ENUNCIADO E CONTEXTO
Dominique Maingueneau
01 O SENTIDO DE UM ENUNCIADO
Visão tradicional: O sentido estaria inscrito no enunciado e sua compreensão
dependeria do léxico e da gramática.O contexto teria papel periférico, fornecendo os
dados para desfazer eventuais ambigüidades.
Ex.a) O cachorro late. (contexto vai determinar se é um cão particular ou a classe dos
cães)
b) Ela está acesa. (o contexto vai mostrar a quem o pronome ela se refere e se
‘acesa’ se refere a um estado (a lâmpada está acesa) ou a um comportamento (a
criança está acesa).
Outra concepção de interpretação de enunciados:
baseada na assimetria da enunciação.
A pessoa que interpreta o enunciado reconstrói seu sentido a partir de indicações
presentes no enunciado produzido, mas nada garante que o que ela reconstrói coincida
com as representações do enunciador.
-O contexto não é mais visto como pré-estabelecido e estável.
-Rejeita-se a idéia de sentido fixo (literal) fora de contexto.
ISSO NÃO SIGNIFICA:
A)
QUE AS UNIDADES LEXICAIS NÃO SIGNIFIQUEM NADA;
B)
NEM QUE SUAS RELAÇÕES DEIXEM DE ORIENTAR A INTERPRETAÇÃO.
Um enunciado qualquer é assumido em algum lugar e tempo determinado por um sujeito
que se dirige numa determinada perspectiva a um ou a vários outros sujeitos.
O ESTATUTO PRAGMÁTICO DO ENUNCIADO
NÃO FUMAR
1-Seqüência de signos verbais, um enunciado.
2-Um enunciado tem uma fonte enunciativa (quem disse?)
3-O sujeito enunciador teria uma intenção de transmitir um certo sentido ao dizer x para y
4-As condições materiais (uma placa de forma geométrica, modelo e cores padronizados,
altura e tamanho suficiente para ser visto por todos etc.) desempenham papel essencial para
que o enunciado tenha um dado funcionamento=um estatuto particular. Nos casos a e b as
mudanças nas condições materiais/ no suporte influenciam no sentido.
a) Um quadro, uma obra de arte não precisaria decifrar significado;
b) Grafite
5. O enunciado nessas condições de produção tem um valor pragmático específico, que é o
de interdição/proibição.
VALOR PRAGMÁTICO= INSTITUI UMA CERTA RELAÇÃO COM O DESTINATÁRIO. O ATO
QUE PRETENDE REALIZAR POR MEIO DE SUA ENUNCIAÇÃO. Ele exige determinado
comportamento do destinatário.
SUPORTE MATERIAL INTERFERE NO VALOR PRAGMÁTICO.
EXS.
-Placas de trânsito (forma e cor );
-Indicações paratextuais (“Decreto de...”; citação do regulamento”);
-mobilização do conhecimento dos hábitos sociais (sabe-se por experiência, que os organismos
fixam nas paredes cartazes de valor prático ou advertências.
-Na interpretação além de identificar o valor pragmático do enunciado é preciso presumir que ele
seja SÉRIO = TENHA A INTENÇÃO DE SIGNIFICAR O QUE ELE SIGNIFICA.
-Pode acontecer de não se saber se o enunciado é sério ou irônico ou feito de brincadeira.
OBS. Discutir exemplos de suporte.
Suporte material interferindo no valor
pragmático
É proibido proibir
NÃO FUMAR
a) Dúvidas quanto ao valor de interdição do primeiro
PROIBIDO PROIBIR
NÃO FUMAR
b) O primeiro seria sério e o segundo seria uma contestação contra a imposição
do primeiro
NÃO FUMAR
Jacques Prévert
c) Se fosse um textp literário, o enunciado mudaria de categoria
2. AS MARCAS LINGÜÍSTICAS (são uma via de acesso ao estatuto pragmático
do enunciado, mas nem sempre suficiente)
a)
O infinitivo
-Em não fumar, o sujeito do verbo no infinitivo será sempre quem for o
leitor/destinatário;
-Em “é proibido fumar”, o sujeito se refere ao conjunto dos fumantes;
-Nem sempre um verbo no infinitivo imprime uma injunção e sua forma negativa uma
interdição.
Ex. Deixar a casa (desejo?conselho?ordem?interdição?)
CONCLUSÃO: O nosso conhecimento de mundo, a nossa experiência, a memória
de outros textos e discursos ajudam a sustentar o valor pragmático dos enunciados.
A ancoragem na situação de enunciação (p.24)
Diferentemente de “Não fumar”, a grande maioria dos enunciados contém marcas
enunciativas (pessoa, espaço, tempo) e se inserem em unidades maiores, os textos.
Ex. Esta sala é um espaço reservado a não-fumantes. (asserção que pode ou não funcionar
como interdição)
a) = Então não fume nela= interdição;
b)
=Asserção constativa que classifica um lugar numa determinada categoria. (ex. O
proprietário de um estabelecimento recebe a comissão de prevenção de acidentes e ao
abrir a porta informa: “esta sala é um espaço reservado a não-fumantes.”
O tempo presente tem um valor dêitico = só pode ser interpretado
em relação à situação de enunciação específica na qual se inscreve.
Estou com um pouco de frio. (dura alguns minutos)
2.
Maria está depressiva. (pode variar de algumas semanas a alguns anos ou até a vida
inteira)
3.
Está passando Branca de Neve no cine Rex. (presume-se que vá de uma a várias
semanas)
4.
Em “Esta sala é um espaço...” (duração indeterminada, tanto que ninguém pega e
acende um cigarro esperando que o cartaz seja trocado)
5.
Mas se o cartaz fosse num painel digitalizado isso poderia mudar e também se a sala
tivesse horário definido para fumantes e não fumantes.
6. CONCLUSÃO: Só gramática não dá conta de interpretar os enunciados.
1.
-O demonstrativo esta em “esta sala...” também está ancorado na enunciação. Logo sua
referência muda em função da situação em que aparece.
-Na verdade, até os enunciados desprovidos de marca remetem ao contexto. Os exemplos
gramaticais do tipo O gato persegue o rato devem ser compreendidos no contexto
gramatical.
3. OS CONTEXTOS
3.1. cotexto= As frases anteriores ou posteriores a um enunciado; seqüências verbais encontradas
antes oud epois da unidade a interpretar.
3.2. Contexto situacional= o ambiente físico da enunciação (eu-aqui-agora)
3.3 Contexto sócio-histórico = Saberes anteriores à enunciação que ajudam a interpretar o
enunciado.
04 OS PROCEDIMENTOS PRAGMÁTICOS
Uma interpretação derivada
O leitor busca recursos não estritamente lingüísticos para interpretar, ele apela para
raciocínios sobre a situação em que se encontra. Ele mobiliza, pois, regras pragmáticas.
Ex. Esta sala é um espaço reservado a não-fumantes.
Raciocínio:
a)Uma repartição pública não se daria ao trabalho de colocar um cartaz que não se
destinasse expressamente às pessoas que ocupassem aquela sala;
a)
Para o público, não haveria grande interesse em apenas tomar conhecimento de que
aquela sala se inclui na categoria dos espaços de não-fumantes.
b)
Ele pode ser um fumante, então, perceberá que essa informação só pode visar uma
proibição para que não se fume ali.
Instruções para interpretação: (considera-se o contexto e a orientação
lingüística )
Complicando um pouco mais o exemplo anterior, temos:
Ex. Esta sala é um espaço reservado a não-fumantes. Mas há um bar no final do corredor.
DUCROT estudou o sentido de mas como um conjunto de instruções dadas ao destinatário para
que este possa construir uma interpretação.
P
Conclusão R
(Implícita)
(É impossível fumar)
MAS
Q
Conclusão não R
(implícita)
(“É possível fumar)
HÁ DOIS PROCEDIMENTOS PRAGMÁTICOS DIFERENTES:
A) Um é baseado apenas no contexto;
B) O outro parte de instruções dadas pelo material lingüístico e pelo contexto.
-Em ambos o destinatário não é passivo: ele define o contexto.
-A priori, nunca há uma única interpretação possível para um enunciado e é preciso explicar
quais os procedimentos do destinatário para chegar à mais provável em dado contexto.
-DEBATE:
-Se o conhecimento da língua está longe de ser suficiente para interpretar um enunciado;
-Se é preciso recorrer a procedimentos pragmáticos ligados ao contexto, ENTÃO pergunta-se:
QUAL É, RESPECTIVAMENTE, A CONTRIBUIÇÃO DO SENTIDO LINGÜÍSTICO E A DO
SENTIDO OBTIDO PELOS PROCEDIMETNOS PRAGMÁTICOS?
R1= Há pragmáticos que procuram integrar tanto quanto possível os procedimentos pragmáticos
na língua;
R2= como há outros pragmáticos que se esforçam em minimizar a parte da língua na
interpretação.
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