ABSTRACT: This paper discusses the influence of african languages in the brazilian
portuguese with the purpose of presenting the question of the creolization.
JIi em 1880, 0 lexic6grafo, americanista e indianista Macedo Soares,
cristalizando as opinioes da epoca, afirmara, num trabalho em que discute a etimologia
de muitos termos de origem indfgena e africana que: "Urn estudo completo dessas vozes
d'Africa e das tribos indfgenas do Brasil seria trabalho, alem de curioso, de evidente
utilidade, para se conhecer niio s6 a influencia que exerceram sobre a nossa sociedade os
elementos negro e indiano, mas tambem a dire~iio que vai seguindo a lfngua portuguesa
falada no Brasil em compara~iio com a falada na metr6pole" (1943:72).
Tres aspectos dessa afirma~iio merecem destaque:
1° a orienta~iio da pesquisa por ele proposta: identificar os elementos que
caracterizam a injlu~ncia das lfnguas indfgenas e african as;
2° 0 reconhecimento de que e diversa a dire~iio da mudan~a lingilfstica no
Brasil e em Portugal;
3° a diferencia~iio entre 0 portugues do Brasil e 0 europeu e observada na
lfngua falada.
Com efeito, os trabalhos que trataram do portugues do Brasil (doravante PB), a
partir dos anos 3D, alinharam-se a urn dos aspectos apontados. Retomaremos, neste
texto, os principais autores que animaram 0 debate sobre a participa~iio das lfnguas
africanas na constitui~iio do PB, tentando evidenciar as concep~oes lingilfsticas que
sustentaram os questionamentos.
Duas obras, publicadas em 1933, A influencia africana no portugu~s do Brasil
e 0 elemento afro-negro na /(ngua portuguesa, de Renato Mendon~a e Jacques
Raimundo, respectivamente, abrem, de forma organizada, 0 debate sobre a presen~a
africana no PB. Ap6s retra~arem 0 itinerano da origem dos africanos que para cli foram
transplantados, de origem banto e sudanesa, apresentam urn esbo~o da gramlitica de
lfnguas africanas e apresentam uma rela~iio de aspectos do PB que consideram ser de
origem africana. Embora diferenciem-se em alguns t6picos da exposi~iio, ambos
778
concluem que a maior parte dos aspectos caracterlsticos do portugu8s do Brasil sio
devidos a influ8ncia das 1(nguas africanas, principalmente 0 quimbundo e 0 ioruba.
A necessidade de identificar uma causa para explicar as diferen~as entre os
dialetos brasileiros e os portugueses, justificada pela questiio da 6poca sobre a "1(ngua
brasileira", fez os dois autores valorizarem a importfutcia da grande massa africana que
para ca foi trazida e aprendeu de forma imperfeita 0 portugu8s. a contato lingiifstico,
a16m de provocar interfer8ncias entre as vlirias lfnguas, introduziu novos itens lexicais
no portugu8s brasileiro.
A importAncia das duas obras reside no fato de terem inaugurado 0 debate
sobre a relevAncia de se considerar que a "lfngua brasileira" se distingue da portuguesa
pela presenca do "elemento negro".
Ao final dos anos 20-30 ja se tinha esvaziado a questiio da lfngua brasileira. A
nova polftica educacional, no campo da lfngua, consistia na sustenta~ao da lfngua
portuguesa (PINTO, 1981 :XXV). A form~iio gramatical e literliria dos antigos
defensores da lingua brasileira cedeu lugar a forma~iio propriamente lingiifstica, que se
iniciou nos anos 30.
As evid8ncias colhidas pelos estudiosos destacavam a unidade cultural e
lingilfstica luso-brasileira: a 1(ngua era concebida como reflexo e expressao da cultura.
Melo resume a nova ordem: "Verdade 6 que os elementos portugueses da nossa cultura
foram eleborados, caldeados com os elementos indfgenas e negro-africanos, tendo
havido, mais modernamente, influ8ncias de fatores outros. Mas 6 muito certo tamb6m
que 0 elemento portugu8s prevaleceu, dando a nota mais sens{vel de europe{smo a
nossa cultura"{l946:29). Nesse novo contexto 0 que importava era fundamentar essa
unidade lingilfstica, expressa na maxima da unidade na diversidade.
Fil610gos de s6lida forma~iio tradicional assumiram a re~io contrana a
importancia da influ8ncia africana: Serafim da Silva Neto (1950), Gladstone Chaves de
Melo (1946) e Sflvio Elia (1979). Segundo esses autores: (i) houve epis6dicos falares
africanos no Brasil; (ii) houve crioulos e semicrioulos decorrentes de uma aprendizagem
imperfeita, caracterizando-se por serem uma deturpa~io e simplifica~io do portugu8s;
(iii) os dialetos rurais sio remanescentes desses crioulos e semicrioulos: (iv) 0 portugu8s
padriio era 0 ideallingilfstico do mesti~o; (v) niio houve, pois, influ8ncia das lfnguas da
Africa, mas perman8ncia de tra~os crioulizantes e precipita~iio das derivas latentes no
portugu8s.
A concep~iio te6rica em que se baseia 0 raciocfnio desses autores defende que
as lfnguas possuem uma natureza hist6rica que orienta 0 seu desenvolvimento -a derivaindependente do contexto em que evoluem. Se urn determindado tra~o lingUfstico
encontrar semelhante em estagios anteriores da lfngua considerada ou em lfnguas
geneticamente relacionadas, em outros termos, se pertencer as propriedades hist6ricas
da lfngua. excluem-se as explica~oes de natureza substratista ou de influ8ncia. Apesar de
negarem a tese da influ8ncia africana, niio deixam de considera-la, pois reconhecem a
exist8ncia de tra~os crioulizantes.
Yeda Castro coloca a questlio da influencia em termos lingiifsticos e culturais,
partindo do princfpio de que a presen~a maci~a de falantes nativos de linguas negroafricanas na popula~ao brasileira colonial e imperial fatalmente deveria deixar reflexos
lingiifsticos.
A autora identiticou a emergencia de falares africanos que se nivelavam
progressivamente em nfveis s6cio-hist6ricos sucessivos, de acordo com determinadas
fases da hist6ria colonial brasileira (1980). Num primeiro momento surgem os "dialetos
das senzalas", de base banto, principalmente quimbundo e quicongo, que teriam servido
de meio de comunica~lio entre africanos em senzalas e quilombos.
Numa segunda etapa, surgem os "dialetos rurais", resultantes da nivela~lio
lingiifstica entre os dialetos das senzalas e os falares dos negros ladinos e crioulos - que
seriam bilfngiies, tambem - esses dialetos ja se prestariam a comunica~ao com os
brancos. Nessa fase, situada pela autora no infcio do seculo XVIII, teria ocorrido a
integra~lip morfofonol6gica dos emprestimos africanos e 0 processo de africaniza~lio do
portugues.
Num terceiro estagio, nivelam-se aos falares dos negros dos garimpos,
caracterizados socialmente por uma maior liberdade e oportunidade de alforria, gerando
os "dialetos das minas", tambem durante 0 seculo XVIII. Castro supoe que as bases
lingiifsticas desses dialetos eram variadas, mas contirma que uma lingua geral de base
ewe foi utilizada na regiao.
Por tim, numa confluencia dos dialetos das minas com 0 portugues popular,
emergem os "dialetos urbanos", em geral de base iorubli, ja no seculo XIX. A conclusao
que a autora extrai desse quadro e a de que nlio houve, do ponto de vista social,
condi~oes para 0 surgimento de falares crioulos no Brasil, tais como os que se
produziram no Caribe. A causa fundamental estaria na nivela~ao sucessiva dos dialetos do mais "africanizado" ao mais "aportuguesado".
o primeiro estudioso a considerar 0 PB como crioulo foi 0 autor portugues
Adolpho Coelho (1880), que alinhou 0 PB junto com os crioulos afro-portugueses,
detinindo-os a todos como dialetos do portugues europeu.
Mais recentemente, 0 debate sobre a criouliza~lio do PB ultrapassou os limites
do meio academico luso-brasileiro e encontrou acolhida generosa nos estudos do
sociolingiiista G. Guy (1981,1989) e do crioulista J. Holm (1987).
Guy, dentro do quadro te6rico do variacionismo, analisou as diferen~as entre 0
portugues popular do Brasil e 0 portugues padrao, concluindo que essas diferen~as nlio
slio devidas a uma evolu~lio lingiifstica natural, mas apontam para urn processo de
criouliza~ao ocorrido no passado e que ainda deixou vestfgios no presente. Suas
conclusoes slio fundamentadas em dados morfossintaticos, na varia~ao da concordancia
de numero entre sujeito-verbo e entre nome-adjetivo-determinante.
Holm (1987), a partir de dados comparativos de diferentes crioulos de base
iberica, considera como sendo semicrioulo 0 portugues do Brasil. Num trabalho mais
recente faz urn estudo comparativo de expressoes idiomaticas do portugues vernaculo
brasileiro (PVB), "lingua normalmente falada pelos brasileiros do estrato social mais
780
baixo com pouca instru~iio"(1994:51), e de Hnguas africanas e crioulas. Segundo esse
autor, essa prova lexico-sem!ntica
confirma as conclusoes de seus estudos
morfossintaticosa anteriores: a existencia de paralelismo entre expressoes do PYB e de
Hnguas africanas Oleconsistente com 0 consenso de que 0 PYB e urn semicrioulo, ou
seja, uma lfngua que resultou de urn prolongado contato entre uma lfngua crioula e uma
niio crioula"(1994:59).
Guy e Holm encontram amparo para suas teses nos dados s6cio-hist6ricos,
mais especificamente, demograficos. 0 Brasil absorveu aproximadamente 40% dos
escravos trazidos para as Americas, ou seja, algo em torno de 3,6 milhOes de indivfduos;
a aboli~iio ocorreu aqui tardiamente, s6 em 1988.
Os defensores da criouliza~iio consideram que, em outros pafses da America.
onde a escravidiio existiu e a lfngua hoje predominante niio e 0 crioulo, lfnguas crioulas
permaneceram em comunidades isoladas, especialmente em areas em que houve uma
consideravel concentra~iio de africanos. Em Siio Basilio de Palenque, pr6ximo a
Cartagena, na Col6mbia, 0 palenquero, urn crioulo espanhol, continua a ser falado em
uma comunidade remanescente de urn antigo quilombo.
Partilhando a posi~iio te6rica de que tambem no Brasil comunidades isoladas
possam conservar tra~os crioulizantes, Baxter, especialista em crioulos de base
portuguesa, desenvolveu, em 1987/8, uma pesquisa junto a uma comunidade afrobrasileira de descendentes de escravos, pr6xima a Helvecia, no suI da Bahia (cuja
especificidade ja fora observada por Ferreira, 1969). Resultados preliminares desse
trabalho (1992) destacam, no sistema verbal desse dialeto tra~os que niio se encontram
na maioria dos dialetos rurais: (i) uso das formas de 3&pessoa do singular do presente do
indicativo para indicar estados e a~oes pontuais e contfnuas que se situam no passado;
(ii) uso variavel de formas da 3&pessoa do singular do presente do indicativo em
contextos que normalmente se usam formas do infinitivo, (Hi) marca~iio variavel da 1&
pessoa do singular. Outros tra~os morfossintaticos
desse dialeto podem ser
mencionados: (i) dupla nega~iio; (ii) varia~iio da concord!ncia de genero e numero no
sintagma nominal; (Hi) ora~oes relativas niio introduzidas por pronome; (iv) presen~a
variavel do artigo definido em SN de referencia definida.
Segundo Baxter, as conclusoes desse estudo indicam que 0 dialeto de Helvecia:
(i) apresenta tra~os sugestivos de processo irregular de aquisi~iio e transmissiio de
linguagem do tipo que caracteriza as lfnguas crioulas; (ii) 0 sistema verbal encontrado
nos dialetos rurais do portugues do Brasil pode ser derivado de dialetos como 0 de
Helvecia, configurando assim, urn processo de descriouliza~iio. 0 autor defende a
necessidade de se pesquisar a existencia e a extensiio desses fatos em outras
comunidades, para que se compreenda a configura~iio e as tendencias atuais da lfngua
falada na area rural, como uma etapa para 0 estudo da dire~iio dos processos de
mudan~a que se verificam nas zonas rural e urbana.
A retomada recente do debate sobre a criouliza~iio do PB deve-se a Fernando
Tarallo, pela divulga~iio do texto "On the alleged creole origin of Brazilian Portuguese:
untarget syntatic changes", apresentado no workshop "Creole Located in Time and
Space (LSA Institute, CUNY, Nova York, 1986) e publicado no Brasil em 1993. Tarallo
considera pouco provavel a hip6tese da criouliza~iio, pois se 0 portugues brasileiro
781
tivesse de fato se originado de urn crioulo de base lexical portuguesa, deveria estar
agora em fase de descrioulizay80, seguindo na direy80 da lfngua-alvo, 0 portugues
europeu. No entanto, as evidencias de mudanyas sintaticas apontam no sentido contrlirio,
ou seja, no sentido de distanciamento do portugues europeu. Conclui afirmando que a
lfngua escrita padr80 tern mantido os dialetos portugues e brasileiro muito pr6ximos.
Foram as gramaticas faladas que tomaram rumos diferentes(1993:61).
o texto de Tarallo recebeu uma reay80 favoravel explfcita, 0 trabalho de Naro
e Scherre (1993:437-454). Nesse artigo, os autores defendem que 0 portugues popular
do Brasil resultou de uma "confluencia de motivos" e sugerem 0 seguinte modelo:
1. No Brasil, 0 vetor de desenvolvimento trazido pelo portugues europeu
encontrou outras foryas que ora 0 reforyavam na direy80 original, ora desviavam dessa
direy80;
2. No inicio, uma dessas foryas era a pidginizay80, que exercia uma influencia
sobre 0 portugues atraves da lfngua geral tupi e da "lingua de preto" europeia,
revivificada no Brasil original mente para uso com os amerindios. Mais tarde, pidgins de
base lexical africana tambem devem ter influenciado, juntamente com outros processos
de imitay80 e de simplificay80 voluntliria;
3. Se existiu uma verdadeira lingua crioula de "lexico portugues e gramatica
africana", ela cedo se evaporou sem deixar rastros na documentay8o. Sua possfvel
influcncia no desenvolvimento do portugues do Brasil seria indestingufvel da de outros
pidgins ou crioulos de base niio-europeia (1993:450-451).
°
Parece irrefutlivel a presenya africana no PB. Os autores que dela se ocuparam
divergem, no entanto, na importincia e forma de sua atuay80: os primeiros,
Mendonya(1933) e Raimundo(1933)
a consideraram como causa exclusiva da
especificidade do PB; os que a contestaram, Elia(1979), Melo (1946) e Silva Neto
(1950), na realidade, limitaram 0 conceito de itiflu~ncia a contribuifQO que n80 chegou
a alterar 0 carater da lingua portuguesa. Os autores que defendem a hip6tese da
crioulizayiio distinguem-se na localizay80 do fato lingUfstico: Guy (1989) e Holm (1994)
situam-no nas classses social mente desfavorecidas, sem qualquer referencia regional.
Baxter (1992) admite que a crioulizayao e atual descrioulizayiio seja urn fato que pode
ser ainda observado em algumas comunidades, aquelas que se caracterizam por se
constitufrem majoritariamente de negros e por se terem mantido no meio rural, isoladas
de urn contato mais intenso com 0 meio urbano. Sua proposta fundamenta-se numa
perspectiva dialetol6gica, envolve 0 levantamento e descriyiio da fala dessas
comunidades afro-brasileiras rurais.
Mais recentemente, Mussa (1991) afirma que urn crioulo jamais podera ser
definido em termos unicamente lingUfsticos; para esse autor 0 r6tulo crioulo s6 deve ter
valor como urn conceito hist6rico, isto e, significando uma etapa no desenvolvimento de
uma lingua em que se encontra 0 fato social de ter sido adquirida como segunda lingua
por uma massa consideravel de falantes adultos no mesmo tempo e lugar. Fundamentase numa teoria da mudanya que nega uma especificidade formal ao fenomeno da
crioulizayiio, 0 que simplifica as respostas as questoes hist6ricas do PB. Considera a
crioulizayiio como urn fator social, entre outros de ordem estritamente lingUfstica que
782
condicionaram a mudan~a da Ifngua portuguesa no Brasil. Reconhece, assim, a presen~a
afrkana como um dos elementos que participaram da constitui~iio do PB.
A questiio sobre a presen~a de lfnguas africanas no PB, no entanto, ainda niio
esta resolvida, pois resta avaliar em maior profundidade a extensao do papel
desempenhado pelas lfnguas africanas na configura~iio da variante brasileira do
portugues.
RESUMO: Este texto discute a injlu~ncia africana no portugu~s do Brasil, com 0
objetivo de apresentar a recep~lio que os lingiiistas deram
hipotese da criouliza~lio
previa do PB.
a
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ABSTRACT: This paper discusses the influence of african