Atividades e atos
administrativos
Aula 2
Princípio da legalidade e poder regulamentar
Caso gerador

Lei estadual garante ao servidor público (policial) 50% de
adicional em caso de horas extras, limitadas a 40 horas mensais

Dez anos depois, decreto do governador determina (i) limitação
temporária de valor máximo que cada servidor poderá receber
mensalmente por prestação de horas extras, em valor inferior ao
correspondente a 40 horas mensais; (ii) instituição de escala
visando a que nenhum servidor ultrapasse a quantidade de horas
passíveis de serem remuneradas pelo valor exposto em (i)

Um mês depois, Governador exara novo decreto, revogando o
item (ii) e determinando que, em caso de grave perturbação da
ordem ou situações extraordinárias, qualquer policial possa ser
convocado, ainda que já tenha cumprido sua limitação de horasextras, sem pagamento das horas de trabalho “estouradas”
Decisão de 2ª instância

“...Pode o Governador do Estado no exercício
de suas atribuições expedir providência restritiva
visando assegurar a saúde do servidor, a
eficiência do serviço policial e a capacidade do
erário em honrar seus compromissos,
autorização implícita nas leis que geraram o
direito invocado”
Princípio da legalidade aplicado à
Administração

Vinculação negativa à lei –Administração não
pode fazer o que a lei proíbe

Vinculação positiva à lei – Administração
somente pode agir quando houver lei
autorizativa e tem o dever de promover os
objetivos previstos na lei
Reserva de lei

Direito brasileiro : regra geral = reserva de lei
=> Administração não pode exigir do cidadão
comportamento que não esteja exposto em lei em
sentido estrito

Na França: reserva de regulamento
=> Excetuados os espaços especificamente destinados
pela Constituição à lei, tudo o mais pode ser
normatizado através de regulamento do Poder
Executivo
Constituição de 1988

Art. 5º, II (indivíduo – autonomia da vontade)
Art. 5º. (...)
III - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei

Art. 37, caput (Administração Pública)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19,
de 1998)
Constituição francesa de 1958

Art. 34. - La loi est votée par le Parlement.
La loi fixe les règles concernant :
- les droits civiques et les garanties fondamentales accordées aux citoyens pour
l'exercice des libertés publiques ; les sujétions imposées par la Défense
Nationale aux citoyens en leur personne et en leurs biens ;
- la nationalité, l'état et la capacité des personnes, les régimes matrimoniaux,
les successions et libéralités ;
- la détermination des crimes et délits ainsi que les peines qui leur sont
applicables ; la procédure pénale ; l'amnistie ; la création de nouveaux ordres
de juridiction et le statut des magistrats ;
(Continua...)
Constituição francesa de 1958

Art. 37 - Les matières autres que celles qui sont du
domaine de la loi ont un caractère réglementaire.
(Art. 37. As demais matérias que não as de
domínio da lei têm um caráter regulamentar)
Regulamentos no direito brasileiro
Decretos
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente
da República:
(...)
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as
leis, bem como expedir decretos e regulamentos
para sua fiel execução;
Celso Antônio Bandeira de Mello
“Só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei
se impõem obrigações de fazer ou não-fazer. Vale dizer:
restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser
imposta se não estiver previamente delineada,
configurada e estabelecida em alguma lei, e só para
cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode
expedir decretos e regulamentos.”

Só existiriam regulamentos conforme a lei...
Demais normas regulamentares

A redação do art. 84, IV, da Constituição é compatível com a
criação de outros espaços normativos no âmbito do Poder
Executivo com vinculação a terceiros?
Duas correntes...
-
não! O poder regulamentar é privativo do Chefe do Executivo,
qualquer exercício de competência normativa por outros entes
administrativos viola o art. 84, IV, CF/88, exceto quando a
função reguladora já estiver prevista na própria Constituição
-
sim! 84, IV não afasta a possibilidade de a lei designar outros
espaços normativos no âmbito do Executivo (ex. regulamentos
autorizados)
O regulamento autorizado

A lei fixa princípios gerais com elevado teor de
abstração e atribui a um ente da Administração
Pública a competência de densificá-los. Podem
ser criados direitos e obrigações nessas bases ou
haveria inconstitucionalidade, por ofensa ao
princípio da legalidade ?
Exemplo

Art. 4º, II, Lei nº 9.984/2000
“Art. 4º. A atuação da ANA obedecerá aos
fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da
Política Nacional de Recursos Hídricos e será
desenvolvida em articulação com órgãos e entidades
(...), cabendo-lhe: (...)
II - Disciplinar, em caráter normativo, a implementação,
operacionalização, o controle e a avaliação dos
instrumentos da Política Nacional de Recursos
Hídricos”
Duas correntes...

Não! Delegação legislativa disfarçada sem observância
dos requisitos da Constituição!

Sim! Não há ofensa ao princípio da legalidade porque o
Legislador exercitou sua competência e, ao fazê-lo,
atribuiu
espaços
normativos
a
autoridades
administrativas (p.ex. CVM, CMN, ANATEL...).
Justifica-se especialmente em casos de complexidade
técnica e que envolvem relação de especial sujeição
Obs. Lei delegada
É
forma de normatização primária pelo Presidente da República
Ver
limites e formalidades na Constituição
“Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que
deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. (...)
§ 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do
Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso
Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.”
Caso gerador – STJ, RMS 22828
DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR DO
ESTADO DE SANTA CATARINA. INDENIZAÇÃO DE
ESTÍMULO OPERACIONAL. ALTERAÇÃO DA FORMA DE
CÁLCULO DA PARCELA POR DECRETO. ILEGALIDADE.
RECURSO PROVIDO.
1. O decreto, como norma secundária – que tem função
eminentemente regulamentar, conforme o art. 84, inc. IV, da
Constituição Federal –, não pode contrariar ou extrapolar a lei,
norma primária. Não pode restringir os direitos nela preconizados.
Isso porque tão-somente a lei, em caráter inicial, tem o poder de
inovar no ordenamento jurídico.
2. Os Decretos Estaduais 2.697/04 e 2.815/04 modificaram
substancialmente a forma de cálculo da Indenização de Estímulo
Operacional, parcela destinada ao pagamento de serviço
extraordinário e noturno, consoante estabelecido nas Leis
Complementares Estaduais 137/95 e 254/03. Em conseqüência,
quanto a esse aspecto, mostram-se ilegais, porquanto contrariam a
lei.
Caso gerador – STJ, RMS 22828



3. Os decretos em referência foram além das leis que
regulamentaram, ao autorizarem que o administrador não mais
pagasse ao servidor público o valor correspondente às horas
extras efetivamente trabalhadas, de acordo com a forma de
cálculo fixada pela lei, permitindo, assim, o enriquecimento sem
causa do Estado. Além disso, permitiram que o servidor público
percebesse menos pela mesma quantidade de horas extras
prestadas. Assim, violaram o princípio da irredutibilidade de
vencimentos, preconizado pelo art. 37, inc. XV, da Constituição
Federal.
4. Recurso ordinário provido.
(RMS 22828/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA,
QUINTA TURMA, julgado em 18.03.2008, DJ 19.05.2008 p. 1)
Princípio da legalidade
e poder regulamentar
Existe espaço no ordenamento
brasileiro para os decretos autônomos?
Classificação dos regulamentos

Regulamento “praeter legem”

Regulamento “secundum legem”

Regulamento “contra legem”
Qual(is) é(são) admitidos no direito brasileiro?
Visão clássica

Apenas os regulamentos de execução são
admitidos, em virtude do princípio da legalidade,
ressalvada a previsão do art. 84, VI, CF/88 que,
entretanto, tem um escopo de aplicação bastante
reduzido
Art. 84, VI
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República:
(...)
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração
federal, quando não implicar aumento de despesa
nem criação ou extinção de órgãos públicos
Regulamento autônomo

O que é?

Regulamento retira seu fundamento de validade
diretamente da Constituição, não necessitando
da prévia existência de lei em sentido estrito
Regulamento autônomo

Art. 84, VI, (a), CF
=> Redação dada pela Emenda Constitucional 32/2001
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República:
(...)
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração
federal, quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos
Correntes no direito brasileiro

1ª: continua a negar a existência de regulamento
autônomo, por ofensa ao princípio da legalidade

2ª. Art. 84, VI, instaura “reserva de poder
regulamentar à Administração” vedando ao
legislador normatizar a matéria

3ª. Princípio da preferência da lei (lembrando
que essa deverá ser de iniciativa do Presidente...)
Art. 103-B, §4º, I, CF/88
“Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e
financeira do Poder Judiciário (...), cabendo-lhe (...):
I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do
Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no
âmbito de suas competências, e recomendar providências”
Idem
para o CNMP =. Art. 130-A, §2º, I, CF/88
Considere a seguinte lei do RS:
“Art. 2º. É assegurado ao aluno, por motivo de crença
religiosa, requerer à instituição educacional em que
estiver regularmente matriculado, seja ela pública ou
privada, e de qualquer nível, que lhe sejam aplicadas
provas e trabalhos em dias não coincidentes com o
período de guarda religiosa.
§1º. A instituição de ensino fixará data alternativa para a
realização das atividades estudantis, que deverá
coincidir com o período ou turno em que o aluno
estiver matriculado, contando com sua expressa
anuência, se em turno diferente daquele”.
ADI 2806-5/RS
EMENTA:
AÇÃO
DIRETA
DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 11.830, DE 16 DE
SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL. ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO
PÚBLICO ESTADUAL E DOS ESTABELECIMENTOS DE
ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS AOS DIAS DE GUARDA
DAS DIFERENTES RELIGIÕES PROFESSADAS NO
ESTADO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 22, XXIV; 61, § 1.º,
II, C; 84, VI, A; E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
No que toca à Administração Pública estadual, o diploma
impugnado padece de vício formal, uma vez que proposto por
membro da Assembléia Legislativa gaúcha, não observando a
iniciativa privativa do Chefe do Executivo, corolário do princípio da
separação de poderes.
ADI 2806-5/RS
“Já, ao estabelecer diretrizes para as entidades de ensino
de primeiro e segundo graus, a lei atacada revela-se
contrária ao poder de disposição do Governador do
Estado, mediante decreto, sobre a organização e
funcionamento de órgãos administrativos, no caso das
escolas públicas; bem como, no caso das particulares,
invade competência legislativa privativa da União. Por
fim, em relação às universidades, a Lei estadual n.º
11.830/2002 viola a autonomia constitucionalmente
garantida a tais organismos educacionais. Ação julgada
procedente.”
ADI 2806-5/RS

Trecho do voto do Relator, Min. Ilmar Galvão
“O art. 2º, por sua vez, no que toca às escolas públicas
de primeiro e segundo graus, revela-se ofensivo ao art.
84, VI, ‘a’, da Constituição, por igual de aplicação
extensiva aos Estados, visto cuidar de órgãos da
Administração, cuja organização e funcionamento hão
de ser disciplinados, privativamente, por decreto do
Chefe do Poder Executivo”
RE 208.220-1

Art. 237, CF
“A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior,
essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais,
serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.
RE 208.220-1
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
IMPORTAÇÃO DE BENS DE CONSUMO
USADOS. A vedação à importação de bens de
consumo usados - materializada na Portaria 8/91
do DECEX - decorre de regra de competência
assegurada ao Ministério da Fazenda pelo artigo
237 da Carta, não havendo como situar, na espécie,
a alegada afronta aos princípios da isonomia e da
legalidade. Precedente. Recurso extraordinário
conhecido e provido.
Caso gerador

Lei estadual que exige instalação de banheiros pelas
concessionárias de serviços públicos, procedendo a
detalhamentos, em muitas situações incompatíveis com
a realidade dos locais de atuação das concessionárias

A visão “legalista” é suficiente para proteger todos os
interesses em jogo? Qual(is) o(s) interesse(s) público(s)
envolvido(s)? Qual a técnica legislativa mais
consentânea com os princípios constitucionais em
jogo?
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09:32, 9 Agosto 2008 - Acadêmico de Direito da FGV