Porto Alegre, junho de 1998. • • Serviço de Saúde Comunitária/ SSC-GHC Boletim SIG/Eqüidade - Circulação Interna Nesta edição 1 “Eqüidade: questão para discutir” 2 Sugestão de Roteiro Para Discutir Eqüidade nas Equipes de Saúde do SSC/GHC 3 Exposição Itinerante 4 Sugestão para leituras O que é eqüidade? O conceito de eqüidade já vem sendo discutido há séculos, sendo Aristóteles um dos filósofos mais antigos que apresentou reflexões sobre o tema. Este texto pretende contribuir com algumas revisões do conceito, de forma sintética, buscando autores que já tenham discutido ou outros que estejam, no momento, propondo algum tipo de discussão da idéia. Os significados do conceito de eqüidade dados pelo dicionário são: “1. Disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um.2-Conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo. 3- Sentimento de justiça avesso a um critério de julgamento ou tratamento rigoroso e estritamente legal. 4- Igualdade, retidão, equanimidade.” (Aurélio, 1986:675) Embutidas no significado de “eqüidade”, encontram-se as idéias de justiça e igualdade. Mas, o conceito de eqüidade, como mostra o dicionário, não está composto de um significado único, e sim, de vários significados. Assim, igualdade é um deles e, equanimidade, é outro. Aristóteles é uma referência muito maior e mais importante, além de muito mais antiga em vários campos da filosofia contemporânea e de outras disciplinas. Está na base das atuais discussões, e por isso cabe destacar alguns pontos de suas colocações sobre justiça e igualdade. Atravessando os séculos influenciando estudiosos, suas palavras até hoje são tomadas como base para novas reflexões. No caso deste texto, “Ética a Nicômacos” foi a obra tomada para estudo de algumas de suas idéias. Aristóteles nasceu em Stágiros, território macedônico, em 384 a.C., e morreu em Cálcis (atual Evripo), na Eubéia, em 322: “(...)Seu pai era Nicômacos, da confraria dos asclepíadas, médico e amigo de Amintas II, rei da Macedônia. É provável que Aristóteles tenha vivido parte de sua infância em Pela, sede da corte dos reis macedônios, e que tenha herdado de seu pai o interesse pelas ciências naturais, constante em sua obra. Aos dezoito anos ingressou na escola de Platão, em Atenas, e nela permaneceu até 348-347, época da morte do mestre, primeiro como aluno e depois como colaborador de certo modo independente. (...)”(Kury,1992:07) Este filósofo dedicou grande parte de sua obra ao estudo da ética, e é controversa a organização cronológica de suas contribuições. “Ética a Nicômacos” é um destes textos dedicados ao estudo da ética, e dentro deste tema é que está inserida a discussão sobre “eqüidade”, justiça, igualdades e diferenças. O conceito de justiça, na obra referida do filósofo, relaciona-se à proporcionalidade: “O justo, portanto, é em certo sentido um meio termo entre o ganho e a perda nas ações que não se incluem entre as voluntárias, e consiste em ter um quinhão igual antes e depois da ação. (...) Acabamos de definir o justo e o injusto. Feita a sua diferenciação, é claro que a ação justa é um meio termo entre agir injustamente e ser tratado injustamente, pois no primeiro caso se tem demais e no outro se tem muito pouco. A justiça é a observância do meio termo, enquanto que a injustiça se relaciona com os extremos. (...) No ato injusto, ter muito pouco é ser tratado injustamente, e ter demais é agir injustamente.” (ARISTÓTELES, 1992: 101) O filósofo destaca a proporcionalidade no centro das noções de justiça que relaciona ao meio termo. A noção de eqüidade está relacionada à distribuição justa de bens e proporcionalidade, e não se refere à igualdade entre pessoas. Define meio termo como: “(...)De tudo que é contínuo e divisível é possível tirar uma parte maior, menor ou igual, e isto tanto em termos da coisa em si como em relação a nós; e o igual é o meio termo entre o excesso e a falta. Por “meio termo” quero significar aquilo que é eqüidistante em relação a cada um dos extremos, e que é único e o mesmo em relação a todos os homens; por “meio termo em relação a nós” quero significar aquilo que não é nem demais nem muito pouco, e isto não é único nem o mesmo para todos. Por exemplo, se dez é muito e dois é pouco, seis é o meio termo, (...) este é o meio termo de acordo com uma proporção aritmética.(...)” (ARISTÓTELES, 1992: 41) Dentro de uma discussão ampla e complexa feita pelo filósofo, destacam-se aqui apenas alguns pontos onde estão citadas noções de proporcionalidade na distribuição de bens, noções de eqüidistância ou meio termo. Não são encontradas idéias de uma igualdade entre todos nos trechos citados de Aristóteles. Quando se discute a idéia de eqüidade em saúde pública, busca-se 2 “O BIS” - JUNHO DE 1998. 1 998. refletir, sobre as ações para diminuir desigualdades e para a distribuição eqüitativa de recursos de saúde. Não se trata de conceber os diferentes grupos atendidos como iguais. Não se trata de querer diminuir suas diferenças culturais, ou biológicas, mas se trata de diminuir desigualdades no acesso aos serviços de saúde. Fica a questão, no entanto, de até que ponto é possível seguir conceitos fundamentados na antigüidade, quando se vive hoje uma estrutura social diversa, com outras noções de sujeito e de indivíduo? Assim, para pensar em justiça, em eqüidade, é necessário contextualizar a sociedade, observar o que hoje é considerado justiça e desigualdade e de como a “cidadania” é vista nos diferentes países e no Brasil. O discurso da “igualdade” entre todos aparece como parte da cena política na modernidade, como igualdade de “direito à vida, à liberdade, à propriedade” (Giovanella et alii, 1996). A igualdade de direitos supostamente garantiria a igualdade de oportunidades para o alcance de resultados. Hoje a reflexão sobre a igualdade chegou às seguintes idéias: “Reconhece-se, atualmente, que a igualdade de direitos não é suficiente para garantir oportunidades iguais entre os indivíduos socialmente desfavorecidos e os socialmente privilegiados. Há necessidade de distribuições desiguais para colocar os primeiros no nível de partida. Para a igualdade de oportunidades ter conteúdo significativo dever-se-ia promover a igualdade de condições.” (Giovanella et alii, 1996: 15) Por outro lado, as desigualdades na saúde são muitas, o que faz com que se defina a eqüidade mais pelo seu oposto, “iniqüidade”, que reflete o mais comumente visto: “(...)Iniqüidades em saúde referem-se a diferenças desnecessárias e evitáveis, e que são ao mesmo tempo consideradas injustas e indesejáveis. O termo iniqüidade tem, assim, uma dimensão ética e moral.” (Giovanella et alii, 1996: 16) Sugestão de Leituras 1. DUPUY, JEAN-PIERRE. NATUREZA E DIFERENÇAS. IN: FILOSOFIA E POLÍTICA, Nº4. PORTO ALEGRE: L&PM/CNPQ/FINEP, 1987. 2. TODOROV, T. Nós e os Outros. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. 3. GEERTZ, CLIFFORD. “A Interpretação das Culturas”. Rio de Janeiro: Zahar, 1989. Portanto, o que se deseja através da busca da eqüidade em saúde não é a “igualdade” entre moradores da cidade, usuários dos serviços, e nada semelhante a tal idéia. Procura-se, pelo contrário, compreender as desigualdades entre os grupos, peculiaridades culturais e sócioeconômicas, reconhecendo diferenças injustas no sentido de condições de vida. Assim, reconhecendo a desigualdade injusta é possível promover a diminuição desta “distância entre extremos”, buscando um ponto médio, mais justo. O trabalho voltado para o mapeamento das microáreas de risco, nas quais as chances de vida são menores e os riscos de morte são maiores, tem esta preocupação, a de diminuir as desigualdades injustas e indesejáveis. As diferenças não são em si um problema de justiça. As peculiaridades é que caracterizam o ser humano (Geertz, 1989). Diferentes grupos sociais têm suas peculiaridades e também cada indivíduo dentro do grupo tem sua singularidade. Sobre o Risco do Discurso da Igualdade: Sendo a singularidade uma característica humana, torna-se importante a diferenciação entre a igualdade de direitos e a igualdade entre todos. A igualdade de direitos não significa que haja igualdade de identidade entre todos. O discurso da igualdade é artificial: “A democracia, ou a “igualdade de condições”, no sentido de Tocqueville, aparece inversamente como profundamente artificial, em todos os sentidos da palavra. O artificialismo moderno é a convicção de que a ordem social é racional, “extramundana”, no sentido de que a vontade humana se aplica ao mundo a partir de um ponto que lhe é exterior, e que não é outro senão o indivíduo moderno, dotado de interesses e de paixões, e liberto de toda subordinação a uma totalidade integradora. Ou, como diz Claude Bruaire, a igualdade é uma “espécie de desafio do espírito à natureza.” (...)O homem de ciência que pretende defender a igualdade em nome da Natureza, então se equivoca duplamente.” (Dupuy, 1987: 25) Ou seja, as diferenças existem na natureza humana, e buscar a igualdade é um recurso artificial da ideologia do individualismo. Neste caminho, o da busca de igualdades de condições, de busca da cidadania, o autor alerta para o risco de apagamento de diferenças culturais que caracterizam as diferentes identidades. Como traz Fonseca (1995): “A indignação diante da injustiça social e da boa vontade não bastam, contudo, para viabilizar a transformação da sociedade. Há o perigo de que essa indignação leve a uma estereotipada da realidade e barre o caminho para a percepção das formas particulares de vida social que existem neste contexto.” (FONSECA, 1995: 16) “Sugestão de roteiro para discutir sobre Eqüidade” 1- Levantar idéias conhecidas e relacionadas ao tema na equipe 2- Partindo do que a equipe entende do assunto, construir um conceito conjunto 3- Debater o “para que trabalhar com eqüidade?” 4- Como deve ser o trabalho para buscar eqüidade? EXPOSIÇÃO ITINERANTE A exposição “SIG 2 Anos: Avaliação” está sendo restaurada, para continuar a visitar as Unidades. A agenda está aberta para a marcação das Unidades (ramal 2440/Epidemio). Agende-se!