CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Pedido de Uniformização n° 2002.60.84.000047-5 Requerente: Instituto Nacional do Seguro Social Advogado(a): Augusto Dias Diniz Requerido(a): Afonso Ramires Goes Advogado(a): Maíra Santos Abrão Relator(a): Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha Origem: Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul RELATÓRIO Trata-se de pedido de uniformização de interpretação de lei federal, formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em face de decisão proferida pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul, que determinou a averbação do período de 01.01.1945 a 31.12.1965 em que o autor laborou como rurícola, bem como a expedição de certidão de tempo de serviço, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias. Sustenta, a autarquia previdenciária, que, ao admitir o cômputo do tempo de serviço rural prestado pelo autor antes da edição da Lei nº 8.213/91, sem o respectivo aporte financeiro (contribuições), a Turma Recursal inobservou o disposto no artigo 96, inciso IV, da Lei nº 8.213/91, e no artigo 202, § 2º, da Constituição Federal, dandolhes interpretação divergente da que fora adotada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Argumenta que a circunstância de o autor ser, atualmente, servidor público estadual, vinculado a regime próprio de previdência, evidencia a intenção de aproveitar o tempo de serviço sub judice, para fins de contagem recíproca, sem o ônus da contrapartida financeira, o que contraria a legislação de regência. Aponta como paradigma a decisão resultante do julgamento do Recurso Especial nº 409.563/RS (rel. Min. Fernando Gonçalves, 6ª Turma, j. em 03.06.2002, CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DJU de 24.06.2002), citando ainda os precedentes oriundos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 11.583/SC (rel. Min. Félix Fischer, 5ª Turma, DJU de 29.05.2000, p. 168) e do Recurso Especial nº 202.580/RS (rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJU de 15.05.2000, p. 180). Entende demonstrada a existência de contrariedade autorizadora da interposição de incidente de uniformização, nos termos do art. 14, § 2º, da Lei nº 10.259, e pede seja conhecido e provido o recurso, com a reforma da decisão recorrida. Junta cópia do primeiro precedente citado. O INSS interpõe recurso extraordinário, inadmitido pelo Presidente da Turma Recursal, que limita-se a receber o pedido de uniformização endereçado a este Colegiado. Com contra-razões, vêm os autos. É o sucinto relatório. Peço dia. Vivian Josete Pantaleão Caminha Relatora Pedido de Uniformização n° 2002.60.84.000047-5 Requerente: Instituto Nacional do Seguro Social Advogado(a): Augusto Dias Diniz Requerido(a): Afonso Ramires Goes CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Advogado(a): Relator(a): Origem: Maíra Santos Abrão Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul VOTO I - Insurge-se o Instituto Nacional Seguro Social contra decisão proferida pela Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul que determinou a averbação do período de 01.01.1945 a 31.12.1965 em que o autor laborou como rurícola, com a expedição de certidão de tempo de serviço, independentemente do pagamento das respectivas contribuições previdenciárias, por se tratar de tempo de serviço prestado antes da edição da Lei nº 8.213, de 1991, e ter se operado em relação aos valores em causa a prescrição. Argumenta, a autarquia previdenciária, que o julgado destoa da jurisprudência dominante do Egrégio Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, a qual exige para o cômputo de tempo de serviço rural a correspondente contrapartida financeira. O confronto analítico entre a decisão impugnada e os paradigmas invocados pelo recorrente permite inferir a configuração de divergência jurisprudencial apta a gerar incidente de uniformização. A despeito de serem semelhantes as situações fáticas e a questão jurídica debatida, há dissonância entre as soluções jurídicas adotadas nos julgados. A Turma Recursal da Seção Judiciária do Mato Grosso do Sul reconheceu que o autor faz jus ao cômputo do tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213, para fins de inativação, sem lhe impor o respectivo ônus financeiro. Nos precedentes citados pelo recorrente, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o tempo de serviço rural anterior à referida Lei pode ser utilizado para fins de contagem recíproca, desde que o trabalhador efetue o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Comprovada a existência de dissídio pretoriano, no que tange à interpretação do art. 96, inciso IV, da Lei nº 8.213, é de ser admitido o pedido de uniformização, na forma do artigo 14, § 2º, da Lei nº 10.259, de 2001. II - Adentrando na análise os fundamentos do incidente, inicialmente impede reconhecer que a certificação do tempo de serviço prestado constitui direito constitucional do trabalhador, cujo exercício não é passível de condicionamentos (art. 5º, XXXIV, b, da CF), haja vista que a certidão refere-se a fato ocorrido, e não aos efeitos jurídicos que produz (ou à valoração destes), os quais não são certificáveis, já que previstos em lei, “comportando demonstração interpretativa.” (TRF4ªR, 2ª Seção, EIAC nº 1999.04.01.137993-1/RS, rel. Desembargador Federal Teori Albino Zavascki, DJ 06.12.2000, p. 228). Na hipótese sub judice, entretanto, a situação fática delineada nos autos evidencia que a pretensão posta em causa transcende a mera certificação do tempo de serviço laborado no meio rural. O autor almeja não só o reconhecimento do direito de computar o tempo de serviço rural prestado no período de 01.01.1945 a 31.12.1965, para fins de inativação, como também a inexigibilidade das respectivas contribuições previdenciárias (fls. 5 e 49). Conquanto não especifique na inicial a finalidade da averbação por ele pretendida, a sua atual condição de servidor público estadual denota a intenção de somar ao tempo de serviço público o período laborado no meio rural (contagem recíproca), o que, aliás, não é negado em momento algum. E, ao impugnar a exigência da contrapartida financeira imposta pela autarquia previdenciária, o autor suscita questão que desborda do tema relativo ao direito à certidão, inserindo no âmbito da presente lide discussão que envolve a interpretação da norma constitucional que dispõe sobre a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e privada. A análise a ser empreendida por esta Turma há que cingir-se à exigibilidade, ou não, das contribuições previdenciárias correspondentes ao período a ser averbado pelo autor -, extrapolando os limites deste incidente a questão atinente ao tempo de serviço em si, seja por envolver matéria fática (art. 14 da Lei nº 10.259), seja não ter sido devolvida especificamente a este Colegiado através do pedido de uniformização. Não há dúvida de que o exercício de atividade rural deve ser comprovado perante o Instituto Nacional CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS do Seguro Social, por se tratar de atividade de natureza privada vinculada ao Regime Geral da Previdência Social, ainda que para fins de averbação do tempo de serviço junto a órgão público. O reconhecimento de vínculo jurídico com a Previdência Social, na condição de segurado especial, pressupõe início de prova material do labor agrícola (art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213), insuprimível pela prova exclusivamente testemunhal (súmula nº 149 do STJ), pois a relevância da prova documental é realçada pelo próprio legislador, que, sem instituir um sistema de tarifação de provas, de valoração pré-estabelecida, invasivo, portanto, da seara reservada à atividade do juiz na formação de sua convicção acerca dos fundamentos de fato e de direito, elege os meios idôneos à perfeita elucidação do fato, dada sua especificidade. Contudo, não nos é dado, nesta fase recursal, reexaminar a matéria fática objeto da lide (incluída a questão da suficiência ou não das provas produzidas), restando-nos enfrentar tema específico - a exigibilidade das contribuições previdenciárias correspondentes ao período a ser averbado sob a forma indenizada. Outro aspecto importante a salientar é o que pertine às disposições legais que regem o cômputo do tempo de serviço laborado no meio rural. Os artigos 39, 55, § 2º, 96, IV, e 143, todos da Lei nº 8.213, devem ser interpretados sistematicamente. Da leitura conjugada desses dispositivos ressalta evidente que o segurado especial trabalhador rural faz jus aos benefícios de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílioreclusão, de pensão ou de salário-maternidade, no valor de um salário mínimo, independentemente da comprovação do recolhimento de contribuições previdenciárias, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência. A legislação, portanto, confere direito a benefícios de valor mínimo àqueles que hajam exercido atividade rural, o que pressupõe a realização de trabalho típico. Entretanto, se o segurado especial pretender a concessão de outros não elencados no inciso I do art. 39, deverá contribuir facultativamente para a Previdência Social, sem prejuízo da contribuição a que se refere o art. 195, § 8º, da Constituição Federal (incidente sobre o resultado da comercialização da produção). CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Oportuno referir que o tempo de serviço rural anterior à data de início de vigência da Lei nº 8.213 será computado integralmente, independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias, exceto para efeito de carência. Não obstante, o cômputo de tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade da filiação à Previdência Social, para fins de contagem recíproca, torna exigível o pagamento de indenização das contribuições correspondentes ao período respectivo, com os acréscimos moratórios especificados no art. 96, IV. E não foi sem razão que o legislador estabeleceu tais distinções. A legislação pretérita não impunha ao rurícola a obrigação de efetuar o recolhimento de contribuições previdenciárias, posto que vinculado ao regime do Funrural, de conotação assistencial. Daí a necessidade de estatuir uma regra de “transição” destinada a evitar que, com as exigências implementadas pela novel legislação, ficassem desamparados aqueles que vinham seguindo as normas até então vigentes. E, para compreender-se a lógica que inspirou o legislador, basta ter presente que os trabalhadores rurais não eram, até a edição da Lei nº 8.213/91, inseridos em regime previdenciário de caráter contributivo, tendo somente a partir de então sido disciplinada a regra de igualdade constitucionalmente posta em 1988. Não é por outro motivo que a mesma lei mantém a exigência de comprovação do cumprimento da carência stricto sensu para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (art. 55, § 2º), enquanto, ao regular a aposentadoria por idade, procede com coerência, tratando diferentemente essas situações que instrinsecamente não se equivalem. Em contrapartida, estabelece para a hipótese de vinculação (posterior) do trabalhador a um regime previdenciário diverso - no caso, estatutário - a exigência de pagamento de indenização, para o aproveitamento do tempo de serviço privado, em face da exigência legal e constitucional de compensação financeira na hipótese de contagem recíproca de tempo de serviço público e privado para fins de aposentadoria. Tal exigência não se impõe no caso de ser mantida a vinculação com o RGPS pela singela razão de que a Previdência Social absorveu, por inteiro, o sistema assistencial que anteriormente abrangia os trabalhadores rurais, o que afasta a obrigação de compensar financeiramente qualquer outro sistema. A junção do tempo de serviço rural e urbano - ambos decorrentes do exercício de CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS atividade privada - não se subordina aos pressupostos estabelecidos pelo art. 202, § 2º, da Constituição Federal, em sua redação original (compensação financeira e contribuição), e vincula-se aos princípios da uniformidade e da equivalência entre os benefícios às populações urbanas e rurais, resultantes do mandamento constante no parágrafo único do artigo 194. Todo o sistema da Previdência Social está assentado no princípio atuarial de que deriva a exigência de equilíbrio financeiro entre fontes de custeio e benefícios. Constitui regra elementar e necessária em matéria de seguridade social que os regimes devem garantir diretamente a totalidade dos riscos cobertos no plano de benefícios, a que se soma o imperativo do autofinanciamento do sistema. Isto porque a cada benefício deve corresponder uma fonte de custeio. Nesse delineamento, nada mais razoável do que a preocupação do recorrente com os prejuízos financeiros que poderão advir do cômputo do tempo em que o autor dedicou-se às lides campesinas, para fins de inativação em outro sistema previdenciário, sem o respectivo lastro financeiro. Conquanto não se possa atribuir à relação custeio-benefício um caráter individual, pois a Previdência Social atende ao princípio da solidariedade contributiva (art. 195 da CF), que importa na responsabilidade compartilhada entre o Estado e a sociedade civil pela manutenção financeira do sistema (todos contribuem para um fundo comum, com base em cálculos atuariais, e repartem, dessa forma, a responsabilidade pelo custeio do sistema), restando afastada a modalidade da capitalização (pela qual o indivíduo é o responsável pessoal pelos aportes de recursos para criação de um fundo próprio de aposentadoria, que será gerenciado por uma instituição mediante a cobrança de taxa de administração, e resultará no implemento de uma renda futura substitutiva do salário), não há dúvida de que o financiamento da Previdência Social tem como sustentáculo a regra da comutatividade, pela qual garante-se ao trabalhador o direito à aposentadoria, ou pensão aos seus dependentes, nos casos em que ele contribuiu para diferentes sistemas, impondo-lhes a compensação financeira segundo critérios estabelecidos em lei (art. 201, § 9º, da CF). Vale dizer, a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada somente viabiliza-se pelo sistema de compensação financeira, distinguindo-se o regime previdenciário do de natureza assistencial justamente pelo caráter contributivo daquele. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Ao interpretar a norma inserta no parágrafo segundo do artigo 202, da Constituição Federal (em sua redação original), o Egrégio Supremo Tribunal Federal reconheceu a impossibilidade de condicionar o direito à contagem recíproca do tempo de contribuição prestado à iniciativa privada à compensação financeira a cargo da instituição previdenciária, assinalando a existência de duas regras distintas e independentes no referido dispositivo constitucional. A norma constitucional garante, especificamente, a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e atividade privada, esta última urbana ou rural, e não o aproveitamento do simples tempo de serviço (STF, Pleno, ADIMC nº 1.664, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 13.11.1997, DJ 19.12.1997, p. 41). “A primeira parte do dispositivo representa uma norma constitucional completa, bastante em si mesma para garantir a contagem recíproca. De outro modo, evidenciando a segunda parte do dispositivo, sobre a compensação financeira entre os diferentes sistemas financeiros, essa sim estaria pendente de estabelecimento de critérios legais”. “O acerto de contas que deve haver entre os diversos sistemas de previdência social não interfere na existência do direito constitucionalmente previsto, que assegura a contagem recíproca, sobretudo para fins de aposentadoria”. “... a previsão constitucional de um mecanismo legal interprevidenciário de compensação financeira entre os sistemas elide qualquer razão de ser da exigência de um mínimo de contribuição do servidor ao sistema que lhe deva pagar a inatividade: o custeio da aposentadoria há de provir da compensação devida, independentemente do número de contribuições pagas à entidade que a deva conceder e satisfazer” (STF, Pleno, RE nº 220.821/RS, rel. Min. Maurício Correa, j. 17.2.2000, DJ 19.5.2000, p. 21). O direito à inativação do trabalhador que, ao longo de sua vida profissional, vinculou-se a diferentes sistemas de previdência social é assegurado pela compensação financeira entre tais sistemas - operação que envolve os órgãos públicos diretamente afetados e tem o efeito de preservar o caráter atuarial e contributivo da Previdência Social. Na situação especial de reciprocidade, o custeio do benefício provém das contribuições vertidas à entidade que deve concedê-lo e mantê-lo e da compensação devida. Esse mecanismo legal interprevidenciário de compensação financeira, entretanto, somente viabiliza-se pela existência de um lastro financeiro compensável, formado a partir de CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS contribuições advindas do segurado. Nesta medida, a exigência de indenização a que se refere o art. 96, IV, da Lei nº 8.213, a cargo do trabalhador que se beneficiará com a contagem recíproca, visa a permitir ao INSS cumprir a obrigação de compensar financeiramente o sistema previdenciário que concederá a aposentadoria, participando do custeio do benefício. Em se tratando de um sistema contributivo (a que é inerente a expectativa de uma contrapartida a cargo do órgão previdenciário), nada mais razoável do que atribuir ao beneficiário da aposentadoria o ônus de prover a autarquia previdenciária, sob a forma indenizatória, de recursos suficientes para fazer frente à compensação financeira, uma vez que a reciprocidade garantida pela lei fundamental se dá em relação ao tempo de contribuição, e não ao tempo de serviço. A previsão constitucional de compensação financeira entre os sistemas público e privado autoriza a ilação de que, acaso inexistente a indenização, a Previdência Social sofrerá prejuízo em razão da transferência de recursos para custear parte da aposentadoria a ser paga ao autor pelo sistema público. As disposições legais que erigiram restrições ao cômputo do tempo de serviço do trabalhador rural, anterior à vigência da Lei nº 8.213 (porque só a partir desta se passou a exigir a contribuição, sendo a fonte de custeio antes imputada ao Funrural) têm sua razão de ser na regra constitucional da reciprocidade, restrita ao tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada. “... para a contagem recíproca corretamente dita, isto é, aquela que soma o tempo de serviço público ao de atividade privada, não pode ser dispensada a prova de contribuição, pouco importando - diante desse explícito requisito constitucional - que de, contribuir, houvesse sido, no passado, dispensada determinada categoria profissional, assim limitada, bem ou mal, quanto ao benefício de reciprocidade pela ressalva estatuída na própria Constituição” (excerto do voto do Min. Octávio Gallotti no julgamento da ADIn nº 1.664-0). “PREVIDÊNCIA SOCIAL. Relevância jurídica da impugnação, perante os artigos 194, parágrafo único, I, 201, caput e § 1º e 202, I, todos da Constituição, da proibição de acumular a aposentadoria por idade, do regime geral da previdência, com a de qualquer outro regime (redação dada, ao art. 48 da Lei nº 8.213-91, pela Medida Provisória mº 1.52313/1997). Trabalhador rural. Plausibilidade da argüição de inconstitucionalidade da CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS exigência de contribuições anteriores ao período em que passou ela a ser exigível, justificando-se ao primeiro exame essa restrição apenas em relação à contagem recíproca de tempo de serviço público (artigos 194, parágrafo único, I e II, e 202, § 2º, da Constituição e redação dada aos artigos 55, § 2º, 96, IV e 107 da Lei nº 8.213-91, pela Medida Provisória nº 1.523-13-97). Medida cautelar parcialmente deferida.” (SYF, Pleno, ADIn nº 1.664-0, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 13.11.1997, DJ 19.12.1997) Diante da exegese atribuída ao artigo 202, § 2º, da Constituição Federal, pela Suprema Corte, consolidou-se no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213 pode ser utilizado, para fins de contagem recíproca, desde que sejam recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias. “PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 8.213/91. CONTAGEM RECÍPROCA, CONTRIBUIÇÕES. RECOLHIMENTO. NECESSIDADE. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou sua jurisprudência no sentido de que o tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/91 pode ser utilizado para fins de contagem recíproca tão-somente quando recolhidas, à época da sua realização, as contribuições previdenciárias. 2. Recurso especial não conhecido” (STJ,5ª Turma, REsp nº 497.143/RS, rel. Min. Laurita Vaz) “PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. CONTRIBUIÇÕES. NECESSIDADE. ART. 96, INCISO IV DA LEI 8.213/91. Para a emissão de Certidão de Tempo de Serviço, visando a contagem recíproca de tempo de serviço rural e urbano para fins de aposentadoria, necessário se torna o recolhimento da contribuição correspondente ao respectivo período, por expressa imposição legal, nos termos do art. 96, inciso IV, da Lei 8.213/91. Recurso conhecido e provido.” (STJ, 5ª Turma, REsp nº 416.995/RS, rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 03.02.2003) “RECURSO ESPECIAL. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA. TEMPO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. NECESSIDADE. ART. 96, IV, DA LEI Nº 8.213/91. 1. Em se tratando de certidão de tempo de serviço rural para contagem CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS recíproca, deve o interessado colacionar aos autos a prova pré-constituída das respectivas contribuições. Precedentes. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, 6ª Turma, REsp nº 409.563/RS, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 24.06.2002) “RECURSO ORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM RECÍPROCA DE TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM ATIVIDADE RURAL PARA FINS DE APOSENTADORIA NO SERVIÇO PÚBLICO. CONTRIBUIÇÃO. NECESSIDADE. 1.”Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos sistemas de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecido em lei” (artigo 202, parágrafo 2º, da Constituição da República). 2.”(...) para a contagem recíproca corretamente dita, isto é, aquela que soma o tempo de serviço público ao de atividade privada, não pode ser dispensada a prova de contribuição, pouco importando - diante desse explícito requisito constitucional - que de, contribuir, houvesse sido, no passado, dispensada determinada categoria profissional, assim limitada, bem ou mal, quanto ao benefício de reciprocidade pela ressalva estatuída na própria Constituição.” (ADIn nº 1.664/DF, Relator Ministro Octávio Gallotti, in DJ 19/12/97). 3.A contagem do tempo de serviço prestado na atividade privada, seja ela urbana ou rural, só pode ser aproveitada para fins de aposentadoria no serviço público, quando houver prova de contribuição naquele regime previdenciário, inocorrente, na espécie. 4.Recurso improvido.” (STJ, 6ª Turma, RMS nº 11.135/SC, rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 15/04/2002) Acresça-se ao até aqui exposto que a lei previdenciária, para admitir o cômputo do tempo de serviço prestado pelo trabalhador rural, para fins de contagem recíproca, impõe-lhe uma contraprestação financeira que refoge ao âmbito da relação jurídicotributária que dá origem à obrigação de recolher contribuições previdenciárias (hipótese em que seria cabível cogitar-se de prescrição tributária), por ostentar natureza ressarcitória. Notese que não se confundem, estando apenas indiretamente relacionadas, as relações tributárias e previdenciárias. As contribuições são exigidas (dos trabalhadores e seus empregadores) para o custeio de todo o sistema e não apenas do próprio benefício; a indenização a que se refere o art. 96, da Lei nº 8.213, para a contagem recíproca de tempo de serviço. Nem se cogite de efeito retrooperante da lei (que, neste tópico específico, refere-se ao tempo de serviço anterior CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS a 1991), pois, antes de sua edição, o autor não tinha direito (adquirido) ao cômputo do período laborado no meio rural, para fins de aposentadoria no serviço público, sem a correspondente contribuição previdenciária. A contagem recíproca só é assegurada ao trabalhador mediante indenização correspondente às contribuições relativas ao período (art. 45, § 3º, da Lei nº 8.212, c/c art. 96, IV, da Lei nº 8.213). Por tais razões, conheço e dou provimento ao presente incidente para uniformizar a jurisprudência no sentido de que o tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213 pode ser utilizado, para fins de contagem recíproca, desde que sejam recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias, de forma indenizada. É como voto. Vivian Josete Pantaleão Caminha Relatora CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS CERTIDÃO DE JULGAMENTO OITAVA SESSÃO ORDINÁRIA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO Presidente da Sessão: Excelentíssimo Senhor Ministro ARI PARGENDLER Sub-Procurador Geral da República: Dr. Moacir Guimarães Morais Filho Secretário(a): GLÓRIA LOPES TRINDADE Relator(a): Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(a) Federal VIVIAN CAMINHA Requerente: INSS Proc./Adv.: AUGUSTO DIAS DINIZ Requerido: AFONSO RAMIRES GOES Proc./Adv.: MAÍRA SANTOS ABRÃO Remte.: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MATO GROSSO DO SUL Proc. Nº.: 2002.60.84.000047-5 CERTIDÃO Certifico que a Egrégia Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: “Depois dos votos da Excelentíssima Juíza Vivian Caminha, admitindo o incidente e lhe dando provimento para manter a orientação do acórdão paradigma e fazer uma proposta de súmula, no sentido de que o aproveitamento do tempo de serviço rural para a contagem recíproca depende de recolhimento de contribuição de forma indenizada, ficando esta sujeita a uma nova redação, acompanhou os Excelentíssimos Juízes: Vladimir Carvalho, Janilson Siqueira, Cândido Moraes, Márcia Hoffmann, Guilherme Calmon e Liliane Roriz, e Ricardo do Valle Pereira. Pediu vistas o Excelentíssimo Juiz Renato Toniasso. “ Participaram do julgamento, os Srs. Juízes e Sras. Juízas Federais: Dr. Vladimir Carvalho, Dr. Janilson Siqueira, Dr. Cândido Moraes, Dra. Márcia Hoffmann, Dr. Guilherme Calmon, Dra. Liliane Roriz, Dr. Ricardo do Valle Pereira e Dr. Renato Toniasso. Proferiu sustentação oral pelo Requerente.: MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS Proferiu sustentação oral pelo Requerido.: HOLDEN MACEDO DA SILVA Brasília, 05 de agosto de 2003. GLÓRIA LOPES TRINDADE Secretário(a) CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO PROCESSO Nº 200260840000475 Requerente : Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Procurador : Augusto Dias Diniz. Requerido : Afonso Ramires Goes. Advogado : Maíra Santos Abrão - DPU. Relatora : Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha. VOTO Pedi vista dos presentes autos para apurar a questão posta, mas, diante dos inabaláveis fundamentos expandidos pela eminente Relatora, sou pelo conhecimento e pelo provimento do incidente da uniformização interposto pelo requerente. É como voto. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS CERTIDÃO DE JULGAMENTO NONA SESSÃO ORDINÁRIA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO Presidente da Sessão: Excelentíssimo Senhor Ministro ARI PARGENDLER Sub-Procurador Geral da República: Dr. Moacir Guimarães Morais Filho Secretário(a): GLÓRIA LOPES TRINDADE Relator(a): Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(a) Federal VIVIAN CAMINHA Requerente: INSS Proc./Adv.: AUGUSTO DIAS DINIZ Requerido: AFONSO RAMIRES GOES Proc./Adv.: MAÍRA SANTOS ABRÃO Remte.: SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MATO GROSSO DO SUL Proc. Nº.: 2002.60.84.000047-5 CERTIDÃO Certifico que a Egrégia Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo do julgamento, a turma por unanimidade deferiu o pedido de uniformização e lhe deu provimento, nos termos do voto da Sra. Juíza relatora". Participaram do julgamento, os Srs. Juízes e Sras. Juízas Federais: Dr. Barros Dias, Dr. Leomar Amorim, Dra. Liliane Roriz, Dr. Ricardo do Valle Pereira, Dr. Marcelo Mesquita, Dr. Renato Toniasso, Dra Mônica Sifuentes, Dra. Cláudia Cristófani e Dr. Mauro Luís Rocha Lopes. Brasília, 30 de setembro de 2003. GLÓRIA LOPES TRINDADE Secretário(a) CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS Pedido de Uniformização n° 2002.60.84.000047-5 Requerente: Instituto Nacional do Seguro Social Advogado(a): Augusto Dias Diniz Requerido(a): Afonso Ramires Goes Advogado(a): Maíra Santos Abrão Relator(a): Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha Origem: Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso do Sul EMENTA PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO COMO TRABALHADOR RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. EXIGÊNCIA DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. O tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213 pode ser utilizado, para fins de contagem recíproca, desde que sejam recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias, de forma indenizada. 2. Pedido conhecido e acolhido. ACÓRDÃO Visto e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Turma de Uniformização das Decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, por unanimidade, conhecer e acolher o pedido de uniformização, nos termos do voto da Relatora. Participaram do julgamento os Juízes Vladimir Souza Carvalho, Cândido Moraes Pinto Filho, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Liliane do Espírito Santo Roriz de Almeida, Márcia Hoffmann, Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Renato Toniasso e Janilson Siqueiro. Porto Alegre, 5 de agosto de 2003. Vivian Josete Pantaleão Caminha Juíza Federal Relatora