Da teoria da burocracia à demonização da burocracia e do burocrata Burocracia “Uma estrutura social na qual a direção das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado, que deve agir segundo critérios impessoais e métodos racionais” (Motta, 1985, p. 7). Por que obedecemos? Alguns conceitos fundamentais Poder: A probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominação: é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas. Obediência: quando a ação de quem obedece ocorre substancialmente como se este tivesse feito do conteúdo da ordem e em nome dela a máxima de sua conduta, sem tomar em consideração a opinião própria sobre o valor ou desvalor da ordem como tal. Disciplina: é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem, entre um conjunto de pessoas, em virtude de atividades treinadas. Racionalidade Ação social pode ser determinada: De modo afetivo; De modo tradicional; De modo racional referente a fins; De modo racional referente a valores. Burocracia As categorias fundamentais da autoridade racional-legal são: Um organização contínua de cargos; Uma área específica de competência; A organização dos cargos obedece ao princípio da hierarquia; As normas que regulam o cargo podem ser regras técnicas ou normas; Os membros estão separados da propriedade dos meios de produção e administração; Há completa ausência de apreciação do cargo pelo ocupante (garantia do caráter objetivo); Todos os atos são registrados em documentos; Pode ser exercida em uma ampla variedade de formas diferentes. Burocracia Na vida cotidiana dominação é, em primeiro lugar, administração (Weber, 1991, p. 144). O tipo mais puro de dominação legal é o que se exerce por meio de um quadro administrativo burocrático. Burocracia Os funcionários individuais do quadro administrativo : São livres, obedecem somente às obrigações do cargo; São nomeados, numa hierarquia de cargos; Têm competências funcionais fixas; São regulados por contrato (as competências); Têm qualificação profissional; São remunerados com salários fixos em dinheiro; Exercem o cargo como profissão única; Têm perspectiva de carreira; Não possuem os meios de produção, nem os cargos; Estão submetidos a um sistema rigoroso de disciplina e controle. Burocracia Conseqüências principais da dominação burocrática: Nivelamento para garantir uma base de recrutamento ampla; Tendência à plutocratização para garantir a longa formação profissional necessária; Predominância de um espírito de impessoalidade formalista (sine ira et studio). A demonização da burocracia e do burocrata O começo: disfunções da burocracia Lembrando: uma das contribuições de Weber à análise da burocracia foi relacioná-la ao processo de racionalização do mundo moderno; Weber não foi nem o criador nem o defensor da burocracia. A transição da teoria weberiana de origem europeia para a sociologia americana foi feita inicialmente por Talcott Parsons, que traduziu textos para a língua inglesa e, também, para o seu próprio referencial: sistema social. Um parêntese: Parsons e os sistemas sociais Características básicas do funcionalismo - método de análise Explicação dos fenômenos sociais: a) micro - escolhas e decisões dos indivíduos explicadas pela socialização como processo interno e pela diferenciação de papéis e controle social como processos externos ordem social; b) macro - decisões e escolhas dos grupos sociais nas organizações e na sociedade pela diferenciação estrutural dos sistemas sociais - processo interno + especificações normativas e transações com o ambiente como processos externos ordem social. Funções do sistema social voltadas para a sua sobrevivência Latência - sistema se sustenta e se reproduz continuamente pela transmissão de valores e padrões culturais que o embasam. Integração - assegura coerência e coordenação entre indivíduos e grupos, bem como entre as partes diferenciadas do sistema. Gerar e atingir objetivos Adaptação - busca de recursos para a sobrevivência. Sistema social fornece valores (latência) Contribuindo para a adaptação do sistema pela produção dos recursos fundamentais para sua sobrevivência Indivíduos se integram na sociedade Buscando atingir os objetivos fornecidos pelo sistema Modelo de Parsons: cultura e ação individual Adaptação às estruturas Luta pela realização dos objetivos individuais Valores e cultura Integração e normas de interação A tradução parsoniana de Weber 1937 Ênfase no caráter normativo da ação social. Uma organização é definida pela primazia de um determinado tipo de meta, o foco do seu sistema de valores terá de ser o da legitimação de suas metas, em termos do significado funcional de sua realização para o sistema superior (isto é, o sistema social) e, em segundo lugar, a legitimação da primazia dessa meta sobre outros possíveis interesses e valores da organização e de seus membros. O tipo ideal deixa de ser uma ferramenta, sendo interpretado como um modelo. Sendo um modelo ... Os atributos do tipo ideal se transformam em funções a serem efetivamente executadas para que o sistema seja eficiente. Modelo: Uma estrutura social racionalmente organizada envolve padrões de atividade claramente definidos, nos quais, idealmente, todas as séries de ações estão funcionalmente relacionadas aos fins da organização. Disfunções: situações nas quais uma ou mais funções não estão presentes. Principais autores: Merton, Selznick, Gouldner. Origina-se, então, o senso comum Burocracia é sinônimo de... A NOVA ORTODOXIA Contexto: reaganismo e tatcherismo 1989- Washington - convocados pelo Institute for International Economics, funcionários do FMI, Banco Mundial, BID e do governo norte-americano discutem o tema Latin American Adjustment: How Much has Happened?, para avaliar as reformas econômicas em curso. John Willianson, economista e diretor do Instituto promotor do encontro, falinhavou os dez pontos consensuados e a expressão "Consenso de Washington“: disciplina fiscal – limitação dos gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; focalização dos gastos públicos; Reforma tributária ampliando a base de incidência da carga tributário, maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos diretos; liberalização financeira e afastamento do Estado do setor, taxa de câmbio competitiva; Liberalização do comércio exterior; eliminação de restrições ao capital externo; privatização, com a venda de empresas estatais; redução dos controle do processo econômico e das relações trabalhistas; propriedade intelectual. Neoliberalismo Financeirização: relocalização do poder de acumulação do capital dos proprietários para as instituições financeiras às expensas de outras frações do capital. Desregulações, privatizações e a retirada do Estado de muitas áreas do bem-estar social. Para David Harvey: destruição criativa, não somente dos antigos poderes e estruturas institucionais, mas também de modos de vida e de pensamento, de atividades reprodutivas, das formas de ligação à terra e das relações afetivas. Para construir o consenso Foi necessário propor um aparato conceitual que mobilizasse “sensações e instintos”, valores e desejos, assim como as possibilidades inerentes ao mundo social. Foi preciso conquistar o consentimento geral, construído com base em práticas de longa data de socialização cultural, gerando um senso comum. Foi preciso atacar a credibilidade de instituições que se colocavam no caminho do consentimento geral. Em síntese: O neoliberalimso é uma teoria das práticas político- econômicas que propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizadas por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comercio. O papel do Estado é criar e preservar um estrutura institucional apropriada a essas práticas, o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direito de propriedade individuais e para assegurar, se necessário, pela força, o funcionamento adequando dos mercados. ( HARVEY, 2005, p.12) Gerencialismo A gestão (e o gerencialismo) se tornou a tecnologia generalizada de controle, produzindo um modelo hegemônico de organização. Como ideologia transplanta o ethos de negócios do setor privado para a administração pública: as virtudes dos gestores eram comparadas com as falhas de burocratas, profissionais e políticos; enquanto os burocratas eram submetidos a regras, voltados para dentro e inertes, os gestores eram inovadores, voltados para fora e dinâmicos; enquanto os profissionais eram paternalistas, desenvolviam místicas de expertise para ocultar e proteger seu poder e eram autorreguladores, os gestores eram centrados no cliente, criavam organizações transparentes e eram testados no mundo real do mercado; enquanto os políticos eram dogmáticos, interferentes e mutáveis, os gestores eram realistas, capazes de assumir uma visão estratégica e, desde que recebessem liberdade para gerir, conseguiam cumprir a promessa de que fariam a coisa certa. Gerencialismo na AP É uma ideologia que legitima direitos ao poder, especialmente ao direito de gerir, construídos como necessários para alcançar maior eficiência na busca de objetivos organizacionais e sociais. É uma estrutura calculista que organiza o conhecimento sobre as metas organizacionais e os meios para alcançá-las. ‘Verdades globais’ Coincidentemente, estas “verdades”, nos diversos espaços de vida e ação social, possuem um mesmo pano de fundo (de caráter marcadamente ideológico): as concepções da nova economia política. Em síntese: uma mistura dos referenciais da economia dos custos de transação com a teoria da escolha pública e a teoria da agência, com ingredientes de uma versão modernizada da tradição corporificada no trabalho de Frederick Taylor e da teoria do processo decisório à moda de Herbert Simon. A ‘verdade global’ sobre a AP: As burocracias públicas são incapazes de um gerenciamento eficiente e, em decorrência, suas funções devem, sempre que possível, passar para a execução de organizações privadas com fins lucrativos. Quando este não for o caso (ações e serviços com alto grau de externalidade ou que se dirigem a grupos populacionais sem condições de compra) podem ser executadas por organizações públicas não estatais (OSCIPS ou ONGs). As organizações públicas ou sem fins lucrativos devem adotar formas organizacionais e modelos de gestão das organizações privadas, que teriam sua eficiência evidenciada pela mera capacidade de sobreviver e expandir-se em ambientes competitivos. Mudanças organizacionais para transformar a AP Separação da elaboração das políticas da provisão, com uma correspondente centralização do controle sobre os recursos orçamentários em relação aos resultados produzidos. Introdução do princípio do pagamento por parte dos usuários, ainda que através de subsídios. Concentração das decisões estratégicas em pequenos grupos. Abolição do monopólio público na provisão dos serviços, introduzindo o princípio da competição. Enfoque da Nova Administração Pública - NAP Assume implicitamente que o setor público e o setor privado são similares em sua essência. Respondem aos mesmos incentivos e processos. As agências governamentais podem ser vistas como corpos empresariais que funcionam melhor em um ambiente competitivo. Separar a operação da formulação de políticas, entendida agora, como a definição de objetivos e da missão da organização, de metas de desempenho e indicadores de avaliação. Traços comuns em diferentes contextos: Mudança de ênfase do processo de elaboração de políticas para habilidades gerenciais, de processos para resultados, de hierarquias ordenadas para bases mais competitivas para a provisão de serviços, de pagamentos fixos para variados, de serviços uniformes e inclusivos para contratos de provisão. Teria se constituído um novo paradigma - pósburocrático, que corresponderia ao surgimento de uma cultura em que relações organizacionais, enfoques operativos, tecnologias administrativas, mística e atitudes seriam de um novo tipo. O cliente consumidor é rei! Para o vitorioso paradigma do mercado o autointeresse do indivíduo consumidor, manifesto em preferências expressas, forma a referência para toda a decisão administrativa. A satisfação material dessas preferências é assumida como sendo de fundamental importância para a política governamental, que deve ser limitada para não interferir com a produção e nas relações no mercado. Não existem comunidades, apenas agregados de indivíduos. Portanto, o conflito em torno de fins políticos e sociais pode ser ignorado e a atenção ser dirigida para o desenvolvimento de modos mais eficientes e efetivos de atingir fins – é o império da racionalidade instrumental. Segundo Luiz Carlos Bresser Pereira (http://blogs.al.ce.gov.br/unipace/files/2011/11/Bresser1.pdf) Precedentes: Após a II Guerra Mundial há uma reafirmação dos valores burocráticos, mas, ao mesmo tempo, a influência da administração de empresas começa a se fazer sentir na AP. As ideias de descentralização e de flexibilização administrativa ganham espaço em todos os governos. A reforma da administração pública só ganhará força a partir dos anos 70, quando tem início a crise do Estado, que levará à crise também a sua burocracia. Nos anos de 1980 inicia-se uma grande revolução na administração pública dos países centrais em direção a uma administração pública gerencial. Aonde: Os países em que essa revolução foi mais profunda foram o Reino Unido, a Nova Zelândia e a Austrália (NAP). Nos Estados Unidos essa revolução irá ocorrer principalmente a nível dos municípios e condados revolução que o livro de Osborne e Gaebler, Reinventando o Governo (1992) descreverá de forma tão expressiva. É a administração pública gerencial que está surgindo, inspirada nos avanços realizados pela administração de empresas. Contornos da nova administração pública Descentralização do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais. Descentralização administrativa, através da delegação de autoridade para os administradores públicos transformados em gerentes crescentemente autônomos. Organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de Piramidal. Pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total. Controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos. Administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de autorreferida. Antes... A Reforma do DASP – Decreto Lei 200. Transferência das atividades de produção de bens e serviços para autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, consagrando e racionalizando uma situação que já se delineava na prática. Princípios de racionalidade administrativa: planejamento e o orçamento, descentralização e controle dos resultados. Nas unidades descentralizadas foram utilizados empregados celetistas, submetidos ao regime privado de contratação de trabalho - momento era de grande expansão das empresas estatais e das fundações. Constituição Federal de 1988 Momento de retrocesso burocrático. Afirmação de privilégios corporativistas e patrimonialistas. Crise fiscal e do modo de intervenção do Estado na economia e na sociedade começaram a ser percebidas a partir de 1987. Os constituintes de 1988, entretanto, não perceberam a crise fiscal, muito menos a crise do aparelho do Estado. Não se deram conta, portanto, que era necessário reconstruir o Estado. Que era preciso recuperar a poupança pública. Que era preciso dotar o Estado de novas formas de intervenção mais leves, em que a competição tivesse um papel mais importante. Que era urgente montar uma administração não apenas profissional, mas também eficiente e orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos. A reforma do Ap. de Estado - 1995 Ajuste fiscal – exoneração de pessoal; reforma previdenciária; tetos remuneratórios. Modernização ou aumento da eficiência da administração pública - fortalecer a administração pública direta ou o “núcleo estratégico do Estado”, e descentralizar a administração pública através da implantação de “agências autônomas” e de “organizações sociais” controladas por contratos de gestão. Núcleo estratégico Define as leis e políticas públicas. É um setor relativamente pequeno, formado, em nível federal, pelo Presidente da República, pelos ministros de Estado e a cúpula dos ministérios, responsáveis pela definição das políticas públicas, pelos tribunais federais encabeçados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público. Classificação das atividades Exclusivas do Estado - aquelas em que o “poder de Estado”, ou seja, o poder de legislar e tributar é exercido. Inclui a polícia, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e de regulamentação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de recursos. Serviços não-exclusivos ou competitivos do Estad0 – ele realiza e/ou subsidia porque os considera de alta relevância para os direitos humanos, ou porque envolvem economias externas, não podendo ser adequadamente recompensados no mercado através da cobrança dos serviços. Produção de bens e serviços para o mercado é realizada pelo Estado através das empresas de economia mista, que operam em setores de serviços públicos e/ou em setores considerados estratégicos. Sobre a propriedade Pública - a propriedade que é de todos e para todos. Estatal - instituição que detém o poder de legislar e tributar, é estatal a propriedade que faz parte integrante do aparelho do Estado, sendo regida pelo Direito Administrativo. Privada - propriedade que se volta para o lucro ou para o consumo dos indivíduos ou dos grupos. Uma fundação “de Direito Privado”, embora regida pelo Direito Civil, é uma instituição pública. Em princípio Todas as organizações sem fins lucrativos são ou devem ser organizações públicas não estatais. Setores do Estado, forma de propriedade e administrção, organizações Forma de propriedade Estatal Pública não Privada estatal Forma de administração Organização Burocrática Gerencial Atividade Núcleo exclusiva estratégico do Estado Congresso, tribunais superiores, Presidência, cúpula dos ministérios Atividade Unidades exclusiva descentralizadas: do Estado Política, regulamentação, fiscalização, fomento da área social e científica, seguridade social básica. Serviços não Publicizaexclusivos: ção escolas, hospitais, centros de pesquisa, museu s Produção para o Privatização mercado: empresas estatais Fonte: Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado (MARE, 1995) Secretarias formuladoras de políticas. Contrato de gestão. Agências executivas e autônomas. Organizações Sociais. Empresas privadas No Governo Lula Aumento do número de servidores no nível federal, na lógica da Reforma da APG (de 485.741 para 542.843 ). No entanto: o emprego público diminuiu não só a sua participação em relação ao total de ocupados de 11,3% (1995) para 10,7% (2005), mas também em relação ao total do emprego formal que passou de 32,7% (1995) para 25,9% (2005). Manteve-se estável a relação entre emprego público e o total da população, ou seja, 5,14% (1995) e 5,07% (2005). No Governo Lula Focalização das políticas sociais. Ênfase na função do Estado apenas como regulador e fiscalizador dos serviços sociais. Aprofundamento da diluição das fronteiras entre o público e o privado. Ex: PPPs - por intermédio de uma PPP, a União, os Estados ou os Municípios podem selecionar e contratar empresas privadas que ficarão responsáveis pela prestação de serviços de interesse público por prazo deterninado. As principais leis que regem as PPPs são as Leis Federais nº 8.987/1995 e nº 11.079/2004. Outro exemplo: fundações estatais na saúde. Origem: Proposta do Ministério da Saúde - http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0862_M.pdf A possibilidade de criação de fundações estatais pelos entes federados, mesmo diante da inexistência de lei complementar federal estabelecendo as áreas de atuação das fundações. Regime jurídico para contratação de pessoal, tal qual ocorre com as empresas públicas e as sociedades de economia mista, é o celetista. Mais uma reforma, por dentro, do SUS.