Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) Programa de Residência Médica em Pediatria Traqueostomia em crianças: indicações, cuidados e acompanhamento – revisão de literatura e proposta de protocolo Vanessa Siano da Silva Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do certificado de conclusão da residência médica em pediatria sob orientação da preceptora: Lisliê Capoulade N. Arrais www.paulomargotto.com.br 23-10-2008 INTRODUÇÃO Indicações mantidas ao longo do tempo, com mudança nas patologias de base “Crianças dependentes de tecnologia” – grupo de pacientes cada vez mais freqüente OBJETIVOS Geral: 1) - Revisar a literatura referente a traqueostomia em crianças, desde a indicação até o acompanhamento desses pacientes. OBJETIVOS 1) Específicos: Levantar o perfil dos pacientes traqueostomizados que tiveram seu procedimento realizado no serviço ou acompanham no setor de pneumologia pediátrica do HRAS e compará-los com os dados obtidos na literatura. 2) - Propor um protocolo de acompanhamento para esses pacientes bem como estabelecer critérios para troca e tipo de cânula adequados, toalete pulmonar e visitas freqüentes ao pneumologista pediátrico. MATERIAIS E MÉTODOS Trabalho observacional, retrospectivo e transversal A revisão bibliográfica foi efetuada por meio de pesquisa científica em banco de dados, em artigos de literatura específica divulgada nos últimos 12 anos (1996 – 2008), por meio de pesquisa on-line (BIREME, COCHRAINE, PUBMED, MD Consult) e livros-texto focados nas áreas de pneumologia, pneumopediatria e cirurgia torácica. MATERIAIS E MÉTODOS Dados foram obtidos a partir de revisão de prontuário dos pacientes traqueostomizados acompanhados no setor de pneumopediatria do HRAS a partir do ano de 2000 e também aqueles que foram submetidos ao procedimento neste serviço durante a internação na UCIP no período de janeiro a agosto de 2008 Revisão da literatura Indicações: - Ventilação Mecânica Prolongada/ Higiene pulmonar - Obstrução alta de vias aéreas Revisão de literatura Aspectos cirúrgicos - Técnica cirúrgica - Cuidados pós-operatórios - Complicações - Mortalidade A – incisão vertical clássica com pontos de reparo B – janela oval criada na parede anterior da traquéia para facilitar a passagem do tubo C – técnica de rebatimento do anel traqueal criada por Björk D - Técnica de Eliachar, criando uma janela tipo Omega que promove um fechamento cutâneo circular. Revisão de literatura Tipos de cânula - Descartável (PVC e silicone) (com ou sem balonete) - Metálica - Tubo de Montgomery Revisão de literatura Cuidados com a traqueostomia - Troca de cânula - Fixação do tubo - Aspiração - Desenvolvimento da fala Revisão de literatura Educação dos cuidadores - Noções de anatomia e fisiologia - Cuidados básicos com a traqueostomia - Curso básico cardiopulmonar de reanimação Revisão de literatura Decanulação - Técnica tradicional - Decanulação em etapa única - Decanulação cirúrgica - Reconstrução do estoma RESULTADOS Dos 32 pacientes cadastrados em nosso serviço, 12,5% (n=4) não tiveram o prontuário encontrado, sendo excluídos dos resultados RESULTADOS Dos pacientes, 78,5% (n=22) eram do sexo masculino A média de idade no momento da realização do procedimento foi de 20,8 meses (2m – 86 m) com mediana de 6 meses Tabela 1 – Relação entre indicações de traqueostomia e patologia de base INDICAÇÕES DE TRAQUEOSTOMIA % PATOLOGIAS DE BASE % OBSTRUÇÃO DE VIA AÉREA ALTA Estenose subglótica 10,7 Congênita Adquirida 3,6 7,1 Traqueomalácia 3,6 Congênita 3,6 Estenose traqueal 3,6 Adquirida 3,6 Síndromes crânio-faciais Tumores craniofaciais Paralisia de corda vocal bilateral 3,6 Associação CHARGE Teratoma cervical 3,6 Síndrome de Moebius 7,1 3,6 7,1 3,6 INDICAÇÕES DE TRAQUEOSTOMIA % PATOLOGIAS DE BASE % VENTILAÇÃO PROLONGADA/HIGIENE PULMONAR Doenças pulmonares 14,3 Displasia broncopulmonar Escoliose com pneumopatia restritiva Hipoplasia de Pulmão esquerdo 7,1 3,6 3,6 Síndromes genéticas 21,4 Síndrome de Meckel Gruber Síndrome de Sengers Síndrome de Zellweger Trissomia do 21 Osteopetrose 3,6 3,6 3,6 7,1 3,6 Cardiopatia congênita 28,6 Tetralogia de Fallot HAP + CIV DSAVT 7,1 17,8 3,6 Doença neuromuscular/ neurológica 39,3 Distrofia muscular Atrofia muscular espinhal tipo 1 Atrofia muscular espinhal tipo II ECNP Trauma crânio encefálico Síndrome de West 7,1 3,6 3,6 17,8 3,6 3,6 Resultados Indicação do procedimento: - 71,4% (n=20) VM prolongada/higiene pulmonar - 28,6% (n=8) obstrução alta de vias aéreas - 3,6% (n=1) urgência. 7,1% (n=2) tiveram o procedimento cirúrgico descrito impossibilitando a análise de prevalência, correlações com complicações ou dificuldade para decanulação Tabela 2 - Tipos de tubo de traqueostomia e distribuição entre os pacientes TIPOS DE TUBO PORCENTAGEM NÚMERO ABSOLUTO Tubo de PVC 75,1 % 21 Cânula metálica 10,7% 3 Tubo de Montgomery 7,1% 2 Sem relato 7,1% 2 Total 100% 28 Resultados 28 pacientes avaliados. 42,8% (n=12) dependente de O2, sendo que destes 41,6% (n=5) VM e apenas 8,3% (n=1) VM domiciliar. Acompanhamento: - 78,6% (n=22) pelo menos uma consulta ambulatório de pneumopediatria. Tabela 3 - Incidência de complicações. COMPLICAÇÕES % TIPO DE COMPLICAÇÃO % Precoces 25,0 Sangramento 14,3 Enfisema subcutâneo 3,6 Falso trajeto 3,6 Decanulação acidental 3,6 Sangramento 10,7 Granuloma 7,1 Colapso estomal 7,1 Pneumonia de repetição 25 Síndrome aspirativa por mau posicionamento do tubo 3,6 Atelectasia 14,3 Obstrução 7,1 Tardias 64,3 Resultados 25% (n=7) mortalidade total 7,1% (n=2) mortalidade relacionada à traqueostomia. Um paciente apresentou decanulação espontânea, suportando ficar em ar ambiente após a decanulação. Não houve decanulação programada. Quadro 1 - Comparação entre diferentes trabalhos sobre traqueostomia nos últimos 20 anos Estudo (anos de estudo) N° Sexo Média de Decanulação Complicações Mortalidade masculino idade (%) (%) geral/traqueostomia (%) (m) (%) Graf, 2008 2002 – 03 70 43 18,5 ND ND 9/0 Carr, 2001 1990-99 142 57 2,6 29 77 6,9/0,7 Carron, 2000 1988-98 197 ND 3,2 41 44 19/3,6 Wetmore, 1999 1981-92 373 58% ND 51 19 precoces 58 tardias 22/0,5 Donelly, 1996 1971-90 29 ND ND 78 41 ND/ 0 Presente estudo 2000-08 28 78,5 20,8 3,6 25 precoces 64,3 tardias 25/7,1 Conclusão Estudos em crianças traqueostomizadas a nível nacional são escassos e as referências quanto a cuidados, utilização e acompanhamento são baseadas em estudos feitos na população norte americana, bem como em suas necessidades. O número de crianças que permanecem com traqueostomia a longo prazo cresceu nas últimas décadas e, com isso, a necessidade na melhoria do acompanhamento no sentido de minimizar complicações e reduzir a mortalidade Proposta de protocolo 1. Quanto à indicação: a) Traqueostomia de urgência: iminente risco de morte, justificada sua realização pelo código de ética médica. b) Traqueostomia eletiva : -baseada em avaliação multidisciplinar. -considerar a patologia de base, chances de extubação próxima e patência das vias aéreas. -tempo de VM não estabelecido. - consentimento livre e esclarecido dos pais. Proposta de protocolo 2. Documentar a técnica cirúrgica destacando o tipo e número de cânula utilizada. 3. Primeira troca de cânula: 3 a 7 dias após o procedimento, sendo bem documentada no prontuário. 4. Pós-operatório imediato: de preferência realizado em UCIP, sendo o tempo de permanência dependente da patologia de base. Proposta de protocolo 5. Fixação com gravata usando material hipoalergênico, e utilizando o espaço adequado na porção cervical posterior. 6. Aspiração traqueal realizada através da técnica limpa modificada sendo o calibre da sonda o suficiente para garantir a rápida aspiração (evitar atelectasia). O número de aspirações/dia varia de acordo com a produção de secreção e necessidade individual. Proposta de protocolo 7. Quanto as cânulas: -metálicas: manter o tubo interno livre de secreções e fazer inspeção rigorosa a cada 6 meses -PVC: trocas periódicas a cada 1 a 3 meses (tempo estabelecido individualmente), na dependência do padrão secretivo do paciente e no número de infecções de vias aéreas inferiores. -tubos de Montgomery: trocas apenas em centro cirúrgico com suporte ventilatório adequado, por pessoal treinado e especializado. Proposta de protocolo 8. 9. Nos casos de dependência de O2 utilizar sempre umidificador; Treinar os pais ou cuidadores quanto aos pontos básicos, noções de funcionamento dos equipamentos, observação de sinais de alarme e curso básico de reanimação cardiopulmonar. Devem também presenciar as trocas de cânula. Proposta de protocolo 10. Acompanhamento periódico em ambulatório de pneumopediatria: - primeiro ano e O2 dependentes consultas mensais - demais pacientes consultas a cada 3 meses - broncoscopias a cada 6 meses. Quem acredita no que faz não tem receio de ser questionado e a melhor maneira de se evitar complicações é a prevenção. Não tenha medo de fornecer a informação aos seus pacientes, pois o entendimento destes é peça fundamental no processo de tratamento e acompanhamento OBRIGADA!