Responsabilidade Civil do fornecedor em razão da Perda do Tempo
Livre com fundamento no Código de Defesa do Consumidor1
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil está vinculada à questão de que todos nós somos
responsáveis por nossas condutas, ou seja, devemos conduzir nossa vida visando
sempre não causar prejuízos a ninguém. Uma vez violado o direito de outrem nasce o
direito da parte lesada receber um valor a título de reparação. “Sabe-se que o
ordenamento jurídico reconhece dois tipos de deveres, um geral imposto a todos os
indivíduos, e que constitui a contra-partida exata dos direito absolutos: nemionem
laedere, suum cuique tribuere. E ainda um dever especial, que incumbe a uma pessoa
determinada em relação à outra pessoa também determinada; trata-se de um dever
temporário e limitado, não só quanto aos sujeitos como em relação ao objeto”.2 Diante
do que foi desenvolvido pode se dizer que existe diferença entre a responsabilidade
extracontratual, aquela que nasce de um dever geral, e a responsabilidade contratual,
que nasce de um dever especial.
2. CONCEITO
Nas brilhantes palavras do doutrinador carioca Sérgio Cavalieri o conceito de
responsabilidade civil nada mais é do que uma obrigação, um encargo, uma
contraprestação. “Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da
violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um
dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de
um dever jurídico originário”.
3.
PRESSUPOSTOS
DA
RESPOSPONSABILIDADE
CIVIL
EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL.
1
PINTO, Cristiano Vieira Sobral, Revista Direito ao Ponto, ano 1, n. 3.
2 COMPARATO, Fabio Konder, Obrigações de meios, de resultado e de garantia, RT
386/32 www.cers.com.br Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual possuem fundamento no ato
ilícito absoluto, composto por elementos objetivos e subjetivos. São elementos
objetivos do ato ilícito absoluto: a) a existência de ato ou omissão (ato comissivo por
omissão), antijurídico (violadores de direito subjetivo absoluto ou interesse legítimo);
b)ocorrência de um dano material ou moral; c) nexo de causalidade entre o ato ou
omissão e o dano. São elementos subjetivos do ato ilícito absoluto; a) a
imputabilidade (capacidade para praticar a antijuridicidade); b) a culpa em sentido
lato (abrange o dolo e a culpa em sentido estrito). 3
Já os pressupostos da responsabilidade contratual são outros: a) existência de um
contrato válido, pois diante da validade deste contrato as parte estão vinculadas ao seu
conteúdo e também em razão do princípio da boa-fé objetiva, que gera uma eficácia
endógena, ou seja, deveres principais e satelitários entre as partes. A violação dos
deveres satelitários (proteção, informação e a cooperação) é chamada de violação
positiva do contrato. b) a inexecução do contrato, tal contrato pode ser inadimplido no
todo ou em parte, o que irá gera uma das causas de extinção do contrato (artigos
472/480 do Código Civil). Vale mencionar que não irá ocorrer inadimplemento do
contrato se estiver diante de um fortuito ou força maior. c) Dano e nexo causal.
4. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CDC.
O Código de Defesa do Consumidor disciplina a responsabilidade pelos vícios de
segurança, sob o título “Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço” (artigos
12; 13; 14; 17 e 27) e a responsabilidade pelos vícios de adequação, sob o título
“Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço” 4.
A Responsabilidade por Fato do Produto ou do Serviço ocorre quando o mesmo gera
danos ao consumidor ou a terceiros (vítimas by stander), o que se chama de acidente
de consumo ou defeito de consumo, prescrevendo em cinco anos o prazo para a
reparação do dano.
3 Moreira Alves, A responsabilidade extracontratual e seu fundamento: culpa e nexo
de causalidade, in Est. Oscar Corrêa, n.5,p.201 4 Arts. 18, 19, 20, 26 CDC. www.cers.com.br O Vício do Produto ou do Serviço por sua vez, é a quebra da expectativa gerada pelo
consumidor quando da utilização ou fruição, afetando, assim, a prestabilidade,
tornando inadequados (Teoria da Qualidade). Na ocorrência de vícios aparentes ou de
fácil constatação a parte tem o direito de reclamar em trinta dias tratando-se de
fornecimento de serviço e de produto não durável e noventa dias, tratando-se de
fornecimento de serviço e de produto durável. Na ocorrência de um vício oculto, o
prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito aplica-se
aqui a Teoria da Vida útil do Produto.
A forma objetiva, ou seja, independente de culpa é a regra no presente Código,
excetuando-se a da profissional liberal que será verificada mediante a comprovação
de culpa. Também se pode afirmar que a regra no CDC é a da responsabilidade
solidária entre os participantes da cadeia de consumo, excetuando-se a do comerciante
na responsabilidade pelo Fato do Produto, que será condicionada a certas
circunstâncias. Diante de tais circunstâncias a doutrina majoritária entende que o
comerciante responde subsidiariamente pelos danos ocorridos, por outro lado alguns
doutrinadores entendem ser a responsabilidade solidária, em razão da menção no seu
texto, vejamos: “o comerciante é igualmente responsável nos termos do artigo
anterior” 5
5. A PERDA DO TEMPO LIVRE E SEUS REFLEXOS
Na atual sociedade em que vivemos muitas situações nos trazem desconforto,
constrangimento, bem como a perda de nosso tempo útil ou livre. Podemos citar como
exemplo, as longas esperas nos Sistemas de Atendimento ao Consumidor, o
deslocamento de nossa casa para o estabelecimento dos fornecedores na busca de
sanar problemas reiterados, as famosas filas de banco e etc…
É fato que muitos fornecedores tratam seus clientes (consumidores) com desídia,
desatenção ou até mesmo despreocupação. O fornecedor tem o dever de prestar o seu
serviço ou produto com a devida segurança e isento de vícios, pois na falta dessas
5 Art. 13 CDC www.cers.com.br observações fica claro o descumprimento da lealdade, cooperação e zelo, o que
comprova a violação do princípio da boa-fé objetiva, causando a chamada violação
positiva do contrato ou adimplementum ruim.
Muitas vezes, o consumidor para fazer valer o seu direito tem que ingressar na
desgastante via judicial, o que faz com que aquela falta de segurança, o desprezo e a
desídia por parte do fornecedor gerem danos de natureza moral e material pela perda
do tempo livre. Vejamos os julgados do STJ.
VEÍCULO
ZERO-QUILÔMETRO.
DEFEITOS
DIVERSOS.
DANOS
MORAIS.
Prosseguindo o julgamento, a Turma, por maioria, entendeu que, no caso, ficou
demonstrado de modo incontroverso que o recorrido adquiriu automóvel zero
quilômetro, o qual, em seus primeiros meses de uso, apresentou mais de dez defeitos,
em distintos componentes, sendo possível afirmar que o número de defeitos
apresentados pelo veículo (dois dos quais no sistema de freios, o qual falhou com o
veículo em pleno movimento) ultrapassou, em muito, a expectativa nutrida pelo
recorrido ao adquirir seu automóvel novo. A excessiva quantidade de defeitos causou
ao adquirente do veículo frustração, constrangimento e angústia, elementos
configuradores do dano moral. Ressaltou-se que o regime previsto no art. 18 do CDC
não afasta o direito do consumidor à reparação por danos morais nas hipóteses em que
o vício do produto ocasionar ao adquirente dor, vexame, sofrimento ou humilhação,
capazes de ultrapassar a esfera do mero dissabor ou aborrecimento. REsp 324.629MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/12/2002.
RECURSO ESPECIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL CABIMENTO - DEMORA INJUSTIFICADA - LIBERAÇÃO DO GRAVAME
HIPOTECÁRIO - CULPA EXCLUSIVA DO VÍTIMA - INEXISTÊNCIA ENTENDIMENTO OBTIDO PELA ANÁLISE DAS PROVAS - REEXAME DE
PROVAS - IMPOSSIBILIDADE - APLICABILIDADE DO ENUNCIADO 7 DA
SÚMULA
DESTA
CORTE
-
INDENIZAÇÃO
–
QUANTUM
INDENIZATÓRIO FIXADO NOS LIMITES DA RAZOABILIDADE www.cers.com.br PRECEDENTES - RECURSO IMPROVIDO.
I - A demora injustificada na liberação do gravame hipotecário dá ensejo a
condenação por dano moral, não se tratando de mero descumprimento contratual. II A questão relativa à existência de culpa exclusiva das vítimas foi resolvida com base
no conteúdo probatório, vedando-se, por consequência, seu reexame pelo Superior
Tribunal, por óbice da Súmula 7/STJ. III - Esta Corte Superior somente deve intervir
para diminuir o valor arbitrado a título de danos morais quando se evidenciar
manifesto excesso do quantum, o que não ocorre in casu. Precedentes. IV - Recurso
especial improvido. (REsp 966416/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 01/07/2010)
6. CONCLUSÃO
A doutrina e a jurisprudência informam que as pessoas não podem ser injustamente
invadidas em suas esferas de interesse, pois caso isso aconteça têm estas pessoas o
direito de serem indenizadas na proporção do dano sofrido. A conduta é elo
primordial no estudo da responsabilidade civil e a partir dela poderemos aferir se às
partes agiram umas com as outras baseadas na boa-fé objetiva, pois na ocorrência da
quebra do princípio retro mencionado a violação estará caracterizada e o dano
transparente.
Nas relações de consumo, o elo mais fraco e na maioria das vezes vulnerável, o
consumidor, observa seus direitos serem desrespeitados por fornecedores que não
cumprem com o seu dever de lisura, correção e probidade, gerando a perda do tempo
livre deste lesado.
É fato que o tempo é algo tão precioso justificando assim a condenação daqueles que
fazem pouco dos direitos do consumidores, demonstrando que a Lei deve ser aplicada
para aqueles que a desrespeitam, devendo o magistrado no caso concreto aplicar o
critério pedagógico da condenação, para que o fato não seja repetido por esses
péssimos fornecedores.
www.cers.com.br *Advogado do escritório Sylvio Tostes e Sobral Pinto Advogados Associados,
Doutorando em Direito. Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na
Fundação Getúlio Vargas, Associação do Ministério Público do Rio de Janeiro,
Fundação Escola da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro, Complexo de Ensino Renato Saraiva e na Fundação
do Ministério Público do Rio de Janeiro. Professor universitário, palestrante e
autor de diversas obras jurídicas.
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