DESENVOLVENDO A COMUNICAÇÃO DE IDÉIAS MATEMÁTICAS E A ARGUMENTAÇÃO EM ATIVIDADES DE CONSTRUÇÃO DE TRIÂNGULOS Ana Teresa de C. C. de Oliveira ISERJ-UVA-PUC [email protected] Introdução O objetivo deste pequeno texto é dar suporte teórico e metodológico a um minicurso a ser realizado com professores de 5ª a 8ª séries e ensino médio, no VIII ENEM-Recife, intitulado “Desenvolvendo a comunicação de idéias matemáticas e a argumentação em atividades de construção de triângulos”. É certo que dominar os conteúdos matemáticos é fundamental para o bom desempenho da profissão docente. Contudo, apesar de podermos afirmar que sobre este domínio se constrói, também, o sucesso da atividade de ensinar, com a mesma ênfase constatamos que, como nos diz Sztajn (2002), a relação entre o saber disciplinar e a qualidade da aula de um professor não é direta e nem óbvia. Muitas outras relações são constitutivas de uma rede complexa que envolve o ensino e a aprendizagem, o que nos faz ter a clareza do quanto é difícil pensarmos sobre a questão da qual, atualmente, se ocupam muitos pesquisadores da Educação Matemática: o que precisa saber um bom professor de Matemática? Com semelhante complexidade se delineiam outras questões afins, como as que se dirigem diretamente a qualificação do professor de Matemática, seja ela pré ou pósserviço. Que atividades de formação podem contribuir para a construção de um saber pedagógico disciplinar do professor de Matemática? (Belfort, 2003) Isto é, para a construção de um saber que se estende para além do domínio dos conteúdos 1 Professora de metodologia do ensino de Matemática do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, professora assistente do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Veiga de Almeida na disciplina “pensamento matemático e construção de conceitos I e II, professora” de Geometria do curso de especialização em educação matemática da PUC-RIO Anais do VIII ENEM – Minicurso 2 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática matemáticos, que é o que podemos tratar por conhecimento do professor, de acordo com Shulman (1986). Vários pesquisadores, nacionais e internacionais, têm se debruçado sobre esta questão e foge ao objetivo deste trabalho tratar dos diferentes aspectos que podem nortear a reflexão em torno da formação e da prática docente em Matemática. Pretendemos, apenas, voltar a atenção para a questão da comunicação eficiente de idéias matemáticas como uma habilidade básica a ser desenvolvida nos alunos, e para algumas atividades didáticas a serem realizadas com professores com vistas à motivá-los a objetivar o desenvolvimento desta habilidade nos seus alunos, nas aulas de Matemática. Reflexões teóricas É preciso termos a clareza de que comunicar idéias matemáticas corretamente não requer e não envolve, unicamente, competências em linguagem, mas a capacidade de resolver problemas, a veiculação de conceitos tratados corretamente, o estabelecimento de relações entre os conceitos, relação lógica entre causa e conseqüência, capacidade de validação de hipóteses e justificativa de respostas e de encaminhamentos, entre outras muitas competências. Ao pensarmos em alinhar a formação de professores com esta visão acerca do que se deve desenvolver nos alunos da educação básica ficamos, sem dúvidas, diante de questões que, ao mesmo tempo que são relevantes e carentes de definições urgentes, não são simples e nem imediatas. Tem sido muito freqüente em pesquisas em Educação Matemática e em Didática a idéia de que é um problema didático importante a dificuldade de encontrar ou produzir situações em que os alunos atuem como resolvedores de problemas responsabilizandose pelas respostas e procedimentos que apresentam para as situações propostas. Em diferentes níveis educativos, os alunos tendem a colocar nos professores a responsabilidade por validar as respostas dadas, como se o fato de serem alunos isentasse-os do compromisso com a coerência e validade de suas respostas. Por outro lado, pesquisas em Educação Matemática reforçam a importância da formação consistente dos alunos em termos de conceitos matemáticos, de formarmos bons resolvedores de problemas, capazes de justificar e validar suas respostas, entre outras competências elencadas nestes trabalhos (Sztajni,1997;NCTM,1990; D’Ambrósio, 1993). Esta “irresponsabilidade matemática dos alunos” (Chevallard, 2001), este descompromisso pelo que apresentam como respostas e procedimentos a ponto de não Anais do VIII ENEM – Minicurso 3 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática se interessarem por validá-los é, certamente, uma questão de razões diversas. Entre as muitas razões para este fato poderíamos pensar que o descompromisso ao qual nos referimos pode ser atribuído ao fato de que o aluno não tem respeito para com a sua própria aprendizagem, ou que não tem uma boa atitude diante da Matemática, ou ainda que não está motivado para aprender e desta forma não se interessa pela validade de suas respostas entre outras. Apesar de não intencionarmos analisar estas possíveis razões e, tampouco, apresentar soluções que dêem conta da complexidade da teia de relações e processos envolvidos no ensino e aprendizagem de Matemática e, ainda, das singularidades envolvidas no trabalho com os diferentes temas e envolvendo diferentes alunos e professores, não podemos deixar de enfatizar a importância de, como professores, pensarmos em caminhos e estratégias que podem contribuir para um melhor desempenho de nossos alunos em Matemática, interferindo na motivação dos mesmos, na compreensão dos assuntos e no sentido que atribuem às atividades matemáticas que lhes são propostas. A formação pré-serviço e continuada de professores deve incorporar estas discussões e outras, e levar os professores a refletirem sobre a prática docente visando ampliar suas estratégias de ensino de Matemática. Cabe pensar, então, no que diz respeito ao nosso interesse específico que é o compromisso com a comunicação de idéias matemáticas e com a validação de respostas e procedimentos, de que maneira podemos nós, professores, conduzirmos o processo didático em Matemática de forma a transferir uma parte desta responsabilidade e compromisso para os alunos? No âmbito desta argumentação, a seqüência apresentada a seguir se destina, no âmbito do ensino de Geometria, a discutir com professores de Matemática a importância da escrita em Matemática para comunicar passos e procedimentos adotados na realização de problemas que envolvem construções Geométricas. A Seqüência Didática A elaboração de seqüências didáticas por professores bem como a análise dos resultados observados é um dos caminhos que pode promover a construção do saber pedagógico disciplinar do professor, na medida que implica a articulação das dimensões disciplinar e didática no ensino dos diversos temas matemáticos. A experiências destes professores com seqüências destinadas a eles em cursos de formação é fundamental para Anais do VIII ENEM – Minicurso 4 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática que conheçam diferentes estratégias que podem estar em questão, de forma que possam criar seqüências para seus alunos. A proposta desta seqüência envolve a construção de triângulos a partir de distintos elementos básicos de construção com compasso, régua e esquadros não graduados. A solução do problema consiste da construção da figura e da explicação acerca do modo de realizá-la feita oralmente e por escrito. O problema será considerado resolvido se forem apresentados o modo de construção utilizado e a justificativa que garanta que, realizando-se as construções sugeridas, obtém-se efetivamente a figura com as características pedidas. Alguns pesquisadores do ensino e aprendizagem de Matemática defendem que a escrita, além de possibilitar a captação do pensar matemático, pode também servir como veículo de aprendizagem. É importante a busca de uma palavra adequada que corresponda às percepções e ações de quem resolve um problema. À medida que o processo se repete, adquire-se domínio do assunto e vocabulário técnico (Powell, 2001; Rabelo, 1996). Destacamos como objetivos principais desta seqüência significar alguns objetos geométricos no contexto da construção de triângulos como mediana, bissetriz, altura, ângulo adjacente, ângulo oposto em atividades de construção para as quais estes objetos se constituem em ferramentas; permitir a revisão e o aprofundamento de conhecimentos geométricos pelos docentes; incentivar o confronto e a comunicação, na forma oral e escrita, dos processos de construção de triângulos usando o vocabulário adequado, visando uma prática que contribua para o desenvolvimento da argumentação e do vocabulário geométrico dos alunos; desenvolver nos docentes a capacidade de valorização dos registros escritos dos alunos e incentivar a análise destes registros como uma estratégia para elaborar modificações e adaptações necessárias à uma aprendizagem significativa em Geometria. Atividades da seqüência Problema 1: Construir um triângulo dados dois lados e o ângulo por eles compreendido. Problema 2: Construir um triângulo dados um lado e os dois ângulos adjacentes. Problema 3: Construir um triângulo dados duas alturas e o ângulo de cujo vértice parte uma das alturas dadas. Anais do VIII ENEM – Minicurso 5 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática Problema 4: Construir um triângulo dados um lado, um ângulo adjacente e o ângulo oposto a este lado. Problema 5: Construir um triângulo conhecendo a altura e a mediana relativas a um mesmo lado (a) e a/b. Problema 6: Construir um triângulo conhecendo dois lados e a altura relativa ao terceiro lado. Problema 7: Construir um triângulo conhecendo dois lados e a mediana relativa a um deles. Problema 8: Construir um triângulo conhecendo-se dois ângulos e a altura relativa ao lado determinado pelos vértices destes ângulos. Problema 9: Construir um triângulo conhecendo duas alturas e o lado correspondente a uma delas. Problema 10: Construir um triângulo conhecendo duas alturas e o lado correspondente a terceira altura. Metodologia para o desenvolvimento da seqüência Os alunos(professores) trabalharão cooperativamente, em grupos de três componentes ou mais, dependendo da freqüência do número de inscritos. Cada grupo se encarregará de determinada(s) construção(ões). O trabalho se desenvolverá em etapas. Provavelmente, no primeiro dia do minicurso se desenrolarão as duas primeiras etapas, e no segundo dia, as demais, considerando que esta distribuição pode vir a ser modificada em função de questões emergentes no decorrer dos trabalhos. Todos os participantes deverão ter régua, compasso e esquadros. 1a etapa: discussão com os docentes sobre as implicações da proposta de construção de triângulos com compasso, régua e esquadros não graduados. O objetivo específico desta etapa é levar os docentes a concluírem e formalizarem suas conclusões sobre as possibilidades e limitações do uso dos instrumentos citados acima. Isto é, que a régua não graduada como instrumento de construção geométrica permite traçar uma reta qualquer, ou seja, uma reta que passa por um ponto ou uma reta que passa por dois pontos e não permite transportar segmentos; o compasso como elemento de construção geométrica permite descrever a partir de um centro uma circunferência de raio dado, construir um segmento em uma reta dada a partir de um ponto dado e construir um Anais do VIII ENEM – Minicurso 6 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática ângulo dado; os esquadros não graduados substituem a régua nas situações já mencionadas e permitem a construção de linhas paralelas. Levá-los ainda a concluírem que, como conseqüência da construção com os referidos instrumentos, os elementos dados para a construção dos triângulos devem ser fornecidos através de desenho, como o que está fornecido a seguir como exemplo. b c A 2a etapa: realização das construções pedidas. 3a etapa: apresentação das soluções dos problemas Cada grupo deverá apresentar a solução de seu problema, justificando o procedimento, fundamentando-se na justificativa escrita, permitindo a avaliação crítica do procedimento, da clareza de idéias e pertinência do vocabulário geométrico utilizado na justificativa dos passos da construção. 4a etapa: discussão de orientações didáticas Motivar a reflexão sobre orientações didáticas que permitam um desempenho profissional adequado para o ensino e aprendizagem de Geometria como a importância das atividades de construção geométrica, da compreensão do processo do outro, da defesa do método ou solução adotado contra diferentes proposições, das adaptações necessárias a serem feitas nos livros para suprirem as carências conceituais dos alunos. As questões norteadoras para estas reflexões serão: o que você acha que está ensinando ao aplicar esta seqüência didática? Qual é para você a importância de escrever e relatar para outros os passos da construção feita? Que conhecimentos devem estar disponíveis para a resolução destes problemas? Que objetivos você desenharia como sendo aqueles que esta seqüência poderia atingir? Estas possibilidades de construção de triângulos são novas para você? Palavras-chave: Geometria, validação, justificativa. Anais do VIII ENEM – Minicurso 7 GT 7 – Formação de Professores que Ensinam Matemática Bibliografia: Belfort, E. Formação de Professores de Matemática: A Aritmética como Ferramenta para a Construção do Saber Pedagógico Disciplinar, II SIPEM, Santos, out. 2003. Chevallard, Y. Estudar Matemáticas- o elo perdido entre o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre:Artmed, 2001. D’Ambrósio, B. S. Formação de professores de Matemática para o século XXI: o Grande Desafio. In: Pró-Posições, F E Unicamp, SP: Cortez, vol.4, n. 1, mar. 1993, p.35-41. NCTM. A Matemática essencial para o século XXI. In: Educação e Matemática, Portugal, n. 14, abr/mai/jun 1990, p.22-25. Powell, Arthur B. Captando, Examinando e Reagindo ao Pensamento Matemático. In: Boletim do Gepem, n. 39, set.2001, p.73-85. Rabelo, E. H. Textos matemáticos: produção e identificação. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1996. Shulman, L. Those Who Understand: knowledge Growth in Teaching. In: Educational Researcher, fev. 1986, p.4-14. Sztajni, P. et al. As habilidades básicas em Matemática. In: Presença Pedagógica, v. 3, n. 15, mai/jun. 1997, p.15-21. __________. O que precisa saber um professor de matemática? Uma revisão da literatura americana dos anos 90. In: Educação Matemática em Revista, ano 9, nº 11A, abril de 2002, p.17-28. Gostaria de lembrar que os professores participantes deste minicurso deverão ter compasso, régua e esquadros. Obrigada, Ana Teresa