PLANEJAR: UMA UTOPIA? - O PLANEJAMENTO COMO CENTRO DO
PROCESSO EDUCATIVO
Denise Ferrari Dutra
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Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é
motivo para não querê-las... Que tristes os
caminhos, se não fora A presença distante
das estrelas!
Das Utopias, Mário Quintana
O que entendemos por utopia? Algo inalcançável, tão distante que mesmo
que caminhássemos uma vida inteira não atingiríamos. Se assim fosse, como diz
o poeta, que triste seria. Então pergunto, porque planejar algo que não se pode
alcançar? A utopia é um sonho que nos move, é o desejo de avançar em direção a
algo ou lugar que acreditamos que seja melhor. Ao me questionar sobre o planejar
como uma utopia possível, acredito estar buscando de forma processual qualificar
o processo educativo com o intuito de buscar construir estratégias que venham a
construir melhores momentos para a educação.
Os caminhos já trilhados
A década de 60, principalmente a partir do Golpe Militar de 1964, foi um
período de consagração de um planejamento que adquiria um caráter obrigatório,
supervisionado, cobrado e com pouca ou quase nenhuma capacitação para sua
elaboração. Ou seja, cabia ao professor completar o velho e conhecido
“quadrinho”2, onde constava a listagem de conteúdos, os objetivos a serem
alcançados, as estratégias utilizadas, os recursos necessários para
operacionalização e avaliação, sempre classificatória, buscando mensurar o
imensurável e indiscutivelmente excludente, uma vez que tudo apontava para o
produto final e não para o processo educativo. Como não havia clareza do que
efetivamente fosse o significado de planejar dentro de uma concepção
educacional progressista, esse quadro foi sendo descartado. Os professores, por
sua vez, não acreditavam em seu preenchimento, pois os conteúdos eram
listagens já preestabelecidas e não problematizadas, sendo que os melhores
planos eram os que mais se pareciam a livros didáticos. Somado a resistência dos
professores a pensar e refletir efetivamente sobre seu fazer pedagógico, surge,
nesse momento, a questão da flexibilidade, que assume um estranho conceito que
podemos afirmar perdura até hoje, uma flexibilidade descompromissada. Segundo
Gandin e Cruz (2009) não havia mais sentido em preencher aquele “quadrinho”,
uma vez que
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Como resistência por parte dos(das) professores(as) e
como desculpa de quem exigia tal lista de intenções, desenvolveuse a idéia de que “planos”, de qualquer maneira são “flexíveis”; o
estranho conceito de flexibilidade foi – e ainda é – a “salvação” da
1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Professora do Município de Porto Alegre/RS; Professora do Colégio
Marista Ipanema de Porto Alegre/RS. [email protected]
2
Ver Gandin e Cruz. Planejamento na Sala de Aula. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
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“Esta resistência é inteligente. de certa forma, algum descaso dos próprios supervisores em sua exigência também o é. Isso porque os tais “planos”
não significam mais nada e apenas são mantidos como um rito que perdeu o sentido”. (GANDIN E CRUZ, 2009, p.13)
não-existência de planejamento porque, no final, “docentes devem
fazer planos, mas não precisam preocupar-se em segui-los”.
(p.13)
A partir dessa concepção, as escolas reduziram o planejamento a uma lista
de conteúdos que ficou conhecida como programa. Fato este muito mais ligado a
questões da dimensão burocrática e de legislação escolar no que concerne, por
exemplo, a transferência de alunos de uma escola para outra. Este levava “anexo”
o programa que era comparado ao das outras escolas. No bojo desses equívocos,
muitas vezes esse programa passou a ser o currículo da escola. Não era,
portanto, o planejamento que movia as ações estabelecidas pelas equipes
diretivas e docentes. Atualmente, esse programa passou a denominar-se planos
de estudo. O que preocupa é que o trabalho de planejar tornou-se algo tão
burocrático, tão sem desejo, que hoje se questiona e resiste-se até mesmo a sua
discussão.
Então... O que fazer?
Acreditar que o ato de planejar é sempre um desafio, pois requer como
fundamento a pesquisa e a reflexão para a construção de uma ação educativa
eficiente. A pesquisa, por sua possibilidade de investigação, inovação e
prospecção. E a reflexão por nos permitir revisar a ação realizada para assim
poder dar a ela continuidade ou replanejá-la a partir de novas estratégias. Sem
dúvida e indiscutivelmente, esse processo está intimamente ligado à avaliação.
Desta forma, o planejamento é um meio intencional de organização das
práticas docentes, portanto, conforme Libâneo (2001) “é uma atividade consciente
[...], fundamentadas em opções político-pedagógicas e tendo como referência
permanente as situações didáticas concretas”. O planejamento tem funções
específicas, tais como a vinculação com a realidade social, expressão do
conhecimento do professor ao pensar objetivos, conteúdos, métodos, recursos
utilizados, organização do ensino, competências, habilidades, atitudes; o
planejamento evita o amadorismo, que segundo Perrenoud (2001), é um dos
enfrentamentos com os quais o professor deve lidar.
Portanto...
Ao acreditar na validade de um planejamento, estaremos apostando num
processo de aprendizagem, em que alunos e professores são os protagonistas
dessa ação, na qual todas as dimensões da escola devem estar atentas e
envolvidas para que o desenvolvimento da educação humana, segundo Damis
(1996) “possa ser organizado e desenvolvido criticamente, [...] destacando assim a
compreensão técnico-política do planejamento”. Ao encontro disso, cito mais uma
vez Gandin (1985)
Planejar é elaborar – decidir que tipo de sociedade e de
homem se quer e que tipo de ação educacional é necessária para
isso; verificar a que distância se está desse tipo de ação e até que
ponto se está contribuindo para o resultado final que se pretende;
propor uma série orgânica de ações para diminuir esta
distância e para contribuir mais para o resultado final estabelecido;
executar – agir em conformidade com o que foi proposto e avaliar
– revisar sempre cada um desses momentos e cada uma das
ações bem como cada um dos documentos deles derivados.
(p.22)
O ato de planejar é sim uma utopia necessária e possível, pois através dele
pensamos a vida, o dia a dia, tomamos decisões, ampliamos nosso espaço de
inserção na sala de aula, na escola, na sociedade, navegamos por outros campos
de conhecimento, assumindo atitudes interdisciplinares. Na base de todas essas
posturas está um conhecimento fundamentado na pesquisa e na reflexão de sua
práxis, que tem como foco o processo de aprendizagem.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
DAMIS, Olga Teixeira. Planejamento escolar: Expressão técnico-política de
sociedade. In: ALENCASTRO, Ilma Passos (org.). Didática: o ensino e suas
relações. Campinas: Papirus, 1996, p. 171-183.
DUTRA, Denise Ferrari. O princípio da gestão democrática no espaço escolar.
Espaços da Escola. , v.49, p.13 - 16, 2005.
GANDIN, Danilo. Planejamento como prática educativa. São Paulo: Loyola,
1985.
GANDIN, Danilo; CRUZ, Carlos Henrique Carrilho. Planejamento na sala de
aula. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
LIBÂNEO, J. C. Organização e Gestão Escolar: teoria e prática. Goiânia:
Alternativa, 2001.
PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto
Alegre: Artmed, 2001.
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