Éder Roberto de Lima Sanches Gustavo D´Agostin Wolff PRONTUÁRIO DA PACIENTE: 3327965 INTERNAÇÃO: 08/02/2012 – ALTA: 03/03/2012 PRECEPTOR ORIENTADOR: DR. PAULO RAMOS DAVID JOÃO A febre sem sinais de localização (FSSL) é definida como uma febre cujo foco de infecção não é identificado a partir dos dados fornecidos pela história clínica e pelo exame clínico bem conduzidos (1,2). A maioria das crianças com FSSL apresenta doença infecciosa aguda autolimitada ou está em fase prodrômica de uma doença infecciosa benigna(1). 1. Ishimine, P. Fever Without Source in Children 0 to 36 Months of Age. Pediatric Clinics of North America 53 (2006) 167-194. 2. Baraff, L J. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Pediatric Annals, Volume 37, Issue 10, Octuber 2010. Febre é uma queixa comum, correspondendo a 25% das consultas de emergência(2). A faixa etária mais prevalente corresponde às crianças menores de três anos(1). Geralmente a origem da febre pode ser identificada na avaliação inicial (1,2,3,4,5). Entretanto, em até 20% dos casos, o pediatra pode se deparar com uma criança febril cujo foco de infecção não é identificado. E uma pequena parcela desses apresentara infecções bacterianas graves(2). 1.Ishimine, P. Fever Without Source in Children 0 to 36 Months of Age. Pediatric Clinics of North America 53 (2006) 167-194. 2. Baraff, L J. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Pediatric Annals, Volume 37, Issue 10, Octuber 2010; 3. Goh, P L; Lee, S W; Wong, E H. Predictors of serious bacterial infection in children aged 3 to 36 months with fever without source. Singapore Medical Journal 2006; 47(4):276. 4.Machado, B M; Cardoso, D M; Paulis, M; Escobar, A M U; Gílio, A E. Febre sem sinais localizatórios: avaliação de um protocolo de atendimeto. Jornal de Pediatria – Vol. 85, No 5, 2009. 5. Janice E. Sullivan, Henry C. Farrar. Fever and Antipyretic use in Children. Pediatrics 2011;127;580; Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/127/3/580.full.html. Cabe destacar que a febre não é uma doença, mas sim um mecanismo fisiológico que tem efeitos benéficos na luta contra a infecção(5). Devemos ressaltar que nem sempre há uma correlação entre os níveis de temperatura e a gravidade da doença, bem como uma diminuição de temperatura nem sempre indica a resolução da doença de base que a desencadeou(5). Um quadro infeccioso grave geralmente se acompanha de outros sintomas além da febre, como os sintomas de toxemia(4). 4. Machado, B M; Cardoso, D M; Paulis, M; Escobar, A M U; Gílio, A E. Febre sem sinais localizatórios: avaliação de um protocolo de atendimeto. Jornal de Pediatria – Vol. 85, No 5, 2009. 5. Janice E. Sullivan, Henry C. Farrar. Fever and Antipyretic use in Children. Pediatrics 2011;127;580; Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/127/3/580.full.html. EXAMES LABORATORIAIS: Hemograma Hemocultura Parcial de urina c/ sedimento corado Bacterioscopia Urocultura Antibiograma Liquor (com análise bioquímica, coloração de Gram e cultura) Coprocultura EXAMES DE IMAGEM: Raios X de tórax de campos pleuro pulmonares PA + Perfil. Relatar um caso de FSSL em uma paciente de 18 meses de idade e realizar uma revisão literária sobre o tema. ID: K.A.K.S.C., 18 meses, feminino, natural e procedente de Curitiba-PR. QP: Febre. HMA: Febre há 3 dias; nega tosse, vômitos e diarreia; mãe relata inapetência associada a febre (aferida de 38ºC). Eliminações adequadas. Sem outras queixas. HMP: sp HMF: sp AGO, CHV e vacinação: Não estavam registrados no prontuário da paciente. EXAME FÍSICO: ECTOSCOPIA: BEG, ativa, corada, hidratada, eupneica, anictérica, acianótica, afebril e sem sinais de esforço respiratório. Sem petéquias. SNC: SP sem sinais meníngeos. C/P: SP, oro/otoscopia sem particularidades. ACV: BCRNFSS. AP: MV + bilat., sim., s/ RA. Abdome: Globoso, flácido, indolor à palpação. RHA +. S/ VCM. Pele: Sp. Extremidades: Pulsos presentes, simétricos. Sem edema. Boa perfusão. D1 (PA): Paciente retorna 24 horas após atendimento no PA, com piora clínica importante, em choque séptico, apresentou 3 PCRs com necessidade de drogas vasoativas e intubação orotraqueal. Realizou toracocentese bilateral com drenagem de 100 ml de líquido. Deu entrada na UTI. D1 (UTI): MEG, palidez cutâneo-mucosa, hidratada, intubada, pouco reativa ao exame, já em uso de adrenalina contínua. SatO2: 70% mesmo com ventilação manual, FC: 110 bpm. Bulhas cardíacas hipofonéticas, dois tempos, sem sopros. MV + diminuído á esquerda, com estertores crepitantes bilaterais. Abdome globoso, distendido, depressível, com fígado palpável á seis cm do rebordo costal direito. Pulsos periféricos não palpáveis, com perfusão periférica maior que cinco segundos. Na UTI apresentou mais 4 PCRs. Iniciado antibioticoterapia com cefepime 1g/10ml EV de 8 em 8 horas D2: Paciente estabilizada, em uso de droga vasoativa. Ecocardiografia mostrou suspeita de miocardiopatia dilatada com fração de ejeção de 18% . Substituído cefepime por ceftriaxona 1g/10ml EV de 12 em 12 horas mais oxacilina 500mg/5ml EV de 6 em 6 horas. D3: Paciente apresentou bradicardia (freqüência cardíaca menor que 60 bpm) com repercussão hemodinâmica, necessitando de reanimação cardio-pulmonar. D6: Suspenso drogas vasoativas. D7: Apresentou melhora do padrão respiratório sendo extubada. Retirado drenos de tórax. D8: Tomografia de crânio evidencia lesão isquêmica recente na região parietooccipital à esquerda. Solicitado avaliação da neurologia. D9: Avaliação da neurologia: pouco ativa, reage, não contactua, Glasgow de 11, diminuição dos movimentos e força no dimídio direito, principalmente membro superior direito. Pupilas médias, isocóricas, fotorreagentes, apresenta estrabismo convergente não fixo. Fecha os olhos espontaneamente. D10 – D14: Paciente apresenta recuperação do estado geral recebendo alta da UTI para a enfermaria. D15: Paciente foi admitida na enfermaria. Afebril, aceitando dieta, BEG, corada, hidratada, eupneica. Oto e oroscopia sp. MV+ bilateral com estertores finos, presença de enfisema subcutâneo à direita, sem sinais de esforço respiratório. Abdome globoso, flácido, indolor a palpação, s/ vcm. Diminuição da tonicidade do membro inferior direito. Finalizou atb terepia. D25: Paciente assintomática, BEG, corada, hidratada, eupneica, afebril, acianótica, anictérica, ativa e reativa. MV+ bilateral, s/ RA. BCRNF 2T sem sopro. Abdome, globoso, flácido, depressível, indolor a palpação, sem vcm, RHA+. Pulsos presentes, boa perfusão periférica. Tomado a conduta de alta hospitalar. RX D1 Rx D7 Rx D 13 HEMOGRAMA\DIA 08/fev 09/fev 11/fev 15/fev 23/fev 4.240.000 3.530.000 3.240.000 3.930.000 3.600.000 hemoglobina (g/dl) 10,8 9,2 8,3 10,2 9,7 volume globular (%) 35,3 29 26,1 32,5 30,4 83 82 80,4 82,7 84 Hb. Corpuscular média (pg) 25,5 26,2 25,4 26 26,9 CHCM (%) 30,7 31,9 31,6 31,5 31,9 RDW (%) 17,6 18 18,7 17,9 20,7 22.600 18.000 11.900 15.600 12.200 eosinófilos (%) 0 2 0 0 1 basófilos (%) 0 1 0 0 0 linfócitos (%) 37 20 19 41 52 monócitos (%) 3 5 4 2 9 neutrófilos (%) 60 72 77 57 38 linfócitos atípicos (%) 0 0 0 0 0 mielócitos (%) 0 0 0 0 0 metamielócitos (%) 0 0 0 0 0 12 12 5 1 2 Eritrócitos (/eaL) volume corpuscular médio (fL) Leucócitos (/eaL) bastonetes (%) Realizou Toracocentese e reanimação cardiorespiratória no pronto atendimento necessitando de droga vasoativa. Na admissão a UTI, paciente recebeu medidas de suporte, como decúbito elevado, ventilação mecânica, cateterismo vesical, cuidados com o dreno de tórax, sedação, analgesia, na unidade de terapia intensiva com necessitou de nova aplicação de adrenalina por parada cardio-respiratória. Iniciou antibióticoterapia. Com a evolução do caso a paciente foi reduzindo drogas vasoativas para manutenção de pressão arterial e freqüência cardíaca bem como diminuindo parâmetros de ventilação mecânica até que no D8 de internamento na UTI a paciente foi extubada e retirada às drogas vasoativas utilizadas no momento. Paciente apresentou boa evolução do caso com melhora do padrão respiratório, finalizando os esquemas antibióticos foi de alta após 24 dias de internamento. Fever without source: evaluation of a guideline. Beatriz Marcondes Machado, Débora Morais Cardoso, Milena de Paulis, Ana Maria de Ulhôa Escobar, Alfredo Elias Gilio. Jornal de Pediatria (Sociedade Brasileira de Pediatria) 2009. Objetivo: Avaliar um protocolo de atendimento para crianças de até 36 meses de idade em vigência de FSSL. Método: Estudo de atendidas no HU-USP. - Risco de IBG: TOXEMIA IDADE TEMPERATURA coorte em crianças TOXEMIA Inabilidade de interagir com os pais ou responsáveis Irritabilidade Alteração do nível de consciência Hipoatividade / hipotonia / letargia Hiper/Hipoventilação Hipotensão Taquicardia Sinais de má perfusão periférica / cianose IDADE Recém-Nascidos (< 30 dias) Lactentes Jovens (30-90 dias) Crianças de 3 a 36 meses RESULTADOS: Das 215 crianças acompanhadas, 20 estavam toxemiadas e 195 em BEG. Em 49,8% das crianças houve melhora espontânea do quadro febril. Em 40,9% foi identificada Dç benigna auto limitada. Em 9,3 (20 cças) IBG, destas: 16 ITU, 3 pneumonias e 1 BO. Cerca de 60% não recebeu ATB. Aprox. 40% recebeu ATB, e destas metade empiricamente. CONCLUSÃO: O protocolo mostrou-se adequado. Todas as crianças que apresentaram IBG foram identificadas. Predictors of serious bacterial infection in children aged 3 to 36 months with fever without source. Goh P L, Lee S W, Wong E H. Singaore Medical 2006; 47(4):276. Journal, OBJETIVO: Encontrar preditores de IBG em crianças de 3 a 36 meses de idade. MÉTODO: Estudo retrospectivo realizado no departamento de emergência do “KK Women´s and Children Hospital” em Singapura, onde prontuários de 86 crianças febris foram revisados, num período de cinco meses (10/2001 a 02/2002). RESULTADOS: ◦ Leucócitos > 16.000 células / mm3 = 5X mais chance de evoluir com IBG se febre inferior a 3 dias. ◦ Se leucócitos > 16.000 e febre > 3 dias esse risco sobe para 7 X. CONCLUSÃO: ◦ Não existe um método consistente e confiável para estimar o risco de IBG em crianças com FSSL. ◦ Para a população estudada, a contagem de leucócitos e o tempo de febre foram bons preditores de risco de infecção, dados BARATOS e de FÁCIL OBTENÇÃO. ◦ A habilidade clínica do médico assistente ainda é a melhor medida na tomada de conduta frente a um quadro de FSSL. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Larry J. Baraff, MD. Pediatric Annals, Volume 37, Issue 10, October 2008. OBJETIVO: Rever as evidências mais atuais sobre quais decisões devem ser tomadas frente a uma criança com FSSL. MÉTODO: Revisão sistemática da literatura. O autor subdivide a abordagem das crianças com FSSL por idade: Neonatos <28 dias Crianças de 29 a 90 dias Crianças de 3 a 36 meses NEONATOS (< 28 DIAS) ◦ Há dificuldade na comportamental. ◦ Esse grupo apresenta imunológica. avaliação diminuição do da estado função ◦ MAIOR FREQUÊNCIA DE INFECÇÕES BACTERIANAS GRAVES!!! ◦ Admissão hospitalar para avaliação (HMG/HMC, UI/UROC, LCR) e ATB parenteral se necessário. CRIANÇAS COM 29 – 90 DIAS: ◦ Esse grupo etário é avaliado conforme critérios de baixo risco para IBG (Rochester, Boston, Philadelphia e Pittsburgh). CRIANÇAS 3 a 36 MESES: ◦ Se vacinadas para HIB e PCV-7 e sem aparência toxêmica são consideradas de baixo risco para bacteremia oculta e meningite. ◦ Antes da vacina conjugada pneumocócica o risco de infecção em crianças febris (T>39ºC) por este agente era de 3%. Com a vacina tornou-se inferior a 1%. ◦ ITU: Deve ser considerada em qualquer criança, independente da idade com história de febre prolongada, especialmente se alteração anatômica do Ap. Ur. Criança de 18 meses com queixa de febre há 48 horas. Criança de 18 meses com queixa de febre há 48 horas. Anamnese e exame físico cuidadosos não revelavam sinais de gravidade bem como não revelavam foco infeccioso. Criança de 18 meses com queixa de febre há 48 horas. Anamnese e exame físico cuidadosos não revelavam sinais de gravidade bem como não revelavam foco infeccioso. Orientações de retorno em 48 horas para reavaliação ou antes se o quadro clínico piorasse. Alta com sintomáticos se febre superior a 38°C. Criança de 18 meses com queixa de febre há 48 horas. Paciente retorna em vigência de infecção 24 Hr bacteriana grave que evoluiu com várias complicações. Anamnese e exame físico cuidadosos não revelavam sinais de gravidade bem como não revelavam foco infeccioso. Orientações de retorno em 48 horas para reavaliação ou antes se o quadro clínico piorasse. Alta com sintomáticos se febre superior a 38°C. Conduta correta? Conduta adequada e amparada na literatura! Febre é um pediátricas. queixa Estar atento fundamental! para comum sinais de nas consultas gravidade é Anamnese: Idade Temperatura (intensidade, duração2) Diminuição do apetite Outros sintomas associados (calafrios2, sono, coriza, choro inconsolável, vômito, diarreia etc) Baraff, L J. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Pediatric Annals, 2010; Exame clínico adequado: ◦ Criança despida (cor, turgor da pele, presença de petéquias). ◦ Oximetria de pulso pode ser útil como um quinto dado vital como preditor de patologia pulmonar. ◦ Exame físico cuidadoso. Baraff, L J. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Pediatric Annals, 2010; Solicitação e interpretação de exames laboratoriais e de imagem de ser realizada com critério! Não existe um método confiável e definitivo para que se possa identificar o grupo de crianças com FSSL que irão desenvolver IBG. Muitos protocolos e estudos têm sido feitos ao longo do tempo para guiarem o pensamento clínico e a tomada de conduta do médico assistente. Apesar desses protocolos facilitarem a triagem das crianças em risco e minimizarem a chance de erro, nada é mais efetivo que a habilidade clínica e o julgamento criterioso, amparado no exame clínico e complementar adequados, do médico assistente. 1. Ishimine, P. Fever Without Source in Children 0 to 36 Months of Age. Pediatric Clinics of North America 53 (2006) 167-194. 2. Baraff, L J. Management of Infants and Young Children with Fever without Source. Pediatric Annals, Volume 37, Issue 10, Octuber 2010; 3. Goh, P L; Lee, S W; Wong, E H. Predictors of serious bacterial infection in children aged 3 to 36 months with fever without source. Singapore Medical Journal 2006; 47(4):276. 4. Machado, B M; Cardoso, D M; Paulis, M; Escobar, A M U; Gílio, A E. Febre sem sinais localizatórios: avaliação de um protocolo de atendimeto. Jornal de Pediatria – Vol. 85, No 5, 2009. 5. Janice E. Sullivan, Henry C. Farrar. Fever and Antipyretic http://pediatrics.aappublications.org/content/127/3/580.full.html. use in Children. Pediatrics 2011;127;580; Disponível em: 6. Hirschheiner M R. Protocolo sobre febre sem sinais de localização. Protocolo de assistência médico-hospitalar. Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, 2003. 7. Clinical Policy for Children Younger Than Three Years Presenting to the Emergency Department With Fever. Annals of Emergency Medicine 42:4. Página 530-546. Outubro 2003. 8. Bricks, L F. Tratamento da febre em crianças. Pediatria (São Paulo) 2006;28(3):155-8. 9. Brook I. Unexplained fever in young children: how to manage severe bacterial infections. BMJ 2003;327:1094-7. 10. Meremikwu M, Oyo-Ita A. Physical methods dor treating fever in children. Cochrane Database Syst Rev 2003;CD004264. 11. Murahovschi J. A criança com febre no consultório. Jornal de Pediatria – Vol 79, Supl. 1, 2003. 12. Isaccman DJ, Verdile VP, Kohen FP, Verdile LA. Pediatric telephone advice in the emergency department of mock scenario. Pediatrics 1992;89:35.