TEORIA DO CRIME
FDUNL
2009
Liliana Santos- n.º 1252
Jacinta Vieira n.º 1256
Rita Marques n.º 1268
Acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra
03/12/2003
Crime (homicídio)
Preterintencional
Crime preterintencional
(ou crimes que vão para além da intenção do agente)
Situações em que alguém causa um mal mais grave do que o efectivamente
pretendido (intenção).
Para além da cláusula geral do artigo 18ºCP, que limita a responsabilização
agravada pelo resultado que derivou da realização do tipo fundamental
(exigindo a negligência quanto ao resultado agravante) , há que ver quais os
casos tipificados de crimes preterintencionais no nosso CP.
Entre outros, vejam-se como exemplos:
•ofensas corporais de que resulta a morte (artigo 147º/1CP)
•exposição ou abandono de pessoas de que resulta a morte (artigo 138º/3
alínea b)
•fogo posto de que resulte a morte (272º por remissão do 285ºCP).
Estrutura típica deste crime misto:
Crime fundamental, doloso ( v.g. uma ofensa
corporal)
+
Resultado mais grave não doloso (v.g. a morte)
Para que nos encontremos perante esta estrutura
típica terão de ser preenchidos dois requisitos:
Imputação objectiva (nexo de imputação entre a acção e o
resultado querido, a existir, mais o resultado agravante) – teoria
da adequação e princípios do risco
+
Imputação subjectiva ( nexo entre o agente e o resultado ou acção
queridos – dolo – e o resultado além da intenção – negligência) –
conceitos legalmente regulados de dolo e de negligência.
Imputação objectiva:
O nexo de adequação deve ser aferido segundo um juízo de
prognose póstuma ( juiz deve deslocar-se para o momento
da verificação da conduta e ponderar, enquanto observador
externo, se, dadas as regras gerais da experiência e normal
decorrer dos factos, era previsível que daquela conduta
derivasse aquele resultado)
A previsibilidade de uma pessoa média deve também atender
aos especiais conhecimentos do agente concreto (aquele que
o agente detinha, apesar de a generalidade das pessoas não
dispor deles)
Imputação subjectiva:
O resultado agravante imputado ao agente “pelo menos a título de negligência”
(artigo 18ºCP) – o “nexo de imputação” (juízo de previsibilidade, segundo a
experiência geral ou o especial conhecimento do agente) delimita os deveres de
cuidado e cautela exigíveis que, quando violados, dão lugar à negligência. À
possibilidade (geral: adequação) de previsão deve juntar-se o dever (pessoal:
negligência) de previsão.
“os termos da doutrina da adequação devem ser, neste âmbito,
completamente aplicáveis” (FD)
Mas não são suficientes para o preenchimento do tipo: só
resolvem a questão da imputação objectiva; a ela tem de se
acrescentar a imputação subjectiva (negligência). TPB
Sujeitos (personagens)
MºPº - Autor do recurso
João Pinto - Arguido
Luís (vítima, que tinha relações sexuais com Isaura)
[Isaura (esposa do arguido)]
Viúva e filhas da vítima (assistentes).
Desenrolar dos factos.1
• O arguido tem fortes desconfianças de
infidelidade conjugal por parte de Isaura
• Na sequência disso sai de casa
• O arguido retorna à casa, para com esta
se reconciliar
• Tendo ouvido barulho vindo do sótão,
dirigiu-se à porta de acesso às escadas e
pediu a Luís para descer
Desenrolar dos factos.2
•O arguido agride violentamente Luís
•Luís tem problemas cardíacos
•O arguido sabia que Luís tinha problemas
cardíacos há vários anos pois sabia que este
costumava consultar o cardiologista
•Luís morre a caminho do SAP
1ª instância – arguido absolvido da prática do crime de
homicídio (131ºCP) e condenado pela prática de um crime de
ofensa da integridade física simples (143ºCP)
MP recorre pedindo a condenação do arguido nos termos do
artigo 145º nº 1 alínea a (remissão para 143º nº1), do CP na
versão vigente em 2003 – ofensas corporais num quadro de
homicídio preterintencional.
Alegações do MP:
-contradição insanável na fundamentação de facto no acórdão de 1ª
instância , num aspecto crucial:
1. a causa próxima da morte de Luís foi o stress emocional prolongado
e progressivo;
2. o esforço físico a que a vítima foi sujeita durante a agressão
contribuiu para aumentar esse estado emocional;
3. não existe nexo causal entre a morte e as lesões produzidas
Nota: então a morte sempre ocorreria, independentemente da
agressão a que a vítima foi sujeita? TPB: isto só basta para
afirmar que se trata de uma conditio sine qua non.
Factos dados como provados pelos juizes da Relação:
•O arguido saiu de casa três dias antes da ocorrência por divergências com a
esposa, fundadas em desconfiança de infidelidade conjugal
•Retorna a casa com a intenção de reconciliação: bate à porta que lhe é aberta
algum tempo depois pela esposa
•O arguido, suspeitando das relações extra conjugais da esposa, com o amigo Luís
e desconfiando que o mesmo estivesse no sótão escondido, avista o vulto,
reconhece-o e pede-lhe que desça
•O arguido agarra-o, envolve-se em confronto físico, empurra-o, dá-lhe murros,
bofetadas, fá-lo cair e rebolar no chão, domina-o, coloca-se por cima dele, continua
a bater-lhe com murros e bofetadas, crava-lhe os dentes nas orelhas, dá sucessivas
dentadas, provocando esfacelo com arrancamento de parte da substância de ambos
os pavilhões auriculares e com perda sanguínea
•Conduta do arguido dura, pelo menos, 5 minutos, durante os quais Luís, tentando
libertar-se, emprega certo esforço físico . O arguido só cessa a agressão quando
Luís deixa de resistir e fica inanimado
Luís
surpreendido
pelo arguido na
cama com
Isaura
Descoberta
da sua
presença
no sótão
Arguido
pede a
Luís que
este
desça as
escadas
Luís
sujeito
às
ofensas
físicas
Tudo isto gera
uma situação de
stress que
progressivamente
se vai agravando
•Luís sofre de doença crónica cardíaca: vive num estado de potencial arritmia
fatal
•O arguido age livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que
atingia a integridade física do Luís
•Arguido sabia que a sua conduta era punida criminalmente
Factos não provados:
•O arguido, ao agredir o Luís, sabia que, por este ter problemas de saúde
cardíacos, não podia estar sujeito a situações de grande esforço e stress
•A morte do Luís veio a ocorrer em consequência das lesões traumáticas da
cabeça num quadro de doença cardíaca crónica
• O arguido não utilizou a sua maior força física.
•Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, querendo e sabendo que,
ao atingir a integridade física do falecido lhe causava as referidas lesões, e que,
não obstante ter representado a possibilidade tal lhe causar a morte, não se
absteve de actuar, conforma-se com o resultado que efectivamente veio a
suceder – (dolo eventual)
Decisão da Relação:
A. Vício da sentença
Stress
Agressão
Morte
Imputação objectiva:
Lesões contribuem para o aumento da carga emocional mas a morte decorre da
cardiopatia prévia, que causou uma falência letal, resultante da situação de stress
prolongada vivenciada por Luís.
A agressão sofrida pela vítima (conduta do arguido) não foi causa adequada da
morte.
Nota: relevância da causa virtual? : então a morte sempre ocorreria,
independentemente da agressão a que a vítima foi sujeita? TPB: isto só basta
para afirmar que se trata de uma conditio sine qua non.
B. Enquadramento jurídico
Imputação subjectiva:
Resultado imputado a título de negligência?
Negligência é a possibilidade de previsibilidade, se o facto de o arguido
saber que a vítima sofria de problemas cardíacos há vários anos era
suficiente para caracterizar a sua actuação como negligente (ou seja, se
era previsível que ao agredir a vítima, esta viesse a morrer em
consequência disso)– Tribunal afirma que tal não era previsível
O dever de prever deve ser aferido em termos de capacidade para tal,
numa dupla vertente: conhecimento das implicações do seu acto e estado
de espírito no momento da prática do acto. Se o arguido soubesse que
Luís não podia estar sujeito a situações de grande esforço e stress já
a situação poderia ter solução diferente (negligência).
Artigo 145º (Código Penal, de acordo com a Lei n.º 100/2003, de 15/11)
– Agravação pelo resultado
1- Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa e vier a produzirlhe a morte é punido:
a) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do artigo 143º,
b) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144º.
2- Quem praticar as ofensas previstas no artigo 143º e vier a produzir
as ofensas previstas no artigo 144º é punido com pena de prisão de
6 meses a 5 anos.
Comentário TPB
• Com o devido respeito ao TRC: Julgo que a decisão do
recurso, possivelmente justa em termos materiais, não
terá a melhor justificação. Se o TRC entende que o
arguido estava compreensivelmente perturbado e que a
vítima foi em larga medida responsável pelo desenrolar
fatal dos acontecimentos, talvez devesse equacionar a
questão em termos de desculpa ou menor culpa do
arguido; (o que tradicionalmente se chama “provocação”
– ver art. 72º, n.2, al. b) do CP); do ponto de vista da
tipificação do comportamento, a existência de
negligência deveria ser discutida na base de dever
(pessoal) de previsão -além da possibilidade (geral) de
previsão, esta um elemento objectivo do tipo negligente.
29 de Março de 2009
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 03/12/2003 Crime