O DESVIRTUAMENTO DA CULPA Moisés Silva de Castro, Denise Evans Silva e Luis Carlos Amaral O desvirtuamento da culpa consciente em dolo eventual nos crimes de trânsito Moisés Silva de Castro (FDCL) Denise Evans Henriques Silva (FDCL) Luís Carlos Amaral (FDCL) A celeuma instalada a fim de distinguir a tênue diferença entre dolo eventual e culpa consciente nos crimes de trânsito parece não ter fim. Doutos no assunto, não raras vezes, chegam a ser dissonantes na aferição de um mesmo caso concreto, o que não deixa de causar perplexidade sob as lentes do direito penal. O dolo eventual, como é cediço, se perfaz quando o agente prevendo o resultado, mas não querendo praticá-lo diretamente, assume o risco de vir a produzi-lo, ou seja, não prescinde a comprovação de que o agente obtinha a previsão do acontecimento e indiferença quanto ao resultado. Na culpa consciente, embora o agente tenha previsão do resultado, acredita piamente na sua não ocorrência, jamais assume o resultado, ainda que o que esteja fazendo seja deveras arriscado. Como dito acima, tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente, o agente prevê efetivamente a possibilidade do resultado e mesmo assim continua a realizar a conduta. Destarte, a assunção ou não de querer produzir o resultado é que será a pedra de toque do julgador. Na prática, saber se o agente atuou com culpa consciente ou dolo eventual não é das tarefas mais fáceis, ainda que ontologicamente as diferenças estejam com as arestas devidamente aparadas. Não se pode, à míngua de um acervo probatório, imputar ao agente o dolo eventual apenas para satisfazer à pressão midiática ou o recrudescimento do clamor social em face do exacerbado número de acidentes envolvendo veículos automotores. Para que se conclua se o crime praticado foi a título de dolo eventual ou culpa consciente, o julgador deve abstrair-se das influências extra-autos, com o perdão da obviedade, e examinar as circunstâncias caso a caso, abstendo-se de aplicar formulas pré-determinadas. Apenas as circunstâncias do caso concreto é que permitirá afirmar o elemento anímico do agente, razão pela qual não se pode generalizar que nos acidentes de trânsito em situação de “racha” ou com o condutor embriagado há, necessária e invariavelmente, dolo eventual. Os arroubos sociais vindicando medidas enérgicas não têm o condão de modificar toda uma estrutura jurídico-penal. Não se pode querer condenar um motorista a título de dolo eventual CADERNOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FDCL vol. 1, n. 1, jan.-jul. 2014 / www.fdcl.com.br/iniciacaocientifica 61 O DESVIRTUAMENTO DA CULPA Moisés Silva de Castro, Denise Evans Silva e Luis Carlos Amaral por crime de trânsito ignorando, pura e simplesmente, a necessidade de provas cabais de que agiu assumindo o risco de produzir o resultado. Sem embargo do rigor técnico jurídico-penal, nosso legislador, consoante suas magnas atribuições conferida pela CF/88, tem condições de pôr cobro às recorrentes desvirtuações do que é realmente dolo eventual nos delitos de trânsito, com a elaboração de uma figura típica qualificada para o homicídio culposo em situações de embriaguez do condutor e de “racha”, com a cominação de pena na medida exata à gravidade desses delitos. Palavras-Chave: Culpa; Consciente; Desvirtuamento; Dolo. Referência: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, vol. I. CADERNOS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DA FDCL vol. 1, n. 1, jan.-jul. 2014 / www.fdcl.com.br/iniciacaocientifica 62