0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ ANTONIO CARLOS LORENZETTI A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL São José 2012 1 ANTONIO CARLOS LORENZETTI A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Luiz César da Silva Ferreira São José 2012 2 ANTONIO CARLOS LORENZETTI A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Prova no inquérito policial São José, 20 de novembro de 2012. Prof. MSc. Luiz César da Silva Ferreira UNIVALI – Campus de São José Orientador Prof. MSc. Esp. Juliano Keller do Valle Instituição Membro 3 Este trabalho é dedicado: Aos meus pais Antonio Lorenzetti Filho (in memorium) e Alice de Azevedo Neves que com todo amor, carinho e atenção estiveram comigo durante toda esta caminhada; Aos meus amigos, por todo o apoio, compreensão e auxílio despendidos, pois sem eles não seria possível chegar até aqui. 4 “A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (Rui Barbosa). TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE 5 Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. São José 20 de novembro de 2012. Antonio Carlos Lorenzetti 6 RESUMO Este trabalho versará sobre a necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal e tem por principal objetivo analisar se este é considerado realmente um instrumento indispensável para a produção de prova no âmbito do direito processo penal. Sua finalidade é demonstrar, segundo dados obtidos a partir da pesquisa na legislação, em doutrinas e artigos, qual a sustentação geral deste estudo, para que na sequência se possa realizar um exame mais aprofundado e voltado à problemática inicialmente proposta. Portanto, afirmase que se empregou tanto a técnica da documentação indireta quando o método dedutivo. Foi no capítulo 1 que se abordou sobre o conceito, a finalidade, a natureza jurídica, as características e o procedimento inerente ao inquérito policial. Já no capítulo 2, por sua vez, teceram-se algumas considerações voltadas à teoria da prova no processo penal, motivo pelo qual analisaram-se a concepção, o objeto, a classificação e os meios de prova admitidos no direito processual penal brasileiro, como também no que consiste e a quem compete exercer o ônus da prova e quais são as suas respectivas espécies. No capítulo 3 e foco central deste estudo, apresentou-se, consequentemente, qual a real e efetiva importância da prova no processo penal e a real necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal. Frisa-se, dessa forma, que não se procurou esgotar o assunto ora exposto, mas principalmente tratar dos seus principais aspectos, visto que não existem dúvidas quanto à efetiva necessidade do emprego desta ferramenta para que se alcance um processo penal justo e que sirva de fundamento à tutela dos princípios fundamentais constitucionais brasileiros, princípios estes resguardados não somente pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas também pela legislação infraconstitucional. Palavras chave: Direito Processual Penal. Inquérito policial. Necessidade. Produção. Prova. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9 1 INQUÉRITO POLICIAL .......................................................................................... 11 1.1 CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA JURÍDICA ......................................... 11 1.2 CARACTERÍSTICAS ........................................................................................... 14 1.2.1 Procedimento escrito ..................................................................................... 14 1.2.2 Sigiloso ........................................................................................................... 15 1.2.3 Informativo ...................................................................................................... 16 1.2.4 Inquisitivo ....................................................................................................... 17 1.2.5 Discricionário ................................................................................................. 18 1.2.6 Oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e instrumentalidade ................ 18 1.2.7 Indisponibilidade ............................................................................................ 19 1.2.8 Obrigatoriedade .............................................................................................. 20 1.3 PROCEDIMENTO ............................................................................................... 21 1.3.1 Instauração e atos inaugurais ....................................................................... 21 1.3.1.1 Ação pública incondicionada ......................................................................... 22 1.3.1.2 Ação pública condicionada ............................................................................ 24 1.3.1.3 Ação penal privada ........................................................................................ 25 1.3.2 Instrução ......................................................................................................... 26 1.3.3 Indiciamento ................................................................................................... 28 1.3.4 Encerramento ................................................................................................. 29 1.3.5 Arquivamento ................................................................................................. 31 2 TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL ..................................................... 33 2.1 CONCEITO E OBJETIVO DA PROVA ................................................................ 33 2.1.1 O objeto da prova no processo penal .......................................................... 35 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ....................................................................... 37 2.2.1 Quanto ao objeto ............................................................................................ 38 2.2.2 Quanto ao sujeito ou causa ........................................................................... 39 2.2.3 Quanto à forma ou aparência ........................................................................ 39 2.2.4 Quanto ao valor ou efeito .............................................................................. 40 2.3 MEIOS DE PROVA ............................................................................................. 41 8 2.4 ÔNUS DA PROVA .............................................................................................. 43 2.4.1 Procedimento probatório ............................................................................... 44 2.5 ESPÉCIES DE PROVA ....................................................................................... 47 3 A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL........................................................................................... 50 3.1 A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL .................................... 50 3.2 A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL ........................................................................................... 55 3.2.1 E nos casos que for confeccionado termo circunstanciado com base na Lei nº 9.099/95? ....................................................................................................... 55 3.2.2 A necessidade do inquérito policial para a produção de prova ................. 59 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67 9 INTRODUÇÃO Este trabalho discorrerá sobre a necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal, pois se buscou por intermédio deste tema, tratar de assunto que estivesse relacionado ao âmbito do direito processual penal e que interessasse não somente ao âmbito jurídico, mas também à sociedade que, por vezes, possui dúvidas com relação aos procedimentos e às necessidades de um processo que respeite os princípios constitucionais brasileiros. Seu objetivo geral é analisar se o inquérito policial é realmente um instrumento indispensável para a produção de prova no processo penal, visto que a problemática deste estudo reside na seguinte indagação: o inquérito policial é efetivamente necessário para produção de prova no processo penal? Quais são os posicionamentos doutrinários sobre o assunto? A hipótese levantada para esta pergunta observa que o inquérito trata-se de procedimento necessário e também indispensável para a produção de provas no processo penal. Por isso, registra-se que se fundamentará para a construção deste estudo na técnica da documentação indireta e no método dedutivo, pois foi a partir de dados colhidos na legislação, em doutrinas, artigos e algumas decisões judiciais brasileiras que se partiu de uma análise geral à específica, ou seja, abordando-se no que consiste o inquérito policial, para depois a teoria da prova no processo penal e, finalmente, o foco deste estudo, qual seja, a necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal. No capítulo 1 tratar-se-á do conceito, da finalidade, da natureza jurídica, das características e do procedimento inerente ao inquérito policial. Por derradeiro, abordar-se-á no capítulo 2 a concepção, o objeto, a classificação e os meios de prova admitidos no direito processual penal brasileiro, como também no que consiste e a quem compete exercer o ônus da prova e quais são as suas respectivas espécies. Finalmente, analisar-se-á no capítulo 3 sobre a importância da prova no processo penal e a real necessidade do inquérito policial para a produção de prova 10 no processo penal. Destaca-se, então, que será ao final deste trabalho que se realizarão algumas conclusões sobre a matéria em debate e quando se apontarão os argumentos e ensinamentos doutrinários de maior relevância apresentados ao longo deste trabalho. 11 1 INQUÉRITO POLICIAL Este capítulo apresentará inicialmente alguns aspectos referentes ao conceito, à finalidade e natureza jurídica e também com relação às características do inquérito policial, para, na sequência, examinar como ocorrerá a sua instauração nos crimes de ação penal pública incondicionada, ação penal pública condicionada e ação penal privada. Finalmente, analisar-se-á o seu procedimento, razão pela qual serão abordados o seus atos iniciais, a sua instrução e indiciamento, para, então, abordar como ocorre o seu encerramento e arquivamento. Registra-se, de acordo com os dados obtidos na legislação e na doutrina pátria vigente, que este capítulo é a base do presente estudo e tem por principal finalidade analisar um instrumento que é de fundamental importância para o desenvolvimento de todo o trabalho, qual seja, o inquérito policial, que como será visto adiante, importa variadas considerações e merece uma análise detalhada para que o leitor possa melhor compreendê-lo. 1.1 CONCEITO, FINALIDADE E NATUREZA JURÍDICA Quando se realiza um estudo acerca de determinado instituto, importante se faz mencionar primeiramente qual o seu conceito, a sua finalidade e natureza jurídica, segundo a legislação e a doutrina pátria vigente, para, posteriormente, adentrar em suas características e demais particularidades. Por isso, destaca-se que o inquérito policial, estabelecido pelo Decreto nº 4.824/1871, foi inicialmente compreendido como um procedimento que consistia em todas as diligências necessárias para que se descobrisse o fato criminoso perpetrado, bem como suas circunstâncias, autores e, caso existente, os seus 12 cúmplices.1 Posteriormente, passou-se a considerá-lo como sendo um procedimento que serve para preparar a ação penal, que possui natureza administrativa e é conduzido pela polícia judiciária para realizar uma colheita preliminar de provas que servirão, dentre outras finalidades, para apurar a prática de um crime e também a sua respectiva autoria. Seu principal escopo é formar a convicção do representante do Parquet, mas também colher provas urgentes e que podem desaparecer, após a perpetração de uma infração penal. Além disso, serve como um instrumento “[...] à composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de base à vítima, em determinados casos, [...]”.2 É o inquérito policial, nas lições de Eugênio Pacelli de Oliveira um instrumento que serve para investigar a existência, a materialidade e a autoria de crimes e que se fará por intermédio da polícia judiciária, já que possui natureza administrativa.3 Diante dessas preliminares considerações, afirma-se que: Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais etc. Seu destinatário imediato é o Ministério Público (no caso de crime que se apura mediante ação penal pública) ou o ofendido (na hipótese de ação penal privada), que com ele formam sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou queixa. O destinatário mediato é o Juiz, que nele também pode encontrar 4 fundamentos para julgar. [...]. Discorre, neste mesmo sentido, Walter P. Acosta que o inquérito policial pode ser considerado como um procedimento que se destina a reunir variados elementos de uma infração penal, ou seja, trata-se de um instrumento que serve à instrução extrajudicial.5 Por seu turno, Fernando Capez ensina que o inquérito policial pode ser 1 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 2. ed. rev. aum. e atual. de acordo com a Lei n. 11.464, de 28-3-2007. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 100. 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 127. 3 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. e atual. de acordo com a Reforma Processual Penal de 2008 (Leis 11.689, 11.690 e 11.719) e pela Lei 11.900 (novo interrogatório), de 08.01.09. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 43. 4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. por Renato N. Fabbrini. São Paulo: Atlas, 2006. p. 60. 5 ACOSTA, Walter P. O processo penal. 21. ed. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1991. p. 30. 13 compreendido como um conjunto de diligências que são realizadas por meio da polícia judiciária e para que se verifique a existência de uma infração penal e sua respectiva autoria, com o objetivo de que o titular da ação penal possa ingressar judicialmente. Trata-se, assim, de um procedimento persecutório, que possui caráter administrativo, uma vez que será instaurado pela autoridade policial e que tem como destinatários imediatos o Ministério Público – titular da ação penal pública – e, o ofendido – titular da ação penal privada; e também, como destinatário mediato o magistrado “[...] que se utilizará dos elementos de informação nele constantes, para o recebimento da peça inicial e para a formação do seu convencimento quanto á necessidade de decretação de medidas cautelares”.6 Diz-se, ainda, que o inquérito policial pode ser definido, com base em suas características que serão analisadas no próximo título, como sendo um: [...] procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial, e constituído por um complexo de diligências realizadas pela polícia judiciária com vistas à apuração de uma infração penal e à 7 identificação de seus autores. Complementando com o acima exposto, José Frederico Marques observa, então, que o inquérito policial é um dos mais importantes instrumentos prévio e que serve para preparar a ação penal.8 Apesar de se depreender destes conceitos trazidos à tona, tanto a natureza jurídica quanto a finalidade do inquérito policial, frisa-se que este último é considerado, portanto, um procedimento que busca apurar o crime e também a sua autoria e, informar ao juiz sobre tudo o que foi verificado, ou seja, fornecer a ele todas as informações que forem necessárias e que deverão constar do relatório, pois será através deste último que o Ministério Público oferecerá a denúncia ou requererá o arquivamento dos autos, caso não haja possibilidade de seu oferecimento.9 Fernando da Costa Tourinho Filho aduz, aliás, que o inquérito policial “[...] visa à apuração da existência de infração penal e à respectiva autoria, a fim de que 6 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14. ed. rev. e atual. de acordo com as Leis n. 11.343/2006 (drogas) e 11.449/2007 (prisão em flagrante). São Paulo: Saraiva, 2007. p. 72. 7 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 100. 8 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. atual. São Paulo: Millenium, 2003. v. 1. p. 153. 9 FRANCO, Paulo Alves. Inquérito policial. São Paulo: Sugestões Literárias, 1992. p. 14. 14 o titular da ação penal disponha de elementos que o autorizem a promovê-la”.10 Isto posto, apresentado o conceito, a finalidade e a natureza jurídica do inquérito policial, passa-se ao próximo item que versará das suas características. 1.2 CARACTERÍSTICAS Este item do presente trabalho tratará das características relativas ao inquérito policial e apresentará, separadamente, cada uma delas para que se possa compreender exatamente no que consistem, visto que em decorrência do conceito, natureza jurídica e finalidade do inquérito policial surge, então, a necessidade de analisá-las.11 1.2.1 Procedimento escrito O inquérito policial deverá ser um procedimento escrito, uma vez que adotar a forma escrita constitui uma garantia do acusado e também serve para que “[...] a atividade policial de investigação possa ser submetida ao controle de legalidade”.12 Na verdade, esta é uma característica fundamental ao inquérito policial, visto que tem previsão legal, ou seja, está disciplinada no artigo 9º, do Código de Processo Penal que dispõe que “[...] todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.13 Compreende-se, com base neste dispositivo supratranscrito que deve o inquérito policial ser um procedimento escrito, pois se destina ao fornecimento de 10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 64. 11 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 21. 12 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 104. 13 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 20 mar. 2012. 15 elementos para titulá-lo da ação penal, que como já se assinalou anteriormente pode ser tanto o Ministério Público, nas hipóteses de ação penal pública como o ofendido, nos casos de ação penal privada. Por isso, deve possuir determinado rigor formal 14, para que se evite que a autoridade policial deixe de ser cientificada de qualquer ato ou investigação realizada ou que se pratiquem atos ilegais.15 1.2.2 Sigiloso O inquérito policial deve ser sigiloso, pois é durante esta fase, como já dito no item 2.1, que se colhem informações que servirão para instruir a persecução criminal preparatória e que conduzirão o magistrado ao convencimento ou a respeito da existência ou não de determinado crime e sua autoria.16 Neste ínterim, é redação do artigo 20, do Código de Processo Penal que disciplina, in verbis: Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade. Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que Ihe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir 17 condenação anterior. Frente a este artigo, frisa-se, então, que o direito genérico de obter determinadas informações e resguardado pelo artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 pode sofrer algumas restrições em virtude de certos imperativos inerentes à sociedade e ao Estado. Por esse motivo, deve o inquérito policial ser um procedimento sigiloso, como uma forma de assegurar a intimidade e o estado de inocência do investigado, mas não com relação ao membro do Ministério Público.18 14 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 61. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 85. 16 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. Campinas: Bookseller, 2000. p. 174. 17 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 20 mar. 2012. 18 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 78. 15 16 Destaca-se, entretanto, que o advogado “[...] pode consultar os autos de inquérito, mas, caso seja decretado judicialmente o sigilo na investigação, não poderá acompanhar a realização de atos procedimentais [...]”19, segundo se observa da redação do artigo 7º, inciso XIII a XV e § 1º, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil: Art. 7º São direitos do advogado: XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; XIV - examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; § 1º Não se aplica o disposto nos incisos XV e XVI: 1) aos processos sob regime de segredo de justiça; 2) quando existirem nos autos documentos originais de difícil restauração ou ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório, secretaria ou repartição, reconhecida pela autoridade em despacho motivado, proferido de ofício, mediante representação ou a requerimento da parte interessada; 3) até o encerramento do processo, ao advogado que houver deixado de devolver os respectivos autos no prazo legal, e só o fizer depois de 20 intimado. Verifica-se no tocante a esta característica do inquérito policial, que é, acima de tudo, uma garantia à ampla defesa constitucional do investigado, indivíduo este que tem o direito de saber de tudo o que foi colhido a seu respeito.21 1.2.3 Informativo Trata-se o inquérito policial de um instrumento informativo, porque deve, dentre suas finalidades precípuas, possibilitar que haja a devida punição daqueles indivíduos que infringiram a ordem penal. Ele não tem o escopo de punir, pois não 19 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 78. BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906. htm>. Acesso em: 22 mar. 2012. 21 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 23. 20 17 provoca a manifestação jurisdicional, ou seja, não faz parte da ação penal que, aliás, também não pode ser exercida por intermédio da autoridade policial.22 Diante disso, afirma-se que: Os elementos se prova produzidos por meio do inquérito, portanto, servirão apenas para fundamentar a formação da convicção do órgão incumbido de exercer a ação penal (o Ministério Público, no mais das vezes) acerca da existência de crime [...]. Exatamente por ser o inquérito policial peça meramente informativa, os vícios incorridos durante seu trâmite não contaminarão a ação penal ajuizada. As irregularidades presentes no inquérito não invalidam o 23 processo, atingindo somente a eficácia do ato viciado. [...]. Sendo assim, cita-se como exemplo, um eventual vício durante a lavratura do auto de prisão em flagrante. Nesta hipótese, deve-se solicitar um pedido de relaxamento de prisão, não se fazendo necessário que o inquérito policial seja reconduzido a partir deste respectivo ato.24 1.2.4 Inquisitivo O inquérito policial tem natureza inquisitiva, pois é um procedimento que fica a cargo de uma só autoridade, ou seja, toda a ação e a posterior determinação de atos são realizadas por um único órgão, não existindo, então, separação em órgãos diferentes.25 Esta característica está com relacionada à atuação e provocação do inquérito policial por apenas uma pessoa representante de determinado órgão, pessoa esta que deverá agir de ofício e exercer sua atividade com discricionariedade, vez que está a desempenhar este papel para descobrir a autoria de um crime, bem como porque este ocorreu.26 Portanto, compreende-se que por ser o inquérito policial um procedimento inquisitivo, não admitirá o contraditório, salvo se tratar-se de inquérito instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça e que vise expulsão de 22 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 103. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 103. 24 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 103. 25 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 23-24. 26 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 79. 23 18 estrangeiro, nos termos do artigo 70, da Lei nº 6.815/80.27 1.2.5 Discricionário O inquérito policial tem, inclusive, como outra característica, o fato de ser considerado um instrumento discricionário, pois as atribuições que são concedidas à polícia durante este período possuem “[...] a faculdade de operar ou deixar de operar, dentro, porém, de um campo cujos limites são fixados estritamente pelo direito”.28 Para Edilson Mougenot Bonfim: [...] a escolha das diligências investigatórias a serem realizadas no curso do inquérito é discricionária da autoridade. O delegado de polícia, assim, efetivamente conduzirá o trabalho investigatório, ordenando a realização 29 das diligências que julgar necessárias à apuração a infração penal. Segundo estes argumentos susomencionados, pode-se compreender que o inquérito policial é, então, considerado discricionário, pois caberá à autoridade competente, ou seja, ao delegado de polícia, resolver qual rumo tomar e quais diligências requerer, caso se façam necessárias.30 1.2.6 Oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e instrumentalidade O inquérito policial, segundo entendimento de Fernando Caez, tem como característica a oficialidade, porque se trata de um procedimento investigatório e realizado por intermédio de órgãos oficiais, não podendo, então, ficar sob cargo de um particular, mesmo que esta titularidade da ação penal esteja atribuída ao ofendido.31 27 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 79. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 61. 29 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 103-104. 30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 61. 31 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 78. 28 19 Outra característica mencionada é aquela referente à oficiosidade que é considerada: Corolário do princípio da legalidade (ou obrigatoriedade) da ação penal pública. Significa que a atividade das autoridades policiais independe de qualquer espécie de provocação, sendo a instauração do inquérito obrigatória diante da notícia de uma infração penal (CPP, art. 5º, I), ressalvados os casos de ação penal pública condicionada e ação penal 32 privada (CPP, art. 5º, §§ 4º e 5º). Em contrapartida, quando se fala da autoritariedade como sendo característica também do inquérito policial, registra-se que trata-se de uma exigência do artigo 144, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois deve o inquérito ser “[...] presidido por uma autoridade pública, no caso, a autoridade policial (delegado de polícia de carreira)”.33 Finalmente, destaca-se quanto à instrumentalidade, que o inquérito policial deverá ter um caráter instrumental, uma vez que tem por escopo reunir elementos comprobatórios que possam possibilitar o reforço das suspeitas sobre a prática de uma infração penal. Estes elementos deverão ser fundamentados e preparados para que haja o ajuizamento e ação criminal.34 Ressalta-se, no entanto, que estas características ora mencionadas, não foram citadas por todos os doutrinadores pesquisados, mas apenas por alguns, e que não se pretendeu deixá-las fora deste estudo, por terem realmente importância de ser, ou seja, por possuírem argumentos válidos para que não sejam descartadas. 1.2.7 Indisponibilidade O inquérito policial será considerado indisponível, pois uma vez instaurado regularmente, não poderá ser arquivado, em nenhuma hipótese, nos moldes do artigo 17, do Código de Processo Penal.35 Este artigo disciplina que “[...] a autoridade policial não poderá mandar 32 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 78-79. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 79. 34 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 101. 35 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 62. 33 20 arquivar autos de inquérito”.36 Portanto, compreende-se que a indisponibilidade do inquérito policial está intrinsecamente relacionada à impossibilidade deste ser arquivado pela autoridade policial.37 1.2.8 Obrigatoriedade Apesar de já se ter mencionado anteriormente sobre a oficiosidade do inquérito policial e esta característica muito se assemelhar à obrigatoriedade deste instrumento, relata Julio Fabbrini Mirabete que se deve considerar o inquérito obrigatório, visto que a autoridade policial deverá, sempre que se fizer necessário, instaurá-lo de ofício assim que tomar conhecimento da prática de infração penal.38 Por sua vez, comenta Edilson Mougenot Bonfim que esta obrigatoriedade do inquérito policial deve ser analisada sob dois prismas, quais sejam, levando em consideração o exposto no artigo 5º, incisos I e II, do Código de Processo Penal, como também o fato de que poderá haver casos em que a ação penal pública ou privada não tenha prévio inquérito policial.39 O artigo 5º, incisos I e II, do Código de Processo Penal prescreve que: o Art. 5 Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá40 lo. Diante desse dispositivo, compreende-se, então, que deve se analisar cada caso separadamente, pois a facultatividade com relação a alguns casos em que a ação penal pública ou privada não antever inquérito policial não encontra previsão 36 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 30 mar. 2012. 37 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 79. 38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 62. 39 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 102. 40 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 30 mar. 2012. 21 legal expressa e só pode ser observada conforme a redação de variados artigos constantes do Código de Processo Penal.41 Em decorrência dessa dispensabilidade acima prevista, diz-se que: O inquérito policial, como peça informativa, é importante para o recolhimento de elementos que elucidem o crime, para a apuração do delito, mas isso não significa dizer que é indispensável. Caso o titular da ação penal já conte com elementos suficientes para formar a sua opinio delicti, pode dispensar a instauração do inquérito e utilizar-se dos mencionados elementos para amparar a denúncia ou a queixa, consoante os arts. 12; 27; 42 39, § 5º; e 46, § 1º, todos do Código de Processo Penal. [...]. Diante do exposto, conclui-se com base nos argumentos doutrinários colhidos sobre este assunto que o inquérito policial não pode ser considerado uma etapa obrigatória da persecução penal, podendo, por vezes, ser dispensado pelo Ministério Público ou também pelo ofendido, quando tiverem elementos suficientes para a propositura da ação criminal.43 Portanto, vistas as características inerentes ao inquérito policial, passa-se ao exame do próximo título que tratará do procedimento do inquérito policial. 1.3 PROCEDIMENTO Este título analisará o procedimento do inquérito policial e apresentará como se dá a sua instauração e quais são os seus atos inaugurais, como também examinará a sua instrução, indiciamento, encerramento e arquivamento. 1.3.1 Instauração e atos inaugurais De acordo com a legislação processual penal, deve-se observar para a instauração do inquérito policial qual é, primeiramente, a espécie de ação penal, 41 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 102. OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 21-22. 43 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 82. 42 22 para, depois, determinar-se os seus atos inaugurais44, motivo pelo qual, examina-se nos subtítulos seguintes cada espécie de ação penal separadamente, para que o leitor melhor entenda o assunto em tela e, consequentemente, não restem dúvidas quanto aos atos inaugurais pertencentes a cada uma delas. 1.3.1.1 Ação pública incondicionada O inquérito policial será instaurado, no caso de ação penal pública incondicionada, nos moldes do artigo 5º, inciso I, do Código de Processo Penal, ou seja, de ofício45 e, por intermédio da autoridade policial que tomar conhecimento sobre a prática de infração penal.46 Preleciona Edilson Mougenot Bonfim que: Em se tratando de crimes para os quais a lei prevê que a ação penal seja de iniciativa pública incondicionada, a autoridade policial tem o dever de iniciar o inquérito policial sempre que tomar conhecimento de fato que possivelmente constitua crime. Se tiver ciência da ocorrência de tais fatos no curso de suas atividades habituais (art. 5º, I, do Código de Processo 47 Penal), será obrigado a instaurar de ofício o procedimento investigatório. Discorre também Fernando Capez ao elucidar que a instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada será, portanto, feita de ofício pela autoridade policial que obtiver o conhecimento imediato e direto do fato, mediante delação verbal ou por escrito feito por qualquer pessoa do povo, ou, ainda, por notícia anônima, atividade rotineira ou nas hipóteses de prisão em flagrante. 48 Por conseguinte, ressalta-se que o inquérito policial também poderá ser instaurado através de requisição ou ordem da autoridade judiciária ou do Ministério Público, conforme disciplina o artigo 5º, inciso II, primeira parte, do Código de Processo Penal. Trata-se, dessa forma, “[...] de uma regra geral que só cede diante de disposição expressa de lei. Tomando conhecimento da ocorrência do crime (cognição 44 imediata) a autoridade policial deve instaurar BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 109. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 66. 46 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. p. 45. 47 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 109-110. 48 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 84. 45 o procedimento 23 respectivo”.49 Flávio Cardoso de Oliveira salienta que apesar de não haver uma hierarquia funcional entre as carreiras, isto é, entre o delegado de polícia, o magistrado e o membro do Ministério Público, o primeiro não poderá se eximir para instaurar o inquérito policial caso houver requisição, ordem ou determinação de um ou dos dois últimos, em decorrência de previsão constitucional e legal.50 Além disso, cabe frisar que há também a possibilidade de haver, nos casos de crime de ação penal pública, instauração do inquérito policial por uma solicitação da vítima, nos termos do artigo 5º, inciso II, segunda parte, do Código de Processo Penal e, desde que contenha alguns elementos indispensáveis51 e expostos no artigo 5º, § 1º, do Código de Processo Penal que assim dispõe, in verbis: o Art. 5 Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. o o § 1 O requerimento a que se refere o n II conterá sempre que possível: a) a narração do fato, com todas as circunstâncias; b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer; c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e 52 residência. Este requerimento feito pela vítima não possui força de requisição, razão pela qual poderá o delegado de polícia indeferi-lo53, mas cabendo, nestas situações, recurso que será remetido administrativamente ao Secretário de Segurança Pública, nos moldes do artigo 5º, § 2º, do Código de Processo Penal54, apesar de a doutrina não ser unânime quanto a este respectivo cargo.55 Como se não bastassem essas possibilidades, mister se faz registrar que há, ainda, a possibilidade de se instaurar o inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada mediante prisão em flagrante56, ou seja, mediante 49 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 66. OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 27. 51 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 67. 52 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 02 abr. 2012. 53 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 27. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 67. 55 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 27. 56 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 112. 50 24 lavratura do auto de prisão em flagrante e “[...] nos casos em que o agente é encontrado em qualquer das situações descritas no art. 302 do Código de Processo Penal [...]”.57 Compreende-se diante do todo o exposto, que os requerimentos, as requisições e o auto de prisão em flagrante são considerados os atos inaugurais do inquérito policial, mas que em outros casos caberá à autoridade policial baixar portaria (peça na qual relatará ter ciência do cometimento de um crime e mencionará, se possível, qual o dia, o local e o horário que este ocorreu), para que se instaure tal procedimento.58 1.3.1.2 Ação pública condicionada A instauração do inquérito policial nos casos em que se tratar de crime de ação pública condicionada será feita por representação do ofendido ou por seu representante legal, como se pode verificar na redação do artigo 5º, § 4º, do Código de Processo Penal59 que assim disciplina: “[...] o inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado”.60 Para Julio Fabbrini Mirabete: A ação pública pode estar condicionada à representação da vítima ou à requisição do Ministro da Justiça. Assim, a instauração do inquérito policial, nessas hipóteses, também depende da prática desses atos jurídicos, que são previstos expressamente pela lei processual. A representação é um pedido-autorização em que o interessado manifesta o desejo de que seja proposta a ação penal pública e, portanto, como medida 61 preliminar, o inquérito policial [...]. O artigo 100, § 1º, do Código Penal corrobora com este entendimento doutrinário ora exposto e prescreve que “[...] a ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido 57 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 135. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 67. 59 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. 9. ed. rev. e atual. 3. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 34. 60 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 02 abr. 2012. 61 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 68. 58 25 ou de requisição do Ministro da Justiça”.62 O artigo 24, do Código de Processo Penal complementa com o acima disposto e disciplina, in verbis: Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. o § 1 No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. o § 2 Seja qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio 63 ou interesse da União, Estado e Município, a ação penal será pública. Frente ao disposto nos artigos mencionados, entende-se, então, que a instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública condicionada poderá se dar por duas formas: (1) representação do ofendido ou de seu representante legal; e, (2) requisição do Ministro da Justiça. Esta última forma, acontecerá, assim, quando houver, por exemplo, a prática de crime realizado por estrangeiro contra brasileiro e fora do Brasil e será encaminhada ao Chefe do Ministério Público que oferecerá denúncia ou requisitará diligências à polícia.64 1.3.1.3 Ação penal privada A instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal privada ocorrerá, finalmente, quando houver requerimento por escrito ou verbal 65 e, nos moldes do artigo 5º, § 5º, do Código Processo Penal que dispõe que “[...] nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a 62 BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 03 abr. 2012. 63 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 03 abr. 2012. 64 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 86-87. 65 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 34. 26 requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la”.66 Discorre, neste jaez, Fernando Capez que: Conforme o disposto no art. 5º, § 5º, do Código de Processo Penal, tratando-se de crime de iniciativa privada, a instauração do inquérito policial pela autoridade pública depende de requerimento escrito ou verbal, reduzido a termo neste último caso, do ofendido ou de seu representante legal, isto é, da pessoa que detenha a titularidade da respectiva ação penal (CPP, arts. 30 e 31). Nem sequer o Ministério Público ou a autoridade 67 judiciária poderão requisitar a instauração da investigação. Verifica-se, nesta situação, que o requerimento não exige formalidades, mas que se faz necessário que sejam fornecidos alguns elementos que estão arrolados no artigo 5º, § 1º, do Código de Processo Penal e que se exige, entretanto, que seja reduzido a termo, caso apresentado verbalmente ou por meio de uma petição sem autenticação da assinatura do subscritor.68 Ademais, registra-se nos casos de prisão em flagrante por crime que é apurado mediante queixa crime, que o auto respectivo só pode ser lavrado quando for requerido por escrito ou verbalmente e pela vítima ou outro indivíduo que tenha qualidade para ajuizar esta ação.69 Isto posto, apresentado como ocorrerá a instauração do inquérito policial nos casos de ação penal pública incondicionada, condicionada e privada, passa-se a versar no próximo item sobre a instrução do inquérito policial. 1.3.2 Instrução A instrução do inquérito policial ocorrerá, depois da apresentação da regular notícia do crime, ou seja, depois de a autoridade policial tomar conhecimento da ocorrência de fato possivelmente criminoso70, quando esta mesma autoridade ouvir 66 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 03 abr. 2012. 67 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 87. 68 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 69. 69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 69. 70 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 108. 27 o ofendido, nos moldes do artigo 6º, inciso IV, do Código de Processo Penal.71 Além disso, importante se faz anotar que deve a autoridade policial realizar as diligências previstas no artigo 6º, in fine, do Código de Processo Penal.72 Este dispositivo regula quais as atividades que deverão ser observadas pela autoridade policial, depois que esta tomar conhecimento da infração penal, ou seja, dispõe que: o Art. 6 Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título Vll, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que Ihe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações; VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que 73 contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. Julio Fabbrini Mirabete aduz que passada a fase das diligências, a autoridade policial pode, ainda, proceder a reprodução simulado dos fatos que ocasionaram o cometimento de determinado crime, pois assim prescreve o artigo 7º, do Código de Processo Penal.74 Este artigo mencionado acima corrobora com tal argumento doutrinário e indica que “[...] para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos 71 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 04 abr. 2012. 72 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 139-140. 73 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 04 abr. 2012. 74 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 72. 28 fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública”. 75 Como se não bastassem todos estes cuidados, competirá à autoridade policial outras atribuições, ou seja, aquelas fornecidas na redação do artigo 13, do Código de Processo Penal76, que assim determina: Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial: I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos; II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público; III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias; IV - representar acerca da prisão preventiva. 77 Portanto, feitas essas considerações e demonstradas, sucintamente, as etapas que deverão ser seguidas pela autoridade policial durante o período de instrução do inquérito policial, analisa-se no tópico subsequente como funcionará o indiciamento neste procedimento preliminar ao ajuizamento da ação penal respectiva. 1.3.3 Indiciamento O indiciamento é a fase integrante do inquérito policial e que objetiva imputar a alguém a prática da infração penal, desde que hajam razoáveis indícios de autoria, isto é, trata-se de ato que consiste em um rascunho de eventual acusação que ocorrerá posteriormente e via judicial.78 Guilherme de Souza Nucci partilha deste entendimento e complementa que indiciado é aquele indivíduo que foi eleito pelo Estado, por intermédio de uma investigação que o indica como sendo o possível autor da infração penal. É ele, dessa forma, aquela pessoa apontada como autora do crime, em decorrência dos 75 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 04 abr. 2012. 76 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 123. 77 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 04 abr. 2012. 78 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 94. 29 indícios colhidos no transcurso do inquérito policial e que sejam suficientes.79 De seu turno, relata Edilson Mougenot Bonfim que: Indiciamento é o ato pelo qual o delegado atribui a alguém a prática de uma infração penal, baseado em indícios suficientes e convergentes de autoria. O investigado, inicialmente mero suspeito da prática do crime, após o indiciamento passa a ser considerado provável autor, condição que obviamente poderá ser elidida posteriormente, durante o inquérito ou já após o ajuizamento de ação penal, com a produção de prova favorável ao 80 indiciado. Segundo este entendimento, chega-se à conclusão de que o indiciamento “[...] é a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal [...]” e, que “[...] exige, até por força da etimologia, que haja, em relação a ele, indícios razoáveis de autoria. Só devem ser indiciadas, portanto, as pessoas que tenham contra si indícios de autoria do crime que está sendo apurado”.81 Feitas essas considerações, afirma-se que variadas são as regras concernentes ao indiciamento encontradas na doutrina pátria vigente, mas que não se objetiva aqui estender demasiadamente o assunto em apreço, motivo pelo qual basta compreender no que consiste esta respectiva fase para, por conseguinte, analisar-se como se dará o encerramento do inquérito policial. 1.3.4 Encerramento Apresentadas todas as etapas que deverão ocorrer no curso do inquérito policial, destaca-se, então, que este se encerra ou se concluirá mediante a feitura de um relatório pormenorizado do que foi apurado, conforme se depreende da redação do artigo 10, § 1º, do Código de Processo Penal.82 Além desse relatório, deverá a autoridade policial observar alguns prazos previstos no caput, do artigo 10, do Código de Processo Penal, bem como outras regras inseridas neste mesmo dispositivo que estabelece, in verbis: Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver 79 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 140. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 125. 81 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 72/73. 82 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 99. 80 30 sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. o § 1 A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente. o § 2 No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas. o § 3 Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores 83 diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz. A autoridade policial não poderá, contudo, emitir opiniões, julgamentos ou qualquer espécie de juízo de valor no relatório previsto no § 1º, deste artigo citado e deve indicar testemunhas que não foram ouvidas durante o inquérito policial.84 Outrossim, poderá a autoridade policial apresentar as impressões deixadas pelas pessoas que estiverem e/ou foram analisadas ou ouvidas no curso do inquérito, como, exemplificadamente, o indiciado, a vítima e as testemunhas, bem como capitular ou fornecer a definição jurídica do crime perpetrado.85 Porém, mister se faz salientar no tocante aos prazos mencionados pelo artigo 10, caput, do Código de Processo Penal, que estes poderão variar dependendo do crime praticado, motivo pelo qual se fará necessária, consequentemente, uma análise, se cabível, dos dispositivos da legislação ordinária, a exemplo da Lei nº 11.343/2006 – Lei de Drogas, uma vez que prevê prazo diferenciado para o encerramento do inquérito policial naqueles delitos que prevê. 86 Esta lei, aliás, “[...] criou uma exigência a mais para o relatório do inquérito policial nos crimes a ela relativos: deverá ele conter justificativa do delegado de polícia a respeito dos motivos que o levaram à capitulação do crime”.87 Demonstrado, então, como ocorrerá o encerramento do inquérito policial e quais as regras que deverão ser observadas pela autoridade policial nesta última fase, passa-se ao próximo e último subtítulo deste capítulo que versará acerca do arquivamento do inquérito policial. 83 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 05 abr. 2012. 84 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 99. 85 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 79. 86 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 34. 87 OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. p. 31-32. 31 1.3.5 Arquivamento Encerrada as investigações, os autos do inquérito serem encaminhados ao Ministério Público que poderá, dentre as suas atribuições, oferecer a denúncia, devolver os autos do inquérito à autoridade policial ou requerer o seu arquivamento.88 Afirma-se, por derradeiro, que nesta última hipótese, qual seja, quando for solicitado o arquivamento do inquérito policial, não há a possibilidade que a polícia judiciária o realize, mas tão somente o Ministério Público, visto que é considerado o titular da ação penal, órgão para o qual se destina o inquérito policial e responsável para “[...] concluir pela inviabilidade do prosseguimento da colheita de provas”.89 Complementa Fernando Capez ao elucidar que: Tal providência só cabe ao juiz, a requerimento do Ministério Público (CPP, art. 28), que é o exclusivo titular da ação penal pública (CF, art. 129, I). A autoridade policial, incumbida apenas de colher os elementos para a formação do convencimento do titular da ação penal, não pode arquivar os autos do inquérito (CPP, art. 17), pois o ato envolve, necessariamente, a valoração do que foi colhido. Faltando a justa causa, a autoridade policial pode (aliás, deve) deixar de instaurar o inquérito, mas, uma vez feito, o arquivamento só se dará mediante decisão judicial, provocada pelo Ministério Público, e de forma fundamentada, em face do princípio da obrigatoriedade da ação penal (art. 28). O juiz jamais poderá determinar o 90 arquivamento do inquérito, sem prévia manifestação do Ministério Público. Ao levar em consideração estes aspectos doutrinários trazidos à tona, compreende-se, então, que a legitimidade para requerer o arquivamento do inquérito policial é exclusiva do Ministério Público, vez que este é considerado o titular da ação penal, mas que tal pedido será encaminhado ao magistrado que poderá concordar com os fundamentos ou entender que é improcedente, o que ocasionará a remessa dos autos ao Procurador Geral. Este último, por sua vez, poderá oferecer denúncia; designar que outro membro do Parquet a ofereça; ou, insistir no pedido do arquivamento, situação na qual o juiz estará obrigado a atender sua 91 recomendação. Apresentados, assim, o conceito, a finalidade, a natureza jurídica e as 88 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. p. 50-51. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 157. 90 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 103-104. 91 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 129. 89 32 características do inquérito policial, assim como algumas lições de como ocorrerá todo o seu procedimento, ou seja, sua instauração nos crimes de ação penal pública incondicionada, ação penal pública condicionada e ação penal privada e quais os seus atos inaugurais para, por fim, analisar-se a sua instrução, indiciamento, encerramento e arquivamento, passa-se ao próximo capítulo que tratará da teoria da prova no direito processual penal. 33 2 TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL Este capítulo versará sobre a teoria da prova no processo penal e servirá de alicerce para o último capítulo que tratará do foco central deste trabalho. Por isso, apresentará o conceito e objetivo da prova, bem como a sua classificação, os seus meios, o ônus deste instrumento e quais as suas espécies. 2.1 CONCEITO E OBJETIVO DA PROVA Antes de examinar o objeto da prova no processo penal, mister se faz destacar que esta pode ser definida como uma expressão que surgiu do latim (probatio) e que indica um ensaio, uma verificação, uma inspeção, um exame, um argumento ou uma aprovação ou confirmação. É dela que decorre o verbo provar que significa verificar, examinar, reconhecer por experiência ou persuadir alguém à comprovação de alguma coisa ou fato.92 Por esse motivo, comenta Franciso Dirceu Barros, que esta sob a visão jurídica pode ser vista como um elemento que é fornecido nos autos de um processo, elemento este que poderá ser a certeza de algum fato, uma circunstância ou proposição controvertida, ou seja, a totalidade dos meios que realizarão a certeza de determinado acontecimento.93 Trata-se, em complemento ao acima exposto, da “[...] demonstração dos fatos em que assenta a acusação e daquilo que o réu alega em sua defesa [...]”. Portanto, pode ser considerada a prova como um instrumento indispensável para que as partes integrantes do processo possam influir na decisão a ser tomada pelo magistrado e um meio que serve para verificar os fatos que as partes baseiam suas 92 93 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 359. BARROS, Francisco Dirceu. Direito processual penal: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. v. I. p. 714. 34 informações.94 Para E. Magalhães Noronha pode-se compreender, entretanto, que esta é uma fase processual que as partes apresentam os seus objetivos, quais sejam, enquanto o acusador deseja a pretensão punitiva, o acusado visa se defender.95 Em complemento ao ora mencionado, afirma-se, então, que a prova consiste na demonstração de existência da verdade, ou melhor, é meio pelo qual se procura apresentar a existência da verdade. Por isso, será através dela que se demonstrará a veracidade do afirmado no decorrer do processo e quando se fornecerão os elementos produzidos pelas partes ou requeridos pelo magistrado que, dentre outras função, deseja elucidar determinadas questões que estejam relacionadas, por exemplo, ao fato criminoso anteriormente perpetrado.96 Corroborando com estas iniciais considerações, relata João Alfredo Medeiros Vieira, que a prova está intrinsecamente relacionada ao processo e que: No Direito Processual, [...] é usada em diversas acepções, ora no sentido de atividade probatória, ora no de meio probatório, ora para indicar a ação de provar, ora para exprimir o resultado do trabalho probatório, de atividade probatória. Aliás, ela, por si mesma, vem a constituir, efetivamente, aquela 97 certeza gerada no princípio do destinatário da prova. Esclarece-se, assim, que se a prova está diretamente ligada ao processo, pode ser compreendida como todo o elemento que foi produzido pelas partes e pelo juiz e que tem por escopo “[...] estabelecer, dentro do processo, a existência de fatos”, o que leva também ao entendimento de que deverão ser juridicamente admissíveis pela legislação vigente.98 De acordo com estes posicionamentos, verifica-se que a prova pode ser observada sob três sentidos, de acordo com os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, ou seja: (1) como sendo um ato de comprovar algo; (2) como um meio de demonstrar a verdade; e, (3) como sendo um resultado da ação de provar determinado fato.99 94 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. rev. e atual. por Eduardo Reale Ferrari. 2. tir. Campinas: Millennium, 2000. v. II. p. 330. 95 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. 28. ed. atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 114. 96 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. p. 513. 97 VIEIRA, João Alfredo Medeiros. A prova no processo penal. São Paulo: LEDIX, 2005. p. 17. 98 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 110. 99 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 359. 35 Isto posto, demonstrada uma concepção da expressão prova, de acordo com dados colhidos na doutrina pátria vigente, passa-se a examinar no subtítulo seguinte qual é o seu objeto. 2.1.1 O objeto da prova no processo penal Quando se analisa qual é o objeto da prova e, principalmente, no âmbito processual penal, verifica-se que esta tem por finalidade como já se mencionou brevemente no item anterior, demonstrar o que o magistrado precisa saber, ou melhor, os fatos ou acontecimentos que este deve ter conhecimento, para que possa resolver o litígio. É através deste instrumento que se possibilita, portanto, a elucidação não somente com relação ao autor do delito, mas também qual a sua materialidade e todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que influirão na responsabilidade penal e na cominação de pena ou imposição de medida de segurança.100 Preleciona, neste sentido, Edilson Mougenot Bonfim ao afirmar que: Como se sabe, a aplicação das normas jurídicas tem por pressuposto a ocorrência de fatos que, sob a incidência dessas normas, resultem na produção de efeitos jurídicos. Toda atividade de determinar o direito aplicável a cada caso concreto, portanto, depende de que o julgador conheça o conjunto de fatos sobre os quais a norma jurídica deveria incidir. Pode-se dizer, assim, que a prova tem como finalidade permitir que o julgador conheça os fatos sobre os quais fará incidir o direito. Esse, aliás, o objeto primordial do processo de conhecimento, no âmbito do qual a parte mais substancial dos atos é voltada à instrução – a produção de provas, a fim de iluminar o espírito do julgador e permitir a ele exercer o poder 101 jurisdicional. Ao adequar este ensinamento supracitado à esfera do direito processual penal, observa-se que a prova, neste âmbito do direito é o elemento que interferirá ou não na decisão do juiz no tocante ao processo, visto que será através dela que se responsabilizará penalmente certo indivíduo e que se estabelecerá uma pena ou uma medida de segurança, dependendo de cada situação. Dessa forma, somente aqueles fatos que “[...] revelem dúvida na sua configuração e que tenham alguma 100 101 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 250. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 290. 36 relevância para o julgamento da causa merecem ser alcançados pela atividade probatória, como corolário do princípio da economia processual”.102 Partilhando do mesmo entendimento, comenta João Alfredo Medeiros Vieira que o objetivo principal da prova é a demonstração do fato ou da circunstância que versa sobre o litígio, como, por exemplo, as circunstâncias sobre um flagrante no crime de homicídio.103 Trata-se, como se verifica destes iniciais aspectos apontados, de um meio probatório que visa convencer o magistrado sobre a verdade de um fato considerado litigioso. Por esse motivo, afirma-se que é através da prova que se deseja alcançar: [...] a verdade processual, ou seja, a verdade intangível ou possível (probate truth, do direito anglo-americano). A verdade processual emerge durante a lide, podendo corresponder à realidade ou não, embora seja com base nela que o magistrado deve proferir sua decisão. O objeto da prova são, primordialmente, os fatos que as partes pretendem demonstrar. Excepcionalmente, a parte deve fazer prova quanto à existência e conteúdo de um preceito legal, desde que se trate de norma internacional, estadual ou municipal [...], bem como no que toca a estatutos e regras internas de pessoas ou personalidades jurídicas. Prova-se, ainda, 104 regras de experiência, porque, na essência, são fatos reiterados. Frente a estes argumentos, compreende-se, então, que “a finalidade do Direito Processual é reconhecer e estabelecer uma verdade jurídica”. Por isso, depreende-se que “tal fim se alcança por meio das provas”.105 Diferentemente da esfera cível, no direito processual penal não se excluirá do objeto da prova o chamado fato incontroverso, pois este é aquele admitido pela partes. Nesta hipótese, o juiz estará obrigado à admitir que as partes aleguem suas constatações, vez que é possível se indagar sobre tudo que se pareça duvidoso ou suspeito.106 Todavia, existem algumas situações que não necessitam de prova, como, por exemplo, os fatos axiomáticos ou também denominados de intuitivos e os fatos notórios.107 Complementando com o ora citado, aduz Guilherme de Souza Nucci que 102 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 285. VIEIRA, João Alfredo Medeiros. A prova no processo penal. p. 17-18. 104 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 361-362. 105 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 110. 106 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 250. 107 BARROS, Francisco Dirceu. Direito processual penal: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. p. 719. 103 37 são fatos que independem de comprovação: 1) os fatos notórios que são evidentes e intuitivos; 2) os fatos que possuam uma presunção legal absoluta; 3) os fatos impossíveis; e, também 4) os fatos que não são importantes ou não pertencem à matéria discutida nos autos.108 Entende da mesma forma Julio Fabbrini Mirabete ao esclarecer que os fatos axiomáticos ou intuitivos não precisarão ser comprovados, pois são evidentes em si mesmos – exemplo: a prova de que o acusado estava no local do crime exclui a necessidade de que ele comprove que não se encontrava -; os fatos notórios também não precisam ser comprovados, pois são aqueles fatos que integram “[...] a cultura normal, a informação dos indivíduos de determinado meio”; e, finalmente, os fatos presumidos também não têm necessidade de serem comprovados, porque se presumem verdadeiros independentemente de prova.109 Sendo assim, apresentado o objeto da prova no processo penal, passa-se ao exame no título subsequente da classificação das provas. 2.2 CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS Quando se fala da classificação das provas, insta registrar que esta se dará quanto ao objeto, quanto ao sujeito ou causa, quanto à forma ou aparência 110 e quanto ao valor ou efeito.111 É lição de E. Magalhães Noronha que várias são as classificações concernentes à prova. Por isso, compartilha deste mesmo entendimento acima exposto e diz que este instrumento pode ser observado levando em consideração as hipóteses susomencionadas.112 Há quem afirme, no entanto, que esta classificação pode ser ampliada e abranger a natureza da prova, bem como a sua origem, a sua finalidade, época, 108 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 362. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 250-251. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 309-310. 111 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 294-295. 112 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 116-117. 109 38 dentre outros.113 Porém, ressalta-se que esta não é a posição majoritariamente adotada pela doutrina e que considerar-se-á, aqui, o posicionamento inicialmente assinalado, qual seja, aquele que classifica a prova em relação ao seu objeto; sujeito ou causa; forma ou aparência; e, valor ou efeito, conforme se verificará adiante nos subtítulos que serão a seguir tratados. 2.2.1 Quanto ao objeto A prova poderá ser classificada no tocante ao objeto e será compreendida, neste primeiro aspecto, de uma forma direta e indireta, isto é, na primeira quando o fato se apresentar imediatamente, como ocorre, por exemplo, nos casos do flagrante e do corpo de delito; e, na segunda hipótese quando o fato se apresentar por dedução ou indução, já que colhido, exemplificadamente, por intermédio de indícios, presunções ou suspeitas.114 Fernando Capez ensina de acordo com o acima assinalado, que: [...] o objeto da prova nada mais é do que o fato cuja existência carece ser demonstrada. Assim, a prova pode ser: a) direta: quando, por si, demonstra um fato, ou seja, refere-se diretamente ao fato probando; b) indireta: quando alcança o fato principal por meio de um raciocínio lógicodedutivo, levando-se em consideração outros fatos de natureza secundária, porém relacionados com o primeiro, como, por exemplo, no caso de um 115 álibi. Portanto, afirma-se diante destas concepções que a prova será classificada quanto ao seu objeto em prova direta ou indireta. Dar-se-á a prova direta quando o fato se demonstrar por si só; e, a prova indireta quando o fato for deduzido e presumido em decorrência de determinada situação.116 113 BARROS, Francisco Dirceu. Direito processual penal: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. p. 718. 114 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 294. 115 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 309. 116 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 116. 39 2.2.2 Quanto ao sujeito ou causa A prova também poderá ser classificada, em segundo plano, quanto ao sujeito ou causa, isto é, quando forem provas reais ou provas pessoais. Reais são aquelas provas que se fundamentam em um bem exterior e que se diferenciam do indivíduo, como se verifica em armas, local do crime, cadáver e pegadas; pessoais, entretanto, são aquelas que consistem no conhecimento subjetivo e pessoal que foi atribuído a alguém, tal como acontece no interrogatório e em conclusões periciais. 117 Para Fernando Capez, trata-se a prova real daquela que pode ser verificada “[...] em uma coisa externa e distinta da pessoa [...]”, razão pela qual compreende-se que atestará uma determinada informação referente ao lugar do crime, à arma utilizada ou ao cadáver encontrado; e, de prova pessoal a que encontra a sua origem no ser humano e, em informações pessoais e manifestadas conscientemente, tal como aquelas que foram realizadas mediante a declaração ou a narração do que se sabe a respeito de determinado crime.118 Isto posto, destaca-se que a prova será considerada real quando resultar de bem ou de um objeto; e, pessoal quando decorrer de uma manifestação consciente do ser humano.119 2.2.3 Quanto à forma ou aparência A prova também poderá ser classificada no tocante ao seu terceiro aspecto quanto à forma ou aparência, ou seja, quando serão divididas em provas documentais, testemunhais e materiais, como ocorre no corpo de delito, nos exames, vistorias, instrumentos do crime, dentre outros.120 Explica, neste sentido, Edilson Mougenot Bonfim que: 117 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 252. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 310. 119 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 295. 120 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 252. 118 40 III – Quanto à forma, são divididas em: testemunhal, documental e material. A prova testemunhal é aquela feita por afirmação pessoal. Documental, ao contrário, é aquela feira por prova escrita ou gravadas. Por fim, a prova material é a que consiste em qualquer materialidade que sirva de elemento 121 para o convencimento do juiz sobre o fato probando. Trata-se, portanto, de classificação que levará em consideração os aspectos documentais, testemunhais e materiais da prova, vez que esta última pode ser assim compreendida como: (a) um fato que resulta da produção de documentos; (b) um fato que resulta do depoimento prestado por um sujeito estranho ao processo e que fornece informações pertinentes ao objeto do litígio; e, (c) um fato obtido por meio químico, físico ou biológico.122 2.2.4 Quanto ao valor ou efeito A prova pode ser classificada, finalmente, quanto ao seu valor ou efeito, em prova plena, completa ou convincente e não plena. A prova será plena quando exigida, por exemplo, para que se condene o acusado; e, não plena quando houver uma probabilidade da procedência da alegação.123 Explica-se, assim, que a prova poderá ser classificada sob este aspecto como plena e não plena124, ou seja: a) plena: trata-se de prova convincente ou necessária para a formação de um juízo de certeza no julgador, por exemplo, a exigida para condenação; quando a prova não se mostrar inverossímil, prevalecerá o princípio do in dúbio pro reo; b) não plena ou indiciária: trata-se de prova que traz consigo um juízo de mera probabilidade, vigorando nas fases processuais em que não se exige um juízo de certeza, como na sentença de pronúncia, em que vigora o princípio do in dúbio pro societate. Exemplo: prova para o decreto de prisão preventiva. Na legislação, aparece como “indícios veementes”, “fundadas 125 razões” etc. Corroborando com estes posicionamentos, discorre, então, Edilson Mougenot Bonfim quanto a esta última espécie de classificação da prova, que esta poderá ser dividida em prova plena ou não plena, pois no primeiro caso ou também 121 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 295. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 310. 123 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 251. 124 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 116-117. 125 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 309. 122 41 chamada de prova perfeita ou completa estará apta a conduzir um convencimento do magistrado; e, no segundo caso ou denominada de imperfeita ou incompleta não haverão elementos suficientes para comprovarem a existência do fato por si só, razão pela qual fornecerá determinada probabilidade sobre a sua ocorrência.126 Apresentadas, dessa forma, as quatro classificações fornecidas à prova, examina-se no título subsequente, no que consistem os meios de prova. 2.3 MEIOS DE PROVA Os meios de prova são considerados todos os recursos que se disponibilizam, direta ou indiretamente, para que se possa atingir a veracidade dos fatos no curso do processo. São, portanto, aqueles meios necessários ao convencimento do magistrado, desde que não contrariem o ordenamento jurídico ou não possuam expressa vedação legal.127 Partilhando deste entendimento, afirma-se que os meios de prova são considerados “tudo aquilo que pode servir, direta ou indiretamente, para a comprovação da verdade”128, ou seja, são todos os fatos, os documentos e/ou as alegações que possam servir como elementos necessários para a busca da verdade real no processo. Em suma, são todos aqueles instrumentos empregados para que o juiz forme uma convicção sobre os fatos levantados pelas partes.129 José Frederico Marques relata, assim, que são considerados meios de prova os elementos comprobatórios que fornecem ao magistrado a sua convicção quanto à absolvição ou condenação do acusado no âmbito do direito processual penal e que são apresentados não somente por este último, mas também pela parte autora do processo que deve alegar seus fundamentos e também comprovar que o acusado foi o instrumento pelo qual se perpetrou um delito.130 126 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 295. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 360-361. 128 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 111. 129 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 293. 130 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 333. 127 42 Corroborando com este entendimento, Fernando Capez discorre que: Em primeiro lugar, a título de esclarecimento, convém salientar que o meio de prova compreende tudo quanto possa servir, direta ou indiretamente, à demonstração da verdade que se busca no processo. Assim, temos: a prova documental, a pericial, a testemunhal etc. Como é sabido, vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, de tal sorte que não há de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena de se frustrar o interesse estatal na aplicação da lei. [...]. Ocorre, no entanto, que o princípio da liberdade probatória não é absoluto, 131 sofre restrições. Feitos, então, esses breves apontamentos para demonstrar no que consistem os meios de prova e quais são algumas de suas regras, frisa-se, contudo, que já que não são admitidas algumas provas no âmbito processual penal, importante se faz mencioná-las. Portanto, é exemplo de meio probatório inadmissível com o sistema processual em vigor: (1) aqueles que invocarem o sobrenatural; e, (2) aqueles que sejam incompatíveis com os princípios de respeito ao direito de defesa e também à dignidade da pessoa humana.132 Além disso, destaca-se que não são também admitidas as provas ilegítimas e ilícitas133, sendo estas últimas, inclusive, vedadas nos moldes do artigo 5º, LVI, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que dispõe que “[...] são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”.134 Provas ilícitas são, portanto, aquelas obtidas em violação aos princípios constitucionais ou aos preceitos legais de natureza material, como, por exemplo, a confissão obtida mediante tortura; por sua vez, provas ilegítimas são as que foram obtidas e infringiram norma processual, como ocorre, por exemplo, “[...] quando a infração deixar vestígios e o laudo de exame de corpo de delito – direto ou indireto – for suprido pela confissão do acusado [...]”.135 Finalmente, ressalta-se que se considera ilícita a prova subsequente e obtida com fundamento na original ilícita (frutos da árvore envenenada). Por isso, verifica-se que se considerada ilícita, deverá ser desentranhada dos autos do 131 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 310. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 333-334. 133 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 296. 134 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 abr. 2012. 135 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 296. 132 43 processo136, conforme se depreende da redação do artigo 157, do Código de Processo Penal, que assim disciplina: Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. o § 1 São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. o § 2 Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. o § 3 Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes 137 acompanhar o incidente. Apresentado o conceito e algumas particularidades com relação aos meios de prova, passa-se ao próximo subtítulo que tratará do ônus da prova. 2.4 ÔNUS DA PROVA Antes de versar sobre o procedimento probatório, insta frisar que o ônus da prova deve competir à parte que alegar determinado fato ou circunstância, motivo pelo qual ocorrerá no curso da instrução do processo ou, antes de proferida a sentença, e, em algumas hipóteses, solicitadas de ofício para que sejam realizadas diligências para dirimir quaisquer dúvidas sobre pontos relevantes.138 Neste diapasão, é redação do artigo 156, do Código de Processo Penal que assim disciplina, in verbis: Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; 136 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 257. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 15 abr. 2012. 138 BARROS, Francisco Dirceu. Direito processual penal: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. p. 724. 137 44 II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a 139 realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. Diante desse dispositivo, compreende-se que “a prova da alegação incumbe a quem a fizer, é o princípio dominante [...]” no Código Penal Brasileiro. Por isso, se for oferecida a denúncia, por exemplo, competirá ao Ministério Público provar os fatos e também a autoria do crime, documentar a existência concreta do tipo penal e também a sua realização pelo acusado.140 Julio Fabbrini Mirabete explica, aliás, que este artigo supracitado dá a ideia de que há de existir pela parte interessada a devida comprovação do que alega por uma questão de oportunidade, de experiência fundada, equidade e paridade no tratamento das partes, ou seja, “litigando estas é justo não impor a uma só o ônus da prova: do autor não se pode exigir senão a prova dos fatos que criam especificamente o direito; do réu apenas aqueles em que se funda a defesa”.141 Demonstrados então estes fundamentos que indicam brevemente como funcionará o ônus da prova no âmbito do direito processual penal, afirma-se, em síntese, que a expressão ônus decorre do encargo de se comprovar algo e de uma obrigação cujo cumprimento não resultará em sanção. Dessa forma, afirma-se que o ônus da prova encontra-se intrinsecamente relacionado ao interesse que tem a parte, seja ela qual for (acusado ou autor), de comprovar o que alega e produzir provas para convencer o magistrado quanto às circunstâncias de determinada situação criminosa.142 Sendo assim, passa-se a analisar no próximo subtítulo que integra este item, sobre o procedimento probatório no processo penal. 2.4.1 Procedimento probatório O procedimento probatório, segundo lições de Edilson Mougenot Bonfim pode ser melhor examinado por etapas, pois está relacionado às atividades 139 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 15 abr. 2012. 140 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 117. 141 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 258. 142 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 362. 45 probatórias das partes. Sendo assim, inicia-se com a proposição, passa pelo momento de admissão e produção e chega, ao final, à fase de apreciação. No entanto, registra-se que “[...] podemos ainda identificar o momento da obtenção da prova, anterior a todos [...]”.143 De maneira bastante semelhante, explica Fernando Capez que a atividade probatória possui quatro momentos distintos, quais sejam: (1) proposição; (2) admissão; (3) produção; e, (4) valoração.144 Este autor, na verdade, não menciona a fase de coleta das provas, qual seja, a fase de obtenção da prova e que antecede as demais. Outrossim, destaca-se que para alguns doutrinadores pode-se dizer ainda e, conforme já destacado anteriormente, que o procedimento probatório, além destas fases supramencionadas será realizado tanto pela acusação, quanto pela defesa e, dependendo de cada caso, segundo solicitação realizada pelo magistrado ex officio, ou seja: (a 145 [...]: a) pela acusação, na denúncia ou queixa (art. 41 do CPP ); b) pela 146 defesa, na resposta ou defesa escrita (art. 396-A, caput, do CPP ). Contudo, pelos princípios da busca da verdade real e da ampla defesa, poderá ser determinada a produção de provas por iniciativa do Juiz (ex 147 officio). Partilhando deste argumento, Guilherme de Souza Nucci aduz, então, que caberá produzir provas durante a instrução que se encerrará nos termos do artigo 499, do Código de Processo Penal; ou, nos casos de Tribunal do Júri, ao final da audiência de inquirição das testemunhas de defesa; e, quando o juiz determinar a 143 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 294. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 312-313. 145 “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 17 abr. 2012. 146 “Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar o testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. § 1 A exceção será o processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código. § 2 Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 17 abr. 2012. 147 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 112. 144 46 produção de provas antes de sentenciar, o que indica que poderá ser a qualquer momento depois da solicitação das diligências feitas pelas partes.148 Portanto, feitas essas considerações preliminares, explica-se, então, que: a) Proposição: refere-se ao momento ou o instante do processo previsto para a produção da prova. Em regra, as provas devem ser propostas com a peça acusatória, com a defesa prévia, ou, então, com o libelo, com a contrariedade. A única prova passível de ser requerida pelas partes ou determinada de ofício pelo juiz, em qualquer fase do processo, até mesmo em grau de recurso, diz respeito ao incidente de insanidade mental do acusado. b) Admissão: trata-se de ato processual específico e personalíssimo do juiz, que, ao examinar as provas propostas pelas partes e seu objeto, defere ou não a sua produção. Toda prova requerida pelas partes deve ser deferida, salvo quando protelatória ou impertinente. c) Produção: é o conjunto de atos processuais que devem trazer a juízo os diferentes elementos de convicção oferecidos pelas partes. d) Valoração: nada mais é do que o juízo valorativo exercido pelo magistrado em relação às provas produzidas, emprestando-lhes a importância devida, de acordo com a sua convicção. Esse momento 149 coincide com o próprio desfecho do processo. Frente ao acima exposto, diz-se que a fase correspondente à proposição é a que se refere ao momento em que se produzem as provas, ou seja, quando se configuram os fatos que fazem parte do litígio penal; a da admissão é a que se refere ao momento em que a produção de provas será admitida pelo julgador; a da produção a concernente ao procedimento pelo qual se determina que a prova passe a fazer parte dos autos processuais; e, a da apreciação quando já tiver ocorrido a produção de prova e quando as partes se manifestarão sobre ela. Neste último momento, o juiz poderá então valorar as respectivas provas fornecidas e proferir decisão final.150 Finalmente, registra-se sobre a fase de obtenção da prova, que é a etapa, como a sua própria nomenclatura indica, que antecede a proposição da prova e consiste em coletar todos os documentos, testemunhas e dados e fatos que possam auxiliar tanto a acusação quanto a defesa.151 Diante disso, passa-se a analisar no próximo e último título integrante deste capítulo, sobre as espécies de provas previstas no Código de Processo Penal Brasileiro. 148 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 364. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 312-313. 150 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 294. 151 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 294. 149 47 2.5 ESPÉCIES DE PROVA O Código de Processo Penal elenca algumas formas de espécies de prova em seus artigos 158 a 184 – exame de corpo de delito e perícias em geral -; artigos 185 a 196 – interrogatório -; artigos 197 a 200 – confissão; artigos 226 a 228 – reconhecimento de pessoas -; artigos 229 e 230 – acareação; dentre outros.152 Frente ao exposto, discorre Eugênio Pacelli que são consideradas modalidades de prova, portanto, o interrogatório, a confissão, a prova testemunhal, a prova pericial, as perguntas ao ofendido, o reconhecimento de pessoas e coisas, a acareação, a prova documental, os indícios e a busca e apreensão.153 De seu turno, leciona E. Magalhães Noronha que além dessas espécies de prova mencionadas acima, insta frisar que dentre as provas periciais se encontram a necropsia, o exame complementar, o exame de escritos e o exame realizado por intermédio de precatórias.154 Além disso, ressalta-se que dentre as outras perícias previstas no decorrer do Código de Processo Penal, cita-se o exame do local do crime, a perícia feita em laboratório, a avaliação de coisas, o exame grafotécnico e também a imperícia empregada em instrumentos utilizados para a prática de crimes.155 Apesar de todas essas espécies de provas serem de relevante importância ao âmbito do direito processual penal, destaca-se, entretanto, que dentre elas, dá-se ênfase à modalidade do interrogatório, das provas documentais e também das provas testemunhais. O artigo 185, caput e parágrafo 1º, do Código de Processo Penal prevê que: Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado. o § 1 O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a 152 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 20 abr. 2012. 153 OLIVEIRA, Eugênio Pacell. Curso de processo penal. 16. ed. atual. de acordo com as leis nº 12.403, 12.432, 12.461, 12.483 e 12.529, todas de 2011, e lei complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011. São Paulo: Atlas, 2012. p. 370-432. 154 NORONHA, E. Magalhães. Curso de direito processual penal. p. 529-532. 155 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 317-319. 48 segurança do juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem 156 como a presença do defensor e a publicidade do ato. Diante desse dispositivo supramencionado, afirma-se que o interrogatório é considerado um “[...] ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputação contra ele formulada. É ato privativo do juiz e personalíssimo [...]”, já que possibilita a sua oitiva e exercício de sua defesa, ou seja, trata-se de técnica também chamada de autodefesa e que deve possuir algumas particularidades previstas em lei.157 Por sua vez, assinala-se que a prova documental é também uma das provas muito utilizadas no curso do processo penal e que consiste em apresentar escritos que condensam o pensamento de alguém, a realização de fato ou ato que possua significância jurídica e, que podem ser particulares, públicos, originais ou fotocopiados, dependendo de cada situação e, salvo algumas exceções previstas em lei.158 Os artigos 231 e 232, ambos do Código de Processo Penal prescrevem que: Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. Art. 232. Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Parágrafo único. À fotografia do documento, devidamente autenticada, se 159 dará o mesmo valor do original. Por fim, registra-se que as provas testemunhais também são muito utilizadas durante o processo penal e que podem ser compreendidas como aquelas que são “[...] constituídas pelo depoimento de pessoas que presenciaram (testemunha direta) ou tiveram ciência do fato probando (testemunha indireta)”.160 Os artigos 202, 203 e 204, do Código de Processo Penal preveem que: Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha. Art. 203. A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando 156 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 abr. 2012. 157 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 327. 158 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. p. 312-313. 159 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 22 abr. 2012. 160 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 112 49 sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade. Art. 204. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito. Parágrafo único. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta 161 a apontamentos. Trata-se, como se depreende acima, de uma prova que possui, conforme lições de Fernando da Costa Tourinho Filho que possui no processo penal um valor extraordinário, pois salvo em casos excepcionais se comprovam as infrações com outros elementos comprobatórios. Por isso, seu fundamento reside na necessidade que se tem de provar, em juízo, e, por intermédio de outras pessoas que presenciaram o fato criminoso ou dele tiveram conhecimento, acerca do que se pretende alegar.162 Apresentados, então, alguns aspectos concernentes à teoria da prova no processo penal, visto que não se procurou aqui esgotar este assunto que, aliás, trata-se de matéria bastante abrangente, passa-se ao capítulo seguinte que versará do objeto central deste estudo, qual seja, da necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal. 161 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 27 abr. 2012. 162 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. p. 553. 50 3 A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Este terceiro e último capítulo tratará do objetivo central deste trabalho, ou seja, da necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal. Por esse motivo, analisar-se-á a importância da prova no processo penal, bem como se há uma efetiva necessidade de se realizar o inquérito policial para que se produzam provas no processo penal. 3.1 A IMPORTÂNCIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL Antes de analisar qual a importância da prova no processo penal, importante se faz ressaltar que esta pode ser considerada uma justa solução para o litígio penal e que tem por finalidade durante a fase de instrução, descobrir a verdade. Por isso, afirma-se que será neste momento então que o juiz criminal sopesará os dados e fatos colhidos, para que depois possa formar a sua convicção e aplicar os mandamentos legais e mais adequados para cada caso.163 Discorre, portanto, Jairo Domingues Ferreira Junior que: A produção da prova na investigação criminal formará o conteúdo que fará parte do corpo do processo e passará a ser submetida ao crivo do contraditório. A investigação criminal é uma fase de averiguação, procedimento preparatório de direcionamento futuro, cujo conteúdo poderá formar a convicção do Juiz ao proferir sua decisão por meio da sentença. Nesse ponto, é necessário afirmar que cada fato criminoso tem sua dimensão, então a investigação tem que procurar medir essa extensão e apurar todos os detalhes. Vale dizer que o limite da investigação está na extensão do crime. A fase persecutória é uma etapa de levantamento de hipóteses e esclarecimentos, sempre buscando o desconhecido e reconstituindo os fatos, agregando o máximo de informações relevantes que irão se projetar e responderão perguntas que ainda não foram formuladas. Esse direcionamento levará os elementos e vestígios para serem contestados e “passados a limpo” com fundamentação no princípio do contraditório, motivo pelo qual a exigência social de que as diligências investigativas devem primar pela mais alta qualidade de informações capazes de fornecer 163 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 337. 51 ingredientes esclarecedores. 164 José Frederico Marques destaca, nesse sentido, que será também durante a fase inicial do processo criminal, que o magistrado conseguirá esclarecer os fatos e dar, posteriormente o efetivo cumprimento à prestação jurisdicional e ao julgamento da pretensão punitiva do Estado. Dessa forma, verifica-se que a prova “[...] leva ao juiz os fatos e acontecimentos, dados diretos ou circunstâncias, sobre os quais recai, no momento culminante do judicium, a valoração do magistrado”.165 Frisa-se, além disso, que a prova no âmbito processual penal desempenha um importante papel, pois é através dela que se verifica o momento central do processo penal, ou seja, a alegação e também a indicação dos fatos, uma vez que é através dela que se possibilita da demonstração da verdade e a relevância do conteúdo que ensejará o provimento jurisdicional.166 Diz-se, ainda, que a prova é de grande relevância ao processo penal, pois trata-se de instrumento que tem por objetivo restaurar um acontecimento que já passou e, por intermédio de duas operações, quais sejam, o procedimento probatório (já demonstrado no capítulo 2 deste trabalho); e, quando seus elementos forem valorados167 Para Richard Palhares Maciel, verifica-se, assim, que a prova tem importante papel em todas as etapas do processo criminal, uma vez que: Para que se possa chegar ao convencimento do juiz, as partes deverão fazê-lo através da produção das provas, este é o instrumento do processo para se chagar à verdade do que for alegado, é o meio para que possa ser demonstrada a existência ou inexistência de um fato, a falsidade ou a veracidade de uma afirmação [...]. Na busca de uma solução da lide, busca-se provar a verdade dentro daquilo que for produzido nos autos, demonstrando com isso a importância de um processo bem feito, com provas bem produzidas, pois depende delas e do convencimento do juiz a condenação ou não do réu. O destinatário das provas é o magistrado, que formará seu convencimento a partir do que for 168 produzido. 164 FERREIRA JUNIOR, Jairo Domingues. A importância da prova produzida na investigação criminal e seus reflexos na ação penal. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br/ content/importância-da-prova-produzida-na-investigação-criminal-e-seus-reflexos-na-ção-penal>. Acesso em: 01 maio 2012. 165 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 337. 166 CAGLIARI, José Francisco. Prova no processo penal. Disponível em: <http://www.justitia.com. br/artigos/299c16.pdf>. Acesso em: 01 maio 2012. 167 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. p. 337. 168 MACIEL, Richard Palhares. Das provas no processo penal. In: ViaJus, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3434&idAreaSel=4&seeArt=yes>. Acesso em: 01 maio 2012. 52 Partilhando do mesmo entendimento, relata o autor susomencionado que para o juiz alcançar o seu livre convencimento, deve ele utilizar todos os dados, atos e outras circunstâncias que lhe foram fornecidas, ou seja, de todos os elementos probatórios disponibilizados e devendo-se ater à observação de cada um deles, visto que nem sempre disporão de “[...] confiabilidade necessária para um julgado com justiça, [...]”.169 Por esse motivo, esclarece-se que: Desde que o Estado monopolizou a prestação jurisdicional chamando para si a responsabilidade de distribuir a justiça, utilizando-se, para isso, do processo, a teoria processual vem se desenvolvendo e com ela o processo. É através do processo que se apura a verdade dos fatos. O processo é instrumento útil à prestação jurisdicional e a prova é útil ao processo na medida em que é através daquela que este pode atingir sua finalidade, que é a descoberta da verdade. Como se vê, o processo sem prova de nada adianta, visto que não se chegará à verdade e, portanto, à justiça, finalidade última da prestação jurisdicional. Eis aí a importância da prova, pois, ela vai além do processo; é sobre ela que se sustenta a verdade. Todavia, na coleta das provas, há que se tomar certos cuidados com vista a não se admitir que ela seja colhida ou produzida a qualquer custo, em detrimento dos direitos e garantias constitucionais fundamentais previstos 170 em nossa Lei Máxima. Fernando Capez destaca também que não existem dúvidas que o tema que se refere às provas é um dos mais importantes na ciência processual penal, pois é através delas que se constituem os olhos do processo, ou seja, o alicerce que sustenta toda a dialética processual. Para este autor, sem que hajam provas idôneas e válidas, de nada adianta se desenvolverem debates doutrinários e tendências jurisprudenciais sobre quaisquer temas jurídicos, visto que nenhuma dessas discussões terá um objeto.171 Diante do ora exposto, verifica-se, então, que em todo processual judicial, independentemente de qual seja a área, o juiz precisa levar em consideração os argumentos levantados pelas partes, como também firmar sua convicção em dados concretos e que lhe forneçam certeza. Ele precisa, desse modo, observar 169 MACIEL, Richard Palhares. Das provas no processo penal. In: ViaJus, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=3434&idAreaSel=4&seeArt=yes>. Acesso em: 01 maio 2012. 170 BATISTA, Silas Soares. A admissibilidade, no processo penal, da prova obtida mediante gravação telefônica feita por um dos interlocutores. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5829>. Acesso em: 01 maio 2012. 171 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 285. 53 provas, pois “[...] sem elas, o julgamento fica prejudicado, isto é, permanece [...] uma dúvida que o impede de julgar com juízo de certeza, mormente no processo penal, onde sempre se busca a verdade real”.172 Corroborando com todos estes argumentos ora fornecidos, registra-se, então, que: A prova, pode-se dizer, é instituto chave de um processo, pois é através dela que os fatos alegados pelo autor serão reconhecidos como verdadeiros, ou não, pelo juízo e, consequentemente, será através da prova que o autor obterá a procedência, ou não, de seus pedidos. No Processo Penal, essa busca pela verdade ocupa papel de relevada importância, tanto que há a predominância do Princípio da Verdade Material, em detrimento da Verdade Formal, preponderante no Processo Civil. O Princípio da Verdade Material quer dizer que cabe ao magistrado, no processo, atuar de forma a buscar sempre a verdade fática, e não meramente se contentar com as "verdades" que as partes lhe trazem aos autos. Isso permite, por exemplo, que o próprio juiz arrole "suas" testemunhas, ainda que não arroladas por quaisquer das partes. A preponderância desse princípio do Direito Penal é de fácil justificativa, já que o processo penal tem o poder de influir sobre a liberdade de determinado indivíduo, modificando definitivamente o rumo de sua vida. Desta forma, é de tamanha importância que a fase probatória dessa natureza de processo evidencie, ao máximo, a verdade dos fatos, 173 permitindo ao Judiciário que profira decisão justa. Portanto, verifica-se que todo o processo se encontra penetrado na prova. Sem a existência da prova, o processo não alcança seu objetivo. Portanto, verifica-se que a prova “[...] já foi chamada de alma do processo (Mascardo), sombra que acompanha o corpo (Romagnosi), ponto luminoso (Carmignani), pedra fundamental (Brugnoli), centro da gravidade (Brusa)”, dentre outros.174 Trata-se, então, de instrumento ou ferramenta que auxilia o processo penal e que deverá estar assentado em princípios constitucionais. Não basta apenas alegar-se um fato, circunstância ou proposição controvertida qualquer. Necessário se faz, nesta hipótese, que seja estabelecida no âmbito da relação processual criminal e, acima de tudo, convença o magistrado, pois, caso 172 BATISTA, Silas Soares. A admissibilidade, no processo penal, da prova obtida mediante gravação telefônica feita por um dos interlocutores. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5829>. Acesso em: 01 maio 2012. 173 DINIZ, Fernanda Barbosa. Validade das provas obtidas por meios ilícitos no processo penal: análise sob a ótica da hermenêutica constitucional, ano V, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://www.datavenia.net/artigos/Direito_Constitucional/Fernanda_Barbosa_Diniz.htm>. Acesso em: 01 maio 2012. 174 TORNAGUI, Hélio Bastos. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 3. p. 415. 54 contrário, além de não devidamente utilizada, perderá a sua principal finalidade, qual seja, a de conduzir à certeza positiva ou negativa de um determinado evento criminoso, por exemplo.175 Feitas essas ponderações, pode-se compreender, em síntese, que a prova no processo penal servirá de alicerce fundamental para o desenvolvimento de todo o processo, razão pela qual afirma-se que: O estudo da prova no processo penal apresenta particular interesse para os que se ocupam com a justiça criminal, merecendo análise alguns aspectos que têm sido objeto de controvérsia na doutrina e na jurisprudência. É a prova que ecide o processo. Ao julgador se submete a imputação feita ao réu, da prática de um fato punível. Constitui prova todo elemento capaz de proporcionar ao juiz o conhecimento da existência histórica do fato e de sua autoria. Trata-se de buscar a verdade real, para alcançar a certeza sobre o 176 fato atribuído ao acusado. Isto posto, diz-se, ainda, que a importância da prova para o processo penal se baseia em inúmeros ensinamentos ungidos pela doutrina brasileira pátria vigente, mas leva em consideração alguns requisitos indispensáveis, quais sejam: (a) o fornecimento de fatos principais e secundários ao esclarecimento dos argumentos apresentados pelo autor e pelo acusado; (b) a influência da responsabilidade penal do réu; (c) a aplicação de pena compatível com a prática do crime; e, (d) a aplicação de medida de segurança em algumas hipóteses e, desde que observados os limites e as ressalvas legais. 177 Apresentados estes argumentos doutrinários acerca da importância da prova no processo penal, registra-se, ademais, que não se pode esquecer quanto a esta matéria tão debatida e relevante ao estudo do direito processual penal que caberá à prova seguir alguns princípios, como, por exemplo, aquele denominado de princípio da comunhão da prova, da audiência contraditória, da liberdade dos meios de prova178, dentre tantos outros que estabelecerão as 175 FARIAS, Onildo Cavalcanti. Importância do processo penal no âmbito dos direitos individuais. Disponível em: <http://revistadoforo.tjpb.jus.br/dynamicResources/doutrina/13.pdf; jsessionid=4FBA9ABF2FF54D58A6B466DB5B1BB20F>. Acesso em: 01 maio 2012. 176 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Notas sobre a prova no processo penal. Disponível em: <http:// www.fragoso.com.br/eng/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo61.pdf>. Acesso em: 02 maio 2012. 177 RIBEIRO, Evilazio. Da prova no direito processual penal – conceito, classificação, sujeitos e princípios de provas no direito processual penal – CPP. Disponível em: <http://www.recantodas letras.com.br/textosjuridicos/961275>. Acesso em> 02 maio 2012. 178 RIBEIRO, Evilazio. Da prova no direito processual penal – conceito, classificação, sujeitos e princípios de provas no direito processual penal – CPP. Disponível em: <http://www.recantodas letras.com.br/textosjuridicos/961275>. Acesso em> 02 maio 2012. 55 diretrizes mínimas para a sua respectiva utilização. Portanto, passa-se ao título seguinte deste capítulo que versará da necessidade do inquérito policial para a produção de prova, segundo entendimentos doutrinários que versam sobre o assunto. 3.2 A NECESSIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL PARA A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO PENAL Este último título integrante deste trabalho tratará do seu foco central, ou seja, da necessidade do inquérito policial para a produção de prova no processo penal. Por isso, antes de se adentrar na problemática proposta ao início deste estudo ora desenvolvido, importante se faz anotar alguns conceitos, características e demais particularidades concernentes ao termo circunstanciado que, aliás, trata-se de instrumento semelhante ao inquérito policial na Justiça Comum, mas que encontra amparo legal na Lei nº 9.099/1995, legislação esta que instituiu os Juizados Especiais Criminais e que regula o procedimento referente às infrações de menor potencial ofensivo, conforme se depreenderá na sequência. 3.2.1 E nos casos que for confeccionado termo circunstanciado com base na Lei nº 9.099/95? Apesar de não ser o foco do presente trabalho cuidar do termo circunstanciado, instrumento utilizado no âmbito da legislação infraconstitucional e mais especificamente tratado na Lei nº 9.099/1995 e que instituiu os Juizados Especiais Criminais179, frisa-se que este é um instituto que muito se assemelha ao 179 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099. htm>. Acesso em: 10 maio 2012. 56 inquérito policial. Afirma-se isso, pois o termo circunstanciado vem previsto no artigo 69, da Lei nº 9.099/1995 que prevê, in verbis: Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Parágrafo único. Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a 180 vítima. Diante desse dispositivo, compreende-se, então, que pode ser o termo circunstanciado considerado como uma etapa integrante do processo no Juizado Especial Criminal e que, nas lições de Nelson Burille serve para substituir o “[...] inquérito policial, quando a autoridade policial deparar-se com infrações penais de menor potencial ofensivo [...]”.181 Trata-se, na verdade, de uma das etapas integrantes da fase preliminar do procedimento sumaríssimo regulado pela Lei nº 9.099/95 e que antecede ao início do processo, motivo pelo qual pode ser compreendido como um momento de fase preliminar, como também de audiência preliminar.182 Para Nelson Burille, é uma espécie de boletim de ocorrência policial mais detalhado e, no entanto, sem exigência das formalidades que são exigidas no inquérito policial. Por esse motivo, conterá a notícia de uma infração penal de menor potencial ofensivo, ou seja, a narração do fato delituoso, com as suas características e demais particularidades elementares (horário e local), breves relatos do autor, da vítima e também das testemunhas, menção aos objetos que foram apreendidos e estavam relacionados à infração e, dependendo de cada situação, a indicação de 180 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099. htm>. Acesso em: 10 maio 2012. 181 BURILLE, Nelson. Termo circunstanciado: possibilidade jurídica da sua elaboração pela Polícia Militar e os aspectos favoráveis e desfavoráveis decorrentes. Disponível em: <http://www.jusmilitar is.com.br/uploads/docs/termocircunstanciado.pdf>. Acesso em: 10 maio 2012. 182 SILVA, Márcio Alberto Gomes. Breve ensaio sobre o termo circunstanciado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3186, 22 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21341>. Acesso em: 22 maio 2012. 57 perícias que foram solicitadas pela autoridade policial que o confeccionou.183 Frisa-se, neste sentido, que quando se analisa o ordenamento jurídico enquanto um sistema, afirma-se que a fase policial da Lei nº 9.099/95 e que confecciona o termo circunstanciado, “[...] equivale, nos demais procedimentos comuns [...], à confecção de inquérito policial. Daí se concluir que o termo circunstanciado é verdadeiro procedimento investigativo [...]”. 184 Corroborando com estes ensinamentos, relata Ravênia Márcia de Oliveira Leite que este é um instrumento que pode ser lavrado, portanto, em decorrência da verificação da prática de delito de menor potencial ofensivo e previsto na Lei nº 9.099/95, motivo pelo qual deverá da mesma forma que o inquérito policial ser presidido por um Delegado de Polícia, cargo competente para exercer algumas atividades e, nos moldes do artigo 144, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.185 Por seu turno, esclarece ainda Wanderby Medeiros, que: O termo circunstanciado é apenas um relato de ocorrência envolvendo delitos de menor potencial lesivo (contravenções penais e crimes cujas penas não sejam superiores a dois anos – vias de fato, lesões corporais leves, injúria, ameaça, calúnia, perturbação da tranquilidade, etc). Ele deve ser feito pelo policial de serviço (seja ele qual for que atender ao chamado e encaminhado rapidamente ao poder judiciário, onde a questão será 186 inicialmente apreciada por conciliadores voluntários. Dessa forma, pode ser considerado como um meio preliminar e concernente à Lei nº 9.099/95, uma vez que tem por principal finalidade relatar a data, o horário e local do fato que envolveu a prática ou realização de delito de menor potencial ofensivo, qualificar as pessoas nele envolvidas (autor, réu e testemunhas), resumir as versões de cada um, descrever os objetos utilizados e que foram ou não apreendidos e, colher as assinaturas destes envolvidos, já que se comprometerão 183 BURILLE, Nelson. Termo circunstanciado: possibilidade jurídica da sua elaboração pela Polícia Militar e os aspectos favoráveis e desfavoráveis decorrentes. Disponível em: <http://www.jusmilitar is.com.br/uploads/docs/termocircunstanciado.pdf>. Acesso em: 10 maio 2012. 184 SILVA, Márcio Alberto Gomes. Breve ensaio sobre o termo circunstanciado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3186, 22 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21341>. Acesso em: 22 maio 2012. 185 LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. O termo circunstanciado de ocorrência e a legitimidade para lavratura. Disponível em: <http://www2.forumseguranca.org.br/node/22403>. Acesso em: 22 maio 2012. 186 MEDEIROS, Wanderby. Que história é essa de termo circunstanciado? Disponível em: <http:// wanderbymedeiros.blogspot.com.br/2009/08/que-historia-e-essa-de-termo.html>. Acesso em: 23 maio 2012. 58 ao comparecimento perante o juiz e em data prefixada.187 Frente a todos esses argumentos doutrinários e legais trazidos à tona, verifica-se, portanto, que o termo circunstanciado pode ser compreendido como um termo sucinto e objetivo que substitui o inquérito policial e será enviado ao Juizado Especial Criminal para que as partes sejam ouvidas em audiência preliminar. 188 Neste diapasão, ressalta-se, inclusive o disposto no artigo 77, da Lei nº 9.099/1995 que assim disciplina: Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. § 1º Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente. § 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei. § 3º Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao Juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único 189 do art. 66 desta Lei. Destaca-se, desse modo, que é o termo circunstanciado uma ferramenta empregada para substituição do Inquérito Policial no âmbito da Lei nº 9.099/1995, que tem por escopo apurar as infrações penais de menor potencial ofensivo, se pautar nos princípios que instituem a legislação brasileira pátria vigente e norteiam a lógica de construção do sistema da Justiça Criminal consensual, econômico, célere a abrangente.190 Assim, apesar de ser documento que não exige complexidade, necessita preencher alguns requisitos e possuir “[...] embasamento jurídico elementar, sob 187 LEMLE, Marina. Termo circunstanciado gera polêmica no Rio. Disponível em: <http://www. comunidadesegura.org/pt-br/node/32351>. Acesso em: 22 maio 2012. 188 FULLER, Paulo Henrique Aranda; JUNQUEIRA, Gustavi Octaviano Diniz; MACHADO, Angela C. Cangiano. Processo penal. p. 185. 189 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099. 190 SANTOS, Alfredo Nogueira dos. A resolutividade do atendimento policial militar nos delitos de menor potencial ofensivo. Disponível em: <http://scribd.com/doc/77046477/22/Finalidade-doTermo-Circunstanciado>. Acesso em: 22 maio 2012. 59 pena de não atingir a prestação jurisdicional necessária para a sua efetivação”.191 Portanto, apresentado conceito, algumas características e peculiaridades inerentes à confecção do termo circunstanciado com base no disposto na Lei nº 9.099/1995, passa-se ao próximo e último título deste trabalho que discorrerá sobre o foco deste estudo e a necessidade do inquérito policial para a produção de provas no processo penal. 3.2.2 A necessidade do inquérito policial para a produção de prova Apesar das provas no inquérito policial terem por finalidade apurar a autoria, bem como a materialidade do delito que está sob investigação, esclarece inicialmente Bruna Natália da Silva Jacinto que não existe nesta fase chamada de investigatória, a possibilidade do acusado realizar a sua ampla defesa e contraditório, ou seja, não podendo produzir ou indicar eventuais elementos probatórios, tal como será possibilitado a ele durante o curso do processo penal, ou seja, durante a fase de instrução processual.192 Partilhando deste entendimento, comenta Rúbia Mara Pereira de Carvalho ao afirmar que mesmo se admitindo no sistema processual penal brasileiro a incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, conforme assegura a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não há a tutela desta garantia durante a fase de investigação criminal, ou seja, no curso do inquérito policial.193 Nesse sentido, prescreve o artigo 14, do Código de Processo Penal que “[...] o ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer 191 SANTOS, Alfredo Nogueira dos. A resolutividade do atendimento policial militar nos delitos de menor potencial ofensivo. Disponível em: <http://scribd.com/doc/77046477/22/Finalidade-doTermo-Circunstanciado>. Acesso em: 22 maio 2012. 192 JACINTO, Bruna Natália da Silva. A validade da decisão judicial baseada apenas nas provas produzidas durante o inquérito policial. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrinaartigos/a-validade-da-decisao-judicial-baseada-apenas-nas-provas-produzidas-durante-o-inqueritopolicial-3619998.html>. Acesso em: 23 maio 2012. 193 CARVALHO, Rúbia Mara Pereira de. Da inconveniência da determinação de produção de provas requeridas pelo juiz na fase do inquérito policial. ViaJus. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/ viajus.php?pagina=artigos&id=3634>. Acesso em: 24 maio 2012. 60 diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.194 Depreende-se deste dispositivo, que existe uma clara diferença entre o sistema acusatório e o sistema inquisitório195 e que neste último momento competirá à autoridade policial decidir ou não sobre as normas concernentes ao inquérito policial. Por esse motivo, insta assinalar que o inquérito policial se trata de um procedimento de natureza inquisitória, como já visto anteriormente no capítulo 1 deste trabalho, e momento no qual “todas as provas coletadas nessa fase serão usadas pelo autor da Ação Penal, o Ministério Público, para comprovar a autoria e materialidade do crime”.196 Diante dessas preliminares considerações, indaga-se, então, se há uma efetiva e real necessidade do inquérito policial para a produção de provas na esfera processual penal, já que não se pôde, nesta hipótese, viabilizar a defesa do réu que, aliás, não teve a oportunidade de fornecer elementos para a instrução do inquérito policial que será futuramente remetido ao juízo criminal competente. Neste sentido, declara-se, ainda, que será neste momento em que se deve: [...] observar a validade das provas que podem ser repetidas em juízo e não forem; além daquelas, que em razão de sua natureza, não poderão ser repetidas perante o juízo e tem caráter essencial para o convencimento da autoria do delito e a autoridade policial não autorizou a participação do 197 investigado e seu advogado. Além disso, importante se faz atentar, inclusive, que não há necessidade de realização do inquérito policial em alguns casos, pois há neste procedimento uma dispensa por parte da autoridade policial, já que não se está tratando de uma fase obrigatória da persecução penal.198 194 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 24 maio 2012. 195 PINTO, Tartiere Meister. Juiz inquisidor: a reforma do processo penal refletida em uma realidade inconstitucional? Disponível em: <http://www.esmesc.com.br/upload/arquivos/8-1273187937.PDF>. Acesso em: 23 maio 2012. 196 JACINTO, Bruna Natália da Silva. A validade da decisão judicial baseada apenas nas provas produzidas durante o inquérito policial. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrinaartigos/a-validade-da-decisao-judicial-baseada-apenas-nas-provas-produzidas-durante-o-inqueritopolicial-3619998.html>. Acesso em: 23 maio 2012. 197 JACINTO, Bruna Natália da Silva. A validade da decisão judicial baseada apenas nas provas produzidas durante o inquérito policial. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrinaartigos/a-validade-da-decisao-judicial-baseada-apenas-nas-provas-produzidas-durante-o-inqueritopolicial-3619998.html>. Acesso em: 23 maio 2012. 198 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 82. 61 A legislação, ou seja, o Código de Processo Penal Brasileiro determina em alguns de seus dispositivos que o inquérito deverá ser dispensado “[...] caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal [...]”.199 Registra-se, segundo este entendimento, que o inquérito policial não ocorrerá quando, tanto o Ministério Público quanto o ofendido já não mais tiverem interesse na produção de provas.200 Dentre os artigos que tratam desta possibilidade, cita-se o artigo 12, o artigo 27, o artigo 39, parágrafo 5º e o artigo 46, parágrafo 1º, todos do Código de Processo Penal e que assim dispõem: Art. 12. O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra. Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Art. 39. [...]. o § 5 O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias. Art. 46. [...]. o § 1 Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as 201 peças de informações ou a representação. Demonstrados estes dispositivos susomencionados, como uma forma de esclarecer a dispensabilidade do inquérito policial, afirma-se, contudo, e diante destes iniciais aspectos levantados, que nas lições de Giovana Zibetti Alberti não se pode afirmar que a prova policial tem maior valor probatório do que aquelas fornecidas no curso do processo criminal.202 Em contrapartida, vale ressaltar que se poderia possibilitar principalmente no curso do inquérito policial uma maior adequação dos direitos constitucionais conferidos ao acusado, visto que o que se verifica é que não existe nesta fase nenhuma garantia plausível para que ele possa desempenhar a sua autodefesa, 199 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 82. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 82. 201 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 24 maio 2012. 202 ALBERTI, Giovana Zibetti. O inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1048>. Acesso em: 24 maio 2012. 200 62 pois são em 90% (noventa por cento) dos casos, que as provas colhidas na investigação criminal geram a condenação do acusado, o que leva a compreender que na “[...] maioria das vezes não são produzidas muitas provas durante a instrução do processo”. Relata esse autor, aliás, que: No entanto, embora relegada a segundo plano, é nesta fase que são colhidos elementos de prova que, se corroborados com os que forem analisados durante a instrução judicial, podem resultar em condenações, o que também serve para que investigados deixem de sê-lo a partir do desenvolvimento das diligências. Nesta esteira, e somente como exemplo, citem-se os reconhecimentos, a confissão, as reconstituições de crimes etc. Além disso, em tal fase podem vir a ser decretadas medidas que atingem diretamente bens indispensáveis dos investigados e que acarretam danos praticamente irreparáveis ao patrimônio, à imagem e à liberdade daqueles. Desta forma, é forçoso dizer que, pelos resultados que podem ser alcançados por tais atos e seus efeitos na fase judicial, faz-se necessário observar a obrigatória presença de defensores, visto que, embora não seja possível a intervenção pela ausência de contraditório, com a oposição de teses em paridade de "armas", tal medida denotará a possibilidade de acompanhamento do feito no que diz respeito à legalidade, à obediência aos procedimentos previstos e possibilitará verdadeira viabilidade do 203 exercício de defesa. O que se verifica, portanto, é que atualmente não se faz necessário ou indispensável a realização do inquérito policial para a produção da prova no processo penal, pois bastante comum é que nesta fase preliminar existam lacunas e, principalmente, ausência de defesa e proteção à pessoa do acusado, posto que não observado o cumprimento dos preceitos constitucionais a ele conferidos.204 Na verdade, mais do que isso, é durante a fase do inquérito policial que não há, por exemplo, uma procedimentalização da confecção de oitiva, o que tem gerado variadas discussões, uma vez que o próprio indiciado desconhece os seus direitos e deveres.205 É em decorrência do ora afirmado, então, que há quem compreenda que necessário se faz durante o curso do inquérito policial observar o contraditório do acusado que “[... ] poderia significar um aumento da burocratização na investigação 203 FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11719>. Acesso em: 25 maio 2012. 204 FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11719>. Acesso em: 25 maio 2012. 205 FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial e exercício de defesa. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1900, 13 set. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11719>. Acesso em: 25 maio 2012. 63 criminal, ao ser garantido ao investigado todas as garantias que lhe serão dadas no processo penal”, mas, por sua vez, assegurar um julgamento posterior mais equânime.206 De seu turno, frisa Gabriela Garcia Silveira em consonância com o até então exposto, que: [...] não há dúvida que a Lei Pátria necessita de uma reforma na fase do inquérito policial fazendo com que os princípios constitucionais mencionados [...] passem a vigorar nesta fase administrativa. A aplicação dos princípios é importante para garantir ao investigado a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana propiciando uma investigação pautada no direito constitucional da inocência. Contudo, a aplicação dos princípios constitucionais estudados não pode dar ensejo a duas instruções criminais idênticas, uma na fase administrativa e outra na fase judicial, o que seria um contrassenso, mas duas fases com as suas peculiaridades, mas calcadas na ampla defesa e principalmente na dignidade da pessoa humana. O suspeito não é réu no inquérito policial, todavia é comuns suspeitos terem os seus bens sequestrados e sofrerem antecipadamente os efeitos de uma sentença penal condenatória sem o devido processo legal, tendo os seus nomes divulgados na mídia e sofrendo danos morais incompensáveis. Ora, a fase administrativa não pode ser abolida, todavia que prevaleça cumprindo com o seu objetivo: fornecer as provas para que a acusação ofereça apelo acusatória dando início à ação penal, contudo, com respeito ao suspeito, garantindo-o o direito a ampla defesa e respeitando a sua 207 dignidade como pessoa humana. Feitas estes esclarecimentos, corrobora Nadya Rodrigues Tardoque ao dizer que as provas realizadas no curso da instrução criminal e que ensejarão a prolação da sentença do juiz são, consequentemente, quase sempre as mesmas do arroladas no inquérito policial. Entretanto, não se pode considerar que haja a devida necessidade do inquérito policial para a produção de prova.208 Respeitados os entendimentos contrários, não se pode, a bem da verdade, proferir uma condenação que esteja unicamente apoiada no inquérito policial, pois claro está que este se trata de um procedimento investigatório, inquisitivo e diferente do processo criminal em si.209 206 LIMA, Fernanda de Castro. O inquérito policial e os princípios do contraditório e da ampla defesa. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-inquérito-policial-e-os-princípiosdo-contraditório-e-da-ampla-defesa>. Acesso em: 26 maio 2012. 207 SILVEIRA, Gabriela Garcia. Valor probatório das provas produzidas somente na fase do inquérito policial. Disponível em <http://www.artigonal.com/direito-artigos/valor-probatorio-dasprovas-produzidas-somente-na-fase-do-inquerito-policial-4786583.html>. Acesso em: 26 maio 2012. 208 TARDOQUE, Nadya Rodrigues. O valor da prova no inquérito policial. Disponível em: <http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/nrt.pdf>. Acesso em: 28 maio 2012. 209 TARDOQUE, Nadya Rodrigues. O valor da prova no inquérito policial. Disponível em: <http://arquivo.fmu.br/prodisc/direito/nrt.pdf>. Acesso em: 28 maio 2012. 64 Sendo assim, afirma-se que grande parte da doutrina se posiciona no sentido de que apesar do inquérito policial ser demasiadamente importante para a instrução criminal e, consequentemente, para o processo penal como um todo, como se trata de procedimento dispensável e que não confere ao acusado a autodefesa, como aqui demonstrado, não será necessário e indispensável para que se produzam provas no processo penal, mas poderá contribuir para o julgamento do magistrado. Isto posto, compreende-se que deverá ser adequado conforme as necessidades existentes nos dias de hoje, ser reestruturado em muitos pontos e garantir um mínimo de garantias constitucionais ao acusado, que normalmente é a parte mais vulnerável da relação ora em análise. 65 CONCLUSÃO Este trabalho partiu da seguinte problemática: o inquérito policial é efetivamente necessário para produção de prova no processo penal? Quais são os posicionamentos doutrinários sobre o assunto? A hipótese levantada para esta pergunta era a de que o inquérito se trata de procedimento necessário e também indispensável para a produção de provas no processo penal. Por isso, principiou-se no capítulo 1 tratando do inquérito policial que pode ser considerado um instrumento que serve para investigar a existência, a materialidade e a autoria de crimes e que se fará por intermédio da polícia judiciária, já que possui natureza administrativa. Trata-se, portanto, de medida que tem por principal finalidade preparar a ação penal. Dentre as suas características, cita-se que deve ser o inquérito policial um procedimento escrito, sigiloso, informativo, inquisitivo, discricionário e que siga a oficialidade, oficiosidade, autoritariedade e instrumentalidade, como também a indisponibilidade e obrigatoriedade. Além disso, salienta-se com relação ao seu procedimento, que ocorrerá de acordo com a ação a ser ajuizada, razão pela qual será instaurado, instruído e encerrado ou arquivado, sendo importante ressaltar que haverá durante seu desenvolvimento, o indiciamento ou não do acusado. Por derradeiro, frisa-se no tocante ao capítulo 2, que este tratou da teoria da prova no processo penal e que se definiu neste momento, que a prova é elemento fornecido nos autos de um processo, elemento este que poderá ser a certeza de algum fato, uma circunstância ou proposição controvertida, ou seja, a totalidade dos meios que realizarão a certeza de determinado acontecimento. Seu objeto é, então, possibilitar a elucidação não somente com relação ao autor do delito, mas também quanto à materialidade do crime e todas as 66 circunstâncias objetivas e subjetivas que influirão na responsabilidade penal e na cominação de pena ou imposição de medida de segurança. Por sua vez, ressalta-se que poderá ser classificada de acordo com o seu objeto, sujeito ou causa, forma ou aparência ou quanto ao seu valor ou efeito. Em contrapartida, poderá ser também classificada quanto aos seus meios, motivo pelo qual não se admitirão provas ilícitas, provas derivadas da ilícita ou provas ilegítimas que forem acostadas nos autos do processo. Feitas essas considerações, frisa-se ainda que o ônus da prova deverá competir à parte que alegar determinado fato ou circunstância. Assim, ocorrerá no curso da instrução do processo ou, antes de proferida a sentença, e, em algumas hipóteses, solicitadas de ofício para que sejam realizadas diligências para dirimir quaisquer dúvidas sobre pontos relevantes. Verifica-se de acordo com todo o exposto, que esta prova será, inclusive, proposta, admitida ou não, produzida e, posteriormente, valorada e, que o Código de Processo Penal elenca um longo rol de suas espécies, como, por exemplo, a prova documental, testemunhal, pericial, dentre outras. Finalmente, observa-se que depois de todas estas ponderações, verificou-se que a prova será utilizada, em um primeiro momento, no curso da investigação criminal e, assim, utilizada tanto no inquérito policial quanto no termo circunstanciado, instrumento semelhante ao primeiro e previsto na Lei nº 9.099/1995 que instituiu os Juizados Especiais Criminais. Ademais, além de ser de suma importância considerar o papel da prova no âmbito processual penal, não se pode compreender que a hipótese levantada ao início deste trabalho, tenha sido confirmada no decorrer do estudo ora realizado, porque não se pode afirmar que o inquérito seja procedimento necessário e também indispensável para a produção de provas no processo penal. 67 REFERÊNCIAS ACOSTA, Walter P. O processo penal. 21. ed. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1991. ALBERTI, Giovana Zibetti. O inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1048>. Acesso em: 24 maio 2012. BARROS, Francisco Dirceu. Direito processual penal: teoria, jurisprudência e mais de 1.000 questões comentadas. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. v. I. BATISTA, Silas Soares. A admissibilidade, no processo penal, da prova obtida mediante gravação telefônica feita por um dos interlocutores. 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