77 Escola: espaço de responsabilidade social Roselane Zordan Costella1 Resumo: A escola compreende um papel fundamental na construção de um ser mais reflexivo e ativo perante os acontecimentos do mundo. Os professores, composição importante deste processo necessitam enxergar o lugar escola como um momento de aprendizagem constante, encontrando no aluno as possibilidades de rever suas metodologias de ação. Os alunos, passantes por estes eventos proporcionados pela escola necessitam ser acompanhados como elementos inspiradores para a construção de currículos identitários e voltados para uma ação e reação flexível e representativa culturalmente. O ensino precisa ser voltado para o aluno, tendo ele como fruto composto por diferentes possibilidades e não somente e unicamente para o conteúdo trabalhado de forma insistente, muitas vezes, sem consequências mais significativas para quem aprende. Para que haja significado nas relações escolares é indispensável que os alunos desenvolvam competências. O desenvolvimento de competências está relacionado às diferentes possibilidades de aprendizagem diante de um mesmo conhecimento tendo consciência da ação provocada pela aprendizagem, desenvolver competências não é simplesmente saber ou fazer, mas sim, compreender como se aprende e como se faz. As possibilidades de ações sobre as situações novas só são pertinentes no momento em que os alunos sabem como agir porque reconhecem no processo de aprendizagem os elementos que permitiram a ação utilizando referenciais conquistados, conscientemente, durante o ato de aprender. A escola assim é um lugar de complexidades e não de simplificações, é um lugar globalizado que deve fazer com que o professor se desvencilhe de gavetas disciplinares para desenvolver um saber mais integrado e significativo. Palavras-chave: Escola. Ensino. Aprendizagem. Competências. Abstract: The school comprises a key role in building a more reflective and active human before the events of the world. Teachers, a important composition of this process, need to see the school as a place of constant learning, finding in the students ways of reviewing his methods of action. Students, patrons of these events provided by the school need to be monitored as inspirational elements for the embodied curricula construction and facing an action and reaction flexible and culturally representative. The teaching needs to be focused for the student, and he made as a result of different possibilities, not only for the content worked so insistent, many times without the most significant consequences for the learner. In order to have meaningful relationships in school is essential that students develop skills. Skills development is related to the different learning opportunities on the same knowledge being aware of the action caused by the learning, skills development is not simply know or do, but to understand how we learn and how. Action's possibilities on the new situations are only relevant at the time that students know how to act because they recognize the process of learning the elements that allowed the action using benchmarks achieved, knowingly, during the act of learning. The school is just a place of complexity and not of simplifications, is a globalization place that should make the teacher free from disciplinary drawers to develop a more integrated and meaningful. Keywords: School. Teaching. Learning. Skills. A organização de uma escola está vinculada a um conjunto de acontecimentos voltados para o ensino e para a aprendizagem. Esses eventos são criados e recriados sobre processos e sobre preocupações constantes com a formação do 1 Licenciada em Geografia. Especialista em Ciências da Terra. Mestre em Geociência – Linha de pesquisa Ensino. Doutora em Geociências - Linha de pesquisa Ensino. Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Departamento de Ensino e Currículo. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 78 aluno. Quando pensamos em formação não pensamos em um produto seriado, padronizado e tatuado com um logotipo que reflete as cores ou os símbolos das escolas onde esse aluno estudou. O ensino não padroniza a aprendizagem, mas sim diversifica, redescobre, facilita a recriação. Ensinar é respeitar o que o ser humano tem de mais valioso que é a sua autonomia sobre a vida. A aprendizagem oportuniza o conhecimento, o conhecimento é capaz de libertar e a liberdade é pressuposto fundamental para que o ser humano resolva os problemas que possam aparecer de forma identitária, própria e consciente. O cenário compreendido pelos alunos, nem sempre é o cenário criado e pretendido pelo professor, são os mesmos atuantes, porém existem distâncias entre quem ensina e quem aprende. Aprender e ensinar são processos que exigem cumplicidade. A cumplicidade requer colocar-se no lugar de, para entender o que o outro possa estar sentido ou o que possa estar lhe faltando. Ensinar requer cuidado e acompanhamento, pois aprender é um processo complexo e distinto. Nem sempre o professor ensina a quem precisa aprender; muitas vezes, o professor ensina a ele mesmo, repetindo constantemente o que sabe, para garantir que tudo o que sabe foi “passado”, sem se dar conta de que o aluno não é uma recipiente por onde passam conteúdos, não é um depósito onde se amontoam informações. Conforme CANDAU (2008, p.14) “[...] as escolas estão cada vez mais desafiadas a enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, étnica, social religiosa, etc., dos seus sujeitos e atores”. A escola não reflete os saberes do mundo, quando pensamos em refletir, pensamos em cópia de forma original, com seus detalhes e cuidados. A escola relê os saberes do mundo e a partir dessa releitura desenvolve processos de aprendizagem e de ensino. Assim os alunos que por ela passam carregam essas releituras, e se são releituras, são passíveis às suspeitas, são inacabados ou não compreendem verdades prontas. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 79 Se, como cita Candau (2008), o desafio será cada vez maior em função das pluralidades, a escola deve pensar e repensar as suas práticas, deve em primeiro lugar entender que seu conteúdo depende da sua forma, ou seja, o conteúdo trabalhado não reflete à realidade posta, mas as realidades compostas pelos diferentes atores que as desenvolvem. Se houver a compreensão que os currículos compostos de historicidade e diversidade reinteram os processos de aprendizagem, haverá a compreensão de que ensinar não depende só de quem ensina, mas muito mais de quem aprende. Assim, cabe repetir o que muitos textos colocam como frase de impacto, ensinar requer antes de qualquer coisa aprender a aprender e aprender a ensinar. A maior habilidade que um professor deve ter para tornar o seu aluno competente em ter consciência do seu aprendizado é a habilidade de aprender a aprender. O contexto da escola não pode ser impermeável aos acontecimentos do lugar onde a escola está inserida. O lugar, entendido como continuidade identitária sempre vai compor rascunhos de planejamentos. Os professores, muitas vezes, são originários de outros lugares e compreendem a escola como alheia a seus sentimentos. Os alunos plurais e complexos tornam a escola mais distante ainda do seu real papel, assim para definir um currículo escolar precisa-se definir o conjunto de lugares e tornar a construção de um currículo um composto flexível, complexo, com várias aberturas e sentimentos. A análise conjuntural e não estrutural de uma escola se faz necessária para entendermos o significado da mesma, tanto para quem aprende, como para quem ensina. O professor não faz concurso para uma escola pública, ele faz concurso para escolas públicas. O professor não é formado para desenvolver o seu trabalho em uma escola de ensino privado, ele é formado para trabalhar em qualquer escola privada. Assim, cabe ao professor durante o seu curso superior desenvolver competências que estão além dos seus conteúdos específicos, cabe ao professor desenvolver competências de reconhecimento de processos de aprendizagem. Quem entende de processos certamente entende de escolas, independente da sua metodologia ou origem. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 80 Diante das infinitas realidades postadas nas escolas o professor bravamente tenta vencer os seus conteúdos postados nas universidades distantes. O conteúdo é diferente do processo de aprendizagem. O conteúdo veicula os processos, está a serviço desses processos. Quando se ensina verbos, por exemplo, cuja finalidade maior é a competência comunicativa, perde-se o sentido desse processo, quando trabalhado da mesma forma em diferentes realidades. Para que servem os verbos repetidos inúmeras vezes nas aulas de Língua Portuguesa para aquele aluno que sonha e poderá chegar a ser um grande juiz ou desembargador. Ao mesmo tempo, qual é a finalidade de repetir essas conjugações para aquele aluno, cujo sonho é pegar o seu diploma do curso noturno da educação básica para procurar um emprego que, com muita sorte, terá como remuneração um salário mínimo. Não está em discussão a validade do conteúdo verbos, o que está em discussão são os processos diferenciados deste conhecimento diante da infiltração dos componentes da realidade dos alunos e das escolas quanto a capacidade de ensinar. Se o professor olhar nos olhos dos seus alunos, certamente saberá como ensinar, pois entenderá o porquê daquilo que está ensinando. Os conteúdos, como no exemplo anterior os verbos, apresentam significados diferentes em diferentes contextos. Devemos sim ensinar pensando em esgotar possibilidades de entendimentos, mas devemos também partir para este ensino levando não somente o aluno e o conteúdo, mas o que não é observável no momento, as intencionalidades e as experiências. Teremos, enquanto educadores, mais chance de tornar o aluno noturno, trabalhador e fora de sua idade regular de estudo um desembargador ensinando a partir de suas vivências, do que se ensinássemos a partir das exigências desta ambição. Em outras palavras, o ensinar com significado conduz a caminhos mais longos que o ensinar para um fim padronizado e previamente estipulado. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 81 Conforme BECKER (2001, p. 47), “O processo do conhecimento está restrito ao que o sujeito pode retirar, isto é, assimilar, dos observáveis e dos não observáveis, num determinado momento”. Numa ocasião, ouvindo um discurso de formatura eu fiquei chocada com um conjunto de palavras vindas de um adolescente que terminava a 8ª série do Ensino Fundamental. Numa cerimônia simples de fechamento de etapa, entendida como formatura a aluna, oradora das turmas assim se manifestou: “Um dia, próximo ao dia dos pais, a minha professora de artes entregou aos alunos um modelo de cinzeiro que deveria ser construído de argila, para presentear os pais em seu dia. Mesmo quem não tivesse pai deveria fazer, pois seu objetivo era avaliar a motricidade ao desenvolver o seu trabalho. Eu disse a ela que meu pai não fumava e ela me respondeu que isso não tinha importância, ele poria na sala para as visitas que fumassem ou certamente daria de presente a algum tio ou a um avô. Terminando o ensino fundamental, aprendi com essa professora a forma de como não ensinar. Digo a todos que não podemos mais fazer cinzeiros para pais que não fumam, devemos largar os modelos e criar nossas próprias ações.” Quando, nesse texto, é feita a análise sobre o que e por que ensinamos, estamos nos referindo simbolicamente ao cinzeiro. O conteúdo cinzeiro não foi o ideal para o desenvolvimento da habilidade da motricidade final ali pretendida. Com o conteúdo cinzeiro, se fosse mesclado com o conteúdo processos de aprendizagem, os alunos certamente desenvolveriam a motricidade fina conjugando outras habilidades e desenvolvendo a competência criativa. Sempre carreguei comigo as palavras desta aluna com a intenção de transformá-las em ação. Esta escola desenvolveu uma competência marcante que foi o poder de se comunicar a partir da leitura ausente. Ela, certamente trouxe da escola, e não deste professor em particular, a autonomia da leitura dos acontecimentos. Ela leu o significado do cinzeiro e foi tal a sua competência que o transformou em texto, textualizado para repudiar ações isoladas que poderiam ter passado no anonimato. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 82 O desenvolvimento dessas e de outras competências indispensáveis na vida dos alunos são de responsabilidade da escola. A referência escola colocada aqui de forma insistente tem a haver com o lugar escola, um campo de energia que transforma maneiras de pensar e de agir dos sujeitos que passam por ela. Estar numa escola pressupõe oportunidades para aprender a pensar, a representar e acima de tudo a compreender os acontecimentos do mundo. O professor está na escola para aprender e para ensinar, ensinar de forma incansável, ensinar de forma responsável. O aluno é sempre aluno, e assim sempre tem o que aprender. Cada minuto de aula precisa ser valioso, precisamos tornar a sala de aula um campo de tensão e de ação. O processo de aprendizagem é contraditório e por isso é tenso. A contradição tem origem nos infinitos desafios que os professores propõem a seus alunos. Desafiar é despertar a vontade do novo, é partir de momentos de aprendizagem capazes de oportunizar outros momentos cada vez mais significativos. Quando o aluno passa por momentos valiosos de aprendizagem ele desenvolve a potencialidade de aprender a aprender constantemente. Em muitos momentos de nossas vidas enxergamos pessoas que constantemente estão aprendendo e têm vontade de aprender, perguntam, refletem as respostas e reelaboram por si o conhecimento sem ajuda de um ensino formal. Essas pessoas agem desta forma porque aprenderam a aprender. Numa ocasião, numa viagem a Natal, capital do Rio Grande do Norte, estado do Nordeste brasileiro, num passeio pelas ruas dessa capital, dentro de um microônibus com alguns turistas, todos na maioridade e todos estando nesse local pela primeira vez, dediquei a atenção às pessoas que estavam presentes no passeio. Alguns com um fone de ouvido olhavam as construções, os monumentos e as belezas naturais como se fosse tudo a mesma coisa ou velhos conhecidos. Outros observavam no vazio, ouvindo as explicações de quem os conduzia como se estivessem ouvindo um discurso de uma autoridade em um palanque, sem oportunidade de perguntar o porquê daquela fala decorada. Outros, atentos, perguntavam aquilo que o condutor jamais teria pensado em falar. Perguntavam o ausente, o escondido entre os prédios, monumentos e belezas. As perguntas Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 83 deixavam próximas e relacionadas às belezas naturais aos monumentos, os prédios às políticas públicas e assim a viagem seguia. Por muitas vezes me perguntei o porquê de tanta diferença entre as pessoas que estavam ali pelo mesmo motivo, passear e conhecer uma cidade de características alheias as da sua cidade de origem. Uns instigados a saber, preocupados com as relações, estabelecendo um caminho próprio de aprendizagem. Outros satisfeitos com o discurso memorizado e outros, ainda, fechados em si mesmos numa permanente acomodação. Questionei-me constantemente que relação teria a escola com as diferentes posturas assumidas pelas pessoas; de que forma pode desenvolver potencialidades para que as pessoas sintam o prazer em aprender , ou melhor, que desenvolvam a capacidade de aprender a aprender. Quando Morin trabalha em seus textos a capacidade ou incapacidade de juntar os diferentes conhecimentos para interagir com o meio de forma consciente ou para resolver problemas que possam aparecer, ele retoma o fato de que a redução ou a simplificação ameaçam o desenvolvimento de seres pensantes e reflexivos. “A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofiada disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.” (MORIN, 2011, p.39). Referenciando o pensamento de Morin (2011) em relação à situação do microônibus anteriormente descrita, me deporto à capacidade que os indivíduos possuem em mobilizarem elementos suficientes em suas formas de pensar que os conduzam ao desejo de aprender ou de interagir com as aprendizagens já construídas . O que ocorre nas estruturas de pensamento dessas pessoas para que umas se tornem receptivas aos novos conhecimentos e experiências de aprendizagem e outras não. A incapacidade de organizar um saber disperso perpassa pela incapacidade de organizar uma boa pergunta, de organizar mentalmente um bom questionamento. Perguntar é muito mais difícil que responder. Perguntar exige uma relação de capacidades e interdisciplinaridades que muitas vezes o cotidiano de uma sala de aula inibe e não permite que se desenvolva. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 84 Os alunos dos anos iniciais e da educação infantil perguntam muito, parecem esponjas que precisam ser preenchidas até transbordar. Perguntam sem medo, perguntam o óbvio e o impossível de responder. Diante de uma turma de 1º ano dos anos iniciais fui surpreendida por um conjunto de perguntas que nem eu mesma tinha na minha vida me perguntado, perguntas do tipo: “De onde vem a água do coco?” “Quando a água quebra?” “Por que as formigas não se perdem?” “Por que a água limpa a mão e não suja de água?” Esse conjunto de porquês vai se esvaindo conforme os anos vão passando, não acredito que a ausência dos porquês esteja relacionada somente às fases ou idades dos seres humanos, acredito que muito destas ausências estejam na incapacidade dos professores de permitirem muito mais as respostas que as perguntas em seus cotidianos escolares. Penso que é muito mais fácil contar que responder. O ser humano é educado nas escolas para responder o que lhe é solicitado constantemente, desde os instrumentos avaliativos até os cotidianos de aula. Se não permitimos a pergunta porque despejamos o que sabemos, sem deixar espaço para ouvir o que o aluno quer saber sobre isso, estamos matando literalmente a vontade de aprender. Perguntar é uma competência fundamental, construída nas escolas junto aos professores, perguntar é um exercício de cidadania, é um composto de junção das diferentes capacidades que precisamos desenvolver. Tecendo uma relação entre a capacidade de saber perguntar com a vontade de aprender, trazendo novamente o exemplo do conjunto de turistas, pode-se pensar que as diferentes escolas e professores pelas quais estas pessoas passaram podem sim ter influenciado a vontade ou não em querer ou saber aprender. Assim, pode-se também referenciar a responsabilidade da escola em pensar em seus conteúdos de forma diferente, ou seja, de aproveitá-los não como um fim de processo, se os venço mudo de ano, se não os venço o ano muda e o aluno fica. Os conteúdos de uma escola existem para que sobre eles se desenvolvam as capacidades de junção, de Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 85 organização de suas diferentes manifestações, de entendimento e principalmente de significado. Vejo na escola essa responsabilidade, a de acompanhar eternamente quem por ela passa. É comum ouvirmos de pais as palavras que soam numa mescla de Angústia e preocupação quando dizem “os filhos são para toda vida”, pois penso que alunos são para toda vida, mesmo que, diferente dos filhos possamos nunca mais vê-los. Não podemos enquanto professores chamar nossos antigos alunos, hoje já profissionais de diferentes áreas, para estarem novamente em nossos bancos escolares, para reparar erros ou aparar arestas que deveríamos ter feito no momento em que eram nossos alunos, para que eles sejam seres mais instigantes e tenham vontade de saber ou ainda tenham consciência do que aprendem. Não podemos emitir receituários de remédios, como numa realidade de consulta médica e solicitar que voltem se o remédio não fez efeito. Somos profissionais que não podemos nos dar ao luxo do erro ou do equívoco. Essa reflexão faz com que reorganizemos nossos pensamentos diante do conjunto, JUNTO, que compõe a escola como lugar de significado, o professor como um conhecedor de processos bem mais do que conhecedor de conteúdos, os alunos como resultado de um conjunto de possibilidades, como esponjas e o conteúdo como um veiculador de competências. Assim o professor precisa ser um conhecedor dos processos de aprendizagem. Para que tenhamos um conhecedor de processos precisamos ter na figura do professor um eterno pesquisador. O professor que não pesquisa, igualmente, não toma consciência das suas ações, pois também é um reprodutor. Esse professor-reprodutor, oposto do professor pesquisador, exerce uma docência que tenta se impor ao pensamento do aluno. (MARQUES, 2007, p. 70) O professor, muitas vezes, mergulhado em sua prepotência conteudista esquece que o seu principal papel não é instruir, ou seja, não é exercer de forma mecânica um conjunto de dicas, espaçadas uniformemente. O instrutor divide o que precisa “dar” em aulas milimetricamente pensadas, sabe exatamente que antes vem a explicação, depois o exercício e depois a correção. Quando utiliza a fórmula, primeiro mostra a fórmula, depois a reproduz na resolução de exercícios básicos, Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 86 aumentando a sua complexidade conforme o aluno aprende. O instrutor ensina a multiplicação ou adição nos anos iniciais postando o modelo do cálculo e repetindo vagarosamente parte por parte para poder resolver o que é solicitado como: ”arme e efetue as operações”. Diferente de instruir, o professor não parte da explicação do conteúdo, mas da explicação do aluno, não parte igualmente da dificuldade da fórmula, mas da dificuldade do aluno. O professor enxerga no aluno as possibilidades de ensinar e não no conteúdo, o conteúdo é visto pelo professor como possibilidades de desenvolver potencialidades e não a potencialidade em si. O professor não respeita linearidade, respeita a complexidade exigida pelo aluno, o professor não facilita e nem dá, ele complica e cobra. Ser professor não é ser amigo do aluno, assim como os pais não são amigos dos filhos. Professores e pais pontuam necessidades, ficam atentos a cada movimento, exigem criações e recriações. Professores e pais não relaxam como amigos, não confidenciam tudo porque sabem que muitas das confidências ferem e serão repreendidas. O bom professor na relação com seus alunos é aquele que fala como professor e não como adolescente, que age como adulto e não como adolescente, mas que é ouvido, respeitado e figurado como um exemplo de humildade, porque sabe aprender, ao mesmo tempo em que de sabedoria, porque sabe ensinar. Como este professor se constitui? Pela experiência ou pelos saberes acadêmico? A academia, muitas vezes, não dá conta desta formação e a experiência, diante da complexidade, demora muito a se efetivar. Assim demoramos muito para ter um professor que ao mesmo tempo entenda a razão epistêmica da sua ciência, os conteúdos que preenchem esta razão epistêmica e que entenda da importância da escola principalmente como uma representação do aluno e não somente dos diferentes componentes curriculares que a compõe. Para que o professor dê conta dessas possibilidades precisa, inicialmente, reconhecer no conteúdo trabalhado, o que ele domina num primeiro plano, o Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 87 significado e o poder que o mesmo tem para o desenvolvimento das competências pretendidas. A comunicação entre o professor, o aluno e o lugar escola está vinculada ao comprometimento do professor em veicular pelo conteúdo o desenvolvimento daquilo que não será perdido, esquecido ou banalizado, ou seja, o desenvolvimento de competências. Entende-se por competência na educação um momento ou uma totalidade em que o aluno atinge quando consegue tomar consciência de como aprendeu. Se um aluno, por exemplo, ao estudar o corpo humano compreender que processos utilizou para entender o sistema circulatório, ele, certamente utilizará estes mesmos processos para compreender o sistema digestor ou ainda outros conceitos ou sistemas de outros campos do conhecimento. Na matemática, por exemplo, o aluno não é competente em calcular, porque calcula, ele é competente se souber explicar como decompôs ou compôs aqueles números para poder calcular. Por isso, matematicamente falando, o aluno terá maiores possibilidades de ser competência se, ao resolver um problema matemático ele consiga aprender um cálculo, ao contrário de que muitos pensam que o problema deva ser trabalhado após o entendimento do cálculo, pois assim o aluno aplica o cálculo na resolução do problema. A competência não significa a aplicabilidade do conhecimento, ela é muito mais intensa e tensa do que isso, o desenvolvimento de competências significa ter consciência de como e por que os fatos assim estão aplicados. Numa ocasião, solicitei que os alunos respondessem uma questão de localização no mapa, a pergunta foi esta: Onde fica o Uruguai em relação ao Brasil, neste mapa? Todos aos alunos da 1ª série do ensino médio acertaram a questão. No momento em que perguntei: Como você sabe que o Uruguai se localiza nesta orientação? Todos aos alunos erraram. Assim eles tinham a prática, na prática do ativismo solicitado eles acertaram, mas não reconheciam os processos que os levaram a isso. O questionamento, em relação a como se chegou a esta ou aquela conclusão faz com que o aluno trave uma batalha com ele mesmo, ou seja, que ele pense como Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 88 ele conseguiu aquela resposta, em outras palavras ele competiu com ele mesmo e essa competição é a mais árdua porque requer reflexão e não praticidade, esta batalha requer objetivação do pensamento, ela é anterior ao conceito construído. No momento em que esse aluno for levado a resolver outro problema de localização ele não vai utilizar a experiência de sucesso que foi saber onde está o Uruguai em relação ao Brasil, mas utilizará os argumentos que teve que criar e recriar para dizer como conseguiu essa resposta para efetivamente encontrar inúmeras outras resposta. O conteúdo é indispensável para o desenvolvimento de competências, é por meio dele que o professor consegue verificar os elementos ausentes que poderão definir as práticas significativas. Conforme ZABALA (2010, p.11), “A competência e os conhecimentos não são antagônicos, pois qualquer atuação competente sempre representa a utilização de conhecimentos inter-relacionados às habilidades e às atitudes”. A escola, como espaço de responsabilidade social, tem como parâmetro de ação a interpretação e o desenvolvimento de competências ou capacidades ou ainda de complexas reações reflexivas. Essas capacidades que vão além dos conteúdos significam a escola como um momento de acontecimentos inesquecíveis e necessários. Nela se aprende sim capacidades ou competências atitudinais, ou seja, reflexões sobre a atuação contínua na sociedade, a posição e a reflexão da cidadania. Ao voltarmos ao aluno, professor e escola como elementos que estruturam e reestruturam pensamentos, devemos pensar um lugar de acontecimentos interdisciplinares, compreendidos pelas ações conjuntas que estes acontecimentos deverão gerar no evento aprendizagem. O professor, fruto de universidades disciplinares, compostas por gavetas, precisa dar conta de um ensino inteligente e conjugado diante dos seus alunos. O professor aprende de uma forma e precisa ensinar de outra, esta realidade é que o torna “inexperiente”. Com Morin (2011), percebe-se a preocupação das possibilidades de ensino que nos leva a atrofia pelo viés da compartimentação: Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 89 Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, a isolar e não a unir os conhecimentos, o conjunto dele constitui um quebra-cabeças ininteligível. As interações, as retroações, os contextos e as complexidades que se encontram na man’s land entre as disciplinas tornam-se invisíveis. A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar. MORIN (2011, p. 39). A discussão aqui tecida, permeada por diferentes nós que demandam entendimentos referentes à responsabilidade que temos diante dos processos de ensino e aprendizagem, pretende abrir novas discussões que devolvam, se possível e se necessário à escola o poder de representar composições da sociedade e de permitir pensamentos mais complexos e significativos. O conteúdo trabalhado em quantidades, muitas vezes, superiores ao tempo de reflexão não representa o verdadeiro papel social da escola e escraviza professores e alunos num contexto de passar e repassar, num jogo sem regras e sem ações reflexivas. O verdadeiro núcleo comum de uma escola não deverá ser os conteúdos padronizados, mas o pensamento de entender a escola e os alunos enquanto componentes destes conteúdos de forma identitária. Teremos, certamente, uma escola melhor quando os seus componentes entenderem que o conteúdo por ela trabalhado não é o de ciências, matemática ou de linguagens, o conteúdo por ela trabalhado é o aluno e seu poder de resolver diferentes problemas da vida pela sua capacidade de pensar sobre e entender como. A maior dignidade que podemos devolver a nossos alunos é o seu poder íntimo de ação e reflexão, é a sua vontade de saber e o seu entendimento de saber o que fazer com que aprendeu. Referências BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 12. Ed. Petrópolis: Vozes, 2005. BECKER, Fernando; MARQUES, Tania. (org.) Ser professor é ser pesquisador. Porto Alegre: Editora Mediação, 2007. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 90 CANDAU, Vera Maria. Reinventar a escola. Petrópolis: Editora Vozes, 2008. BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001. CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos; COSTELLA, Roselane Zordan. Brincar e cartografar com os diferentes mundos geográficos: a alfabetização espacial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. COSTELLA, Roselane Z. O significado das representações espaciais na construção do conhecimento geográfico. Tese, 2009, UFRGS. Porto Alegre. COSTELLA, Roselane Z. Competências e habilidades no contexto da sala de aula: ensaiando diálogos com a teoria piagetiana. Porto Alegre. Cadernos do Aplicação. Vol. 24 Número1. UFRGRS. 2011. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. Ed. Brasília: Cortez, 2011. PIAGET, Jean. Abstração reflexionante: relações lógicas - aritmédicas e ordem das relações espaciais. Trad. Fernando Becker e Petronilha Beatriz Gonçalves da Silva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. PIAGET, Jean. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 1972. ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como Aprender e Ensinar Competências. Porto Alegre: Artmed, 2010. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012