TEMAS – PROVA 1 - Deve-se reduzir a maioridade penal no Brasil? 2 - O sistema de saúde deficiente: causas, consequências e soluções. 3 - A tolerância da sociedade brasileira à violência sexual contra mulheres". DATA: 20.09.2014 HORÁRIO: 08:OO hs 1 - Deve-se reduzir a maioridade penal no Brasil? Dois crimes violentos cometidos por menores de idade no Brasil em 2013 reacenderam uma antiga discussão que volta à tona a cada vez que um novo crime grave é praticado por um menor: o país deve reduzir a maioridade penal, hoje em 18 anos, para 16? Ou, as penas devem ser mais rígidas no caso de crimes graves? • O primeiro caso foi o de um jovem de 19 anos morto com um tiro na cabeça durante um assalto em frente ao prédio onde morava em São Paulo, no mês de abril. O ladrão era um adolescente de 17 anos. O menor se entregou à polícia um dia depois, quando completou 18 anos. O fato de ter 17 anos quando cometeu o crime o impediu de ser julgado pela justiça comum. • O outro caso ocorreu poucos dias depois em São Bernardo do Campo, em São Paulo, quando uma dentista teve seu consultório invadido por três homens que roubaram e a queimaram. Foram presos um rapaz de 24 anos, um de 21 e um menor de 17 anos. A responsabilidade por atear fogo na dentista foi atribuída ao menor, que pela idade, teria a pena amenizada, mesmo se tratando de um crime grave. Como é hoje? A maioridade penal aos 18 anos foi estabelecida na Legislação Brasileira em 1940. A norma foi regulamentada pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), criado em 1990. Com o estatuto, os menores infratores cumprem penas em unidades de internação – como a Fundação Casa, antiga Febem, em São Paulo --, e não no sistema penitenciário comum, e são submetidos, quando possível, a medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Os menores também não têm os crimes inclusos em sua ficha criminal. Hoje, pela lei, podem ser internados jovens entre 12 e 18 anos de idade. A permanência máxima em uma unidade de internação é de três anos. Os que defendem a redução da maioridade penal alegam que um jovem, que pode dirigir e votar aos 16 anos, tem consciência do que é cometer um crime. Os que defendem a manutenção da maioridade penal aos 18 anos argumentam que são necessárias a aplicação correta das punições e a melhoria das medidas socioeducativas que ajudariam o jovem a ser reinserido na sociedade. Como funcionam as prisões para menores Na época dos crimes citados acima, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, propôs um projeto que aumentava a pena para menores que cometessem crimes hediondos. Entre as mudanças estão o aumento do tempo de internação do menor de três para oito anos, a criação de um regime de atendimento para jovens de 18 anos, que não seriam colocados em prisões comuns. Atualmente, no Senado existem pelo menos 19 projetos que tratam, de alguma forma, do tema maioridade penal. Um deles, de autoria do senador Ivo Cassol (PP-RO), propõe que seja realizado um plebiscito para saber a opinião da população sobre redução da maioridade penal. Na Câmara, cerca de 30 projetos sobre o tema já tramitaram desde 2000. Hoje, pelo menos três estão em discussão na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Duas flexibilizam a maioridade de acordo com a gravidade do crime, e a terceira impõe a idade de 16 anos para que alguém seja considerado inimputável, ou seja, não possa ser responsabilizado criminalmente. MAIORIDADE PENAL NO MUNDO Não há nenhuma lei internacional que estipule a idade penal para adolescentes, o que varia de país para país. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança apenas recomenda a definição de uma idade mínima para a imputabilidade penal, sem especificar qual, e a única regra estipulada pela Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos da ONU (1966) é a proibição de condenar um menor de 18 anos à pena de morte. As formas de punição também variam. Nos Estados Unidos, os 50 Estados têm leis diferentes para julgar menores de idade e a maioridade penal varia de 11 a 18 anos. No entanto, cabe ao juiz estabelecer se o menor será ou não julgado como adulto, dependendo da gravidade do crime. No início de 2005, por exemplo, a Justiça da Carolina do Sul condenou Christopher Pittman a 30 anos de prisão pelo assassinato de seus avós, quando ele tinha 12 anos, em 2001. Pittman ficou recluso numa detenção juvenil até completar 17 anos (maioridade na Carolina do Sul) e hoje cumpre pena na cadeia. Portugal, México, Colômbia, Peru, Croácia e Alemanha, assim como o Brasil, aplicam medidas correcionais ao adolescente que ainda não atingiu a maioridade penal. França, Venezuela, Irlanda e Inglaterra adotam um sistema de penas amenizadas ao menor, tendo como base as penas aplicadas aos adultos. Já China, Polônia e Rússia aplicam a pena a um menor de 18 anos de acordo com a gravidade do crime. Outros países avaliam o discernimento do menor para aplicar uma sentença. Brasil: maioria é favorável à redução Uma pesquisa realizada em abril deste ano pelo Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos se mostraram favoráveis à redução. Outros 6% se disseram contra, e 1% não opinaram. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, declarou ser contrário à redução da maioridade. "Qualquer projeto que reduza a maioridade penal nos termos do que está hoje consagrado na Constituição Federal é inconstitucional, porque todos os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição são cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser modificados nem por emenda constitucional, (...) apenas com uma nova Constituição", disse ele, cuja opinião foi reforçada pela presidente Dilma Rousseff. Perfil dos menores infratores 95% homens e 5% mulheres. Entre os homens, a maioria (cerca de 70%) tem entre 16 e 18 anos. Em seguida vêm os meninos com idade entre 12 e 15 anos Internos com idade entre 16 e 18 anos também são os com maior índice de evasão escolar Os principais crimes cometidos pelos menores que estão nas unidades de internação e de semiliberdade são roubo (38,1%), tráfico (26,6%) e homicídio (8,4%) Os dados constam no relatório produzido pela Comissão de Infância e Juventude do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), com informações coletadas entre março de 2012 e março de 2013. O relatório ainda apontou a superlotação nas unidades de internação do Brasil. Os dados mostram que há superlotação em 287 unidades do total de 321 existentes no país. Hoje o Brasil oferece 15.414 vagas para menores nessas instituições, mas o número de menores cumprido punições é de 18.378. Razões para NÃO reduzir a maioridade penal O relatório de 2007 da Unicef “Porque dizer não à redução da idade penal” mostra que crimes de homicídio são exceção: “Dos crimes praticados por adolescentes, utilizando informações de um levantamento realizado pelo ILANUD [Instituto Latino- Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente] na capital de São Paulo durante os anos de 2000 a 2001, com 2.100 adolescentes acusados da autoria de atos infracionais, observa-se que a maioria se caracteriza como crimes contra o patrimônio. Furtos, roubos e porte de arma totalizam 58,7% das acusações. Já o homicídio não chegou a representar nem 2% dos atos imputados aos adolescentes, o equivalente a 1,4 % dos casos Redução da maioridade penal não diminui a violência. O debate está focado nos efeitos, não nas causas da violência Como já foi dito, a primeira reação de alguns setores da sociedade sempre que um adolescente comete um crime grave é gritar pela redução da maioridade penal. Ou quase isso: dificilmente vemos a mesma reação quando a vítima mora na periferia (nesses casos, a notícia vira apenas uma notinha nas páginas policiais). Mas vamos evitar leituras ideológicas do problema. A redução da maioridade penal não resolve nem ameniza o problema da violência. “Toda a teoria científica está a demonstrar que ela [a redução] não representa benefícios em termos de segurança para a população”, afirmou em fevereiro Marcos Vinícius Furtado, presidente da OAB. A discussão em torno na maioridade penal só desvia o foco das verdadeiras causas da violência. O Instituto Não Violência é bem enfático quanto a isso: “As pesquisas realizadas nas áreas social e educacional apontam que no Brasil a violência está profundamente ligada a questões como: desigualdade social (diferente de pobreza!), exclusão social, impunidade (as leis existentes não são cumpridas, independentemente de serem “leves” ou “pesadas”), falhas na educação familiar e/ou escolar principalmente no que diz respeito à chamada educação em valores ou comportamento ético, e, finalmente, certos processos culturais exacerbados em nossa sociedade como individualismo, consumismo e cultura do prazer. No site da Fundação Casa temos acesso a uma pesquisa que revela o perfil dos internos (2006): A redução da maioridade penal tornaria mais caótico o já falido sistema carcerário brasileiro e aumentaria o número de reincidentes Prisão superlotada em São Paulo • Dados objetivos: Temos no Brasil mais de 527 mil presos e um déficit de pelo menos 181 mil vagas. Não precisamos nos aprofundar sobre a superlotação e as condições desumanas das cadeias brasileiras, é óbvio que um sistema desses é incapaz de recuperar alguém. • A inclusão de adolescentes infratores nesse sistema não só tornaria mais caótico o sistema carcerário como tende a aumentar o número de reincidentes. Para o advogado Walter Ceneviva, colunista da Folha, a medida pode tornar os jovens criminosos ainda mais perigosos: “Colocar menores infracionais na prisão será uma forma de aumentar o número de criminosos reincidentes, com prejuízo para a sociedade. A redução da maioridade penal é um erro.” • A Unicef também destaca os problemas que os EUA enfrentam por colocar adolescentes e adultos nos mesmos presídios. “Conforme publicado este ano [2007] no jornal The New York Times, a experiência de aplicação das penas previstas para adultos para adolescentes nos Estados Unidos foi mal sucedida resultando em agravamento da violência. Foi demonstrado que os adolescentes que cumpriram penas em penitenciárias, voltaram a delinquir e de forma ainda mais violenta, inclusive se comparados com aqueles que foram submetidos à Justiça Especial da Infância e Juventude.” O texto em questão foi publicado no New York Times em 11 de maio de 2007 e está disponível na íntegra na página 34 no documento em PDF da Unicef. Ao contrário do que é veiculado, reduzir a maioridade penal não é a tendência do movimento internacional Tenho visto muitos textos afirmando que o Brasil é um dos raros países que estipulou a maioridade penal em 18 anos. Tulio Kahn, doutor em ciência política pela USP, contesta esses dados. “O argumento da universalidade da punição legal aos menores de 18 anos, além de precário como justificativa, é empiricamente falso. Dados da ONU, que realiza a cada quatro anos a pesquisa Crime Trends (Tendências do Crime), revelam que são minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos e que a maior parte destes é composta por países que não asseguram os direitos básicos da cidadania aos seus jovens.” Ainda segundo a Unicef “de 53 países, sem contar o Brasil, temos que 42 deles (79%) adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. Esta fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos. Em outras palavras, no mundo todo a tendência é a implantação de legislações e justiças especializadas para os menores de 18 anos, como é o caso brasileiro.” EXEMPLO DE TEXTO DISSERTATIVO-ARGUMENTATIVO Toda vez que o país se vê diante de mais um crime brutal cometido por menores, como o que ocorreu recentemente em São Paulo, um jovem prestes a completar 18 anos assassinou um universitário por causa de um celular, há uma comoção da opinião pública no sentido de reduzir a maioridade penal no Brasil. Mas, antes de tudo, deve-se refletir se diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos seria a melhor escolha, isso levando em consideração a situação econômica e social do país e seus índices ainda insatisfatórios no que concerne à educação infantil e o ensino médio nas escolas públicas. Além disso, convém refletir sobre o sentido maior da justiça. Seria uma expressão coerente da justiça trancafiar um criminoso e deixá-lo padecer nas condições desumanas em que se encontram as prisões brasileiras? A respeito da redução da maioridade penal, o presidente nacional da OAB, Marcos Vinícius Furtado, confirma: "Seria um retrocesso para o país, além de transformar o menino num delinquente sujeito à crueldade das prisões." Portanto, a discussão despertada pelos eventos e pela mídia leva a uma reflexão muito mais urgente para o país, referente às condições enfrentadas por muitos jovens brasileiros, que os levam a recorrer às drogas e à violência, que devem ser acabadas ou significativamente reduzidas, além das condições das prisões brasileiras que devem ser melhoradas. Além disso, cabe aos cidadãos e ao Estado rever as condições em que a justiça pode ser feita, pois é necessário uma reformulação urgente do Código Penal.