Acórdão do Tribunal da Relação do Porto,
Processo número 1451/08.8TJPRT.P1
20 de Abril de 2010, Relator – Sílvia Pires
Critérios de
Conformidade
Intervenientes
• A Autora – Compradora;
• A Ré - Vendedora
Dos Factos
• 1- A R., tem como actividade económica a
comercialização de sofás (marca D…);
• 2- A A., no intuito de comprar um sofá,
deslocou-se ao local de trabalho da R., e
procedeu à aquisição de dois sofás (marca D…,
modelo Richebourg Luxor), com o fim de os
mesmos virem a ser instalados na sua habitação
para sua utilização e de sua família. Compra
efectuada a 30 de Novembro de 2007.
• 3- Os sofás orçavam os 4788€ (quatro mil,
setecentos e oitenta e oito euros);
• 4- No acto da encomenda, foram entregues, pela
A., à R., 1259€ (mil duzentos e cinquenta e nove
euros), a título de adiantamento;
• 5- A R., afirmou que os modelos que estava a
vender eram de “altíssima qualidade, modelo
de luxo, que respeitavam os mais elevados
padrões de qualidade, quer ao nível do
enchimento – conforto, quer o tipo de pele
natural, quer da confecção, quer da
robustez e da sua durabilidade”
• 6- Ficou acordado que a entrega dos sofás se
realizaria no prazo de 60 dias;
• 7- A 28 de Fevereiro de 2008, a R., entrega os
sofás na residência da A;
• 8- Ainda durante a colocação dos sofás, a A.,
deu-se conta que estes apresentavam uma
tonalidade diferente da escolhida;
• 9- A A., Informou os funcionários da R., do
sucedido;
• 10- Os funcionários da R., afirmaram que os sofás
tomariam a cor e rugosidade escolhidas pela A.,
após a aplicação de um produto nos sofás.
• 11- Ainda no mesmo dia, os sofás sofreram a
pulverização de um líquido, pelos funcionários da
R., alertando a A., que após duas horas de secagem
os mesmos podiam ser utilizados.
• 12- Crente das informações, a A., pagou o
restante preço à R., 3529€ (três mil, quinhentos
e vinte e nove euros), acrescidos da quantia de
247€ (duzentos e quarenta e sete euros), para
protecção contra o aparecimento de nódoas ou
acidentes que pudessem vir a ser causados nos
sofás, pelo que a R., ficava comprometida na
reparação ou substituição destes;
• 13- Cerca de 48h depois, após a efectiva secagem, a
A., experimentou os sofás e verificou que: “quando
alguém se sentava neles, as almofadas dos
assentos, das zonas das costas e os apoios
dos braços – após terem sido simplesmente
tocados com os cotovelos – não retomavam a
sua forma originária, denotando um aspecto
de muito usados. Além disso, a A., também
constatou que as várias almofadas dos sofás,
quando colocadas, não eram contíguas,
lineares e uniformes. A zona das costas dos
sofás apresentava-se em pele aos quadrados,
quando nos modelos expostos e escolhidos
pelo A., estes apresentavam-se com a pele
cortada em tiras verticais, cosidas umas às
outras”
• 14- Os sofás demonstravam uma qualidade e
resistência que em muito divergiam dos
modelos escolhidos pela A;
• 15- Por telefone e por escrito, a A., informou a R., do
sucedido, comunicando-lhe a sua pretensão em
devolver os sofás contra o reembolso da quantia
dispendida na sua aquisição;
• 16- Por carta, a R., informou a A., de que, em sua
opinião, os sofás se apresentavam com aspecto
considerado normal, não aceitando a pretensão da
A., de resolução do contrato de compra e venda.
• 17- Na mesma carta afirmava a R., ainda a
possibilidade de, sob orientação do cliente,
proceder à alteração dos enchimentos, alterando
a rigidez pretendida mas, alertando para o facto
de este processo poder alterar o conforto dos
sofás – “uma das características que torna o
modelo Richebourg Luxor mais caro é o seu
revestimento”;
• 18- A A., não aceitou a proposta da R.,
continuando a pretender a resolução do
contrato.
Relação de consumo?
(Cumpre analisar, antes de mais, a inserção do caso em estudo como passível
de inserção numa relação de consumo para posterior aplicação do Direito
do consumo)
Encontramo-nos perante a celebração de um contrato de compra e
venda de bens futuros (art. 864.º e 880.º do Código Civil) que teve
por objecto sofás destinados pela A., a utilização na sua casa de
morada.
A R., dedica-se profissionalmente ao fabrico e venda de sofás, pelo
que, o contrato celebrado entre A., e R., se insere no âmbito das
relações de consumo – venda de bens por uma sociedade que
faz disso a sua actividade, a pessoa que não os destina a
actividade profissional.
Conformidade
ou
Desconformidade?
Artigo 2.º do DL 67/2003, de 8 de Abril:
(Conformidade com o contrato)
1- O vendedor tem o dever de
entregar ao consumidor bens que
sejam conformes com o contrato de
compra e venda
• 2- Presume-se que os bens de consumo não são
conformes com o contrato se se verificar algum
dos seguintes factos:
• a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou
não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao
consumidor como amostra ou modelos;
• b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os
destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e
que o mesmo tenha aceitado;
• c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do
mesmo tipo;
• d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do
mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à
natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas
características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu
representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
“Conformidade é a relação deôntica entre
duas entidades, a relação que se
estabelece entre algo como é e algo como
deve ser.
Distinguem-se duas modalidades de
conformidade, o referente e a referência,
relacionando-se o ser com o dever ser. O
referente é o objecto no acto de execução;
a referência é o contrato. Se o objecto na
execução for como deve ser então, há
conformidade. Se não for, haverá
desconformidade”
Carlos Ferreira de Almeida
De volta aos factos
• 5- A R., afirmou que os modelos que estava a
vender eram de “altíssima qualidade,
modelo de luxo, que respeitavam os mais
elevados padrões de qualidade, quer ao
nível do enchimento – conforto, quer o
tipo de pele natural, quer da confecção,
quer da robustez e da sua durabilidade”
• 8- Ainda durante a colocação dos sofás, a A., deu-se conta que
estes apresentavam uma tonalidade diferente da escolhida;
• 13- Cerca de 48h depois, após a efectiva secagem, a A.,
experimentou os sofás e verificou que: “quando alguém se
sentava neles, as almofadas dos assentos, das zonas das
costas e os apoios dos braços – após terem sido
simplesmente tocados com os cotovelos – não
retomavam a sua forma originária, denotando um
aspecto de muito usados. Além disso, a A., também
constatou que as várias almofadas dos sofás, quando
colocadas, não eram contíguas, lineares e uniformes. A
zona das costas dos sofás apresentava-se em pele aos
quadrados, quando nos modelos expostos e escolhidos
pelo A., estes apresentavam-se com a pele cortada em
tiras verticais, cosidas umas às outras”
Desta factualidade resulta que os sofás vendidos
não possuíam as qualidades do bem que a R.,
tinha apresentado ao consumidor A.
Presume-se
existir
desconformidade
entre os bens contratados e os entregues.
Aplicação da alínea a), do n.º 2, do art. 2,º do DL
67/2003, de 8 de Abril
Artigo 4.º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril
• 1- Em caso de falta de conformidade do bem
com o contrato, o consumidor tem direito a que
esta seja reposta sem encargos, por meio de
reparação ou substituição, à redução adequada
do preço ou à resolução do contrato.
A A., pretende a resolução do contrato que
celebrou com a R.
• A desconformidade é a falta de
conformidade, a divergência entre a
qualidade que tem e a qualidade que
devia ter a coisa prestada.
São reconhecidos aos consumidores direitos, a saber, reparação
ou substituição da coisa, redução do preço ou resolução do
contrato.
Directiva- A reparação e a substituição da coisa têm primazia
sobre os outros direitos do comprador, porque constituem
sucedâneos do cumprimento, tornando-se simples modificações
do cumprimento. Aparecem como uma nova hipótese para o
vendedor e representam para o comprador a possibilidade de
satisfazerem a prestação de origem – o seu direito a uma
prestação conforme.
Apesar disso, por vezes, após entrega desconforme, é
desproporcionado para o vendedor ou já não se mostra
adequado para a satisfação dos interesses do consumidor, sendo
a realização do Direito não mais possível, dispondo então este
último dos direitos de reduzir o preço ou resolver o contrato.
O modelo da Directiva 1999/44/CE não foi
estritamente seguido na transposição para o
Direito Português, segundo o qual o
consumidor detém o direito de liberdade de
escolha, salvo impossibilidade ou abuso de
direito.
O comprador, perante a desconformidade
do bem vendido pode, em princípio, desde
que respeite os princípios da Boa-Fé, os bons
costumes e a finalidade económico-social do
direito escolhido, optar pelo exercício de
qualquer um daqueles direitos, entre os
quais se insere o da resolução do contrato,
justificando-se a sua utilização desde que a
desconformidade que o bem apresenta não seja
insignificante.
No caso em análise o pedido de resolução
deduzido pela compradora A., não revela abuso
de direito, já que, na sequência da denúncia dos
defeitos e devido a insistência de A., a R.,
somente manifestou disponibilidade para
modificar o enchimento dos sofás, sem garantir
a sua comodidade.
Não
pretendeu
eliminar
todas
as
desconformidades detectadas e não garantiu que
os resultados da sua acção fossem bem
sucedidos,
não
tendo
ainda
mostrado
disponibilidade para a substituição dos sofás.
Conclui-se
TEM A A., DIREITO À
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
(sendo as desconformidades apuradas dotadas de
significativa relevância, não se apresentando
contrárias aos princípios da Boa-Fé, dos bons
costumes ou da finalidade económico-social do
direito de resolução, o seu exercício).
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R - Faculdade de Direito da UNL