110 Gestão da escola, gestão do conhecimento: desafios e possibilidades Edison Luiz Saturnino1 Resumo: O texto apresenta um conjunto de problematizações discutidas na oficina intitulada “Gestão da escola, gestão do conhecimento: desafios e possibilidades”, ministrada no XVI Fórum Internacional de Educação, no município de Osório, Rio Grande do Sul. Partindo do pressuposto que o ambiente escolar é um espaço constituído nas relações de poder e fortemente marcado pelo embate dos diferentes discursos que o constituem, o trabalho procura demonstrar que as condições de produção de conhecimentos no âmbito da escola situam-se em uma zona de fronteira que extrapola os interesses pedagógicos, articulando em seu entorno questões políticas, administrativas, econômicas, sociais, culturais, educativas. A partir da apresentação de um panorama a respeito dos diversos problemas e desafios que fazem parte do dia a dia das escolas contemporâneas, o texto assume um tom prescritivo e busca explicitar uma série de ações a serem assumidas por professores e gestores, sugerindo caminhos que contribuam para qualificar as propostas pedagógicas de nossas instituições de ensino, bem como tornar melhor os processos educativos e as relações humanas que nelas se estabelecem cotidianamente. Palavras-chave: Gestão escolar. Gestão do conhecimento. Cotidiano escolar. Formação de professores. Abstract: The text presents a set of inquiries discussed in the workshop entitled "Gestão da escola, gestão do conhecimento: desafios e possibilidades", during the XVI Forum of Education, in Osorio City, Rio Grande do Sul State. Assuming that the school environment is a space constituted in power relations and strongly marked by the clash of different discourses that constitute it, the paper demonstrates that the conditions of knowledge production within the school are located in a zone that extrapolates the border of teaching interests, articulating in its surrounding political, administrative, economic, social, cultural, educational. From the presentation of an overview on the various problems and challenges that are part of everyday life of contemporary schools, the text assumes a tone prescriptive and seeks to clarify a series of actions to be undertaken by teachers and administrators, suggesting ways that contribute to describe the educational proposals of our educational institutions, as well as make better educational processes and human relations that are established in them daily. keywords: School management. Knowledge management. School routine. Teacher training. Introdução Gostaria de iniciar nossa conversa formulando uma simples pergunta: por que um evento destinado a discutir teorias, saberes, práticas e fazeres em educação reserva uma de suas atividades para colocar em debate as relações que podem ser estabelecidas entre a gestão da escola e a gestão dos conhecimentos que circulam nas instituições de ensino? A resposta mais plausível, entre tantas outras, seria a de que a gestão ou a produção de conhecimentos se constitui como um dos fundamentos centrais do 1 Licenciado em História, Mestre e Doutor em Educação/UFRGS. Professor da Faculdade Cenecista de Osório. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 111 processo educacional escolar. Isto me parece indiscutível. Entretanto, outro dado ou outra perspectiva de análise talvez justifique melhor a minha intervenção neste evento: aqui estou tentando chamar a atenção para que, embora se constitua como um dos fundamentos centrais do processo educacional escolar, a gestão do conhecimento não acontece de maneira desarticulada de questões que estão no seu entorno, como as de caráter político, administrativo, econômico, social, cultural e mesmo pedagógico. Então, é neste espaço onde a gestão do conhecimento converge (ou diverge) com todas estas questões que pretendo situar minha fala. Cabe enfatizar que o campo de articulação entre a produção do conhecimento e as questões antes referidas se constitui como um espaço de lutas, de conflitos e de embates, caracterizado que está pelas relações de poder que se produzem não só nos ambientes escolares, mas também na sociedade como um todo. Dito isto, espero que minhas palavras contribuam para avivar estas discussões e, no limite, contribuam também para que a gestão dos conhecimentos em nossas instituições educacionais resulte cada vez menos afetada negativamente pelas nefastas disputas partidárias e ideológicas que, muitas vezes, invadem de modo indevido os espaços escolares. Pretendo, então, de maneira simples, direta e propositiva, apresentar aos gestores educacionais e aos demais professores aqui presentes, desafios a serem vencidos e possibilidades de ação a serem assumidas, ficando esta oficina caracterizada como uma contribuição para qualificar, cada vez mais, a educação que é oferecida no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Dos desafios... Um dos primeiros desafios que se impõe é o de articular a gestão do conhecimento às exigências políticas e administrativas a que estão submetidas as redes públicas de ensino, pois quem estabelece relações estreitas com a escola bem sabe das dificuldades de se priorizar as questões pedagógico-educacionais em meio às práticas paternalistas e corporativistas que tomam conta das administrações depois Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 112 de uma eleição municipal. Interesses partidários, acomodações de cargos e indicações políticas dificultam sobremaneira a construção de um projeto pedagógico consistente e qualificado. Não são raras as vezes em que a escolha do Secretário de Educação e de sua equipe pedagógica acontece muito mais para atender a conveniências partidárias e eleitoreiras do que propriamente pela competência e qualificação profissional daqueles que passarão a desempenhar as funções públicas. Em outros casos, os cargos a serem ocupados nas secretarias municipais de educação são divididos entre todos os partidos que formaram a coligação que elegeu o prefeito da cidade, sem falar nos interesses político-partidários dos membros que compõem as equipes diretivas das escolas. Por aí já se pode compreender o tamanho do problema... Priorizar as múltiplas possibilidades de produção e gestão de conhecimento dentro de uma lógica econômico-social que tem se mostrado cada vez mais excludente, classificatória e autoritária é outro desafio a ser superado pelos gestores. Aqui estou falando das dificuldades de se constituir uma proposta pedagógica séria e consistente em um contexto social no qual os governos insistem em não realizar os investimentos necessários a uma gestão escolar qualificada, pois ao mesmo tempo em que se cobra “eficiência” dos sistemas de ensino, percebe-se a diminuição das verbas a serem aplicadas neste setor. Escassez de recursos, má aplicação daqueles que existem e falta de políticas públicas são problemas sérios que afetam as redes escolares. Também poderia destacar a discrepância entre as instâncias que criam as leis e aquelas que as cumprem, discrepância esta que estabelece um perigoso jogo de “empurra-empurra” para determinar sobre qual esfera de poder recai a responsabilidade para que tais leis sejam cumpridas satisfatoriamente. Dois exemplos atuais do que estou falando podem ser demonstrados pela inclusão obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia nos currículos de Ensino Médio e pela ampliação do Ensino Fundamental para nove anos. Quem cria as leis? Quem as executa? Quem fiscaliza? Quem é responsável pela formação dos professores? Quem vai fomentar a discussão pedagógica para que essas importantes construções não cheguem em nossas escolas caracterizadas como ruínas? Muitas redes municipais simplesmente ampliam o ensino fundamental para nove anos, sem Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 113 discutir as dimensões e implicações teóricas, metodológicas, comportamentais e cognitivas que esta mudança comporta. Um outro desafio a ser assumido é o de administrar a diferença entre as rápidas transformações mundiais provocadas pelas inovadoras tecnologias de produção, de comunicação e de informação e as lentas mudanças que se operam nos sistemas de ensino. E isso não é pouca coisa! Vou contar uma pequena historinha, que me chegou pela Internet e por isso mesmo nem sei a quem devo creditar a autoria, que ilustra o que quero dizer. Conta a história que em pleno XX, um professor do século passado voltou a sua cidade e ficou abismado com o que viu. As casas altíssimas, as ruas pretas, passando umas sobre as outras, com uma infinidade de máquinas andando em alta velocidade. O povo falava muitas coisas que o professor não conhecia (poluição, avião, rádio, metrô, televisão...); os cabelos de umas pessoas pareciam com os do tempo das cavernas... e as roupas deixavam o professor ruborizado. Muito surpreso e preocupado com a mudança, o professor visitou a cidade inteira e a cada vez compreendia menos o que estava acontecendo. Na igreja, levou um susto com o padre que não mais rezava em latim, com o órgão mudo e um grupo de cabeludos tocando uma música estranha. Visitando algumas famílias, espantou-se com o ritual depois do jantar: todos se reuniam durante horas para adorar um aparelho que mostrava imagens e emitia som. Cada vez mais desanimado, foi visitar a escola e, finalmente, sentiu um grande alívio, reencontrando a paz. Ali, tudo continuava a mesma coisa como ele havia deixado: as carteiras uma atrás da outra, o professor falando, falando... e os alunos escutando, escutando, escutando... Se trago esta alegoria não é em hipótese alguma para jogar mais uma culpa sobre os já carregados ombros dos professores e gestores escolares. Conto esta pequena história para chamar a atenção de que as tecnologias de informação chegam muito lentamente à escola e quando alcançam o espaço escolar elas não são, na maioria das vezes, aproveitadas de maneira significativa para qualificar o processo de ensino-aprendizagem. Isto quer dizer que o desafio dos gestores não se reduz unicamente à aquisição e instalação de computadores nas escolas, mas também proporcionar uma formação continuada aos docentes, que precisam se familiarizar com as tecnologias, convencer-se de sua importância e aprender a fazer um fecundo uso didático-pedagógico destas ferramentas. Caso contrário, não adianta nos queixarmos depois, de que a escola não consegue concorrer com a linguagem da televisão, do vídeo-clipe, da internet, do msn, do facebook, etc..., etc..., etc... Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 114 Outro desafio proposto aos gestores, que merece ser encarado como prioridade, é a retomada da necessária discussão sobre as finalidades da escola contemporânea e da importância dos saberes e conhecimentos que nela são produzidos. Esta discussão torna-se particularmente difícil porque nossa sociedade parece ter como referência única a concepção moderna de escola, o que nos leva a deduzir equivocadamente que ela sempre se organizou a partir das mesmas formas e conteúdos através dos quais a conhecemos hoje. Esta forma de pensar, baseada no senso comum, dificulta a compreensão de que se as escolas nem sempre se estruturaram da maneira como hoje se apresentam, então estas instituições podem tornar-se algo diferente do que são atualmente, relacionando-se de diferentes maneiras com a sociedade, ensinando outros conteúdos, construindo outros conhecimentos, perseguindo outros objetivos, enfim, configurando-se a partir de fundamentos pedagógicos, educacionais, políticos e culturais diferentes daqueles que regem os sistemas de ensino atualmente. Aqui tento chamar a atenção para a necessidade de se compreender as instituições escolares a partir de sua historicidade, compreensão esta que tende a avivar constantemente a discussão sobre a escola que se tem e a escola que se quer construir na contemporaneidade. Instalar uma consistente reflexão sobre a dimensão ética dos atos de ensinar e aprender e, no limite, problematizar a dimensão ética que envolve a gestão do conhecimento nos ambientes escolares é outro desafio que os gestores necessitam reconhecer de extrema importância. Aqui seria interessante retomar algumas perguntas que nos acompanham desde longa data: o que se ensina? Para quem se ensina? Como se ensina? Por que se ensina? Quem ensina? De que lugar ensina? Consideradas muito gastas e velhas na opinião de alguns, estas perguntas são, no meu entendimento, questões importantíssimas para que as redes de ensino consigam atualizar satisfatoriamente suas propostas pedagógicas. A este conjunto de perguntas poderíamos acrescentar um outro: o que se aprende? Como se aprende? Por que se aprende? Quem aprende? De que lugar se aprende? Por certo que as tentativas de respostas a estes dois conjuntos de questionamentos, desde que embasadas em estudos teóricos sérios e acompanhadas de ações políticas responsáveis, muito tem a contribuir com a produção de práticas educativas pautadas pela ética e pelo respeito, práticas estas que merecem ser vivenciadas Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 115 tanto dentro da escola quanto fora dela, na tentativa de tornar melhor a sociedade contemporânea, oportunizando ao sujeito que com ela se relaciona a possibilidade de aprender a operar transformações em si mesmo, seja este considerado um dos principais objetivos da educação. Ainda falando sobre desafios e dificuldades, gostaria de dizer que é tarefa dos gestores em educação instrumentalizar a instituição escolar para receber os jovens e acolher suas práticas culturais, reconhecendo e valorizando os conhecimentos que as culturas juvenis produzem. A impressão que tenho é que, por força da lei, as escolas se prepararam para receber os jovens, sendo óbvia a constatação de que atualmente temos muito mais jovens nas escolas do que tínhamos há trinta anos atrás. Entretanto, estas instituições não estão criando as condições necessárias para acolher adequada e positivamente as práticas culturais dos jovens nem estão conseguindo reconhecer a heterogeneidade que a condição juvenil comporta na atualidade. De um ponto de vista muito pessoal, quero dizer que os vinte anos já vividos na escola pública me fazem considerar os jovens a partir de um olhar dividido entre a preocupação e o encantamento. Preocupação porque habitualmente a juventude é associada a problemas e riscos sociais, sua condição é vista como uma fase a ser superada rapidamente e não são raras as vezes que vejo pais e professores enfatizando os aspectos negativos dos jovens, esses “aborrescentes” que insistem em nunca crescer. Encantamento porque, apesar das condições adversas, os jovens conseguem superar estas dificuldades, continuam demarcando seus territórios e construindo suas subjetividades de maneira encantadora. E mais que isso, continuam acreditando, e nos fazendo acreditar, na utopia e na possibilidade de um mundo melhor. Parece-me claro que professores e gestores não podem se subtrair desta discussão. Das possibilidades... Aproveitando o título da oficina e procurando emprestar à nossa conversa um tom mais perspectivo, pretendo agora apresentar aos professores e gestores escolares algumas possibilidades de ação, na tentativa de colaborar para que os desafios Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 116 discutidos anteriormente sejam encarados e vencidos de maneiras as mais satisfatórias possíveis. Por certo que o tempo disponibilizado na oficina não me permite uma explanação muito ampla, o que me faz ser econômico nas palavras e, de maneira muito pontual, indicar caminhos para qualificar as propostas pedagógicas de nossas escolas, bem como tornar melhor os processos educativos e as relações humanas que nelas se estabelecem cotidianamente. Em primeiro lugar, é tarefa dos gestores em educação a elaboração de políticas públicas e procedimentos sistemáticos que possibilitem e priorizem a formação continuada dos segmentos que fazem parte da comunidade escolar. E aqui não falo de uma formação descompromissada e protocolar, realizada para gastar os recursos disponibilizados pelo Ministério da Educação, nem falo de uma formação por demais ansiosa, apressada em transformar, de uma hora para outra, professores conservadores em arautos da pós-modernidade. Há que se efetivar uma política de formação capaz de possibilitar aos professores a problematização de seus procedimentos pedagógicas, levando-os à reflexão sobre o que devem manter e o que precisam abandonar em suas práticas docentes. Aqui talvez seja interessante evocar o velho Paulo Freire, quando afirma que ninguém se torna educador numa terça-feira, às quatro e meia da tarde, o que equivale a dizer que quanto mais o professor discutir e refletir sobre sua prática pedagógica, maiores serão as possibilidades de torná-la melhor. Neste sentido, a formação continuada dos professores é imprescindível. Ela merece acontecer a partir de seminários objetivando discutir temáticas mais amplas no campo da educação como também a partir de encontros onde possam ser problematizadas as questões específicas de cada área de conhecimento. Se partirmos do pressuposto de que se tornar cidadão, homem, mulher, estudante, pai, mãe, profissional, etc., faz parte dos processos de aprendizagens construídos pelos homens em condições históricas específicas, então as redes de ensino podem prever nos seus calendários letivos encontros de formação com toda a comunidade escolar, constituindo estes encontros como oportunidades onde possam ser abordadas temáticas relevantes para os contextos culturais dos quais as escolas fazem parte. Também é interessante que os gestores educacionais não se descuidem e ofereçam formações específicas para os membros dos conselhos Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 117 escolares, para os integrantes das assessorias e coordenações pedagógicas, para os vigias, para as merendeiras, para o pessoal que atende na biblioteca, para o pessoal que atende na secretaria e para todos aqueles que, de uma maneira ou outra, participam dos processos educativos proporcionados pelas instituições. Desenvolver projetos pedagógicos e culturais pautados por protagonismos infantil e juvenil deve ser outro compromisso a ser assumido pelos gestores escolares. Mas para privilegiar estes protagonismos é importante que a escola compartilhe com os estudantes a tarefa de organizar e administrar os eventos culturais e pedagógicos. Como ilustração ao que estou tentando dizer pode-se tomar como exemplo uma atividade bastante comum em nossas escolas que é a festa junina. Geralmente o envolvimento dos alunos restringe-se à coleta de brindes, à venda de votos e, quando muito, à participação em uma gincana com algumas atividades culturais. Aqui cabe enfatizar que a dimensão educativa de um evento como este resulta muito mais consistente a partir da decisão de incluir os alunos em todas as etapas da festividade, isto é, desde o seu planejamento até a decisão final de como serão aplicados os recursos obtidos com o evento. Isso só para citar um exemplo. Também é necessário propiciar visibilidade aos trabalhos elaborados pelos alunos através de exposições, feiras e mostras culturais organizadas nos espaços institucionais e também em âmbito municipal. Publicações de livros feitas a partir de materiais produzidos pelos alunos são sempre convenientes. Por outro lado, é importante proporcionar visibilidade aos projetos e trabalhos bem sucedidos desenvolvidos pelos professores das redes públicas de ensino. E que isso não seja feito para premiar quem faz e castigar quem ainda não consegue ou não tem interesse em fazer. Essa prática pode muito bem funcionar como uma política de incentivo, buscando convencer os docentes da necessidade e também da importância da renovação e transformação de suas práticas pedagógicas. Neste sentido, torna-se oportuno possibilitar que os professores também sejam os protagonistas de parte dos dias de formação, através de eventos onde eles possam mostrar as virtudes de seu trabalho e o que nele vem se destacando nos processos de ensino e aprendizagem. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 118 A composição de equipes de assessoria educacional qualificadas e competentes, comprometidas com o projeto pedagógico proposto pelos governos municipais, é outra condição para o sucesso de qualquer proposta pedagógica. Por mais que a montagem destas equipes obedeça a conveniências políticas, e mesmo políticopartidárias, é imprescindível que os sujeitos que delas participam apresentem conhecimento, convicção e domínio sobre a proposta pedagógica do município. E isso só se consegue com formações qualificadas, seminários de leituras dirigidas, reuniões periódicas e acompanhamento sistemático do cotidiano das escolas. É necessário construir e vivenciar uma cultura educativa que tome por tarefa a transformação de dificuldades em possibilidades, de modo a superar a “pedagogia da queixa”. Alunos queixam-se que os professores não sabem ministrar boas aulas; professores reclamam que os alunos são indisciplinados; professores também reclamam da falta de uma formação continuada e, quando ainda encontram forças, reclamam dos baixos salários. Setores da sociedade reclamam da baixa qualidade da educação oferecida em nossas escolas, gestores queixam-se da falta de recursos financeiros para investimento nas instituições e governos argumentam que não há dinheiro suficiente para resolver a situação. Este parece ser o diagnóstico de nossas redes de ensino atualmente. E aqui não estou minimizando a intensidade destas dificuldades, sugerindo que são irrelevantes ou que simplesmente não existem. O que chamo a atenção é que esta “pedagogia da queixa” não deve funcionar como um entrave nem pode inviabilizar a busca de soluções para os problemas enfrentados pela escola contemporânea. Discutir constantemente as estruturas e os pressupostos curriculares que compõem o projeto político-pedagógico das Secretarias Municipais de Educação, de modo a tornar o currículo relevante para a vida daqueles que com ele estão envolvidos, constitui-se como outra tarefa que os gestores não podem abrir mão. Antes de tomar o currículo como algo dado e indiscutível, baseado unicamente no conteúdo estático dos livros didáticos ou naquelas antigas listagens de conteúdos mínimos, é necessário compreendê-lo como o conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionadas aos estudantes. É necessário entender os currículos como constructos provisórios e flexíveis, que merecem ser constantemente discutidos e transformados, a partir dos contextos históricos onde são vivenciados. É Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 119 importante, ainda, considerar o currículo também a partir de suas dimensões éticas e culturais, que em nenhum momento estão desvinculadas das relações de poder e dos regimes de verdade de um determinado tempo e lugar. Nestas discussões curriculares, os gestores não podem se descuidar da implementação de projetos pedagógicos e sociais destinados a valorizar e incentivar a leitura e a escrita, tendo em vista que os atos de ler e escrever devem tornar-se compromisso de todas as áreas de conhecimento. Certamente que as propostas pedagógicas resultarão mais satisfatórias se os gestores investirem na efetivação de políticas públicas e projetos pedagógicos que priorizem o respeito às diferenças e reconheçam as múltiplas identidades sociais e culturais que fazem parte da constituição dos sujeitos na contemporaneidade. Sabemos que a concepção de sujeito privilegiada na pós-modernidade é aquela que o considera em sua multiplicidade e pluralidade, relacionada aos diversos lugares que ocupa, não sendo entendido na perspectiva de um sujeito unitário, essencial, centrado e coerente. Sabemos também que a cada momento os estudantes são interpelados por uma infinidade de discursos e apelos midiáticos que os levam a produzir identidades múltiplas e provisórias. Neste sentido, é oportuno perguntar de que maneira a escola está se preparando para lidar com essas subjetividades? De que maneira a escola está se preparando para lidar com essas identidades culturais que, de certa forma, ela ajuda a produzir? Segundo Alfredo Veiga-Neto (2002), o pensamento pós-moderno nos coloca em cenários de múltiplos propósitos e múltiplas razões. Então aqui cabe mais uma provocação: como a escola se prepara para lidar com esta diversidade? Como a escola se prepara e que importância ela assume na formação de sujeitos nestes cenários de múltiplos propósitos e múltiplas razões? Propor às redes municipais de ensino um sistema de avaliação interna das instituições escolares, como forma de colaborar com as mudanças e transformações necessárias à melhoria dos processos educacionais constitui-se como outra medida que pode se mostrar eficiente para qualificar as propostas pedagógicas. E aqui nada que se aproxime do controle extremo, do autoritarismo e da sindicância. Muito pelo contrário, este pode ser um mecanismo interessante para que as escolas se Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 120 conheçam melhor, construindo um diagnóstico sobre seu funcionamento, suas virtudes, suas carências e dificuldades, ficando o poder público municipal encarregado de, conjuntamente com as instituições, encontrar os encaminhamentos adequados para os problemas apresentados. É necessário reconhecer as dificuldades enfrentadas pelo professor que está na escola, refém de uma carga de trabalho muitas vezes excessiva, com uma formação continuada deficiente, ministrando aulas para diferentes séries e níveis de ensino. É necessário também compreender que ele sozinho, ou no pequeno grupo, dificilmente vai conseguir reunir força e disposição suficientes para enfrentar todas as dificuldades relacionadas ao cotidiano da escola. Neste sentido, é tarefa dos gestores em educação, a partir do lugar institucional que ocupam, agirem de maneira propositiva para a efetivação dos projetos educacionais e para a solução das dificuldades evidenciadas nas redes públicas de ensino. Para concluir, desejo reafirmar que minha fala não se constituiu como uma tentativa de fornecer receitas ou modelos prontos, mas muito mais como uma contribuição às discussões realizadas neste vasto e complexo campo que atuamos, que é o da educação. Quero lembrar as palavras de José Machado Pais (2003), para quem o procedimento de levantar questões é uma tarefa fácil quando comparada com a carga de trabalho que representa tentar dar-lhes resposta. Que tenhamos, todos nós, o fôlego, o entusiasmo e o desassossego necessário para que nossas respostas ultrapassem o nível conceitual e transformem-se em ações concretas para construir uma educação pública cada vez mais ética, competente e solidária. Referências BUJES, Maria Isabel Edelweiss. O fio e a trama: as crianças nas malhas do poder. Educação e Realidade. Porto Alegre, Vol. 25, n. 1, jan./jun. 2000, p. 25-44. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. LÜCK, Heloísa. A gestão participativa na escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. Rev. Traj. Mult. – Ed. Esp. XVI Fórum Internacional de Educação – Ano 3, Nº 7 ISSN 2178-4485 - Ago/2012 121 IMBERNÓN, Francisco. 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