Atividades e atos administrativos Aula 2 Princípio da legalidade e poder regulamentar A nova vertente do direito administrativo “Após a seqüência de mutações por que passou e ainda vem passando o Direito Administrativo nas últimas décadas, a supremacia do interesse público em tese cedeu à supremacia dos princípios fundamentais constitucionais, garantidores dos direitos das pessoas, e a indisponibilidade foi reavaliada em função de interesses juridicamente protegidos ocasionalmente concorrentes com interesses públicos”. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo, 14ª ed., p. 91 As recentes transformações do direito administrativo Revisão do princípio da supremacia do interesse público Do princípio da legalidade ao princípio da juridicidade Nova visão do mérito administrativo Caso gerador LEI 3438, DE 07 DE JULHO DE 2000 OBRIGA AS DISTRIBUIDORAS DE COMBUSTÍVEIS A COLOCAREM LACRES ELETRÔNICOS, NOS TANQUES DOS POSTOS DE COMBUSTÍVEIS, NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO O Governador do Estado do Rio de Janeiro, Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei: * Art. 1º - Obriga as Distribuidoras de Combustíveis a colocarem equipamentos de segurança, ou adotarem procedimentos técnicos, que garantam a inviolabilidade dos tanques dos postos de combustíveis em que fazem distribuição. 1º - Os equipamentos de segurança, ou procedimentos técnicos citados no caput deste artigo deverão ser testados e aprovados pelo INMETRO, tendo suas eficiências atestadas para o fim a que se destinam, além de estarem sujeitos à aprovação do órgão estadual competente. § 2º - Para efeito dos meios de controle previstos no caput deste artigo, poderão ser utilizadas substâncias identificadoras, que serão continuamente monitoradas, sendo estas substâncias, exclusivas para cada distribuidora, incorporadas aos combustíveis. Nova redação dada pela Lei nº 4563/2005. Caso gerador Art. 2º - Fica a distribuidora responsável pela colocação de lacres nos Postos, podendo só a mesma ter acesso à abertura dos tanques. Art. 3º - O não cumprimento desta Lei, sujeitará as infratoras, à multa de 10.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR, para cada caso aplicando-se o dobro em caso de reincidência. Art. 4º - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 30 dias a contar de sua publicação Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 07 de julho de 2000. ANTHONY GAROTINHO Governador Caso gerador Decreto Estadual 29.043/2001, modificando o Decreto 27.254/2000, regulamentador do tema, incluiu o art. 10-A, que prevê: Art. 10-A. No caso de violação ou depredação assim como na recusa da instalação do lacre por parte de postos revendedores para venda a varejista que exibam marca da distribuidoras, incidirão sobre os mesmos as penalidades previstas no artigo anterior. Princípio da legalidade aplicado à Administração Vinculação negativa à lei –Administração não pode fazer o que a lei proíbe Vinculação positiva à lei – Administração somente pode agir quando houver lei autorizativa e tem o dever de promover os objetivos previstos na lei Reserva de lei Direito brasileiro : regra geral = reserva de lei para atuação do administrador => Administração não pode exigir do cidadão comportamento que não esteja exposto em lei em sentido estrito Na França: reserva de regulamento => Excetuados os espaços especificamente destinados pela Constituição à lei, tudo o mais pode ser normatizado através de regulamento do Poder Executivo Constituição de 1988 Art. 5º, II (indivíduo – autonomia da vontade) Art. 5º. (...) III - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei Art. 37, caput (Administração Pública) Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Constituição francesa de 1958 Art. 34. - La loi est votée par le Parlement. La loi fixe les règles concernant : - les droits civiques et les garanties fondamentales accordées aux citoyens pour l'exercice des libertés publiques ; les sujétions imposées par la Défense Nationale aux citoyens en leur personne et en leurs biens ; - la nationalité, l'état et la capacité des personnes, les régimes matrimoniaux, les successions et libéralités ; - la détermination des crimes et délits ainsi que les peines qui leur sont applicables ; la procédure pénale ; l'amnistie ; la création de nouveaux ordres de juridiction et le statut des magistrats ; (Continua...) Constituição francesa de 1958 Art. 37 - Les matières autres que celles qui sont du domaine de la loi ont un caractère réglementaire. (Art. 37. As demais matérias que não as de domínio da lei têm um caráter regulamentar) Regulamentos no direito brasileiro Decretos Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; Celso Antônio Bandeira de Mello “Só por lei se regula liberdade e propriedade; só por lei se impõem obrigações de fazer ou não-fazer. Vale dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir decretos e regulamentos.” Só existiriam regulamentos conforme a lei... Demais normas regulamentares A redação do art. 84, IV, da Constituição é compatível com a criação de outros espaços normativos no âmbito do Poder Executivo com vinculação a terceiros? Duas correntes... - não! O poder regulamentar é privativo do Chefe do Executivo, qualquer exercício de competência normativa por outros entes administrativos viola o art. 84, IV, CF/88, exceto quando a função reguladora já estiver prevista na própria Constituição - sim! Art. 84, IV não afasta a possibilidade de a lei designar outros espaços normativos no âmbito do Poder Executivo (ex. regulamentos autorizados) O regulamento autorizado A lei fixa princípios gerais com elevado teor de abstração e atribui a um ente da Administração Pública a competência de densificá-los. Podem ser criados direitos e impostas obrigações nessas bases ou haveria inconstitucionalidade, por ofensa ao princípio da legalidade ? Exemplo Art. 4º, II, Lei nº 9.984/2000 “Art. 4º. A atuação da ANA obedecerá aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e será desenvolvida em articulação com órgãos e entidades (...), cabendo-lhe: (...) II - Disciplinar, em caráter normativo, a implementação, operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos” Duas correntes... 1ª Corrente: É insconstitucional: trata-se de delegação legislativa disfarçada sem observância dos requisitos da Constituição! “CF/88. Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. (...) § 2º - A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício. § 3º - Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.” Duas correntes... 2ª corrente: É constitucional: não há ofensa ao princípio da legalidade porque o Legislador exercitou sua competência e, ao fazê-lo, atribuiu espaços normativos a autoridades administrativas (p.ex. CVM, CMN, ANATEL...). Justifica-se especialmente em casos de elevada complexidade técnica e que envolvem relação de especial sujeição Princípio da legalidade e poder regulamentar Existe espaço no ordenamento brasileiro para os decretos autônomos? Classificação dos regulamentos Regulamento “secundum legem” Regulamento “praeter legem” Regulamento “contra legem” Qual(is) é(são) admitidos no direito brasileiro? Regulamento autônomo (“praeter legem”) O que é? Regulamento retira seu fundamento de validade diretamente da Constituição, não necessitando da prévia existência de lei em sentido estrito Visão clássica Apenas os regulamentos de execução são admitidos, em virtude do princípio da legalidade, ressalvada a previsão do art. 84, VI, CF/88 que, entretanto, tem um escopo de aplicação bastante reduzido Regulamento autônomo Art. 84, VI, (a), CF => Redação dada pela Emenda Constitucional 32/2001 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos Correntes no direito brasileiro 1ª: continua a negar a existência de regulamento autônomo, por ofensa ao princípio da legalidade 2ª. Art. 84, VI, instaura “reserva de poder regulamentar à Administração”, vedando ao legislador normatizar a matéria 3ª. Princípio da preferência da lei (lembrando que essa deverá ser de iniciativa do Presidente...) Voltando ao caso gerador... Trecho do voto da relatora ADMINISTRATIVO - POSTOS DE COMBUSTÍVEIS LACRE DE SEGURANÇA - MULTA - LEI ESTADUAL 3.438/2000 E DECRETOS 27.254/2000 E 29.043/2001 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. 1. O STF considerou de plena constitucionalidade a Lei 3.438 de 7/6/2000. 2. No plano infraconstitucional, o art. 3º da Lei 3.438/2000 prevê a imposição de pena pecuniária exclusivamente às distribuidoras de combustíveis caso não seja cumprida a determinação de instalar o lacre de segurança, instituído para uso obrigatório em todos os postos de venda. 3. O Decreto Estadual 29.043/2001, ao alterar o Decreto Estadual 27.254/2000, indicando os postos de combustíveis como responsáveis solidários pela instalação dos lacres de segurança, extrapolou seu poder de regulamentação. 4. Recurso ordinário provido. Ref.: STJ, ROMS 17.811