mad o s a i nt er por, per an t e o pró pri o j uí zo fal i men t ar, os r e curs os t i d o s
por ca bí vei s, vi san d o a d e fesa de seu s d i r ei t o s (S TJ, RMS 1 6. 1 05 / GO, D J
22 . 09 . 20 03 ).
44
de qualquer outro bem que possa garantir a execução. Existindo bem capaz
de garantir a dívida, não há falar em penhora sobre o faturamento (STJ,
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO 700.464/RJ, DJ 30.10.2006)” 85.
Prevalece o entendimento que quando a constrição recair sobre
faturamento dependerá da análise de cada caso concreto, mantendo -se em
geral, uma média de 30% (trinta por cento) sobre o faturamento bruto ou
líquido, como pontuam os tribunais pátrios, v.g.: “Fixação em percentual
que não inviabilize a consecução da atividade empresarial. Sendo assim, se
a parte executada não demonstra a existência de bens disponíveis que
poderão ser objetos de constrição, viabiliza a penhora do seu faturamento.”
(TJMG, AI 1240359-37.2012.8.13.0000, DJ 19.07.2013) 86.
11.3 . EXTENSÃO
DOS
EFEITOS
DA
FALÊNCIA
PARA
EMPRESAS DO GRUPO
Diante da lentidão do Poder Judiciário, de conhecimento e reclamação
geral, emergiu no meio forense a necessidade de se proferir sentenças aos
montes, para atingir as metas traçadas pelo Conselho Nacional de Justiça,
descarregando milhares de processos para que os Juízes Substitutos ou os
assessores dos tribunais desandem a decidir com pressa, resultando muitas
das
vezes
no
afastamento
de
um
nível
jurídico
satisfatório,
mais
sedimentado.
85
No mes mo s ent i d o: Res p 90 4. 8 75 / SP, DJ 2 6. 0 8. 20 08 ; Resp 90 9. 9 42 / SP , D J
15 . 10 . 20 07 ; Resp 83 9. 9 54 / SP , DJ 24 . 0 8. 2 00 6; Res p 80 3. 4 35 / RJ, DJ 1 8. 1 2. 2 00 6;
Resp 67 7. 84 4/ RS , DJ 01 . 02 . 20 05 den t re out r os.
86
No me smo s ent i d o: TJS P, A I 00 25 91 1 -63 . 2 01 3 . 8 . 26 . 00 00, DJe 21 . 05 . 2 01 3; TJ S P
AI
0 25 94 63 -69 . 20 12 . 8. 2 6. 00 00 ,
Dj e
1 1. 03 . 20 13 ;
TJS P,
AI
0 19 49 30 04 . 20 12 . 8. 26. 00 00 , DJe 2 0. 0 2. 2 01 3; TJS P, A I 01 85 99 7 -4 2. 2 01 2. 8 . 2 6. 0 00 0, DJe
12 . 03 . 20 13 ; TJS P, A I 0 60 06 46 -34 . 20 12 . 8. 1 2. 00 00 , DJ 28 . 02 . 20 13.
45
Com efeito, a celeridade processual buscada pela EC 45/2.004 jamais
pode ser sinônimo de supressão de qualquer garantia inerente ao Devido
Processo Legal. E a razoável duração do pro cesso deve ser compreendida
justamente como aquele período de tempo mínimo em que se busca a prática
econômica - sob todos os aspectos - e segura dos atos de cada fase do
processo, e sem prejuízo da isonomia entre as partes, da ampla defesa, do
contraditório e de outros princípios inerentes à jurisdição e ao processo,
como o do duplo grau de jurisdição, do juízo natural, do ônus da prova e da
verdade real 87.
E para que se pratique justiça numa decisão extremada e aguda que
estende os efeitos da falência para outra sociedade não integrante da
demanda matriz, indispensável verificar com a máxima segurança o acervo
probatório, analisando com maior rigor as premissas do art. 273, caput,
incisos I e II do CPC.
A questão inerente à prova na extensão mais ampla não se pode
desconectar da concepção maior de seu relevante papel no
Estado
Democrático de Direito: “Toda pretensão prende-se a algum fato, ou fatos,
em que se fundamenta. Deduzindo sua pretensão em juízo, ao autor da
demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base,
qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências
jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional. As afirmações
de fato feitas pelo autor podem corresponder ou não à verdade. E a elas
ordinariamente se contrapõem as afirmações de fato feitas pelo réu em
sentido oposto, as quais, por sua vez, também podem ser ou não ser
87
FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. FORMAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA OBSERVADOS. POSSIB ILIDADE DE
CONCESSÃO DA MEDIDA. Respeitados os princípios constitucionais do contraditório e
da ampla d efesa e, comprovada a exi stência de grupo econômico, no qual se inclui a
falida, cabí vel a extensão dos efeit os da fal ência às sociedades coligadas” (TJMG, AI
1. 0024.07.552106-2/002, DJ 20.11.2009).
46
verdadeiras. As dúvidas sobre a veracidade das afirmações de fato feitas
pelo autor ou por ambas as partes no processo, a pro pósito de dada
pretensão deduzida em juízo, constituem as questões de fato que devem ser
resolvidas pelo juiz, à vista da prova dos fatos pretéritos relevantes. A prova
constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz
a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no
processo” 88.
O Prof. Humberto Theodoro Júnior ressalta que a possibilidade
jurídica do pedido de extensão dos efeitos da falência é "a exigência de que
deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de
providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte,
consiste na prévia verificação que incumbe ao juiz fazer sobre a viabilidade
jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em
vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do
ordenamento jurídico" 89.
Em situações derradeiras como é a extensão dos efeitos da falência há
necessidade do Juiz raciocinar, dentro do caso em apreço, com “ponderações
de valores” diante de uma tensão dialética de limites dos direitos
fundamentais --até que ponto é possível buscar o exercício de um direito
fundamental tutelado e como solucionar quando há conflito entre estes
direitos--, que se dividem em 05 (cinco) premissas:
I.
CELERIDADE
PROCESSUAL
x
GARANTIA
DO
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. A celeridade processual não pode
88
C INTRA, An t ôn i o Carl os d e Araúj o, D INAMARCO, Când i d o Ra n g el e
GR IN OVER, Ada P el l e gri n i . Teo ri a Gera l do Pr oce sso , 19 ª ed . , Mal h ei ro s Edi t ore s,
Sã o P au l o, 20 03 , p. 34 8.
89
Curso de Di reit o Processual Civil, 44ª ed., Rio de Janei ro: Forense, 2.008, vol. I. p. 50.
47
se sobrepor à garantia do contraditório e da ampla defesa, dada a relevância
da repercussão falimentar a todos que vierem, comprovadamente, integrar o
grupo econômico.
II.
DIREITOS
A
PONDERAÇÃO
FUNDAMENTAIS.
DE
É
VALORES
possível
NA
enunciar
COLISÃO
que
os
DOS
direitos
fundamentais não são absolutos e ilimitados, encontrando seus limites em
outros direitos fundamentais, também consagrados pela Magna Carta do
constituinte de 1988. No exercício interpretativo, quando houver colisão
entre direitos fundamentais deve o intérprete harmonizar sua decisão com o
sistema constitucional, ou seja, outros valores podem servir de parâmetro
para fortalecer a decisão adequada, elucidando a Constituição como um todo.
III.
do
Na colisão dos direitos fundamentais utilizar-se-á da aplicação
PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL
FUNDAMENTAL
DA
PROPORCIONALIDADE que possibilitará uma aplicação coerente e segura
da norma constitucional, através de juízos comparativos de ponderação dos
interesses envolvidos no caso concreto. O princípio da proporcionalidade é
hoje o axioma do Direito Constitucional, corolário constitucional. A regra da
proporcionalidade não confere hierarquia absoluta de um princípio sobre
outro, ao contrário, assegura a aplicação das normas em colisão, na qual uma
delas fatalmente será preterida ou atenuada em prol da melhor justiça.
IV.
O JUÍZO DE PONDERAÇÃO se dá no plano do seu “peso
valorativo” entre os princípios colidentes que deverão ser ponderados não no
plano da validade, como no caso do conflito entre regras.
V.
Observação
do
PRINCÍPIO
DA
UNIDADE
DA
CONSTITUIÇÃO que contempla a constituição como um todo, não podendo
48
assim existir normas conflitantes no texto, vez que se trata de um sistema
coerente e harmônico, incompatível com a ideia de antinomias.
Daí, antes de decidir, recomenda-se que se colha a manifestação da
terceira parte que se pretende atingir, possibilitando com isso uma decisão
mais madura, concreta, atrelada aos ele mentos probatórios dos autos,
evitando que se cometa irreparáveis prejuízos às terceiras sociedades que
atuam de forma regular ou deixar ao desamparo os credores.
Muito comum o fato de existir um parentesco entre o falido com outra
empresa que atue em atividade similar, inaudita altera parte, o Juiz de
pronto estender os efeitos da falência. E, posteriormente, quando encarado o
contraditório, verifica-se que na realidade não caracterizam à luz do direito
como integrantes do mesmo grupo empresarial da falida, sendo sociedades
completamente distintas. O dano é irreparável para o empresário e muito
dificilmente a massa falida terá condições de indenizar. Por isso, se faz esse
alerta com veemência para que venha uma decisão firme, consolidada em
elementos probatórios cimentados nos autos, distante das quebradiças
presunções 90.
É preciso ter em mente que o decreto falencial, bem como sua
extensão a terceiros é medida extrema e deve ser encarada como a última
ratio para a satisfação dos credores. A quebra importa a inabilitação do
devedor para o exercício da atividade empresarial, a perda do direito de
administrar seus bens e o vencimento antecipado de suas dívidas, conduzindo
ao próprio fim da sociedade empresária.
90
Pretensão de redirecionamento da execução a t odas as empresas apontadas como
formad oras de grupo econô mico. Rejeição. Ausência de comprovação de conduta irregular
daquelas, de molde a justificar este “salto” ou ultrapassagem de responsabili dades (TJRJ,
AI 0018671-18.2013.8. 19.0000, DJ 10.06.2013).
49
Admoesta Fábio Ulhoa Coelho que "o efeito da decretação da falência
em relação à pessoa jurídica da sociedade empresária é a sua extinção. A
decretação da falência provoca a dissolução da sociedade empresária. (...)
A falência é hipótese de dissolução total judicial. A sentença declaratória da
falência desfaz todos os vínculos existentes entre os sócios ou acionistas e
inaugura o processo judicial de terminação da personalidade jurídica da
sociedade. É, portanto total" 91.
Noutra senda, não se pode conceber que o decreto da falência imponha
à pessoa física do falido (cidadão) não mais poder trabalhar para o sustento
próprio e de sua família, impingindo -lhe a condição de ex-empresário para
um ser inútil numa sociedade capitalista. Ora, a bancarrota não lhe retira o
direito assegurado constitucionalmente de preservar sua dignidade como ser
humano. E muito menos há previsão legal que o impeça de trabalhar e
exercer a profissão para a qual tem vocação, observadas as restrições
impostas pelos arts. 102 a 104 da LREF 92.
Ademais, por
falta
de previsão
legal e
inexistindo
abuso,
a
desconsideração da personalidade jurídica de uma das empresas do grupo
econômico, não implica, automaticamente, na “presunção ” de conduta
91
Comentários à Nova Lei de F alências e de Recuperação de Empresas, Ed. Saraiva,
p. 287.
92
APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNC IA. EXTENSÃO DOS EFEITOS. DESCONS IDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIO QUOTIS TA NÃO PARTICIPANTE DA
ADMINIS TRAÇÃO: IMPOSS IBILIDADE. 1. A desconsideração da personalidade jurídica
da sociedade empresária com o fi m de estender as relações obrigaci onais aos bens
particulares dos administradores e sóci os somente se justifica na excepcional hipótese de
uso indevido d e sua finalidade ou excesso de pod er, nos termos d o art. 50, do Código
Civil. 2. Ausent e prova de que a sócia quotista, ainda maj oritária, tenha participado dos
atos que implicaram frustração dos direi tos dos credores, havendo, ao contrário, ind ícios
da participação dos administradores de fato e de direito, não se lhe devem estender os
efeitos da quebra (TJMG, Apel . Cível 1. 0024.06.069844-6/ 001, DJ 06.11.2012).
50
irregular de todas as empresas que eventualmente formam um conglomerado
econômico 93.
E ainda, necessário individualizar os atos tidos como de máadministração ou indicadores da referida confusão e por quem foi praticado,
pois se trata de responsabilidade subjetiva (não há presunção de ilicitude) e
seria profunda injustiça que a extensão da quebra atingisse indistintamente a
todos os sócios ou acionistas, que tenham ou não agido de modo a justificar
a extensão dos efeitos da falência e, concomitantemente, a desconsideração
da personalidade jurídica da terceira empresa 94. Neste contexto, aplicável a
decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça no Resp 786.435/SP, DJe
26.11.2008, assim ementado:
COMERCIAL. DESPERSONALIZAÇÃO. SOCIEDADE POR AÇÕES.
SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA.
A despersonalização de sociedade por ações e de socied ade por quotas
de
responsabilidade
limitada
só
atinge,
respectivamente,
os
administradores e os sócios-gerentes; não quem tem apenas o status de
acionista ou sócio (DJe 26.11.2008).
Segundo
WALDÍRIO
BULGARELLI,
entende-se
por
GRUPO
ECONÔMICO OU SOCIETÁRIO, como uma "concentração de empresas,
sob a forma de integração (participações societárias, resultando no controle
93
TJRJ, AI 0018671-18.2013.8.19. 0000, DJ 10. 06.2013.
Sociedad es Anô ni mas. Pel o comando do art igo 158 da atual Lei das Sociedades
Anôni mas (Lei nº 6.404 de 15.12.76), o admini strador responde ci vil mente pel os prejuízos
que causar na gestão da empresa, quando proceder com culpa ou d olo, ou com vi olação d a
lei ou estatuto. Segundo a Lei 6.024/74--que dispõe sobre a i ntervenção e a liquidação
extrajudicial de instituições financeiras) --, artigos 36 e 40, a indisponibilidade dos bens
pessoais dos administradores das institui ções financeiras em liquidação extraj udici al ou
falência pode ser decretada, criando responsabil idade solidária para tais administradores,
até que se cumpram as obrigações por eles assumidas em nome da pessoa j urídica.
Exsurge, ainda, no artigo 18 da Lei do Abuso do Poder Econômico (Lei nº 8.884/94),
sendo também recepci onada pel o Código de Defesa do Consumidor, arti go 28.
94
51
de uma ou umas sobre as outras), obedecendo todas a uma única direção
econômica" 95.
As SOCIEDADES COLIGADAS são as que resultam da relação
estabelecida entre duas ou mais sociedades submetidas ao mesmo controle
por participarem do mesmo grupo econômico. As sociedades coligadas, em
suas relações de capital, podem ser: a) as controladas, ante o fato de a
maioria do seu capital, representado por ações, se enco ntrar em poder da
controladora; não têm o poder de decidir nas deliberações sociais, nem o de
eleger a maioria dos administradores (CC, art. 1.098); b) filiadas, se outra
sociedade participa do seu capital (CC, art. 1.099), sem, contudo contro lá-la;
c) de simples participação, se outra sociedade possuir parte de seu capital
tendo direito de voto (CC, art. 1.100) 96.
A extensão dos efeitos da falência para outra empresa do mesmo grupo
econômico, embora seja um pleito incidental, pode ser pedido e decidido nos
próprios autos principais pelo qual tramita a falência, assegurando à terceira
sociedade atingida o pleno direito de defesa através de todos os meios
probatórios previstos na legislação 97.
Admitem-se para caracterização do grupo econômico as hipóteses que
mesmo não sendo idênticas as atividades e objetos, constata-se a presença da
formação de empresas de um conglomerado quando presentes outras
circunstâncias de coincidência, como por exemplo, se as sedes se localizarem
no mesmo local; os movimentos contábeis se confundirem, não havendo
como distinguir uma da outra; utilizarem as mesmas contas correntes;
identidade de gerentes e os funcionários são registrados em nome de uma das
95
Manual das Sociedades Anônimas. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 299.
DINIZ, Maria Hel ena. Código Civil Anotado.11ª ed. São Paulo: 2005, p. 869.
97
STJ, Resp 1.034.536/MG, DJ 05.02.2009.
96
52
empresas trabalharem igualmente e no mesmo horário para as demais
empresas do grupo, evidenciando flagrante confusão patrimonial 98.
Na verdade, a autonomia das unidades que compõem o grupo, ou seja,
a sua personalidade jurídica, aliada à ideia de controle de uma das empresas
sobre as demais, possibilita que a existência de um interesse comum entre as
diversas empresas componentes do grupo fique encoberta pelo "véu" da
personalidade jurídica e somente quando “levantado o véu”, constata -se a
realidade subjacente de ilicitude perpetrada pelo grupo de empresas. A
desconsideração da personalidade jurídica, nos grupos econômicos, dá
transparência ao que parece opaco.
Firme o repositório jurisprudencial acolhendo a declaração da
extensão dos efeitos da falência para empresas do mesmo grupo econômico
da falida em situações diversas:
PROCESSO
SOCIEDADES
CIVIL.
FALÊNCIA.
COLIGADAS.
EXTENSÃO
DE
POSSIBILIDADE.
EFEITOS.
AÇÃO
AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE. DECISÃO INAUDITA ALTERA
PARTE. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Em situação na
qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propó sito
comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos, mas
com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação
pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua
atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as
manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É
possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de
sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que, verificando
98
TJRJ, AI 0054173-86.2011.8. 19.0000,
43.2011. 8.19.0000, DJ 07.11.2011.
DJ
28.09.2011;
TJRJ,
MS
0010791 -
53
claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para
desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito
de defesa nessas hipóteses. 3. A EXTENSÃO DA FALÊNCIA A
SOCIEDADES
COLIGADAS
INDEPENDENTEMENTE
AUTÔNOMO.
A
DA
PODE
SER
INSTAURAÇÃO
VERIFICAÇÃO
DA
DE
FEITA
PROCESSO
EXISTÊNCIA
DE
COLIGAÇÃO ENTRE SOCIEDADES PODE SER FEITA COM BASE
EM ELEMENTOS FÁTICOS QUE DEMONSTREM A EFETIVA
INFLUÊNCIA DE UM GRUPO SOCIETÁRIO NAS DECISÕES DO
OUTRO,
INDEPENDENTEMENTE
DE
SE
CONSTATAR
A
EXISTÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL SOCIAL. Na
hipótese de fraude para desvio de patrimônio de sociedade falida, em
prejuízo da massa de credores, perpetrada mediante a utilização de
complexas formas societárias, é possível utilizar a técnica da
desconsideração da personalidade jurídica com nova roupagem, de
modo a atingir o patrimônio de todos os envolvidos. 5. Recurso
especial não provido (STJ, Resp 1.259.018/SP, DJe 25.08.2011).
CIVIL
E
PROCESSUAL
DESCONSIDERAÇÃO
CONFUSÃO
CIVIL.
DA
PATRIMONIAL.
RECURSO
ESPECIAL.
PERSONALIDADE
JURÍDICA.
CABIMENTO.
EMPRESAS
PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. DIVISÃO
MERAMENTE FORMAL. CITAÇÃO DAS DEMAIS EMPRESAS. A
confusão patrimonial existente entre sócios e a empresa devedora ou
entre esta e outras conglomeradas pode ensejar a desconsideração da
personalidade jurídica, na hipótese de ser meramente formal a divisão
societária entre empresas conjugadas (STJ, Resp 907.915/SP, DJe
27.06.2011).
54
O E. Superior Tribunal de Justiça tem aceitado a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa no caso de grupos econômicos, em
casos excepcionais, quando verificado que a empresa devedora
pertence a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura
meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do
grupo exercem suas atividades sob unicidade gerencial, laboral e
patrimonial e, ainda, quando se visualizar a confusão de patrimônio,
fraudes, abuso de direito e má-fé com prejuízo a credores (STJ, Resp
968.564/RS, DJ 18.12.2008).
FALÊNCIA. EXTENSÃO DOS SEUS EFEITOS ÀS EMPRESAS
COLIGADAS.
TEORIA
PERSONALIDADE
REQUERIMENTO.
DA
DESCONSIDERAÇÃO
JURÍDICA.
SÍNDICO.
DA
POSSIBILIDADE.
DESNECESSIDADE.
AÇÃO
AUTÔNOMA. PRECEDENTES DA SEGUNDA SEÇÃO DESTA
CORTE. I - O síndico da massa falida, respaldado pela Lei de
Falências e pela Lei n.º 6.024/74, pode pedir ao juiz, com base na
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que estenda os
efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver
evidências de sua utilização com abuso de direito, para fraudar a lei
ou prejudicar terceiros. II – A providência prescinde de ação
autônoma. Verificados os pressupostos e afastada a personificação
societária, os terceiros alcançados poderão interpor, perante o juízo
falimentar, todos os recursos cabíveis na defesa de seus direitos e
interesses (STJ, Resp 228.357/SP, DJ 02.02.2004).
55
FALÊNCIA.
GRUPO
MERAMENTE
FORMAL.
DE
SOCIEDADES.
ADMINISTRAÇÃO
ESTRUTURA
SOB
UNIDADE
GERENCIAL, LABORAL E PATRIMONIAL. DESCONSIDERAÇÃO
DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA FALIDA. EXTENSÃO DO
DECRETO FALENCIAL A OUTRA SOCIEDADE DO GRUPO.
POSSIBILIDADE. Terceiros alcançados pelos efeitos da falência.
Legitimidade recursal. 1. Pertencendo a falida a grupo de sociedades
sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre
quando as diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades
sob
unidade
gerencial,
laboral
e
patrimonial,
é
legitima
a
desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos
do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. 2.
IMPEDIR
A
DESCONSIDERAÇÃO
JURÍDICA
NESTA
HIPÓTESE
DA
PERSONALIDADE
IMPLICARIA
PRESTIGIAR
A
FRAUDE À LEI OU CONTRA CREDORES. 3. A aplicação da teoria
da
desconsideração
da
personalidade
jurídica
DISPENSA
A
PROPOSITURA DE AÇÃO AUTÔNOMA para tal. Verificados os
pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no
próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da
personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros
envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou
contra terceiros. 4. Os terceiros alcançados pela desconsideração da
personalidade jurídica da falida estão legitimados a interpor, perante o
próprio juízo falimentar, os recursos tidos por cabíveis, visando a
defesa de seus direitos (STJ, RMS 12.872, DJ 16.12.2002).
56
AÇÃO DE RESPONSABILIDADE INCIDENTAL AO PEDIDO DE
FALÊNCIA.
INDISPONIBILIDADE
DE
BENS.
LIMINAR.
REQUISITOS. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. A nulidade prevista no art.
93, IX, da Constituição Federal, só se verifica com a ausência
completa dos fundamentos que levam o julgador a formar seu
convencimento, porquanto a Constituição admite apenas que a decisão
seja fundamentada, sem estabelecer, todavia, o exame pormenorizado
de cada uma das alegações ou provas, e nem que sejam corretos os
fundamentos da decisão. Evidenciada a relevância do pedido com base
em
fundados
indícios
de
atos
fraudatórios
aos
direitos
da
universalidade dos credores, aliado à imperiosa necessidade de
assegurar o cumprimento da obrigação que ao final vier a ser profer ida
responsabilizando o sócio, acionista ou administrador, admite-se a
indisponibilidade de bens do réu (TJMG, Apel. Cível 0065743 37.2011.8.13.0000, DJ 19.08.2011).
Em relação aos débitos tributários-fiscais dos grupos econômicos, o
simples fato de duas empresas fazerem parte do mesmo grupo econômico não
justifica a existência de interesse comum para efeitos tributários, que implica
a existência da premissa de serem ambas, sujeitos passivos da relação
jurídica que embasa a execução fiscal, com espeque no art. 124, I do CTN 99.
Nesse sentido a lição de Paulo de Barros Carvalho: "o interesse
comum dos participantes no acontecimento factual não representa um dado
satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma
dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os
participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método preconizado
99
CTN, art. 124. São soli dariamente obrigadas: I. as pessoas que tenham interesse comu m
na situação que constitua o fato gerad or da obrigação principal;...
57
pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações em que não haja
bilateralidade no seio do fato tributado, como, por exemplo, na incidência
do IPTU, em que duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo imóvel.
Tratando-se, porém, de ocorrências em que o fato se consubstancie pela
presença de pessoas em posições contrapostas, com objetivos antagônicos, a
solidariedade vai instalar-se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da
relação, se e somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o
impacto jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de
imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre que
dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez que dois ou
mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo tomador" 100.
Em sua obra clássica, ensina o mestre Rubens Gomes de Sousa sobre
essa matéria: “São solidariamente obrigadas pelo crédito tributário as
pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato
gerador da obrigação principal, segundo prevê o art. 124, I, do CTN. O
interesse comum das pessoas não é revelado pelo interesse econômico no
resultado ou no proveito da situação que constitui o fato gerador da
obrigação
principal, mas pelo interesse jurídico, que diz respeito à
realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É
solidária a pessoa que realiza conjuntamente com outra, ou ou tras pessoas,
a situação que constitui o fato gerador, ou que, em comum com outras
pessoas, esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá
origem a tributação por outras palavras (...) pessoa que tira uma vantagem
econômica do ato, fato ou n egócio tributário" 101.
Também Fábio Fanucchi entende no mesmo sentido: “Na verificação
da solidariedade de fato, entretanto, não é impossível que se cometam
100
101
Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 8ª ed., 1996, p. 220.
Compêndio de Legislação Tributária, Edições Financeiras, 3ª ed, p 67.
58
excessos, tentando envolver a responsabilidade de terceiros numa relação
obrigacional tributária de cujo fato gerador não se tenham beneficiado ou,
nele não tenham interesse comum ou do sujeito passivo” 102.
Deflui-se, portanto, que para fins de análise do inciso I do art. 124, o
objetivo do estudo deste preceito deve estar voltado para solidariedade
passiva, que ocorre com a presença de mais de um sujeito passivo na mesma
relação tributária de caráter obrigacional. Nessa sujeição passiva da
obrigação tributária destaca-se como premissa a existência do “interesse
comum” na situação que constitua o fato gerador da obrigação, cuja presença
das pessoas que participam da situação fática geradora da obrigação
principal (a solidariedade) decorra de uma situação jurídica (não meramente
de fato), e que, por conseqüência, não passam à condição de devedores
solidários para fins de extensão dos efeitos da falência.
Apenas o fato de pertencerem ao mesmo grupo econômico não
justifica o entendimento de que exista o interesse comum. Seria necessário
que ambas as empresas confluíssem na atuação para o objeto da execução
fiscal.
Nesse sentido, o seguinte precedente da Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL.
ISS.
EXECUÇÃO FISCAL. TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA (LETRAS
FINANCEIRAS DO TESOURO). AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E
CERTEZA. RECUSA. POSSIBILIDADE. MENOR ONEROSIDADE.
ART. 620 DO CPC. SÚMULA 7 /STJ. LEGITIMIDADE PASSIVA.
102
Curso de Direito Tributário, Ed. Resenha Tribut ária, vol. I, 4ª ed, p. 249.
59
EMPRESAS DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE.
INEXISTÊNCIA.
1. É legítima a recusa pela exeqüente de nomeação à penhora de bem
de difícil alienação, in casu, as apólices da dívida pública, sem
cotação na Bolsa de Valores. Precedentes: (AgRg no Ag 616978/RJ
Rel. Min. LUIZ FUX DJ 20.06.2005; AgRg no Ag 705716/SP Rel.
Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI DJ 28.11.2005; AgRg no REsp
476560/RS Rel. Min. ELIANA CALMON DJ 02.06.2003).
2. A exegese do art. 656 do CPC (aplicável subsidiariamente à
execução fiscal) torna indiscutível a circunstância de que a gradação
de bens estabelecida
no
artigo
655
visa
favorecer
apenas o
credor⁄exeqüente, porquanto a nomeação pelo executado só é válida e
eficaz se houver concordância daquele.
3. O Tribunal a quo concluiu pela configuração da hipótese extremada.
Por isso que afastar tal premissa esbarra no óbice da Súmula 7 ⁄STJ.
4. Na relação jurídico-tributária, quando composta de duas ou mais
pessoas caracterizadas como contribuinte, cada uma delas estará
obrigada pelo pagamento integral da dívida, perfazendo-se o instituto
da solidariedade passiva. Ad exemplum, no caso de duas ou mais
pessoas serem proprietárias de um mesmo imóvel urbano, haveria uma
pluralidade de contribuintes solidários quanto ao adimplemento do
IPTU, uma vez que a situação de fato - a co-propriedade - é-lhes
comum.
5. A Lei Complementar 116/03, definindo o sujeito passivo da regramatriz de incidência tributária do ISS, assim dispõe:
'Art. 5º.
Contribuinte é o prestador do serviço.'
6. Deveras, o instituto da solidariedade vem previsto no art. 124 do
CTN, verbis: "Art. 124. São solidariamente obrigadas: I - as pessoas
que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador
60
da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por
lei".
7. Conquanto a expressão 'interesse comum' - encarte um conceito
indeterminado, é mister proceder-se a uma interpretação sistemática
das normas tributárias, de modo a alcançar a ratio essendi do referido
dispositivo legal (CTN, art. 124, I). Nesse diapasão, tem-se que o
interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação
principal implica que as pessoas solidariamente obrigadas sejam
sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato
imponível. Isto porque feriria a lógica jurídico-tributária a integração,
no pólo passivo da relação jurídica, de alguém que não tenha tido
qualquer participação na ocorrência do fato gerador da ob rigação.
Segundo doutrina abalizada, in verbis: "... o interesse comum dos
participantes no acontecimento factual não representa um dado
satisfatório para a definição do vínculo da solidariedade. Em nenhuma
dessas circunstâncias cogitou o legislador desse elo que aproxima os
participantes do fato, o que ratifica a precariedade do método
preconizado pelo inc. I do art 124 do Código. Vale sim, para situações
em que não haja bilateralidade no seio do fato tributado, como, por
exemplo, na incidência do IPTU, em que duas ou mais pessoas são
proprietárias do mesmo imóvel. Tratando -se, porém, de ocorrências
em que o fato se consubstancie pela presença de pessoas em posições
contrapostas, com objetivos antagônicos, a solidariedade vai instalar se entre sujeitos que estiveram no mesmo pólo da relação, se e
somente se for esse o lado escolhido pela lei para receber o impacto
jurídico da exação. É o que se dá no imposto de transmissão de
imóveis, quando dois ou mais são os compradores; no ICMS, sempre
que dois ou mais forem os comerciantes vendedores; no ISS, toda vez
que dois ou mais sujeitos prestarem um único serviço ao mesmo
61
tomador." (Paulo de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário,
Ed. Saraiva, 8ª ed., 1996, p. 220). Destarte, a situação que evidencia a
solidariedade (STJ, REsp 859.616⁄RS, DJU de 15.10.07).
No mesmo sentido : STJ, Resp. 1.001.450/RS, DJe 27.03.2008; STJ, AgRg
no Resp 1.102.894/RS, DJ 05.11.2010; STJ, AgRg no AI 1.228.247/RS, DJe
30.11.2010; Resp 834.044⁄RS, DJe 15.12.2008, dentre tantos outros.
10.V.2014
62
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FALÊNCIA. CONCEITOS BÁSICOS (arts. 75 a 82 da Lei 11.101/2.005)