Taxa estadual sobre recurso natural é inconstitucional
Por Luiz Gustavo A. S. Bichara e Giuseppe Mellotti
A comunidade jurídico-tributária brasileira vem assistindo, atônita, à criação, e tentativa de
criação, de novas “taxas” para remunerar o potencial ou efetivo exercício do poder de polícia
fiscalizadora dos estados da federação.
A gênese dessa nova moda se deu no estado de Minas Gerais, com a criação da Taxa de
Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e
Aproveitamento de Recursos Minerários, através da Lei 19.976/2011. Na sequência, os estados
do Pará (Lei 7.591/2011) e Amapá (Lei 1.613/2011) também instituíram tributo idêntico.
Muito já se debateu acerca da inconstitucionalidade dessas “taxas”, tendo, inclusive, as três,
sido objeto de ADIn’s (4.785/DF, 4.786/DF e 4.787/DF), as quais encontram-se sob relatoria
dos ministros Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Fux.
Nosso ponto, aqui, diz respeito ao efeito cascata que a instituição dessas “taxas” vem
produzindo.
Mais recentemente, os estados do Rio de Janeiro (Projeto de Lei 1.877/2012), Espírito Santo
(Projeto de Lei 1/2013) e São Paulo (Projeto de Lei 4/2013) vêm tentando instituir uma taxa de
controle, monitoramento e fiscalização da exploração do petróleo e gás, sendo certo que, para
a primeira, houve o veto do projeto pelo governador do estado do Rio de Janeiro, o qual
deverá ser apreciado em breve[1].
Assustadoramente, na justificativa desses projetos faz-se expressa referência àquelas “taxas”
instituídas pelos estados de Minas Gerais, Pará e Amapá, como se modelo de juridicidade
fossem.
A partir daqui tentaremos demonstrar que, para além de manifestamente inconstitucional, a
pretensão de instituição desses novos tributos parece não atentar para as reais necessidades
da economia brasileira, que há muito reclama desenvolvimento/crescimento com fomento a
investimentos em infraestrutura e uma ampla reforma tributária.
Numa análise jurídica, comecemos pela justificativa dos citados projetos. Rio de Janeiro e São
Paulo apresentaram-nas de forma idêntica. Verbis:
“Diante do risco da perda dos royalties decorrentes da exploração do petróleo, o estado de
São Paulo [Rio de Janeiro] será o maior prejudicado com considerável redução de receita a
partir do ano de 2013. Muito embora o governo federal tenha vetado a proposta de
redistribuição, o Congresso Nacional ameaça derrubar o veto. Medidas compensatórias vem
sendo estudadas pelos representantes das unidades federativas prejudicadas, bem como, pela
presidência da república.
O presente Projeto vem ao encontro das medidas adotadas para evitar lesão irreparável aos
cofres públicos do Estado. Nesse sentido, o Estado de Minas e Pará, já possuem taxa
semelhante com o objetivo de controlar e fiscalizar seus recursos minerais e proteger o seu
meio ambiente.”
1
O Espírito Santo[2] foi mais sofisticado em sua justificativa, mas não deixou de demonstrar
fragilidade jurídica na sua pretensão. Veja-se:
“É certo que eventos dessa natureza impõem a reparação dos prejuízos ambientais e
econômicos pelas empresas exploradoras. Mas até que isso ocorra, o município, com o apoio
do estado, precisará lançar mão de vultosos recursos financeiros previamente alocados para
outro fim para, de alguma forma, minimizar o sofrimento daqueles que tiveram seu meio de
vida prejudicado.”
Como se pode perceber de ambas justificativas, o intuito é patentemente arrecadatório e
compensador, seja em razão da possível perda com os royalties do petróleo, seja pela eventual
necessidade de “minimizar o sofrimento daqueles que tiveram seu meio de vida prejudicado”
como reparação financeira decorrente de danos ambientais. Neste segundo caso, parece-nos
clara tergiversação.
Por uma ou outra razão, não se justifica a instituição desses novos tributos. Não
desconhecemos o impacto financeiro que a perda da arrecadação dos royalties irá gerar aos
estados produtores de petróleo. Nem estamos de acordo com o “novo marco regulatório”.
Estamos apenas sustentando que tentar encontrar abrigo na perda da arrecadação dos
royalties para onerar ainda mais a indústria regional do petróleo é dizer: todas as vezes que o
estado for prejudicado em razão da forma de estado (federação/pacto federativo), quem
pagará a conta serão os agentes econômicos, a indústria, que é quem gera emprego, renda e
movimenta o Estado a partir dos impostos já pagos. É uma contradição, não? Quem luta, dia a
dia, para melhorar os fatores de produção, contribuinte para o aumento da renda per capita
do país, tem que sofrer, ainda, com as surpresas, em contramão, do próprio Estado.
O propósito arrecadatório, nesses casos, para além de desvirtuar o sistema econômico,
desnatura, por completo, a natureza jurídica de taxa desse novo tributo. É também fora dúvida
que há chapada inconstitucionalidade, por ferimento ao artigo 145, inciso II, da Constituição
Federal.
Naquilo em que se assemelham as “taxas” do RJ, ES e SP com aqueloutras de MG, PA e AP,
destacamos os elementos da relação jurídico-tributária:
i) a hipótese de incidência (artigo 1°) é o exercício regular do poder de polícia conferido ao
Estado sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de petróleo e gás;
e das atividades potencialmente geradoras de degradação ao meio ambiente local,
relacionadas à exploração e aproveitamento dos recursos naturais de petróleo e gás.
ii) o fato gerador (artigo 4°) considera-se ocorrido no momento da venda ou da transferência
entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo titular de petróleo e gás extraído.
iii) o contribuinte (artigo 3°) da TFRM/TFIA é a pessoa, física ou jurídica, que esteja, a qualquer
título, autorizada a realizar pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de recursos de
petróleo e gás no estado do Rio de Janeiro.
2
iv) alíquota é específica, sendo 4 (quatro) UFIR-RJ[3] (R$ 9,6264), para o Rio de Janeiro; 2
(duas) VRTE´s (R$ 4,764), para o Espírito Santo; e 4 (quatro) UFIR-SP [4] (R$ 77,48), para São
Pualo; tudo por barril ou unidade equivalente de petróleo ou gás extraído (base de cálculo),
sendo que, para fins de determinação da quantidade de petróleo ou gás extraído, será
considerada a quantidade indicada no documento fiscal relativo à venda ou a transferência
A partir da exposição dos elementos acima postos, parece-nos que os estados acima
destacados andarão mal se forem sancionadas as leis tal como redigidos os projetos, tendo em
vista os vários vícios de inconstitucionalidade material. São eles: ferimento aos princípios do
não-confisco, da igualdade tributária e do “no bis in idem”, além das regras previstas no artigo
145[5], inciso II e parágrafo 2º, da Constituição Federal, entre outras.
Com efeito, a alíquota prevista tem nítido caráter arrecadatório, o que não condiz com a
natureza jurídica das taxas. Desvirtua-se sua finalidade. É o mesmo que fraudar a Constituição,
ou seja, utilizar um instrumento lícito, mas inadequado, para se alcançar uma fim lícito. É o
mesmo que expropriar por instrumento, em tese, correto, mas destiná-lo a fim ilegítimo. É
tredestinar, o que, em Direito Administrativo, daria ensejo à retrocessão, e em Direito
Tributário, à repetição do indébito.
As taxas servem, em tese, apenas para remunerar a contraprestação de um serviço público,
prestado ou posto à disposição, e o exercício do poder de polícia, efetivo ou potencial. Não é o
que se vê nos casos.
A alíquota, de natureza específica, foi fixada nos termos acima citados, qual seja, aplicando-se
uma determinada quantidade de unidade fiscal por barril ou unidade equivalente de petróleo
ou gás extraído. E o que isto quer dizer, em linhas gerais?
Como resposta, peguemos o estado do Rio de Janeiro. Considerando a produção de petróleo e
gás do estado do Rio de Janeiro, a qual, por dia, gira em torno de 1,6 milhões de barris daquele
e 28 milhões de m³ deste[6], teria o estado, só com a arrecadação decorrente da venda ou
transferência de petróleo, uma receita de R$ 5,6 bilhões a título de taxa pelo efetivo ou
potencial exercício do poder de polícia.
E mais detidamente, analisa-se uma empresa que tenha uma produção de 3 mil barris de óleo
por dia. No ano, a produção giraria em torno de 1,1 milhões de barris. A venda destes daria
ensejo à arrecadação de R$ 10,5 milhões para o Estado. Ora, é indiscutível que nenhum poder
de polícia requer custeio tão elevado para apenas uma empresa.
E mais: o orçamento das despesas para as Secretaria de Estado do Ambiente e da Fazenda do
Rio de Janeiro, para o ano de 2012, foi de R$ 1.034.458.086,00 e R$ 759.548.049,00,
respectivamente. Para o ano de 2013, o anteprojeto de Lei Orçamentária Anual prevê
despesas para estas mesmas Secretarias na ordem de R$ 1.108.551.215,00 e R$
845.635.948,00, respectivamente. Ora, o próprio Poder Executivo já reconhece, portanto, que
o custo da fiscalização que lhe cabe está orçado dentro destes parâmetros, sendo, destarte,
desnecessária qualquer verba extra.
3
Nesse ponto, nos parece patente o ferimento ao princípio do não-confisco, capitaneado no
artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, bem assim à própria regra-matriz de criação das
taxas (artigo 145, inciso II, da Constituição Federal).
Corrobora essa linha de argumentação, o artigo 13, parágrafo 3º, da Lei Complementar
140/2011, verbis:
“Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente,
por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos
desta Lei Complementar.
(...)
§ 3o Os valores alusivos às taxas de licenciamento ambiental e outros serviços afins devem
guardar relação de proporcionalidade com o custo e a complexidade do serviço prestado pelo
ente federativo.”
Nesse ponto, é frontal o ferimento à Constituição e ao dispositivo legal acima transcrito, o qual
tem alcance nacional, irradiando eficácia sobre toda a legislação pátria.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal é exatamente nesse sentido. Veja-se:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE — TAXA DE EXPEDIENTE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS — DPVAT — INCIDÊNCIA DA REFERIDA TAXA DE EXPEDIENTE SOBRE AS SOCIEDADES
SEGURADORAS — ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE ATIVA DAS ENTIDADES SINDICAIS QUE
FIZERAM INSTAURAR O PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA —
INOCORRÊNCIA –—PERTINÊNCIA TEMÁTICA CONFIGURADA — ALEGADA UTILIZAÇÃO DO
CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS E
CONCRETOS — NÃO-CARACTERIZAÇÃO — RECONHECIMENTO, PELO RELATOR DA CAUSA, DE
QUE SE REVESTE DE DENSIDADE JURÍDICA A PRETENSÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
DEDUZIDA PELOS LITISCONSORTES ATIVOS — INOBSERVÂNCIA, NA ESPÉCIE, DA RELAÇÃO DE
RAZOÁVEL EQUIVALÊNCIA QUE NECESSARIAMENTE DEVE HAVER ENTRE O VALOR DA TAXA E O
CUSTO DO SERVIÇO PRESTADO OU POSTO À DISPOSIÇÃO DO CONTRIBUINTE — OFENSA AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA NÃO — CONFISCATORIEDADE (CF, ART. 150, IV) E DA
PROPORCIONALIDADE (CF, ART. 5º, LIV) —ENTENDIMENTO DO RELATOR DE QUE, NÃO
OBSTANTE CONFIGURADO O REQUISITO PERTINENTE À PLAUSIBILIDADE JURÍDICA, NÃO SE
REVELA PRESENTE, NO CASO, O PRESSUPOSTO DO "PERICULUM IN MORA" — DECISÃO DO
PLENÁRIO, NO ENTANTO, QUE RECONHECEU CONFIGURADA, NA ESPÉCIE, A SITUAÇÃO
CARACTERIZADORA DO "PERICULUM IN MORA", O QUE O LEVOU A NÃO REFERENDAR, POR
TAL RAZÃO, A DECISÃO DO RELATOR — CONSEQÜENTE DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR.
INADEQUAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO PARA A DEFESA DE INTERESSES
INDIVIDUAIS E CONCRETOS: SITUAÇÃO INOCORRENTE NA ESPÉCIE. CONSEQÜENTE
IDONEIDADE JURÍDICA DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO.
(...).
A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE
4
— O ordenamento constitucional brasileiro, ao definir o estatuto dos contribuintes, instituiu,
em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação fiscal dos entes estatais, expressiva garantia
de ordem jurídica que limita, de modo significativo, o poder de tributar de que o Estado se
acha investido. Dentre as garantias constitucionais que protegem o contribuinte, destaca-se,
em face de seu caráter eminente, aquela que proíbe a utilização do tributo — de qualquer
tributo — com efeito confiscatório (CF, art. 150, IV).— A Constituição da República, ao
consagrar o postulado da não-confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo
Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal do patrimônio
ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função da insuportabilidade
da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional
lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação,
p. ex.).— Conceito de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo
Tribunal Federal (ADI2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da
doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária.
TAXA: CORRESPONDÊNCIA ENTRE O VALOR EXIGIDO E O CUSTO DA ATIVIDADE ESTATAL.
— A taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a
relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atuação estatal referida
ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para
esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixadas em lei.— Se o
valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do
contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que
descaracterize essa relação de equivalência entre os fatores referidos (o custo real do serviço,
de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro), configurar-se-á, então, quanto a essa
modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no artigo 150, IV, da
Constituição da República. Jurisprudência. Doutrina.
TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.
— O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente,
pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade,
que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
— O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente
sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no
princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do
Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir
e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
— A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado,
não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental
constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria
Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos
cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em
diplomas normativos editados pelo Estado.”[7]
5
E mais. Os projetos preveem produção de efeitos a partir da data de publicação da respectiva
lei, o que afronta diretamente a regra da anterioridade e da anterioridade nonagesimal (artigo
150, III, “b” e “c”, da Constituição Federal). Com efeito, só poderia o tributo ser cobrado —
fosse ele constitucional — no exercício financeiro seguinte à sua instituição e noventa dias
após a publicação da Lei que o criou.
Passo adiante, parece-nos que é fora de dúvida que a “base de cálculo” da malfadada
“TFPG/TFIA” se aproxima muito da base de cálculo do ICMS, na medida em que leva em
consideração a quantidade de mercadoria saída do estabelecimento, por venda ou
transferência. Noutras palavras, a “base de cálculo” da referida “taxa” se pauta em elemento
próprio a medir a capacidade contributiva do contribuinte de ICMS, ferindo, portanto, o
disposto no artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
É de se destacar, ainda, a insustentabilidade do argumento de querer se fundamentar a
constitucionalidade da exação pautando-se nos artigos 23, incisos VI e XI[8], e 24, inciso VI[9],
todos da Constituição Federal.
A uma porque se faz uma completa confusão entre poder fiscalizador de bens da União —
como é o caso dos recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva
e dos recursos minerais, inclusive os do subsolo, contemplados no artigo 20[10], incisos V e IX,
da Constituição Federal[11] — e poder fiscalizador do meio ambiente.
A duas porque se faz confusão também com relação ao poder fiscalizador das concessões de
direitos de pesquisa e exploração de recursos minerais, pois esta concerne à verificação da
regularidade dessas.
E, a três, porque a competência legislativa dos estados (artigo 24, CF) é suplementar, sendo
que já há norma federal prevendo que “Os valores alusivos às taxas de licenciamento
ambiental e outros serviços afins devem guardar relação de proporcionalidade com o custo e a
complexidade do serviço prestado pelo ente federativo” (artigo 13, parágrafo 3º, da Lei
Complementar 140/2011). Nesse contexto, é manifesta a inconstitucionalidade formal dos
referidos projetos, a teor da jurisprudência[12] do E. Supremo Tribunal Federal.
Por fim, com relação ao primeiro e segundo pontos, a forma mais clara de se ver a confusão
feita é fazer o cotejo entre a redação dos incisos V e IX do artigo 20 com o inciso XI, do artigo
23. Naqueles, tata-se de recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica
exclusiva e de recursos minerais, inclusive os do subsolo; já neste trata-se de recursos minerais
em seus territórios. O que isto quer dizer? Que a competência para fiscalização de recursos
naturais localizados na plataforma continental e na zona econômica exclusiva é unicamente da
União. Já os recuros minerais situados nos territórios dos estados e dos municípios, são de
competência destes, salvo se situados no subsolo, quando a competência será da União.
Com essas breves considerações, entendemos que são bastante questionáveis as novas
exações em destaque, tendo em vista inconstitucionalidades formais e materiais os referidos
projetos.
[1] “RAZÕES DE VETO TOTAL AO PROJETO DE LEI Nº 1877/2012, DE AUTORIA DO SENHOR
DEPUTADO ANDRÉ L. CECILIANO, QUE ‘INSTITUI A TAXA DE CONTROLE, MONITORAMENTO E
6
FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PESQUISA, LAVRA, EXPLORAÇÃO E APROVEITAMENTO DE
PETRÓLEO E GÁS - TFPG - E O CADASTRO ESTADUAL DE CONTROLE, MONITORAMENTO E
FISCALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PESQUISA, LAVRA, EXPLORAÇÃO E APROVEITAMENTO DE
RECURSOS MINERÁRIOS — CERM’. (...)
A instituição de uma taxa, no entanto, pressupõe uma atividade específica e divisível por parte
do Poder Público. Embora o projeto tenha disciplinado a atuação fiscalizatória (caracterizadora
do “Poder de Polícia” que autoriza a instituição de tributo da espécie taxa), invadiu a
competência reservada à Chefia do Poder Executivo - pois a Constituição da República prevê
que, inexistindo aumento de despesa, por Decreto (e não por lei formal) é que serão definidos
o funcionamento e a organização dos órgãos da Administração Pública (art. 84, inciso VI, alínea
a). Além disso, admitindo-se que o acréscimo de atribuições fiscalizatórias a cargo da
Secretaria de Estado de Ambiente implicará em elevação de despesas, o projeto de Lei deveria
ter sido deflagrado pela Chefia do Poder Executivo. Afinal, daí decorrerão impactos
orçamentários e as leis de orçamento também são de competência privativa do Governador
(CRFB, art. 165).
Aliás, importa consignar, com relação às atribuições imputadas à Secretaria de Estado do
Ambiente, que tais poderes cabem, na verdade, ao Instituto Estadual do Ambiente - INEA, que,
embora vinculado a esta Pasta, é submetido a regime autárquico, com a consequente
autonomia daí decorrente.
Afora o vício acima anotado, que compromete o projeto em sua integralidade, há um equívoco
em seu art. 4º, onde se prevê que “considera-se ocorrido o fato gerador da TFPG no momento
da venda ou da transferência” do petróleo ou gás. O fato gerador da taxa não pode ser a venda
ou transferência de bem. Estas são hipóteses que se amoldam ao fato gerador de tributos da
espécie “imposto”, que pressupõem atividades dos contribuintes (CTN, art. 16). Já o tributo da
espécie “taxa” tem por pressuposto uma atuação do Poder Público, específica e divisível,
voltada ao contribuinte. São hipóteses inconciliáveis.
Importante destacar, por fim, que a destinação de 25% da TFGP aos municípios não se
coaduna com a natureza jurídica do tributo ora instituído, pois não há como justificar o
repasse de parcela do valor para outros entes que não arcariam com os gastos relativos às
atividades estatais fiscalizatórias. Mesmo que, por hipótese, os municípios delegassem ao
Estado do Rio de Janeiro, a competência fiscalizatória de que são constitucionalmente
titulares, quanto à proteção ambiental e concessões relativas à exploração de recursos
minerais, não seria cabível tal partilha, pois na pressuposição aventada, todo o encargo da
atividade fiscalizatória ainda seria suportado pelo estado fluminense.
Por todo o exposto, não me restou outra opção que não fosse a de apor o veto total que ora
encaminho à deliberação dessa nobre Casa Parlamentar.”
[2] O Espírito Santo nomeio o novo tributo de Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização
dos Impactos Ambientais da Exploração de Petróleo e Gás (TFIA).
[3] O valor da UFIR-RJ para 2013 foi definido pela Resolução SEFAZ nº 563/2012, publicada no
DOE de 20/12/2012, sendo de R$ 2,4066.
7
[4] A unidade fiscal prevista no Projeto de Lei de São Paulo sequer existe, o que demonstra,
para além do despreparo do seu autor, a falta de zelo e cuidado na elaboração do mesmo. Lá a
unidade fiscal é denominada UFESP, que corresponde a R$ 19,37 (dezenove reais e trinta e
sete centavos).
[5] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os
seguintes tributos:
(...)
II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
(...)
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
[6] http://www.codin.rj.gov.br/Paginas/SetoresNegocio/SetorPetroleoGas.aspx. Acesso em
21/12/2012.
[7] Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Questão de Ordem na Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 2551/MG, Relator Ministro Celso de Mello, DJe de
20/04/2006.
[8] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
(...)
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de
recursos hídricos e minerais em seus territórios;
[9] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos
naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
[10] Art. 20. São bens da União: (...)
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
(...)
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
[11] Num sentido pedagógico, veja-se o seguinte precedente: “Os arts. 2º da Lei 8.176/1991 e
55 da Lei 9.605/1998 tutelam bens jurídicos distintos: o primeiro visa a resguardar o
patrimônio da União; o segundo protege o meio ambiente. Daí a improcedência da alegação
8
de que o art. 55 da Lei 9.605/1998 revogou o art. 2º da Lei 8.176/1991.” (STF, 2ª T., HC 89.878,
Rel. Min. Eros Grau, DJe de 14.5.2010) (Destacamos)
[12] “A CB contemplou a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os
Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos
Estados-membros especificá-las. É inconstitucional lei estadual que amplia definição
estabelecida por texto federal, em matéria de competência concorrente." (STF, Plenário, ADI
1.245, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 26.8.2005)
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