COMUNICAÇÃO CORPO E IMPROVISAÇÃO EM COMPASSOS ASSIMÉTRICOS: UMA ABORDAGEM MULTICULTURAL Ana Luisa Fridman- Doutorado em Música ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES-ECA/USP Resumo Neste artigo apresentamos um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento, que consta da narrativa de experiência didática realizada pelo autor com alunos da graduação em música da USP, como aluno estagiário durante disciplina de improvisação em 2010, além de workshop ministrado no congresso PERFORMA, realizado em Portugal em maio de 2011. A comunicação em questão parte da metodologia de Émile-Jacques Dalcroze, que iniciou o pensamento de integração entre Música e Movimento, com a premissa de que o movimento corporal é o fator essencial para o desenvolvimento rítmico do músico. Além da integração corpo/música, consideramos que elementos encontrados na música não ocidental, como configurações escalares modais e compassos assimétricos, formam um extenso material que pode ser explorado para propostas de improvisação musical. Com base nestas ideias, a temática das experiências com alunos da USP e com os participantes do congresso PERFORMA foi a utilização de exercícios que promovem a integração do movimento com o fazer musical como primeiro passo para a prática da improvisação. Neste processo, o estágio final é representado pela improvisação instrumental em ambientes híbridos e multiculturais. A partir da experiência descrita neste trabalho, veremos que a motivação trazida pela conexão corpo/música contribuiu para a comunicação e a interação com o grupo de músicos em questão, além de despertar a acuidade rítmica exigida na prática da improvisação proposta. PALAVRAS CHAVE: integração corpo/música; improvisação; música não ocidental 1. Introdução: conectando música e corpo O artigo que vamos apresentar é um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento. O tema central da pesquisa de doutorado consiste no estudo e elaboração de propostas de improvisação que se utilizam de materiais expressivos e procedimentos musicais encontrados na música não ocidental. A pesquisa mencionada aborda inicialmente os procedimentos utilizados por compositores do início do século XX, ressaltando aqueles extraídos das culturas não ocidentais, exemplificados a partir de amostragens de trechos de suas obras. Ao final da pesquisa, propõe-se que, da mesma forma que os compositores do século XX dialogaram com materiais da música não ocidental, tal diálogo possa se estender à prática e ao estudo da improvisação. Dentro do recorte deste artigo, vamos abordar a conexão música/corpo em propostas de improvisação, também inspirados nas relações entre música e dança existentes em culturas não ocidentais, além de tomarmos por base a proposta de educadores que trataram dessa mesma questão no ensino musical. Quando nos reportamos à relação música/corpo nas culturas não ocidentais, como na África e na Índia, verificamos que a música e a dança fazem parte do cotidiano, tanto como um ritual quanto como parte de uma identidade cultural. Em tais culturas, a música e a dança estão diretamente relacionadas, levando em conta que estas duas áreas tem coexistido juntas na performance, na improvisação e na transmissão de conhecimento de uma geração para outra. Entretanto, apesar do fato da música e da dança terem nascido juntas, a didática ocidental costuma tratar estas duas áreas separadamente. Sob a perspectiva da educação musical, educadores do início do século XX criaram novas metodologias de ensino musical que envolveram a prática corporal como ferramenta de ensino. Entre eles podemos citar Émile-Jacques Dalcroze (1865-1950), Edgar Willems (1890 - 1978), Carl Orff (1895-1982) e Murray Schafer (1933). Estes educadores defenderam a ideia da utilização do corpo para sensibilizar o aluno que estuda música, sendo que seus trabalhos enfatizaram a proximidade entre a prática corporal e o desenvolvimento de estruturas cognitivas. Entre estes educadores, Dalcroze foi o primeiro a defender as interações entre música e movimento, com a premissa de que o movimento corporal é um fator essencial ao desenvolvimento rítmico do ser humano. Foi Émile-Jacques Dalcroze quem primeiro percebeu que o ritmo musical depende absolutamente da consciência motora para sua expressão plena. Suas pesquisa o levaram a desenvolver um sistema de movimento rítmico designado a desenvolver a excelência do ritmo musical. Seu sistema de educação musical utiliza o corpo como intérprete musical do ritmo e é conhecido ao redor do mundo como eurítmica–bom ritmo1. (FINDLAY, 1999, p.2) Além das conexões entre corpo e música nas culturas não ocidentais e em propostas musicais, podemos também observar o crescimento de iniciativas multidisciplinares no cenário da performance. Com o foco específico em grupos que trabalham com a integração corpo/música, podemos citar grupos como: STOMP (Reino Unido), Crosspulse/Keith Terry (EUA), KeKeÇa (Turquia), Tekeyé (Colômbia), Step Afrika! (EUA), B.A.S.E – Bay Area Sonic Ensemble (EUA), The Gogmagogs (Reino Unido) e Barbatuques (Brasil), entre muitos outros2. Também é interessante observar os diferentes enfoques em relação à música e ao movimento quando nos referimos ao ponto de vista do dançarino. Embora não nos aprofundemos nessa questão, vamos considerar que as interações entre música e movimento – aqui com o foco principal no aspecto rítmico – podem beneficiar tanto a área de música quanto a de dança, contribuindo em seus respectivos processos criativos. 2. Trabalhando com materiais musicais Se MÚSICA consiste em uma variedade de culturas musicais, então MÚSICA é inerentemente multicultural. E, se MÚSICA é inerentemente multicultural, então a educação deveria ser multicultural em sua essência3. (ELLIOT, 1995, p.207) Além das conexões entre corpo e música inicialmente propostas por Dalcroze, há mais materiais musicais que podem ser utilizados para elaborar propostas de improvisação. Considerando inicialmente a prática da improvisação, há várias maneiras de abordar tal prática, sendo que a improvisação existe em diferentes contextos e períodos da história da música. Pensando em culturas não ocidentais como na Índia, por exemplo, a música pode ser encontrada em formatos mais tradicionais no norte (música Hindustani) e mais inovadores no sul (música Carnática), sendo que a improvisação é um elemento vital nas duas regiões. As estruturas da música indiana são maleáveis por natureza e a improvisação para os indianos é um fato, um elemento presente em sua música. Em algumas regiões da África, como em Gana e na Tanzânia, entre outras, também podemos verificar a prática da improvisação, muitas vezes baseada em ostinatos rítmicos que servem de base para que a improvisação aconteça. Na Indonésia, na música javanesa que é tocada por uma formação instrumental de gongos e metalofones conhecida por gamelão, os músicos geralmente improvisam tocando pequenas variações interpretativas4. A sonoridade da música da Indonésia – além de outras estruturas melódicas e “It was Emile Jacques Dalcroze who first realized that musical rhythm depends absolutely on motor consciousness for its fuller expression. His researches led him to evolve a system of rhythm movement designed to develop mastery of musical rhythm. This system of music education uses the body as the interpreter of musical rhythm and is known the world over by eurhythmics– good rhythm.” 2 Alguns destes grupos participaram do 3º International Body Music Festival, 3º edição, em São Paulo/Brasil, em novembro de 2010 (http://www.br.internationalbodymusicfestival.com/2010/). 3 “If MUSIC consists in a variety of music cultures, then MUSIC is inherently multicultural. And if MUSIC is inherently multicultural, then music education ought to be multicultural in essence.” 4 É interessante observar que dança, música e improvisação estão bastante conectadas nas culturas da África, Índia e Indonésia mencionadas. 1 rítmicas encontradas na música não ocidental – influenciaram compositores do século XX como como Claude Debussy (1862-1918), Béla Bartók (1881-1945), Olivier Messiaen (1908-1992 e Steve Reich (1936-). Cada um destes compositores incorporou elementos da música não ocidental de maneira própria, criando formas expandidas de utilização de materiais expressivos e procedimentos para além de seu contexto original. Referindo-se à música ocidental do começo do século XX, Paul Griffiths diz: “Se houvesse uma nova versão da música, ela provavelmente não viria do ocidente, mas sim, do oriente 5 ” (GRIFFITHS, 1994, p.116). Concluímos portanto que, além de procedimentos diferenciados de improvisação encontrados na música não ocidental, que trazem contribuições importantes para esta prática 6 , encontramos também materiais como: configurações escalares fora do padrão tonal, a utilização de polirritmias e compassos assimétricos e a já mencionada relação entre corpo e música, entre outros materiais e procedimentos. Na proposta deste artigo, tentamos explorar possibilidades de expansão e do diálogo com estruturas da música não ocidental partindo da conexão corpo/música para elaborar propostas de improvisação. Para enriquecer nosso propósito, utilizamos materiais como configurações escalares modais, compassos assimétricos e ostinatos rítmicos e melódicos para elaborar nossas propostas. Consideramos importante ressaltar que – mesmo que materiais da música não ocidental tenham influenciado compositores desde o início do século passado e que tenham sido extensivamente encontrados tanto contextos multiculturais quanto no cenário de performance atual – tais materiais não foram totalmente absorvidos nos programas de formação em música das universidades e institutos de artes. A partir das considerações acima, vamos então utilizar a relação corpo/música e alguns dos materiais musicais encontrados na música não ocidental para elaborar nossa proposta. 3. A prática da improvisação para o músico A musicóloga americana Patricia Campbell defende o ensino e a prática da improvisação durante a graduação em música. Em texto sobre o assunto, Campbell observa que, como em nenhuma outra experiência, a improvisação proporciona aos estudantes uma experiência musical integral, aonde a criação, a teoria musical, a percepção e a performance se encontram em uma única prática (CAMPBEL in: SOLLIS; NETTL, 2009, p.133). Partindo do princípio de que a improvisação é uma prática enriquecedora na formação do músico, principalmente quando tratada sob um panorama multicultural, e observando que tal prática está presente na performance musical em períodos e contextos diversos, vamos propor que haja um olhar sobre a improvisação como importante elemento de estudo para a formação do músico. Seguindo este raciocínio e assumindo a improvisação como elemento de estudo para a formação do músico, podemos indagar de que formas o músico pode desenvolver esse processo criativo, sugerindo que esta prática pode ser extremamente enriquecedora para sua expressão artística plena. Neste artigo vamos propor que a improvisação seja trabalhada de forma ampla e abrangente, incorporando procedimentos utilizados na música não ocidental para sua abordagem, com o foco específico na relação corpo/música. No estudo da improvisação vamos propor exercícios em contextos híbridos a partir de materiais musicais e procedimentos que vamos estender para fora de seu contexto de origem. Nosso objetivo aqui é contribuir para que o músico em formação possa aumentar suas possibilidades em relação à utilização da improvisação em seu caminho musical. 5 “If there were to be a new release in music, it would come not from the West but from East” Entre estas contribuições poderíamos citar a noção de tempo circular, a utilização de ostinatos e a prática da improvisação associada a uma prática ritualística, por exemplo. 6 4. Propostas de improvisação: da relação corpo/ritmo ao instrumento “O programa de Leadership inicialmente fornece uma formação de base para desenvolver técnicas de trabalho em processos colaborativos, performance estendida e técnicas de comunicação e liderança em grupo. Isso inclui o estudo da improvisação, da voz, do corpo e da percussão, a exploração de enfoques não europeus e folclóricos para práticas artísticas; introdução à projetos multidisciplinares, composição em grupo; projetos para desenvolver repertórios de criação, performances e organização de workshops em contextos diversos. A partir desta experiência, os alunos planejam, dirigem e apresentam seu próprio material em uma variedade de grupos e projetos comunitários. Os alunos terão a chance de trabalhar em projetos interdisciplinares e multiculturais em parceria com artistas e performers provindos de formações e áreas diversas, culminando em performances de trabalhos inéditos. 7” (GUILDHALL SCHOOL OF MUSIC AND DRAMA, 2010) A Guildhall School of Music and Drama é um instituto de artes situado em Londres, especializado na formação artística nas áreas de Música e Teatro. Dentro dos programas de Mestrado existe o curso de Leadership, que tem seu foco principal no desenvolvimento de processos criativos para trabalhos realizados em grupo. Este curso nasceu de um módulo que ainda hoje é chamado de CPD (Continuidade do Desenvolvimento Profissional), que envolve atividades multiculturais, como encontros de compositores com músicos africanos e workshops em comunidades e institutos de artes diversos, com o mesmo foco multicultural. A experiência do curso CPD foi vivenciada em 2001, sendo que alguns dos exercícios da pesquisa em questão foram em parte elaborados a partir de cursos e workshops realizados na Guildhall School of Music and Drama8. A amostragem que veremos a seguir faz parte da pesquisa do doutorado em andamento, descrita no início do artigo. Os exercícios aqui exemplificados foram propostos aos alunos da graduação em música da USP, durante curso de improvisação ministrado pelo professor Rogério Costa e durante workshop ministrado pelo doutorando no congresso PERFORMA’11, realizado em Aveiro, Portugal, em maio de 2011. Vamos aqui considerar a interação corpo/música proposta inicialmente por Dalcroze em exercícios de preparação para a prática da improvisação, sendo que, em nossa proposta, vamos defender a ideia de que os processos de improvisação devem passar primeiro por uma vivência corporal, para depois serem aplicados à performance no instrumento. Exercício 1. Preparação corpo/ritmo Neste primeiro exercício, com o propósito de preparar o músico para a prática da improvisação, trabalhamos a concentração e a acuidade rítmica pela conexão entre ritmo e movimento. Propusemos então a realização de alguns padrões rítmicos em um contexto onde um pulso é subtraído a cada dois compassos, começando pelo compasso de 5/4 até chegar em 2/4. Os participantes andam para frente e para trás, usando a pulsação de cada compasso (por exemplo: se o compasso for de 5/4, os participantes dão 5 passos para frente e 5 para trás). Os padrões rítmicos descritos abaixo foram realizados com palmas. Dependendo da 7 “The Leadership Programme primarily provides a foundation for fundamental skills in creative collaboration, flexible performance and also communication/leadership skills. This includes a focus on improvisation; voice; body and percussion skills; exploration of non-European and folk-based approaches to arts practice; introduction to cross-arts collaboration; group composition; creative and repertoire-linked projects; performance and workshop-leading for different contexts. Building on this experience, students will devise, direct and perform their own material in a variety of ensemble and community settings. Students are then given the opportunity to work on Inter-Disciplinary and Inter-Cultural Collaborations with artists and practitioners from a range of disciplines and backgrounds, culminating in performances of newly created work.” 8 A doutoranda realizou cursos na Guildhall School of Music and Drama em 2001/2002 , sob a vigência da Bolsa Virtuose em Composição, concedida pelo Ministério da Cultura. resposta do grupo, este mesmo exercício pôde ser proposto em formato de cânone, podendo ser realizado por dois grupos ou mais, com diferentes medidas de defasagem. Figura 1: exercício de preparação corpo/ritmo Exercício 2. Improvisação vocal a partir de um ostinato corporal. Neste segundo exercício propusemos uma improvisação vocal em grupo a partir de um ostinato com um padrão rítmico realizado no compasso de 7/4 (construído em 3/4 e 4/4). Este ostinato foi realizado como percussão corporal (como descrito na Figura 2) , sendo que os participantes caminham pelo espaço livremente, realizando o ostinato e a improvisação vocal ao mesmo tempo. Em um primeiro momento sugerimos que os participantes realizassem apenas o ostinato, até se sentirem confortáveis para que, aos poucos, tentassem realizar a improvisação vocal, coordenando o movimento com suas vozes. Neste exercício a improvisação vocal é livre, podendo ser conduzida por estímulos vocais mais percussivos ou mais melódicos, sempre dependendo do grupo com o qual estivemos trabalhando. Figura 2: ostinato corporal para improvisação Exercício 3. Improvisação a partir de uma canção adaptada para compassos assimétricos. Depois das propostas de aquecimento e preparação para a improvisação, vamos propor um exercício baseado em uma melodia africana da Tanzânia, chamada Kalêle9. Nosso primeiro passo nessa proposta será cantar um trecho da canção original, como descrito abaixo: Figura 3: canção Kalêle 9 Em um dos cursos realizados na Guildhall School, a doutoranda participou de um trabalho de composição com músicos da Tanzânia, onde a melodia de Kalêle foi ensinada para o grupo. Depois de cantar a versão original, apresentamos a versão “composta” da mesma canção, que construímos a partir de uma estrutura de 2 compassos ternários (3/4) e um quaternário (4/4), usando pés e palmas em lugares determinados (Figura 4). Propusemos então que cada participante tentasse improvisar usando voz e ritmos corporais enquanto o grupo cantava o Kalêle composto. Quando o grupo era muito numeroso, propusemos que a improvisação fosse feita pelo grupo todo, nos espaços entre cada Kalêle, também com dois compassos ternários e um quaternário. Sugerimos que a escala utilizada para essa improvisação fosse a de Fá Dórico, embora outras configurações escalares e elementos de improvisação fossem sempre bem vindos. Neste ponto de nossa proposta, os grupos que passaram por essa experiência adquiriram uma boa integração entre corpo, ritmo, movimento e improvisação. Figura 4: variação de Kalêle, usada como base para improvisação Exercício 4. Improvisação em compassos assimétricos no instrumento Nesta última etapa sugerimos que a mesma improvisação que realizamos com a melodia Kalêle fosse realizada com instrumentos musicais. Neste exercício a melodia funciona como um pequeno ostinato, sendo que, dependendo dos instrumentistas envolvidos, acrescentamos elementos harmônicos de acordo com a sugestão dos participantes. Propusemos também a utilização de configurações escalares fora do padrão tonal – como escalas hexafônicas, escalas pentatônicas extraídas da música javanesa, e configurações modais – para a realização da improvisação. A improvisação aqui também foi construída a partir de compassos assimétricos, dando continuidade ao trabalho de preparação realizado nos primeiros exercícios. Esta improvisação foi realizada individualmente e em grupo. Quando proposta individualmente, o grupo tocava a melodia/ostinato e cada músico improvisava de acordo com uma ordem previamente estabelecida, mantendo também a mesma metria de ostinato/melodia e silêncio. As palmas e os pés do Kalêle, que eram parte da improvisação vocal, nesta etapa foram percutidos no instrumento, nos espaços entre os ostinatos/melodias. Na improvisação em grupo, todo o grupo tocava o ostinato/melodia do Kalêle e improvisava no mesmo intervalo de tempo. Nesta improvisação sugerimos que os participantes explorassem aspectos referentes ao timbre, aspectos fraseológicos e, principalmente, a interação com o grupo, mesmo quando a improvisação foi proposta individualmente. Certamente ocorreram pequenas variações na aplicação desta proposta em virtude das diferenças existentes entre os grupos em que trabalhamos, considerando que cada grupo possui uma dinâmica de trabalho distinta. Ao fim deste primeiro período de aplicação destas propostas, consideramos que a mesma trouxe uma experiência relevante para a prática da improvisação em todos os grupos. 5. Considerações finais Como musicista e bailarina, com formação acadêmica nas duas áreas, passei bastante tempo transitando entre estas duas artes, utilizando-me de uma série de conexões e interações possíveis entre as mesmas. Como bailarina, o conhecimento musical permitiu que eu me aprofundasse nas conexões entre corpo e ritmo, como as que pude vivenciar ao aprender danças como o Flamenco espanhol e a dança Katak, proveniente da Índia. Também me foi possível ensinar música para bailarinos pela conexão do movimento, vendo que tal conexão era crucial para que o bailarino pudesse vivenciar em seu corpo conceitos que para os músicos já estão garantidos. Como musicista, o movimento me conduziu a realizar trabalhos de criação bastante conectados ao fator rítmico, tanto compondo quanto apenas tocando meu instrumento musical. E, também, ao ensinar música para músicos, percebi que o movimento despertava novas conexões, promovendo uma comunicação direta entre as duas artes. Ao formular as primeiras propostas de improvisação, quis repassar estas impressões interativas para as práticas que almejava. Imaginei então que meu foco seria o músico, principalmente aquele que se utiliza da performance em seus trabalhos, embora a proposta possa se estender e ramificar-se como já pude verificar em grupos vocais, grupos de bailarinos e grupos de artistas de diversas áreas em geral. Todos estes artistas poderiam se valer da improvisação, da expressão artística inerente que provém desta prática. Com este propósito em mente, parti para a aplicação das primeiras propostas, preparada para todas as surpresas que uma boa prática de improvisação pode trazer. Isto posto, embrenhei-me com os participantes neste mergulho de corpo e som, lançando propostas e vendo os corpos em movimento, improvisando, pensando, soando música e, ao final, tocando visivelmente com o “corpo inteiro”. O que tirei das primeiras experiências foi mesmo a vontade de continuar o mergulho, continuar a elaboração e ir em direção à prática da improvisação que não fosse restrita a uma linguagem, mas que fosse aberta à várias delas, como tentei fazer em minha formação musical e artística. Concluindo estas ideias, baseada nas possíveis conexões entre música e corpo e considerando que há um universo rítmico, melódico e harmônico ainda pouco explorado na educação musical, amostro minha pesquisa, aqui ilustrada em um pequeno recorte. Ressaltando ainda a defesa da abordagem multicultural para o ensino da música em geral, a ideia principal do artigo foi mostrar algumas possibilidades para o estudo da improvisação, enfatizando a importância desta prática em todo e qualquer curso de formação de músicos, incluindo sua graduação e demais formações. Por último, o que propulsiona minha pesquisa é o fato de que a combinação de elementos estruturais, conceituais e expressivos de diferentes formas de improvisação – aqui representados principalmente pela interação corpo/música – podem trazer um contribuição relevante na formação do músico do nosso século. Com este trabalho, portanto, chamo os colegas que, junto comigo, pensam neste músico como um artista aberto e multiterritorial por excelência. Para que, por fim, conversas musicais em forma de improvisação possam reunir artistas de “corpo inteiro”, para fazer música de “corpo e alma”. Referências: ELLIOT, David J. (1995). Music matters: a new philosophy of music education, New York: Oxford University Press. FINDLAY, Elsa (1999). Rhythm and Movement: applications of Dalcroze eurhythmics, Miami: Summy-Birchard Inc. GRIFFITHS, Paul (1994). Modern Music: a concise history, New York: Thames and Hudson Inc. GUILDHALL SCHOOL OF MUSIC AND DRAMA (2010). “Guildhall Artist Programme in Leadership”, In: Guildhall School of Music & Drama (homepage). http://www.gsmd.ac.uk/music/principal_study/leadership.html [acessado em 04/08/2011]. LIMA, Sonia A. e RUGER, Alexandre C. L. (2007). “O trabalho corporal nos processos de sensibilização musical”, Goiânia: Opus 13(1): 97-118. 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