APELAÇÃO CÍVEL Nº 1250429-5, DO FORO CENTRAL DA COMARCA
DA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA – 2ª VARA DA FAZENDA
PÚBLICA, FALÊNCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
Apelante 1:
MARIA NASCIMENTO DE GOUVEIA E OUTROS
Apelante 2:
HOMERO BARBOSA NETO
Apelante 3:
MUNICÍPIO DE LONDRINA
Apelante 4:
CETEL CONSTRUÇÕES ELÉTRICAS LTDA
Apelados:
OS MESMOS
Relator:
DES. NILSON MIZUTA
APELAÇÃO
CÍVEL.
AÇÃO
POPULAR.
DESAFETAÇÃO DE BEM DE USO COMUM DO
POVO
E
ENCARGOS,
POSTERIOR
PARA
DOAÇÃO,
EMPRESA
COM
PRIVADA.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CARÊNCIA DE
AÇÃO
RECONHECIDA.
PRESENÇA
DO
NECESSIDADE
BINÔMIO
DA
ILEGALIDADE-
LESIVIDADE. INEXISTÊNCIA DE LESIVIDADE AO
PATRIMÔNIO PÚBLICO. FECHAMENTO DE VIELA
PÚBLICA. PREJUÍZO SOMENTE DE ALGUNS
ADMINISTRADOS, QUE TERÃO DE CAMINHAR
MAIS PARA ALCANÇAR O OUTRO LADO DA
QUADRA.
EXTINÇÃO
DO
FEITO
SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO.
APELAÇÃO 1 PREJUDICADA.
APELAÇÃO 2 PROVIDA.
APELAÇÃO 3 PREJUDICADA.
APELAÇÃO 4 PREJUDICADA.
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Apelação Cível nº 1250429-5 fl. 2
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos
de Apelação Cível nº 1250429-5, do Foro Central da Comarca da
Região Metropolitana de Londrina – 2ª Vara da Fazenda Pública,
Falências e Recuperação Judicial, em que são apelante 1 MARIA
NASCIMENTO DE
GOUVEIA
E
OUTROS, apelante
2
HOMERO
BARBOSA NETO, apelante 3 MUNICÍPIO DE LONDRINA, apelante 4
CETEL CONSTRUÇÕES ELÉTRICAS LTDA, e apelados OS MESMOS.
RELATÓRIO
Maria Nascimento de Gouveia e outros ajuizaram
ação popular em face de Município de Londrina e Cetel Construções
Elétricas Ltda. Alegaram que o Município de Londrina, através da Lei
Municipal nº 11.235/2011 desafetou do uso comum do povo as
terras de 250 m², constituídas pelas vielas “A, B, C e D” existentes
entre as quadras V e XII, entre a rua Deputado Ardinal Ribas e a rua
do Aço, no Jardim São Francisco de Assis, em Londrina.
Após a desafetação, a área foi doada à empresa
Cetel Construções Elétricas Ltda, para que esta ampliasse suas
atividades.
Relatou
que,
durante
o
processo
administrativo,
inicialmente, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Londrina - IPPUL emitiu parecer contrário à doação, pela ausência
de
concordância
dos
moradores.
Posteriormente,
com
a
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Apelação Cível nº 1250429-5 fl. 3
apresentação, pela Cetel, de documento com algumas assinaturas
de moradores lindeiros, o IPPUL mudou seu posicionamento.
Afirmaram
que
o
fechamento
da
viela
está
causando prejuízo aos moradores, que utilizavam a viela para ir ao
ponto de ônibus, escola, padaria e igreja, motivo pelo qual
requerem a anulação do ato administrativo. Pleitearam a concessão
de tutela antecipada com o fim de suspender os efeitos do processo
administrativo nº 19320/2009, que resultou na doação da área a
Cetel
Construções
Elétricas
Ltda.
No
mérito,
requereram
a
declaração de ilegalidade do ato.
A liminar pretendida não foi concedida (fls. 92/95).
O Município de Londrina apresentou contestação
às fls. 117/142.
Cetel
Construções
Elétricas
Ltda
apresentou
contestação às fls. 396/411.
O MM. Juiz determinou a citação do Prefeito
Municipal Homero Barbosa Neto e do então Secretário de Governo
Marco Antônio Cito, como litisconsortes passivos.
Citado,
Homero
Barbosa
Neto
apresentou
contestação às fls. 739/754.
Sobreveio sentença na qual o MM. Juiz julgou
procedentes os pedidos iniciais, e declarou a ilegalidade e
inconstitucionalidade
do
ato
de
doação
com
encargo,
com
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consequente restituição do domínio da área ao Município e
condenação dos réus à abertura das vielas, no prazo de 30 dias.
Ainda, condenou os réus ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios de R$ 1.000,00.
Contra
essa
sentença,
Maria
Nascimento
de
Gouveia e outros interpõe apelação buscando somente a majoração
dos honorários advocatícios para R$ 5.000,00.
Homero Barbosa Neto interpõe apelação às fls.
854/877. Alega cerceamento de defesa em razão do indeferimento
da prova pretendida, com o julgamento antecipado da lide.
Sustenta que o julgamento foi extra petita, pois na petição inicial
não se impugnou a motivação do ato administrativo que culminou
na doação da área, não podendo ser fundamento para a sentença.
Defende a nulidade da sentença por ausência de formação do
litisconsórcio passivo necessário, pois a Câmara Municipal de
Vereadores, que aprovou o projeto de lei em discussão, e a
Companhia de Desenvolvimento de Londrina – CODEL deveriam
integrar a lide.
Afirma que a Lei nº 8.666/93, em seu artigo 17,
estabelece que é possível a alienação de bens públicos na hipótese
de existência de interesse público. Relata que também existe
expressa
autorização
legislativa,
pois
a
Lei
Municipal
nº
11.235/2001 expressamente desafetou o bem e autorizou sua
doação à CETEL. Sustenta que o interesse público que justificou a
doação está consubstanciado na geração de novos empregos e
aumento da arrecadação de impostos com a expansão das
atividades da donatária, erradicação dos crimes que vinham
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ocorrendo na área doada, que servia de abrigo para marginais e
ponto de venda de drogas. Alega manifesta ausência de ato ilegal e
lesividade ao erário a fim de justificar a interposição de ação
popular. Requer o provimento do recurso, com reforma da sentença
apelada.
O Município de Londrina interpõe apelação às fls.
880/893. Alega a ocorrência de cerceamento de defesa ante o
indeferimento da produção das provas requeridas. Afirma que o
artigo 78 da Lei Orgânica do Município de Londrina autoriza a
alienação de bens municipais, subordinada à existência de interesse
público devidamente justificado. Já a Lei nº 8.666/93 permite a
dispensa de licitação para a doação com encargo no caso de
interesse público devidamente justificado.
Defende que a doação gerou benefícios a toda
coletividade, não podendo ser anulada em razão de alguns
moradores, que utilizavam a viela como um atalho, terem de andar
mais para chegar de uma quadra a outra. O direito dos moradores
em preservar a viela para seu uso tem caráter individual, não
podendo
se
sobrepor
ao
interesse
público
devidamente
comprovado. Sustenta que não há impedimento para a desafetação
de bens públicos, inclusive quanto aos de uso comum. Requer o
provimento do recurso, com reforma da decisão recorrida.
Cetel
Construções
Elétricas
Ltda
apresentou
recurso às fls. 895/914. Defende a ocorrência de cerceamento de
defesa ante o requerimento de produção de provas por todas as
partes. Afirma que existe previsão legislativa municipal que autoriza
a alienação de bens de uso comum
do povo, desde que
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devidamente justificado o interesse público e mediante autorização
legislativa, o que ocorreu no presente caso. Sustenta que foram
respeitadas as normas gerais de licitação, previstas na Lei nº
8.666/93. Salienta que houve apenas o fechamento de uma viela, e
não de vias públicas. Narra que no processo administrativo fora
devidamente demonstrado o interesse público. Alega a ocorrência
de julgamento extra petita
e inexistência
de lesividade ao
patrimônio público. Pugna pelo conhecimento e provimento do
recurso.
O Município de Londrina apresentou contrarrazões
às fls. 936/942, Homero Barbosa Neto apresentou contrarrazões às
fls.
948/953,
Cetel
Construções
Elétricas
Ltda
apresentou
contrarrazões às fls. 956/959.
O
Ministério
Público
de
primeiro
grau
se
manifestou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (fls.
974/991).
A
Douta
Procuradoria
Geral
de
Justiça
se
manifestou pelo conhecimento e não provimento dos recursos (fls.
14/28).
VOTO
Inicialmente,
todos
os
recursos
devem
ser
conhecidos, ante a presença dos pressupostos de admissibilidade.
RECURSO INTERPOSTO POR HOMERO BARBOSA
NETO
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Alega a inadequação da via eleita, por ausência de
ato ilegal e lesividade ao erário.
Razão lhe assiste.
Dispõe o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal,
que serão objeto de ação popular os atos nulos que causem lesão
ao patrimônio público:
“LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para
propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento
de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”
Ainda, o art. 1º da Lei nº 4.717/65 estabelece o
âmbito de impugnação da ação popular:
“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para
pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de
atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito
Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades
autárquicas, de sociedades de economia mista
(Constituição, art. 141, § 38), de sociedades
mútuas de seguro nas quais a União represente os
segurados ausentes, de empresas públicas, de
serviços sociais autônomos, de instituições ou
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fundações para cuja criação ou custeio o tesouro
público haja concorrido ou concorra com mais de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita
ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da
União, do Distrito Federal, dos Estados e dos
Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou
entidades subvencionadas pelos cofres públicos.
§ 1º - Consideram-se patrimônio público para os
fins referidos neste artigo, os bens e direitos de
valor econômico, artístico, estético, histórico ou
turístico.”
Desses
dispositivos
extrai-se
que,
para
o
ajuizamento da ação popular, é necessária a demonstração do
binômio “ilegalidade-lesividade”.
Segundo Hely Lopes Meirelles, “o terceiro requisito
da ação popular é a lesividade do ato ao patrimônio público. Na
conceituação atual, lesivo é todo ato ou omissão administrativa que
desfalca o erário ou prejudica a Administração, assim como o que
ofende bens ou valores artísticos, cívicos, culturais, ambientais ou
históricos
da
comunidade.
(...)
Assim,
exige-se
o
binômio
ilegalidade/lesividade para a propositura da ação, dando-se tão
somente sentido mais amplo à lesividade, que pode não importar
prejuízo patrimonial, mas lesão a outros valores, protegidos pela
Constituição.”1
1
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 34ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2012. p. 173.
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Ainda, afirma o autor, que a ação popular é um
instrumento de defesa dos interesses da coletividade, não se
amparando direitos individuais próprios. O beneficiário direito da
ação popular não é o autor, mas sim o povo, titular de um direito
subjetivo.2
No caso em tela, apesar da alegada ilegalidade do
ato administrativo que culminou na doação, com encargos, de bem
público, não está demonstrada a lesividade ao patrimônio público.
Afirmam os autores da ação popular que o
fechamento da viela, área que foi doada à Cetel, lhes causou
prejuízos, pois agora têm de caminhar mais 500 metros para
alcançarem outros quarteirões.
Evidentemente,
esse
prejuízo
alegado
pelos
autores não demonstra a lesividade ao patrimônio público, no qual
se incluem os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético,
histórico ou turístico.
A
processual
ação
adequado
popular
à
não
declaração
constitui
de
instrumento
nulidade
de
ato
administrativo tão-somente em razão de prejuízos, em tese,
causados aos administrados.
A única consequência da doação realizada pelo
Município foi o fechamento de uma viela, não havendo que se falar
em nenhum prejuízo ao patrimônio público.
2
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança e Ações Constitucionais. 34ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2012. p. 171.
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Apelação Cível nº 1250429-5 fl. 10
Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sobre a
necessidade de demonstração de lesão ao patrimônio público como
condição para a propositura da ação popular:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO
DE TESTAMENTO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AFASTAMENTO DA
MULTA IMPOSTA. SÚMULA Nº 98. (...) 2. Para que o ato seja
sindicável mediante ação popular, deve ele ser, a um só tempo,
nulo ou anulável e lesivo ao patrimônio público, no qual se inclui "os
bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou
turístico". Com efeito, mostra-se inviável deduzir em ação popular
pretensão com finalidade de mera desconstituição de ato por
nulidade ou anulabilidade, sendo indispensável a asserção de lesão
ou ameaça de lesão ao patrimônio público. (...) 6. Recurso especial
parcialmente
conhecido
e,
na
extensão,
provido.”
(REsp
445.653/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 15/10/2009, DJe 26/10/2009)
Ainda, verifica-se dos autos que os benefícios
gerados à coletividade são superiores aos prejuízos causados a
alguns moradores.
Para a realização da doação, a empresa se
comprometeu a criar, no mínimo, mais 4 empregos diretos e
deslocar sete postes da rede elétrica para viabilizar a pavimentação
asfáltica na rua Jaçanã. Além disso, com a expansão das atividades
da donatária, seria aumentado em R$ 60.000,00 a arrecadação de
impostos pelo Município. Já a área doada foi avaliada em R$
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Apelação Cível nº 1250429-5 fl. 11
23.000,00,
conforme
consta
no
processo
administrativo
nº
PAL/SMGP-0012/2011.
Também, verifica-se do abaixo assinado de fls.
176/178 que muitos moradores foram favoráveis à doação.
Portanto,
ante
a
ausência
de
lesividade
ao
patrimônio público, deve ser extinta a presente ação, sem resolução
de mérito, por carência das condições específicas da ação popular.
Com a extinção do feito sem resolução de mérito
ficam prejudicadas as outras apelações interpostas.
Sobre os ônus de sucumbência na ação popular,
dispõe o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal:
“LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para
propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,
ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento
de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”
No
caso
dos
autos,
em
virtude
da
não
comprovação da má-fé dos autores, não há que se falar em
condenação ao pagamento das custas e honorários advocatícios de
sucumbência.
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Do exposto, voto no sentido de dar provimento a
apelação interposta por HOMERO BARBOSA NETO, para extinguir o
feito sem resolução de mérito em virtude da carência de ação; e
julgar
prejudicadas
as
apelações
interpostas
por
MARIA
NASCIMENTO DE GOUVEIA E OUTROS, MUNICÍPIO DE LONDRINA e
CETEL CONSTRUÇÕES ELÉTRICAS LTDA.
ACORDAM
os
Senhores
Desembargadores
integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento a
apelação interposta por HOMERO BARBOSA NETO, para extinguir o
feito sem resolução de mérito em virtude da carência de ação; e
julgar
prejudicadas
as
apelações
interpostas
por
MARIA
NASCIMENTO DE GOUVEIA E OUTROS, MUNICÍPIO DE LONDRINA e
CETEL CONSTRUÇÕES ELÉTRICAS LTDA.
A Sessão foi presidida pelo Senhor Desembargador
NILSON MIZUTA, com voto, e participaram do julgamento os
Senhores Desembargadores CARLOS MANSUR ARIDA e LEONEL
CUNHA.
Curitiba,09 de dezembro de 2014.
NILSON MIZUTA
Relator
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