Traqueostomia em crianças admitidas na UTI Pediátrica Dora Wood, Philip McShane, Peter Davis Arch Dis Child 2012;97:866–869. Apresentação: Débora Matias Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do HRAS/HMIB/SES/DF www.paulomargotto.com.br Brasília, 4 de maio de 2023 O que já é conhecido sobre este tema Em crianças hospitalizadas, a traqueostomia é cada vez mais utilizada em crianças com condições complexas e/ou crônicas, que apresentam alta mortalidade. As taxas de mortalidade relatadas para crianças submetidas à traqueostomia são elevadas, especialmente para crianças. A traqueostomia não era amplamente realizada até o século XIX, quando seu uso em crianças se tornou comum durante epidemias de doenças infecciosas como poliomielite e difteria. Era a única opção em casos de obstrução das vias aéreas ou para fornecer ventilação com pressão positiva, antes da intubação translaríngea se tornar rotina. . Muitas vantagens da traqueostomia em relação a intubação translaríngea são evidenciadas: redução do tempo de internação em de UTI, internação hospitalar, melhora do conforto do paciente, entre outros. Nos adultos em estado crítico, a traqueostomia é um dos procedimentos mais comumente realizado em UTI, e a tendência é que ocorra cada vez mais precocemente. Esta tendência tem sido acompanhada pelo aumento de traqueostomia sendo realizada por intensivistas como um procedimento percutâneo , que pode ser realizada à beira do leito, sem a necessidade de submeter um paciente de UTI a um transporte de risco até o centro cirúrgico. Sabe-se pouco sobre a prática atual em unidades de terapia intensiva pediátricas (UTIP). E, portanto, não há atualmente recomendações nacionais ou internacionais para orientar a prática. Portanto, este estudo teve como objetivo elucidar a prática atual e as indicações para crianças internadas na unidade de terapia intensiva pediátrica no Reino Unido e submetidas à traqueostomia. Paediatric Intensive Care Audit Network (PICANet) é uma auditoria nacional de cuidados intensivos pediátricos que reuniu um conjunto de dados padronizados, prospectivamente, em todas as admissões em UTIP na Inglaterra e no País de Gales desde 2002 e, posteriormente, na Escócia, Irlanda do Norte e Irlanda. Consiste de dados demográficos, características de admissão, informações de diagnóstico, intervenções e resultados garantidos pelo treinamento regular dos funcionários de UTIP. PICANet tem aprovação do Comitê de Ética para coletar esse dados sem necessidade de consentimento informado do paciente. Dados de todas as crianças que tiveram uma traqueostomia realizada durante admissão em UTIP entre 2005 e 2009 inclusive. Data de admissão, a idade no momento da internação, sexo, escore na admissão do Índice de Mortalidade Pediátrica 2 (PIM2), diagnóstico de admissão e grupo diagnóstico e taxa de sobrevida em UTIP. Um questionário sobre práticas relacionadas à traqueostomia em UTIP foi desenvolvido de acordo com a política institucional local. O questionário foi enviado para diretores clínicos das UTIPs do Reino Unido e da Irlanda que participam do PICANet. Informações do questionário: protocolo, tipo de traqueostomia, onde e por quem eram realizadas, limites de idade, vantagens, indicações e outros fatores que influenciaram a decisão desse processo. Os percentuais foram calculados usando o Microsoft Excel e Stata (V.11) . Valores de P para os resultados do PICANet foram obtidos utilizando o teste qui-quadrado para variáveis categóricas , teste de Mann-Whitney para a comparação de tempo de internação e teste t de Student para comparar a mortalidade prevista. A relação entre a capacidade da UTIP e taxa de traqueostomia foi expressa utilizando o coeficiente de correlação de Pearson. O OR (odds ratio) para a mortalidade com e sem traqueostomia foi corrigido pelo escore PIM2 (na admissão). Resultados 1613 de 78 504 pacientes internados eram traqueostomizados durante a internação em UTIP (2,05% todas as admissões). Variação de 0,13% a 5,66% das internações. Não houve relação entre a capacidade da UTIP e o número de traqueostomias realizadas. As crianças que tinham traqueostomia ficaram internadas em UTIP por mais tempo (média de 24,7 vs 5,7 dias, mediana 9 vs 3 dias), com 21,2% (contra 2%) permanecendo por mais que 28 dias (Vide tabela a seguir) Comparação das características das crianças traqueostomizadas com as admissões A distribuição etária e o sexo das crianças com traqueostomia foi semelhante em relação ao perfil de todas as internações. A média do risco de mortalidade prevista para as crianças que têm traqueostomia foi ligeiramente elevada em 6,1% em relação com 5,5% de todas as internações. Crianças traqueostomizadas eram mais propensas de serem admitidas em UTI (UCIN/ UTIP / UTI) durante uma internação hospitalar por causas não previstas e menos provável de ser por razões pós-cirúrgicas. Crianças submetidas a traqueostomia tinham mais probabilidade de ter no seu diagnóstico de admissão causas respiratórias (48,0 vs 25,2% de todas as admissões) e menos probabilidade de ter causas cardiovasculares (13,7 vs 29,0% de todas as admissões). Os diagnósticos mais comuns foram insuficiência respiratório, infecção do trato respiratório inferior, estenose subglótica e TCE. A taxa de mortalidade foi de 5,58% em crianças com traqueostomia contra 4,72% no geral, mas as diferenças não foram significativas quando ajustado pelo escore PIM2 da admissão (OR 1.09,95% CI 0.84 to 1.42, p=0.5). Todas as 29 unidades participantes no PICANet responderam à pesquisa. 27 entrevistados sabiam de pelo menos uma criança que era traqueostomizada em sua unidade ao longo dos últimos 5 anos. Um entrevistado informou que em sua unidade nunca foi realizada uma traqueostomia. Apenas quatro (13,8%) tinha um protocolo sobre quando indicar a traqueostomia. Em 21 unidades, todas traqueostomia eram procedimentos cirúrgicos. Em seis outros, traqueostomia percutânea foi realizada em adolescentes selecionados, mas nunca em crianças mais novas. Geralmente as traqueostomias eram realizadas por otorrinolaringologistas. Em 4 unidades, eram realizadas por intensivistas de adulto, e em uma unidade cada por intensivitas pediátricos, cirurgiões torácicos, cirurgiões pediátricos, cirurgiões neonatais ou cirurgiões cardíacos. Geralmente eram realizadas no centro cirúrgico, mas nas unidades que realizam procedimentos percutâneos, foram feitas na própria UTIP. 5 unidades relataram que era possível a realização de traqueostomia de emergência em UITP, mas foi observado que raramente acontecia. Em nenhuma unidade que realizava traqueostomia tinha limite de peso ou idade para esse procedimento, embora 3 entrevistados relataram ter uma dificuldade maior com lactentes. Das 28 unidades que relataram realizar traqueostomia, todas citaram obstrução das vias aéreas como uma indicação, enquanto tempo de ventilação mecânica (VM) prolongado (25/28) e auxílio no desmame da ventilação (20/28) também foram indicações comuns. Não houve consenso sobre quanto de tempo VM pode indicar traqueostomia: 7 não deram nenhuma indicação de quanto tempo consideram apropriado, 4 sugeriram mais que 14 dias, 7 mais que 28 dias, 5 entre 14 e 28 dias, e 2 mais que 90 dias. 2 relataram que considerariam traqueostomia após uma série de falhas de extubação. Outras indicações citadas: traqueomalácia, dificuldade na intubação, lesões neurológicas ou de coluna cervical, doenças neuromusculares. Vantagens citadas via aérea segura, proteção das cordas vocais, reduzir a sedação com maior conforto e qualidade de vida, facilitar o desmame da VM, possibilidade de dar alta da UTIP ao paciente que ainda necessita suporte ventilatório. Este é até o momento o maior estudo sobre traqueostomia em UTIP. A abrangência dos dados do PICANet, bem como a elevada taxa de resposta à pesquisa, mostra que os resultados podem refletir a prática no Reino Unido. Apenas 2% das crianças internadas em UTIP são submetidas a traqueostomia. É um procedimento predominantemente cirúrgico. Nenhum intensivista pediátrico considerou traqueostomia com menos de 14 dias de VM. A prática atual pediátrica é semelhante ao de adultos em cuidados intensivos décadas atrás. A principal limitação do estudo: informações limitadas sobre a avaliação de cada paciente, sendo difícil relatar por exemplo as indicações de traqueostomia, as taxas de complicações, ou se a mortalidade teve relação com a traqueostomia. São necessárias mais estudos para demonstrar que a traqueostomia em pacientes selecionados não aumenta o risco de morte ou de grave eventos adversos, mas de forma limitada os nossos dados se contradizem a estudos mais antigos que descrevem a traqueostomia como procedimento de alto risco. Traqueostomia por si só não necessariamente aumenta o tempo de internação; esse resultado é mais provável por refletir um grupo de crianças com necessidades médicas complexas em um cenário com presença de mais ações intervencionistas, levando a internações freqüentes e/ou prolongadas. Comparativamente com a prática adulto atual, traqueostomia para crianças admitidas na UTIP é um procedimento raro, realizado relativamente tarde, e é geralmente cirúrgico. A taxa de mortalidade de crianças submetidas a traqueostomia neste estudo foi inferior ao relatado anteriormente, e não foi significativamente maior do que a taxa de crianças internadas para UTIP que não foram submetidos a traqueostomia. Com o aumento no número de crianças com necessidades médicas complexas, são necessários mais estudos para orientar a prática médica. O que este estudo adiciona Traqueostomia para crianças admitidas na Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) é pouco frequente, realizada tarde seguindo admissão e, geralmente,é um procedimento cirúrgico. A mortalidade em UTI em crianças após traqueostomia não foi significativamente maior do que para as crianças não submetidos traqueostomia na UTI. Crianças submetidas à traqueostomia aumenta o número de dias de tratamento intensivo pediátrico Estudando juntos! Tracheostomy for Infants Requiring Prolonged Mechanical Ventilation: 10 Years' Experience. Overman AE, Liu M, Kurachek SC, Shreve MR, Maynard RC, Mammel MC, Moore BM. Pediatrics 2013;131:e1491–e1496 que é conhecidoSOBRE sobre este assunto: Avanços no tratamento da OOQUE SABEMOS O TEMA: Avanços no tratamento das crianças criticamente doentes crianças criticamente doentes têm aumento da sobrevida de extremamente / muito têm aumentado a sobrevida de recém-nascidos de extremo baixo peso ao nascerbaixa e bebês e baixo peso ao nascer e bebês clinicamente complexos. sobrevivência melhorada Clinicamente complexos. A melhora da sobrevivência pode resultar em ventilação mecânica pode resultar emvezes, ventilação mecânicaAs prolongada e, por vezes,para essas crianças são prolongada e, por traqueostomia. taxas de traqueostomia traqueostomia. Taxas de traqueostomia atuais para essas crianças são desconhecida. Odesconhecido. QUE ESTE ESTUDO ACRESCENTA: Esta avaliação de longo prazo de crianças O estede estudo Esta avaliação de longo prazo dea crianças queque saíram alta daacrescenta: UTI neonatal com traqueostomia é a primeira descarregada a partir de uma UTI neonatal com traqueostomia é o primeiro a descrever as taxas de traqueostomia especificamente para recém-nascidos de extremo baixo descrever as taxas de traqueostomia especificamente extremamente baixa / muito peso ao nascer. Concentra-se nos resultados clínicos de longo prazo bebês de baixo peso. Concentra-se nos resultados clínicos de longo prazo e comorbidades, em vez de complicações cirúrgicas. e co-morbidades, em vez de complicações cirúrgicas. Este estudo é uma revisão retrospectiva de 165 crianças nascidas entre 01 janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2010 que necessitou de traqueostomia e suporte ventilatório. As crianças com cardiopatia congênita complexas foram excluídas. -Idade gestacional: mediana de 27 semanas (variação 22-43) -Peso ao nascer de 820 g (variação 360-4860) Os pacientes foram divididos em dois grupos: A) ≤1000gramas e B) >1000g Taxas de traqueostomia Grupo A):6;9% v Grupo B) 0;9% - P<0.001 Tempo de dependência do ventilador Grupo A) 505 dias (62-1287dias) Grupo B) 372 dias (15-1270 dias)- p0.011 Características dos pacientes (n=165) Razões para a traqueostomia Temporização com base no peso ao nascer Dias intubado antes da traqueostomia Tempo para decanulação (dias) Razões para a reconstrução laringotraqueal Este é o o primeiro estudo a descrever taxas de traqueostomia em recém-nascidos de extremo baixo peso e muito baixo peso. Além disso, o estudo concentra sobre os resultados clínicos de longo prazo e comorbidades de crianças que necessitam de traqueostomia em vez de puramente se concentrar em complicações cirúrgicas. Estudos prospectivos futuros devem determinar o tempo adequado para a realização da traqueostomia nestes recémnascidos de extremo baixo peso e muito baixo peso e com o objetivo de determinar se a a realização da traqueostomia precoce melhoram os resultados do desenvolvimento, diminui a exposição sistêmica aos esteróides e melhora a função pulmonar mais tarde na vida. Traqueostomia em crianças Autor(es): Vanessa Siano da Silva, Lisliê Capoulade (Capítulo do livro Assistência ao Recém-Nascido de Risco, Editado por Paulo R. Margotto COMO DINAMIZAR A INDICAÇÃO DE TRAQUEOSTOMIA A decisão de traqueostomizar uma criança deve passar por um processo interdisciplinar envolvendo intensivistas, pneumologistas, cirurgiões pediátricos, psicólogos e enfermeiros além da família, uma vez que não existe na literatura atual um tempo padrão de entubação a partir do qual uma criança deve ser submetida à traqueostomia, sendo essa importante decisão avaliada individualmente e exaustivamente discutida. Em lactentes e, principalmente em neonatos, incluindo pré-termos, geralmente a necessidade de se realizar traqueostomia precoce é bastante restrita, pois a maleabilidade da árvore traqueal permite longos períodos de entubação orotraqueal, sem danos notáveis às vias aéreas. Alguns estudos consideram a traqueostomia em neonatos quando há falhas sucessivas nas tentativas de extubação ou quando se prevê uma entubação que se prolongue por mais de 8-10 semanas. Já outros autores indicam traqueostomia quando provavelmente o recém-nascido necessitará de ventilação mecânica, independente da causa, por 4-6 meses. No entanto, há relato de neonatos que permaneceram entubados por meses antes de se optar pela traqueostomia. O que se tem colocado, é a realização de broncoscopia em neonatos que apresentem dificuldade de extubação ou de desmame ventilatório, a fim de se detectar possíveis danos traqueais congênitos ou adquiridos em virtude da entubação prolongada, possibilitando uma indicação mais precisa da traqueostomia. A atitude dos pacientes e de seus cuidadores influencia na escolha do tratamento, assim como os fatores sócio-econômicos e a disponibilidade do profissional em oferecer um suporte domiciliar. Algumas questões que podem ajudar na decisão de submeter uma criança a traqueostomia estão disponíveis no quadro 1 Traqueostomia: decanulação Alexandre Serafim As taxas de decanulação da traqueostomia pediátrica relatadas na literatura variam de 29% a 78% (Graf, 2008; Carr, 2001; Carron 2000; Wetmore, 1999; Donelly, 1996). Isso varia com as indicações de traqueostomia e com a incidência de complicações do procedimento. Quanto às complicações que podem acarretar dificuldade ou impedimento da decanulação, podemos citar: -O granuloma supra-estomal: ocorre na borda superior do traqueostoma, onde a mucosa é irritada e inflamada pela presença da cânula. Granulomas grandes e obstrutivos devem ser tratados antes da decanulação. -Colapso ou malácia supra-estomal: algum grau de colapso da parede anterior da traquéia superior ao traqueostoma é quase inevitável em pacientes com traqueostomia de longa data. Isso resulta da pressão que o tubo da traqueostomia exerce no anel traque , com conseqüente inflamação, condrite e erosão da cartilagem do anel. O grau de colapso que geralmente ocorre não requer correção antes da decanulação. Colapso causando mais de 50% de oclusão da luz traqueal requer uma cirurgia de decanulação aberta (suspensão crico-traqueal) ou cirurgia de reconstrução do estoma (Cochrane LA, Paediatric Respiratory Reviews, 2006; Antón-Pacheco, Int J Paediatr Otorhinolaryngol, 2008).A incisão horizontal para traqueostomia está mais associada ao colapso supra-estomal. -Outras complicações relatadas são a estenose traqueal (que ocorre em 3% dos prematuros) e o surgimento de secreção bronquial viscosa em pacientes com displasia impedindo a decanulação (Kremer, 2002). No estudo de Antón-Pacheco a idade média para decanulação foi de 38 meses, variando de 12 a 147 meses. Infelizmente, não conheço nenhum estudo que inclua somente prematuros traqueostomizados. Em resumo, recomenda-se uma broncoscopia antes da decisão de decanulação. Caso o exame não detecte nenhuma anormalidade, ainda assim os testes para decanulação podem ser malsucedidos em função da não resolução das patologias que levaram à traqueostomia (p. ex., displasia broncopulmonar ou encefalopatia). De qualquer forma, considerar a criança ainda jovem e com pouco peso para o procedimento de decanulação. Se indicado, talvez seja necessário a referência da mesma para algum procedimento cirúrgico de correção das vias aéreas antes da decanulação em outra região do país, se isso não estiver disponível na sua cidade. Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF