Secretaria Estadual da Saúde de Santa Catarina
CURSO PARA CAPACITAÇÃO DE COMITÊS DE
ÉTICA EM PESQUISA/2005
Conceitos fundamentais
Marlene Braz
Doutora em Ciências/Fiocruz
Pesquisadora em Bioética
[email protected]
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“Justiça e eqüidade são valores humanos essenciais.
Respeitá-los é indispensável à paz e ao progresso, já que
sem eles podem surgir ressentimentos e ocorrer
desestabilizações. Embora as pessoas nasçam em
circunstâncias sociais e econômicas bastante diversas,
grandes disparidades em suas condições ou oportunidades
de vida constituem uma afronta ao senso de justiça
humano. Sempre que um grande número de cidadãos
recebe tratamento injusto ou tem seus direitos negados, e
sempre que não se tente corrigir flagrantes desigualdades,
o descontento é inevitável e o conflito, provável. (...)
Preocupar-se com a eqüidade não é o mesmo que insistir
na igualdade, mas requer ações deliberadas para
minimizar flagrantes desigualdades, lidar com os fatores
que as causam ou perpetuam e promover uma distribuição
dos recursos mais justa. Um compromisso maior com a
eqüidade e a justiça é fundamental para que se aja de
modo mais decidido, a fim de diminuir as disparidades e
realizar
uma
distribuição
mais
equilibrada
de
oportunidades em todo mundo”. Relatório da Comissão sobre a
Governança Global
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“Entre a liberdade e a justiça, me inclinaría pela justiça”.
Jorge Luis Borges. Escritor argentino.
“A justiça é uma construção humana, e é duvidoso
que possa ser realizada de uma única maneira”.
Michael Walzer, 2001
“Os seres humanos necessitam justificar suas ações.
Porém, as teorias da justiça podem ser empregadas
tanto para justificar como para reprovar soluções
pragmáticas. Talvez, cumpram sua função social mais
importante criticando e repudiando a injustiça”.
James F. Drane, 1990
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O que é justiça?
•Para que a queremos?
•Qual é sua utilidade?
•Qual é sua relevância?
•Onde procurá-la?
O que é Igualdade?
Justiça é a
virtude de dar a
cada um
o que é seu (?)
(PLATÃO)
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Problema de justiça
Condição subjetiva:
pluralismo moral
(concepção de bem e
justo variam)
Condição objetiva:
escassez de recursos
Igualdade
Liberdade
Diferença
Heterogeneidade básica
dos seres humanos
Multiplicidade de variáveis
para julgar a igualdade
Igualdade de que?
Teorias de justiça
Justiça
retributiva
Punição para aqueles que
desrespeitam as leis ou
desconsideram normas sociais
e morais geralmente aceitas
Justiça
compensatória
Compensação para os que
sofreram danos ou injúrias
Justiça
distributiva
Distribuição de cargas e
benefícios na sociedade
(bens sociais e recursos
materiais)
Interpretações distintas
• Justiça como proporcionalidade natural
(VI a
XVII) – Direito natural: natureza e Deus
• Liberdade contratual- direitos humanos civis e
políticos (estado liberal)
• Igualdade social – marxismo (produzir em função
de sua capacidade e receber de acordo com sua
necessidade.
• Bem estar coletivo – socialismo democrático
(direitos negativos do estado liberal e direitos
positivos: econômicos, sociais e culturais –
educação, saúde, aposentadoria, emprego)
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Resumindo
“Dar a cada um aquilo que é seu”
Gregos até medievo – desigualdade das pessoas –
tratamento desigual (escravidão)
Igualdade:
Estado liberal – igualdade de todos perante
a lei - o próprio
Marxismo – igualdade frente aos direitos
garantidos pelo Estado - o necessário
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Teorias atuais
• Introdução do conceito de
desigualdade: desigual tratamento
aos desiguais favorecendo os menos
afortunados
• Conceito de pluralismo – respeito
aos diferentes valores e interesses
particulares
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Como avaliar o que é justo?
Dever ser
(deontologia)
Ato em si
Finalidade / conseqüência
(teleologia)
Conseqüência do ato
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O UTILITARISMO
Acredita que a justiça deve ser avaliada pelas
conseqüências empíricas de ações e princípios.
A difusão da autonomia e da liberdade
individual deverá resultar na maior felicidade
para um maior número de pessoas, pois se
admite a possibilidade de um equilíbrio
racional entre os interesses individuais e os
interesses coletivos.
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UTILITARISMO
Julgamento moral
das ações
Utilitarismo de ação
Cálculo da
utilidade
Utilitarismo de regra
Concepções de bem-estar
Utilitarismo hedonista
(estados mentais:
prazer e dor)
Utilitarismo de preferência
(satisfação ou frustração
de preferências)
UTILITARISMO
Características centrais do utilitarismo
Conseqüencialismo
Bem-estar
Soma
A avaliação moral
focaliza-se sobre as
conseqüências da ação
As conseqüências devem
ser avaliadas em termos
do nível de bem-estar produzido
O bem-estar produzido é medido
em termos da soma do
bem-estar dos indivíduos
UTILITARISMO
Críticas
1. Dificuldades para medir e comparar a felicidade
de pessoas diferentes
2. A felicidade da maioria pode justificar o sacrifício
dos direitos e liberdades dos indivíduos
3. Não importa a distribuição da felicidade entre as
pessoas (indiferença distributiva)
4. Concebe-se os indivíduos meramente como
agentes racionais e auto-interessados
5. A definição do bem-estar individual pode se
influenciada por atitudes adaptativas
(condicionamento mental)
A respeito da justiça distributiva, a
teoria utilitarista propõe a
quantificação de benefícios e encargos
para depois escolher a prática que
maximize os primeiros e minimize os
segundos.
Os custos e benefícios são quantificados
em função da maioria da população, sem
consideração dos casos em particular.
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Com suas nuances, a teoria utilitarista foi
e continua sendo amplamente utilizada
como critério de
formulação de políticas públicas
(e, portanto, de alocação de recursos)
pelos Estados Nacionais (Liberais ou
Socialistas), especialmente no campo da
Saúde Coletiva.
Prioridade do bem (utilidade) sobre o justo
16
Justiça como Igualdade
Todas as pessoas são iguais e
merecem igual tratamento
frente à lei
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Justiça como eqüidade
A concepção de justiça como equidade, embora muito
antiga, foi formulada e sistematizada por John
Rawls, em 1971.
Rawls se pergunta como devem ser feitos os acordos
entre os sujeitos morais (autônomos) para alcançar
uma sociedade “Bem -ordenada”.
Na tentativa de responder esta questão, começa sua
teoria da justiça com a metáfora do
“Véu da Ignorância”, na que re-analisa a “situação
original” dos sujeitos morais assinantes do contrato
social.
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A teoria rawlsiana afirma que sobre a
base do sujeito moral é possível
conceber uma sociedade bemordenada, regida por princípios de
justiça (coletivamente consensuais e
racionais a partir da perspectiva do
acordo original) e constituída por
indivíduos que se consideram a eles
mesmos e a outrem como sendo livres
e iguais nas relações políticas e
sociais.
19
De acordo com Rawls, uma sociedade
não pode ser considerada justa a
menos que certos valores sociais
básicos sejam igualmente
distribuídos entre todos (Princípio
de Igualdade) e que, no caso de ser
necessária uma distribuição desigual
de algum ou de todos estes valores
sociais, a desigualdade deverá
redundar em benefício para os mais
necessitados (Princípio de Eqüidade)
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O que deve ser entendido
por eqüidade?
“Eqüidade
horizontal”
Tratamento
igual aos iguais.
(todos são humanos)
“Eqüidade
vertical”
Tratamento
desigual aos
desiguais.
(há pessoas mais
necessitadas)
Prioridade do justo sobre o bem
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Os bens sociais primários rawlsianos
A idéia central desta teoria da
justiça baseia-se na necessidade de
considerar como valores básicos de
distribuição as coisas que um homem
racional (em sua condição de
cidadão livre e igual ) considera
necessárias durante toda uma vida,
não importa o que mais ele deseje
num determinado momento.
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• Liberdades e direitos fundamentais
• Liberdade de movimento e de escolha
de ocupação contra um plano de fundo
de oportunidades variadas
• Capacidades e prerrogativas de cargos
e posições de responsabilidade nas
instituições políticas e econômicas da
estrutura básica da sociedade
• Renda e riqueza
• As bases sociais do auto-respeito
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“O fim da justiça social”
consistiria em “maximizar a
liberdade efetiva dos menos
favorecidos”, isto não se alcança
nem com o Utilitarismo nem com
o Igual Tratamento, mas com a
Eqüidade
24
A justiça como eqüidade é uma
justiça procedimental pura
A justiça é procedimental pura quando
não há outro critério para avaliar
moralmente seus resultados que pelo
fato de terem sido gerados por
procedimentos considerados justos.
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Por outro lado, na justiça procedimental pura:
Não é necessário
controlar a infindável
variedade de
circunstâncias nem as
posições relativas
mutáveis de pessoas
particulares.
São consideradas as
necessidades de tipo
padrão dos cidadãos
que irão cumprir sua
parte em um esquema
de cooperação social
bem ordenado
Abre um lugar
substancial para a
“responsabilidade
individual” que se apóia na
capacidade das pessoas
assumirem as
conseqüências das
próprias ações e de
moderar as exigências
que fazem às instituições
sociais de acordo com o
emprego dos bens
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primários
Teoria das capacidades
Amartya Sen
AMARTYA SEN
Sen acredita que os bens primários
rawlsianos não constituem um parâmetro
apropriado de distribuição eqüitativa
desde que não dão atenção à “liberdade
substantiva” das pessoas.
O problema, segundo Sen, é que as
“diversidades pessoais” podem afetar a
possibilidade de converter os bens
primários (incluída a renda) em bemestar.
28
Sen critica o
enfoque da
economia
tradicional
segundo o qual, o
bem-estar de uma
pessoa é avaliado
pelo seu domínio
sobre bens e
serviços.
Sen afirma que
este pressuposto
leva à focalização
da variável
“renda”
(i.e.: quanto cada
pessoa pode
consumir).
29
Sen elabora uma
teoria que parte de
uma distinção
fundamental entre o
que significa a
“satisfação
individual” welfarista
(avaliado pela
prerrogativa da
renda) e o que ele
define como
“vantagem
individual”
A “vantagem
individual” é uma
categoria avaliatória
de bem-estar mais
abrangente que
permite conceber os
“bens individuais”
(num sentido amplo,
os interesses
racionais dos
indivíduos) como
passíveis de
comparação e
ordenação.
30
O bem-estar alcançado através da
renda não é uma medida suficiente
da vantagem individual
“As comparações interpessoais de
vantagens deveriam se basear,
sobretudo, na liberdade
(Substantiva) de alcançar bemestar e de escolher entre
diferentes tipos de vida”
31
Sen propõe uma concepção
pluralista da justiça distributiva
em que o que deve ser igualado
são os “funcionamentos básicos
das pessoas”, entendidos como a
igual capacidade de ação para
obter bens e serviços sociais com
liberdade substantiva.
32
Na perspectiva seniana, a vantagem
individual deve ser avaliada pelas
oportunidades que uma pessoa tem
para alcançar bem-estar, desta
maneira não se valoriza um tipo de
vida específico e sim, a capacidade de
escolher (liberdade) entre distintos
tipos de vida que as pessoas têm
razões para valorizar.
33
Numa sociedade comprometida com a
capacidade igual de funcionar, o nível de
bem-estar que cada um alcança, sempre
dependerá das preferências, valores e
escolhas de cada qual.
A liberdade de escolha entre diferentes
tipos de vida tem um valor intrínseco
que não é captado quando apenas a
titularidade de bens e recursos é levada
em conta.
34
A crítica de Sen a Rawls
A métrica dos bens
primários é demasiado
inflexível frente às
variações
interindividuais que
fazem com que seja
mais difícil para uns
do que para outros
converter bens
primários em
capacidade
Somente o foco na
capacidade de
funcionamentos, em
lugar de bens
primários, pode
captar aquilo (a
liberdade em si
mesma) que os
igualitários de fato
prezam
35
• “Ser carentes de capacidades e
talentos consiste numa limitação da
liberdade de ter e fazer escolhas”
• A igualdade deve enfocar o
funcionamento básico das pessoas
• Não é o que se tem que importa, mas
como se funciona (oportunidades
para alcançar o bem estar e de
escolher entre diferentes tipos de vida)
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• Deve-se desviar a atenção da avaliação de
desigualdades feita em função de
resultados e realizações para a avaliação de
desigualdades de oportunidades.
• O foco na igualdade de bens primários fez
com que este deslocamento permanecesse
incompleto.
• A preocupação não é com os bens primários
em si mesmos, mas com que as pessoas, em
função de variações individuais
significativas, são capazes de fazer com
esses bens
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Judith Shklar e a cidadania
A base da legitimidade da
justiça numa sociedade
democrática não deve ser
buscada na “situação
originária” do contrato
social, mas nas origens da
luta pela cidadania
moderna.
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“a cidadania moderna emergiu em oposição ao
simples status de ‘sujeito’(...) a própria idéia
dos direitos do cidadão sempre foi uma
tomada de atitude contra a autoridade
estabelecida, que é sempre suspeita”
É o medo à injustiça mais do que a busca pela
justiça em si mesma que caracteriza a
cidadania.
Como deve ser entendido o conceito “cidadania”
nas sociedades modernas pluralistas
(repúblicas extensas)?
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As repúblicas extensas estão
constituídas por “agregados de
estrangeiros”, sem ter em comum
nem antepassados, nem ideologia,
nem “consenso velado” (Rawls) ou
“compreensão compartida” (Walzer)
com que se iniciam estas famosas
teorias contratualistas da justiça.
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Para Shklar, há um certo “reducionismo” nas
teorias ao considerar apenas a existência
de “provedores”, que distribuem os
recursos existentes conforme as leis
gerais aceitas por todos, e “consumidores”,
que exigem igualdade de direitos e
igualdade de possibilidades, pois isto é ver
a justiça só desde o ponto de vista do
governo.
Ela está especialmente preocupada com
“a justiça que os cidadãos se devem
reciprocamente e não só aquela que é
distribuída pelos agentes públicos”
41
Saúde e Educação
“não são nem a necessidade, nem o mérito os
que alegam em favor da educação e o bemestar, mas o fato de se tratar dos meios
necessários para fortalecer a cidadania”
“falar em igualdade é só uma brincadeira se
não se dispõe dos meios para compreender
o que está em jogo, nem do tempo
necessário para dedicar às questões
políticas”
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“A exclusão é a primeira forma de
injustiça, a mais degradante”
“O fim último da justiça distributiva
não seria a distribuição igualitária
de bens sociais, mas a inclusão”
“A exclusão social deve ser o objeto
principal que permita pôr à prova as
teorias da justiça”
43
Embora as concepções pluralistas da
justiça não constituam uma
solução mágica para os problemas
da exclusão, oferecem recursos
mais amplos para a luta contra a
exclusão. Justificam,
principalmente, valer-se de todas
as formas de ação associativas da
cidadania.
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Mais esse é assunto para outra aula...
Muito obrigada!!!
45
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Justiça 01 - Secretaria Estadual de Saúde