A ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA NO PRIMEIRO ANO DO
ENSINO FUNDAMENTAL NO CAMPO DA GEOMETRIA PLANA
TENDO POR BASE OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE VYGOTSKY
Cristiane Bonatti – [email protected]
Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática – FURB
Blumenau - SC
Rosinéte Gaertner - [email protected]
Resumo: Este trabalho apresenta parte de uma pesquisa em andamento junto ao Programa
de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e da Matemática - Mestrado
Profissional-, da Universidade Regional de Blumenau (PPGECIM/FURB). A investigação
tem como temática o ensino e aprendizagem de geometria no primeiro ano do ensino
fundamental. A pesquisa foi realizada numa escola da rede municipal de Timbó – SC, com o
intuito de aprofundar os conhecimentos sobre os processos de construção pelas crianças de
conceitos geométricos, utilizando a teoria histórico-cultural do desenvolvimento como
principal aporte teórico para nossas reflexões, a partir de conceitos originalmente
desenvolvidos por Vygotsky. Uma das atividades desenvolvidas no estudo das figuras
geométricas, utilizando como recurso os blocos lógicos e literatura infantil, é descrita.
Palavras-chave: Conceitos Geométricos. Primeiro Ano do Ensino Fundamental. Teoria
Histórico-cultural do Desenvolvimento.
1
INTRODUÇÃO
Aspectos ligados à aprendizagem e ao ensino geraram e ainda geram preocupação e
desafios aos professores e pesquisadores na área de educação. Saber como ensinar faz parte
das inquietações destes profissionais, uma vez que ensinar de forma que o estudante construa
um conhecimento sólido sobre algum conteúdo é o que realmente pode fazer diferença na sua
vida.
Podemos apontar que uma das dificuldades encontradas pelos alunos nos mais variados
níveis de escolarização é a interpretação do que está ao seu redor, ou seja, do mundo em que
vive. A maioria não consegue fazer uma ligação real entre a geometria e o ambiente que os
rodeia. Para eles, cada uma destas representações matemáticas constitui algo que não possui
nenhuma ligação entre si.
Uma proposta de trabalho para os anos iniciais do ensino fundamental é incentivar o
ensino de geometria fazendo com que as crianças desenvolvam e explorem os contextos do
mundo no qual estão inseridos. De acordo com Vygotsky (1999), “todo conhecimento é
construído socialmente, no âmbito das relações humanas”, caracterizando a criança como ser
social, histórico, um agente ativo do processo de construção do conhecimento.
É sabido que a matemática, além de ajudar a formar o raciocínio dedutivo, fornece
instrumentos para uma leitura crítica e racional do mundo. Mas isso só é possível quando os
conteúdos ensinados possuem um real significado para as crianças e permite que elas possam
transitar entre todas as suas transformações possíveis. Reconhecendo o verdadeiro significado
dos conteúdos matemáticos e de suas representações, a criança poderá perceber a importância
deles e tornar o aprendizado mais significativo.
Este trabalho tem por objetivo apresentar a análise de algumas atividades de ensino
desenvolvidas em uma pesquisa em andamento junto ao Programa de Pós-Graduação em
Ensino de Ciências Naturais e da Matemática - Mestrado Profissional-, da Universidade
Regional de Blumenau (PPGECIM/FURB), que ocorreu com estudantes do 1º ano do ensino
fundamental no estudo de figuras geométricas. Nesta análise, utilizamos a teoria históricocultural do desenvolvimento como principal aporte teórico para nossas reflexões, a partir de
conceitos originalmente desenvolvidos por Vygotsky.
2
A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL: ALGUMAS PONTUAÇÕES
Lev Semyonovich Vygotsky (1896 – 1934) em sua breve vida desenvolveu importantes
estudos sobre a psicologia do início do século XX, se empenhando em reformular essa ciência
a partir de critérios científicos a respeito do ser humano, voltados para a sua cultura e sua
história e que muito contribuíram para a elaboração de uma nova teoria do desenvolvimento
humano: a teoria histórico-cultural.
Em seus estudos, tendo por base um viés marxista, Vygotsky pretendia dar um novo
rumo para a psicologia, calcado no princípio de que o homem não é um ser pronto e acabado,
mas sim um sujeito que se modifica ao longo de sua história, uma vez que é influenciado pelo
meio cultural em que vive. Considerava que os processos psicológicos mais elevados eram
provenientes do meio cultural, o que fez com que sua teoria buscasse respostas de como o
sujeito adquire esses processos por meio de sua cultura. (ROSA; MONTEIRO, 1996).
Seus estudos fazem surgir a teoria sócio-histórico da mente ou histórico-cultural, pois se
preocupava em pesquisar não apenas questões psicológicas do ser humano, mas também
questões históricas e culturais do sujeito. Assim, procura colocar em evidência aspectos do
comportamento do ser humano ao levantar hipóteses de como esses aspectos se formaram
durante a história humana e durante a história do sujeito.
Vygotsky (1998) evidencia o processo de formação de conceitos que são entendidos
como signos, uma vez que são construções sociais de significados realizadas em um
determinado período. Apontava para que a formação de um conceito ocorresse de fato, o uso
da palavra como meio de comunicação da criança com os adultos é primordial, pois a palavra
produz forma ao pensamento e cria novas modalidades de atenção, memória e imaginação.
Destacava que o aprendizado das crianças começa muito antes de frequentarem a escola.
Estabelece que a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem desde o primeiro dia de suas
vidas.
[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta
organização da aprendizagem da criança que conduz ao desenvolvimento mental,
ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia
produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento
intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas
características humanas não-naturais, mas formadas historicamente. (VYGOTSKY,
1998, p. 113)
E a escola, ao ofertar conteúdos e desenvolver modalidades de pensamentos específicos,
exerce um papel insubstituível na apropriação do conhecimento pelo sujeito. Com suas
atividades educativas sistematizadas, a escola tem o compromisso de fazer com que a criança
evolua em todas as suas fases, conduzindo-o de forma plena à formação de conceitos.
Conforme Vygotsky (1999, p. 104)
[...] o processo da formação de conceitos [...] é um ato real e complexo do
pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento [...], pois pressupõe
o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção, memória, lógica,
abstração, capacidade para comparar e diferenciar.
Assim, o desenvolvimento de atividades educativas diversificadas, que levem a criança a
utilizar os seus conhecimentos cotidianos (aqueles que já foram construídos pela criança de
forma inconsciente e involuntária no seu cotidiano, no contato com objetos fenômenos e
fatos), que necessitem de ação, reflexão e relação com a realidade na qual ela está inserida é
imprescindível para a construção de conceitos científicos (aprendidos na escola, de forma
sistemática, consciente e voluntária). E, ainda, para dominar o conceito científico há a
necessidade de haver uma relação com o domínio de conceitos cotidianos.
Ao propor uma atividade educativa é preciso que se observe também a idade mental de
uma criança, tema de investigações de Vygotsky. De acordo com estes estudos, a idade
mental de uma criança pode ser determinada pro meio de dois tipos de desenvolvimento: nível
atual (real) e nível potencial. No primeiro a criança realiza a atividade sem ajuda, pois tem a
capacidade intelectual já desenvolvida e dominada; no segundo, a criança necessita da ajuda
do professor ou de um colega que possua, mas facilidade de compreensão para desempenhar
determinada tarefa. Essa diferença entre o nível de desenvolvimento real e o nível de
desenvolvimento potencial e, para Vygotsky (2003, p. 112), a zona de desenvolvimento
proximal (ZDP), definida como sendo:
A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar
através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um
adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.
A relação entre a criança e o conhecimento é mediada pelo outro e, por esse motivo,
Vygotsky valoriza o professor como mediador. No âmbito escolar, o professor é o mediador
entre o conhecimento historicamente acumulado e o aluno, fazendo que ele aprenda e
modifique a sua relação com o mundo. O professor-mediador proporcionará atividade
educativa que irá gerar na criança zonas de desenvolvimento proximais dinâmicas,
despertando o seu processo de desenvolvimento potencial para o real, continuadamente.
3
METODOLOGIA
A investigação desenvolvida tem enfoque qualitativo valorizando o contexto no qual os
sujeitos estão inseridos. O foco da pesquisa é uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental
em uma Escola da rede Municipal de Timbó, localizado no médio Vale do Itajaí, estado de
Santa Catarina (SC). Os sujeitos são 20 crianças, com idade de cinco a sete anos, cursando o
primeiro ano do ensino fundamental e sua professora.
Na pesquisa, um conjunto de atividades foi elaborado pela pesquisadora e pela professora
da turma. As atividades foram construídas tendo por base as formas geométricas relacionadas
com o mundo das crianças. O planejamento foi contínuo e processual, com as atividades
sempre baseadas na tríade: percepção espacial, geometria manipulativa e o desenvolvimento
de noções geométricas. De acordo com Dante (1996) e Smole (2000), a criança aprende pelo
contato com os elementos do meio, ou seja, enquanto manipula e percebe a natureza ao ser
redor, vai descobrindo formas geométricas, percebendo dimensões, observando semelhanças e
diferenças, o que leva à compreensão de conceitos fundamentais da geometria. “A criança
precisa de liberdade e tempo para explorar, descobrir e construir conceitos geométricos. É um
processo que acontece através de experiências vividas em atividades construtivas e sensoriais
(DANTE, 1996, p.202).”
Seguindo os princípios norteadores do trabalho com a geometria (SMOLE, 2000), o
desenvolvimento das noções de espaço não deve ser trabalhado ocasionalmente e sim num
processo constante, de forma que a geometria apareça em seu cotidiano e que a criança faça
suas relações. Para isso, a criança precisa viver o e no espaço, pois só fará sentido quando
conseguir fazer as relações. Isto contribui para que a aprendizagem seja um processo
contínuo, a qual as crianças atribuem significados.
A aplicação das atividades aconteceu durante 12 dias de acompanhamento das aulas da
turma.
4 DESCRIÇÃO DE ATIVIDADES DE GEOMETRIA
Num primeiro momento, a professora da turma solicitou que as crianças trouxessem de
casa brinquedos e embalagens diversas tais como, caixas de sabonete, de alimentos, entre
outras. As crianças sentaram no chão da sala em formato circular e colocaram no centro todas
as embalagens. Em seguida, cada uma escolheu uma embalagem (caixa). Ao serem indagados
sobre o porquê da escolha, responderam:
 Porque gosto de caixas vermelhas;
 A minha é maior;
 Porque tem um desenho de pirata;
 Porque é redonda.
Duas observações foram feitas:
 As de pasta de dente têm o mesmo tamanho;
 Elas têm formatos parecidos (todas são meio quadradas e meio retangulares).
Nesse momento a professora interferiu e mostrou que aquele grupo de caixas trazidas são
figuras espaciais formadas por figuras planas que são representadas por quadrados, retângulos
e triângulos. A professora pegou uma tesoura e recortou uma lateral de forma quadrada e
outra retangular e explicou a diferença entre quadrado e retângulo, dizendo que o quadrado
tem os quatro lados iguais e o retângulo tem dois lados maiores. O triângulo foi explicado
como a figura que tem três lados. A figura que representava o triângulo era um calendário de
mesa, e ela explicou que ele tem três lados retangulares, mas que há mais dois que são
triangulares. Também explicou a diferença entre círculo e cilindro, usando como exemplo o
rolo de papel higiênico.
Após esse momento pegou algumas formas e indagou sobre quais figuras estudadas eram
vistas na embalagem.
As respostas foram:
Tem forma de quadrado porque tem quatro lados iguais;
Tem formas retangulares porque um dos lados é mais comprido que o outro.
Depois a professora perguntou se na sala de aula existiam objetos que representassem as
formas estudadas: o quadrado, o retângulo, o círculo e o triângulo.
As respostas foram:
O quadro, o relógio, a régua, as lâmpadas, o penal, a porta, as carteiras, a lixeira, o
vidro da janela, o lápis, as cadeiras, o chão, os tacos do chão, a garrafinha de água, o
ventilador e muitas outras coisas.
Em seguida, para internalizar os conhecimentos em relação às figuras geométricas, foi
organizada uma excursão pelas dependências da escola, sendo explorados vários de seus
espaços.
Figura 1: Excursão em espaços da escola (parque). Fonte: Acervo da Pesquisa.
A Figura 1 teve uma observação muito interessante feita por uma das crianças: Essa
madeira aqui no chão tem formato retangular. Sabe o por quê? Por que eu contei e de um
lado deu 8 passos meus e do outro lado 5 passos, isso quer dizer que é um retângulo porque
os lados tem tamanhos diferentes.
Após esta atividade, os alunos retornaram à para sala sendo solicitado para que eles
desenhassem em uma folha um dos espaços visitados na escola onde aparecesse alguma
forma geométrica.
Figura 2: Desenho de um dos espaços da escola. Fonte: Acervo da pesquisa.
Outra atividade desenvolvida foi a manipulação das peças dos Blocos Lógicos, quando as
crianças receberam as peças e lembraram da apresentação inicial da professora em relação as
figuras geométricas. Alguns comentários foram tecidos:
 Professora, essas peças parecem aquelas que a professora cortou da lateral das
caixas.
 Têm quadrados, retângulos.
 Vejo um cilindro.
 Não é um cilindro, é um círculo.
Não houve comentários sobre os triângulos e algumas crianças confundiram o quadrado e
o retângulo. Tal situação indica a fase em que elas se encontram, segundo Vygotsky (2003),
no nível de desenvolvimento potencial, necessitando do auxílio de alguém mais capaz. Assim,
torna-se necessário a realização de outras situações a fim de que o aluno caminhe pela sua
zona de desenvolvimento proximal.
Figura 3: Blocos Lógicos. Fonte: Acervo da pesquisa.
Após a explicação sobre as características de cada figura pela professora, a turma foi
dividida em grupos de quatro alunos e seguiram para o pátio da escola onde fizerem marcas
na areia com as figuras dos blocos lógico. Durante a atividade, as crianças faziam observações
sobre o tipo de figura que desenhavam. No retorno à sala de aula, cada criança escolheu uma
peça e a pressionou sobre a massinha de modelar. Após, comentaram sobre a atividade feita:
 Olha a marca dessa peça é um quadrado, porque tem os lados iguais.
 Essa é igual a minha e é um triângulo.
 O círculo é a maior marca do nosso grupo.
Figura 4: Marcas na massinha de Modelar e na Areia com os Blocos Lógicos.
Fonte: Acervo da Pesquisa.
A seguir, foi feita pela professora a leitura da obra de literatura Infantil “As três Partes”
de Edson Luiz Kozminski (Figura 5). Com o conhecimento das figuras geométricas já
adquiridas com os blocos lógicos (círculo, quadrado, triângulo e retângulo), foi solicitado aos
alunos para que eles, com o auxílio das peças, reproduzissem as figuras planas em uma folha,
as recortassem e produzissem, em dupla, um desenho, objetivando que os alunos fizessem a
releitura do livro, criando as suas próprias imagens, podendo utilizar a quantidades de peças
necessárias.
Figura 5: Livro de Literatura “As três Partes”.
O grupo 1 criou uma paisagem (Figura 6) onde se destacam as formas da natureza: o sol,
as estrelas, as nuvens, e ainda, a casa e um boneco.
De acordo com Oliveira (2010), a preocupação em evidenciar os aspectos psicológicos
característicos do ser humano fez Vygotsky levar em conta as mudanças ocorridas em quatro
planos históricos e aqui podemos destacar a microgênese, que se preocupa em olhar para
processos e experiências vivenciadas pelo sujeito em um determinado período da sua história
individual, inserido na cultura de determinado grupo. Ao estudar os aspectos psicológicos
humanos por meio desses planos históricos, Vygotsky observou que as relações passam a
predominar sobre as relações diretas, então, trabalha com a noção de que a relação do homem
com o mundo não é uma relação direta, mas, sim, mediada entre sujeito e mundo. Podemos
observar que este grupo utilizou todos os formatos: o retângulo nas nuvens, o quadrado na
construção da casa, o triângulo nas estrelas e no telhado da casa e os círculos no boneco e no
sol. Uma das crianças desse grupo falou: “Mas de dia tem estrelas?” E a outra respondeu:
"Tem sim, eu já vi, e olharam pela janela para fazer essa observação”.
Figura 6: Desenho produzido pelo Grupo 1 mostrando a utilização de todas as peças dos
blocos lógicos. Fonte: Acervo da pesquisa.
O Grupo 2 teve a preocupação de usar todas as formas recortadas, reproduzindo duas
crianças brincando debaixo de uma árvore (Figura 7). Quando mostraram a situação para a
classe, uma das crianças questionou: “Como elas podem estar debaixo da árvore brincando
se a árvore é menor que as crianças?”. O grupo disse que não tinha pensado nisso. Podemos
perceber nesta observação a noção de espaço e proporção que algumas crianças já têm nessa
fase escolar. Os alunos passam a perceber nos objetos e desenhos o espaço do mundo vivido,
conjugando novos espaços às representações do percebido, do real e do imaginário. As
crianças ampliam sua linguagem em relação ao espaço e a novas linguagens geométricas, pois
já tem um prévio vocabulário de geometria em relação ao “espaço”. O processo educativo vai
ampliando a linguagem através da experiência e atividades de deslocamentos, orientações e
localização espacial. Para Smole (2000), a linguagem geométrica, que diz respeito a nomes de
formas e termos geométricos mais específicos, desenvolve-se por meio da assimilação na
ação.
Figura 7: Desenho produzido pelo Grupo 2 mostrando duas crianças brincando debaixo
de uma árvore. Fonte: Acervo da pesquisa.
Assim como o grupo 2, o Grupo 3 também apresentou relação do real com o imaginário,
fazendo a construção de foguetes, fato este que os situou no espaço (Figura 8). Na
socialização com a turma foi o trabalho que mais chamou a atenção das demais crianças e
todas ficaram prestando atenção. “Nosso grupo fez o espaço sideral, com foguete, satélite e
base de controle.” Aqui apareceram os mais variados questionamentos: “Aonde vocês viram
isso? Como vocês sabem que é assim?” O grupo respondeu: “Na televisão sempre passa e é
assim.”
Os Parâmetros Curriculares Nacionais assim apresenta esta importante característica:
Os estudantes desenvolvem em suas vivências fora da escola uma série de
explicações acerca dos fenômenos naturais e dos produtos tecnológicos, que
podem ter uma lógica diferente da lógica das Ciências Naturais, embora, às
vezes e ela se assemelhe. De alguma forma, essas explicações satisfazem suas
curiosidades e fornecem respostas às suas indagações. São elas o ponto de
partida para o trabalho de construção de conhecimentos, um pressuposto da
aprendizagem significativa (BRASIL, 1997, p. 119).
Figura 8: Desenho produzido pelo Grupo 3 mostrando o espaço sideral, um foguete,
satélites e base de controle. Fonte: Acervo da pesquisa.
5
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos conhecimentos cotidianos trazidos pelas crianças possibilita ao professor
identificar o que elas já conhecem sobre o tema, pois o conhecimento faz parte das
experiências vivenciadas pelas crianças no mundo vivido. Para entender a importância dessa
ação, Vygotsky (2009, p. 349), apresenta que o desenvolvimento do conhecimento cotidiano
da criança: “deve atingir um determinado nível para que a criança possa aprender o conceito
científico e tomar consciência dele”. Caso contrário, ela permanecerá na fase dos
conhecimentos originados pelo senso comum, que não serão influenciados pelos
conhecimentos científicos apresentados. No momento em que a professora regente propôs que
cada aluno pegasse uma caixa e indagados sobre o porquê da escolha indica que os
comentários fazem partem do senso comum. Para que compreendesse a relação das figuras
geométricas com suas embalagens, a professora regente pegou algumas caixas e recortou as
laterais mostrando a eles a relação das figuras planas com as espaciais. O PCN (BRASIL,
1997, p. 63) descreve que “observar, comparar, descrever, narrar, desenhar e perguntar são
modos de buscar e organizar informações sobre temas específicos, alvos de investigação pela
classe”. Sendo assim, os alunos ainda precisam internalizar esse conhecimento. Para dar
sequência à atividade, a professora organizou uma excursão pelas dependências da escola para
observarem todas as formas geométricas.
O procedimento que o aluno utiliza para medir a madeira no chão (Figura 1) revela que
ele possui o conceito de contagem, definido por Vygotsky (1999) como um conceito
cotidiano, no qual a criança aprende de forma inconsciente e involuntária, no seu cotidiano,
no contato com objetos, fenômenos e fatos.
Para Vygotsky (2004, p.64), “o processo de educação deve basear-se na atividade pessoal
do aluno e toda a arte do educador deve consistir apenas em orientar e regular essa atividade”.
Após o passeio em grupo, as crianças, individualmente, foram solicitadas a produzir um
desenho em uma folha, evidenciando o que visualizaram no espaço da escola que fossem
formas geométricas, pois já conheciam algumas delas. Ao finalizarem os desenhos, a
professora solicitou que as crianças ficassem atentas ao colega que faria a explicação do seu
desenho. Nesta atividade foi possível verificar conceitos cotidianos e científicos produzidos
pelas crianças sobre as formas geométricas, pois a maioria dos alunos desenhou o parque. No
entanto, percebemos que essa coerência e objetividade ainda não se caracterizam como o
pensamento conceitual mais elaborado, etapa que será conquistada pelas crianças
posteriormente (VYGOTSKY, 2009).
Na releitura do livro “As Três Partes”, podemos destacar que para as crianças que iniciam
o processo de alfabetização, a “leitura propicia o desenvolvimento cognitivo do educando,
abrindo uma janela para conhecimentos que a conversação sobre outras atividades cotidianas
não conseguem comunicar” (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p. 10). A leitura pode ser
um modo de incentivar a imaginação e a exploração de conceitos que ainda estão em processo
de construção. Em relação a esse importante aspecto psicológico infantil, Vygotsky (2004, p.
112) destaca que:
[...] antes de querermos atrair a criança para alguma atividade precisamos interessála por essa atividade, ter a preocupação de descobrir se esta está preparada para tal
coisa, se todas as suas potencialidades estão mobilizadas para desenvolvê-la e se a
própria criança vai agir, restando ao professor apenas orientar-lhe a atividade.
As crianças conseguiram fazer uma ligação entre o material concreto (blocos lógicos) e a
história de literatura infantil, utilizando os conhecimentos adquiridos e a imaginação como
forma de elaboração dos desenhos, além de proporcionar a socialização do grupo, pois o
desenho foi elaborado em dupla. Ocorreram comentários de nível de conhecimento mais
elaborado, tais como: quando sobrepomos dois triângulos (Figura 6), temos uma estrela; há
relação de proporção entre o tamanho de uma árvore e duas crianças (Figura 7); temos
figuras no espaço sideral (Figura 8).
Para Vygotsky (2009b, p.23), é importante construir atividades que estimulem a
imaginação das crianças, possibilitando a ampliação da experiência vivenciada por elas:
“Quanto mais à criança viu, ouviu e vivenciou mais ela sabe e assimilou; quanto maior a
quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência [...] mais
significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação”.
Segundo os PCN (BRASIL, 1997, p. 62), os anos iniciais são marcados pelo
desenvolvimento da “linguagem oral, descritiva e narrativa, das nomeações de objetos [...]”.
Essa particularidade permite que as crianças construam desenhos ou textos sobre observações
e consigam comunicá-las para seus colegas. O documento salienta que o “desenho é uma
importante possibilidade de registro de observações [...] além de um instrumento de
informação da própria Ciência” (BRASIL, 1997, p. 62).
Vygotsky (2004) apresenta que, quando a criança entra na escola, abre-se um importante
caminho para o seu desenvolvimento, no que diz respeito aos conceitos. No decorrer da
aprendizagem escolar, assimila diferentes conceitos, agora organizados em um sistema, a
partir das distintas áreas do conhecimento. O desenvolvimento mental de uma criança não se
caracteriza somente por aquilo que conhece, mas também pelo que a criança pode aprender.
Passando do desenvolvimento dos conceitos cotidianos ao “momento de surgimento do
conceito científico começa exatamente a partir da definição verbal, e de operações vinculadas
a essa definição” (VYGOTSKY, 2004, p. 525-526).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vygotsky ao citar a função da escola no processo de desenvolvimento do indivíduo, faz
uma distinção entre conhecimentos construídos na experiência individual das crianças e
conhecimentos construídos na sala de aula. Para ele, surge uma ação partilhada entre
conhecimento prévio e conhecimento cientifico, já que é através da interação/mediação que as
relações entre o sujeito e o objeto do conhecimento são constituídas.
Sabemos que a aprendizagem compreende aspectos cognitivos que precisam ser levados
em consideração pelo professor, estimulando no aluno o desejo em conhecer, que passa a ter
um significado permanente no processo de construção dos saberes científicos. A investigação
sobre o ensino e a aprendizagem de formas geométricas planas no primeiro ano do ensino
fundamental evidencia a necessidade de se repensar a forma como os conhecimentos são
apresentados às crianças e, acima de tudo, a forma como esses são construídos por elas. A
exploração de atividades planejadas mostra que é possível ensinar matemática relacionada ao
mundo dos alunos e que novos conceitos ou conteúdos matemáticos também fazem parte
desta realidade.
7
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: ciências naturais. Brasília, 1997.
DANTE, L. R. D. Didática da Matemática na Pré-escola. São Paulo: Ática, 1996.
KOZMINSKI, E.L. As três partes. São Paulo: Ática, 2004.
LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais.
Revista Ensaio. v. 3, n. 1, p. 1-17, 2001. Disponível em:
<http://www.portal.fae.ufmg.br/seer/index.php/ensaio/issue/view/4>. Acesso em: 2 abr. 2013.
OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sóciohistórico. São Paulo: Scipione, 2010.
ROSA, A. ; MONTERO, I. O contexto histórico do trabalho de Vygotsky: uma abordagem
sócio-histórica. In: MOLL, L.C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da
psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artmed, p. 57 – 83, 1996.
SMOLE, K. S. S. A matemática na Educação Infantil – A teoria das inteligências múltiplas
na prática escolar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto e
Solange Castro Afeche. São Paulo: Martins Fonte, 1998.
_____. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
_____. Psicologia Pedagógica. Edição comentada. Tradução de Claudia Schilling. Porto
Alegre: Artmed, 2003.
______. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
______. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.
MATHEMATICAL LITERACY IN THE FIRST YEAR OF
ELEMENTARY SCHOOL IN THE FIELD OF PLANE GEOMETRY
BASED ON VYGOTSKY THEORETICAL ASSUMPTIONS
Abstract: This paper presents part of an ongoing research with the Natural Sciences and
Mathematics Post-graduation Program – Professional Master – of the Universidade Regional
de Blumenau (PPGECIM/FURB). The research studies the process of teaching and learning
geometry in the first year of the elementary school. It was realized in a public school from
Timbó – SC, with the aim of expand the knowledge about the children’s construction of
geometric concepts, using the cultural-historical theory of development as the main
theoretical contribution to our ideas, from the concepts first developed by Vygotsky. We
describe one of the activities developed in the study of geometrical forms, using the logic
blocks and children's literature.
Keywords: Geometrical concepts. First year of elementary school. Vygotsky.
Download

a alfabetização matemática no primeiro ano do ensino fundamental