Teoria do Crime
Caso do “Very-light” 02.13.1998
Tribunal de Círculo de Oeiras, 2º Juizo
Luís Leal 1132
André Machado 1196
Francisco Saraiva 1236
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Sujeitos
• Autor – Ministério Público
Arguido de homicídio – Hugo
Inácio
• Arguidos de outros crimes – 13
membros da claque “no name
boys”
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Factos
•
1º Very Light – lançamento dum very light que segue uma
trajectória em arco, sobrevoando as bancadas opostas,
originando um pequeno incêndio numas árvores.
•
2.º Very Light – No meio da exaltação geral, devido ao golo
do Benfica, há outro lançamento, sobrevoando o campo e
atinge mortalmente Rui Mendes.
• Reacção do arguido – Hugo Inácio apercebeu-se do
embate, mas não de que tinha atingido alguém. Próximo do
intervalo ouviu dizer que tinha morrido alguém com um
embate dum very light. Nessa mesma noite, em casa a ver
TV, Hugo Inácio fica chocado com as imagens…
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Factos.2
• Hugo Inácio foi detido cerca de mês
e meio depois pela Polícia Judiciária
e preso preventivamente, tendo em
seu poder um passe social da
rodoviária alheio
• Antecedentes criminais – furto
• Colaboração na fase de inquérito
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Acusação
• Hugo Inácio foi constituído arguido com a
acusação pelos crimes de homicídio
voluntário (art. 131.º, Código Penal); uso e
detenção de substância explosiva (art.
275.º, Código Penal) e uso de documento
de identificação alheia (art. 261.º, Código
Penal).
• outras 13 pessoas foram acusadas de uso,
detenção e distribuição de substâncias
explosivas (cfr. art. 275.º, do CP).
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Medida judicial
• O arguido Hugo Inácio foi condenado
a quatro anos de prisão por
negligência grosseira (art. 137.º,n.º 2
do CP) - quando a acusação pedia
condenação por homicídio simples
com dolo eventual (moldura penal
abstracta que vai até 16 anos de
prisão) - não tendo sido provadas as
outras acusações.
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Acusação por crime de homicídio doloso
Dolo
14 CP. É uma representação
mental do evento típico, há uma intenção
do agente na realização desse evento. Tem
um elemento intelectual e outro volitivo.
Foi o segundo very-light lançado pelo arguido
no estádio que atingiu a vítima. O primeiro
a ser lançado tinha passado por cima da
bancada. Devido à trajectória do primeiro
very-light, o arguido entendeu que o
segundo seguiria a mesma trajectória do
primeiro.
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Matéria provada segundo o Tribunal
• Não obstante ser óbvio o carácter profundamente
censurável da actuação do arguido, o tribunal não
reuniu elementos suficientes para, face às regras
da experiência comum, afirmar com a segurança
exigível a uma condenação penal a este título
(homicídio doloso), que o arguido tenha tido
intenção de acertar nos adeptos da bancada
oposta.
O Tribunal considera que o arguido não teve a
intenção nem previu que o artefacto por si lançado
iria atingira qualquer pessoa na bancada oposta.
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Quanto ao crime de homicídio a titulo de dolo
eventual, imputado ao arguido.
• Acusação entende que o arguido estava ciente dos
factos, admitiu essa mesma possibilidade
conformando-se com a sua eventual verificação
Se se provasse esta versão dos
factos, haveria a prática de um crime de homicídio
praticado a título de dolo eventual.
14/3 CP prevê o dolo eventual: Agente pretende
realizar um facto, mas aceita a hipotética
realização de outro facto que se encontra ligado
àquele como “efeito secundário”.
9
Caso concreto…
•
A prova produzida em audiência veio a contrariar, nos
seus aspectos essenciais, a versão sustentada pela
acusação, quanto ao quadro factual sobre o qual deve
incidir o competente enquadramento jurídico.
Provou-se que o arguido pretendeu lançar o foguete, na
direcção norte, de baixo para cima, confiando em que o
mesmo viesse a sobrevoar a bancada oposta do estádio
(e não obviamente atingi-la).
Tendo resultado provado que o arguido não previu que o
lançamento do segundo foguete very-light pudesse
atingir qualquer dos espectadores, está à partida
afastada a prática de um homicídio doloso.
10
Crime de homicídio a titulo de negligência.
•
•
Negligência prevista no art. 15 CP
Os crimes negligentes não são “subsidiários” dos crimes dolosos, são
algo de diferente. Embora a incriminação por negligência seja
tecnicamente subsidiária da incriminação por dolo (quanto ao mesmo
bem jurídico: negligência só é considerada se dolo não é provado)
•
Tipo objectivo dos crimes negligentes:
- violação de um dever objectivo de cuidado
emergente da lei
- a produção de um resultado típico
- a verificação de um nexo de imputação
objectiva desse resultado à conduta violadora do dever
objectivo de cuidado.
Tipo subjectivo dos crimes negligentes:
- doutrina divide-se se este tipo subjectivo existe nos crimes
negligentes, em termos de terminologia, isto é, se deve falar-se em “tipo
subjectivo” (como nos crimes dolosos); mas existe sempre um título
subjectivo de responsabilidade. Pode revestir a forma de negligência
consciente ou inconsciente.
•
11
Homicídio negligente neste caso
•
Não há cumprimento do dever especial de cuidado,
pois o agente conhecia a perigosidade do very-light, que podia
causar a morte de alguém se acertasse nessa pessoa. Um homem
de diligência média, situado naquele circunstancialismo concreto,
teria observado um dever especial cuidado. Está preenchido o
primeiro requisito do elemento objectivo (previsibilidade).
A conduta violadora do dever objectivo de cuidado tem como
consequência o preenchimento dos demais elementos do tipo
objectivo do homicídio negligente (violação efectiva do cuidado
devido).
Se tivesse observado o dever mínimo de cuidado naquela
situação concreta, o foguete nunca teria atingido ninguém.
•
Arguido age com negligência inconsciente (não previu mas poderia
e deveria ter previsto). A diferença entre a negligência consciente
ou inconsciente é irrelevante para a existência de crime pois a lei
não lhe faz directamente corresponder diferentes consequências
jurídicas. Ambas podem ser ligeiras ou grosseiras (ou “médias”).
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Qualificação da negligência como grosseira.
• Negligência grosseira/qualificada: Agente, violando
o cuidado imposto, não previu ou não previu
correctamente a possibilidade de da sua conduta
fundamental resultar o resultado agravante.
Arguido
Actuou com total ausência dos
cuidados mínimos que se exigiam a qualquer
pessoa colocada no seu lugar, ainda que muito
desleixada
actuação corresponde a uma
negligência grosseira.
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Engenho Explosivo ou
Composição Pirotécnica?
Arts. 272.º e 275.º Código Penal
• A polícia apreendeu variado material explosivo junto da
claque dos No Name Boys. No entanto, não procedeu ao
levantamento de auto de ilícito criminal, pois considerou
que a posse e o transporte de very-light não era
susceptível de ser qualificado como crime ao abrigo do
art. 275.º Código Penal.
• O Tribunal não considerou o very-light como engenho
explosivo, classificando-o antes como uma composição
pirotécnica cuja posse não constitui qualquer ilícito.
• Quando muito, só poderia haver levantamento de auto de
contra-ordenação por posse daqueles artefactos dentro
de um recinto desportivo.
• DL n.º 303/90 de 27 de Setembro.
• Como tal, não pode o arguido ser condenado pelo crime
de posse e transporte de engenhos explosivos.
14
Da Posse de Documento
de Identificação Alheio
• Convirá ainda dizer que o arguido foi
acusado pela posse de documento de
identificação alheio, uma vez que tinha em
seu poder um passe social que não lhe
pertencia, à altura da sua detenção.
• Todavia, o Tribunal não concluiu que
houvesse aqui qualquer crime, na medida
em que não houve qualquer violação do
constante do art. 261.º Código Penal.
• Ou seja, da posse e uso deste documento
de identificação não resultou qualquer
dano para o Estado, não se podendo
qualificar tal actuação como crime, de
acordo com o artigo em apreço.
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Da Medida da Pena a Aplicar
Crime de Homicídio Negligente
Grosseiro
• De acordo com o arts. 15.º e 137.º/2 CP, temos que a
moldura penal abstracta aplicável ao arguido pode ir até
a um máximo de 5 anos.
• Na aplicação de uma pena concreta ao arguido, o
Tribunal considerou as seguintes circunstâncias
conforme o art. 71.º Código Penal:
•
•
•
•
•
•
•
(-)Elevado grau de ilicitude;
(-)Elevado grau de negligência (grosseira);
(-)Apesar do seu passado criminoso, nada o impediu de
praticar mais um crime;
(-)Conduta inadequada a um ambiente festivo;
(+)Bom comportamento prisional nas condenações
anteriores;
(+)Colaboração com as autoridades;
(+)Fracas habilitações académicas (4ª classe).
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Decisão do Tribunal
• Julgou por improcedente a acção no crime
de homicídio doloso eventual;
• Julgou por improcedente a acção no crime
de uso de doc. identificação alheio;
• Julgou por improcedente a acção no crime
de posse e transporte de materiais
explosivos;
• Julgou por procedente a acção no crime
de homicídio negligente grosseiro.
• Assim, foi o arguido condenado...
• Na pena concreta aplicável de 4 anos de
prisão, conforme o art. 137.º/2
17
Do Cúmulo Jurídico da
Pena
•
Lembre-se que o arguido foi condenado pelo homicídio numa
pena de prisão de 4 anos que poderia ir até a um máximo de 5
anos.
•
Hugo Inácio já tinha sido condenado anteriormente por 3 vezes
por crimes de furto.
Na terceira condenação, foi-lhe aplicada uma pena de 2 anos de
prisão. Contudo, foram-lhe perdoados 12 meses da pena, sob
condição de não praticar mais nenhum ilícito criminal doloso
nos 3 anos subsequentes.
Ora, o crime de homicídio foi praticado dentro do espaço desses
3 anos, mas não sendo doloso NÃO foi posto em causa o perdão
da parte da pena anterior.
•
•
•
•
Neste sentido, o Tribunal considerou que haveria uma relação
de concurso de crimes, procedendo ao cúmulo jurídico das
penas segundo as regras do art. 77.º/1 Código Penal.
Feito o cúmulo jurídico, foi o arguido Hugo Inácio condenado a
uma pena global de 5 anos de prisão pela prática de crime de
homicídio negligente na forma grosseira pelo lançamento de um
very-light que causou a morte de Rui Mendes em concurso com18
os crimes anteriores de furto.
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