TENDÊNCIAS EM MATÉRIA DE TUTELA SUMÁRIA: DA
TUTELA CAUTELAR à TÉCNICA ANTECIPATÓRIA
Daniel Mitidiero
SUMÁRIO: Introdução; 1 O conceito de tutela sumária; 1.1 A tutela
sumária
como
tutela
cautelar;
1.2
A necessidade
de
adequada
compreensão da tutela cautelar: tutela satisfativa e tutela cautelar. A
técnica antecipatória como meio para prestação da tutela jurisdicional
dos direitos; 2 A estruturação dogmática: o perfil da tutela sumária;
2.1 Fundamentos; 2.2 Abrangência: da tipicidade à atipicidade; 2.3
Requisito: da plausibilidade do Direito e do risco de atuação; 2.4
Segue: da urgência e da evidência; 2.5 Momento de concessão; 2.6
Motivação
da
decisão;
Responsabilização
pela
fundamentalização; 3.2
plasticidade;
3.5
A
2.7
Efetivação
fruição;
3
da
As
A atipicização; 3.3
urgência
e
a
tutela
sumária;
tendências;
3.1
A mobilidade; 3.4
evidência;
3.6
A
2.8
A
A
disciplina
diferenciada; 3.7 A compreensão a partir das formas de tutela
jurisdicional e das espécies de tutela dos direitos; Considerações
finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Constitui componente indelével do direito fundamental ao processo
justo o direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva dos
direitos. Uma das mais importantes concretizações do direito à tutela
adequada está na previsão de técnica antecipatória pelo legislador
infraconstitucional
1
. Isso porque é por intermédio da técnica da tutela
antecipada que o legislador é capaz de, mediante cognição sumária,
1
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010. p. 131/140.
1
antecipar tutelas satisfativas ou cautelares para proteção de situações de
urgência ou situações em que a evidência do direito postulado em juízo
não justifique a sua realização tão somente depois de completada a
cognição exauriente. Com isso, distribui de forma adequada o ônus do
tempo que a pendência de todo e qualquer processo impinge às partes e
acarreta inquestionável dano à parte que tem razão.
É nosso propósito com o presente ensaio afrontar o problema da
conformação da técnica antecipatória, que visa à prestação de tutela
jurisdicional sob cognição sumária, problematizando o seu conceito, a sua
disciplina dogmática e as principais tendências ao seu respeito.
1 O CONCEITO DE TUTELA SUMÁRIA
Embora muito se discuta a respeito do conceito de tutela cautelar, e
no Brasil seja particularmente intenso o debate sobre o assunto, certo é
que as teorizações existentes são em grande parte insatisfatórias, seja
porque i) confundem tutela cautelar com tutela satisfativa ou ii) contrapõem
equivocadamente tutela cautelar à tutela antecipatória. Além do mais,
normalmente não levam em consideração que a tutela antecipatória, que
pode tanto prestar tutela satisfativa como tutela cautelar, é suscetível de
concessão, seja para fazer frente a situações de urgência - perigo de ilícito
ou perigo de dano -, seja para evitar que um direito desde logo evidente
enfrente dilação indevida na sua realização judicial, constitui simples
técnica processual e, como tal, nada diz por si só a respeito da tutela
jurisdicional e da tutela do direito que será antecipada sumariamente. As
raízes desses equívocos, no entanto, podem ser rastreadas com relativa
facilidade pelas veredas da história.
2
1.1 A tutela sumária como tutela cautelar
A tutela sumária - do ponto de vista da cognição e, particularmente,
do seu plano vertical
2
- durante muito tempo foi teorizada tão somente a
partir do ângulo da tutela cautelar. Imaginava-se que toda tutela sumária
resumir-se-ia no âmbito da tutela cautelar. Isso levou ao entendimento de
que as decisões judiciais tomadas sob cognição sumária só poderiam
pertencer ao grupo da tutela cautelar.
É notório que o grande teórico da tutela cautelar no período do
desenvolvimento
das
bases
da
ciência
processual
civil
foi
Piero
Calamandrei. Com a publicação de seu clássico Introduzione allo Studio
Sistematico dei Provvedimenti Cautelari, em 1936, estabeleceram-se os
principais traços que posteriormente serviriam para doutrina e para
legislação trabalharem o tema.
Calamandrei viu na provisoriedade do provimento tomado sob
cognição sumária o traço decisivo de caracterização da tutela cautelar.
Para nosso autor, o provimento cautelar visa a assegurar que uma das
partes, ou o próprio processo, em última análise, não venha a sofrer um
"dano jurídico"
3
, ocasionado por um perigo de tardança ("pericolo di
tardività") ou por um perigo de infrutuosidade ("pericolo di infruttuosità") da
tutela jurisdicional 4, enquanto pendente o processo de conhecimento ou de
2
Tutela sumária, aqui, tem o sentido de tutela prestada sob cognição sumária
(sumariedade material). Não diz respeito, portanto, à tutela jurisdicional prestada
mediante procedimento sumário (sumariedade formal). Sobre essa distinção, ALVARO
DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Perfil dogmático das tutelas de urgência. Revista da
Ajuris, Porto Alegre, 1997, n. 70, p. 231/233, com apoio na obra fundamental de Hans
Karl Briegleb sobre o tema (Einleitung in die Theorie der Summarischen Processe.
Leipzig: Tauchnitz, 1859). Sobre essa distinção, ainda, FAIRÉN GUILLÉN, Victor. El
Juicio Ordinario y los Plenarios Rapidos (Los Defectos en la Recepción del Derecho
Procesal Común, sus Causas y Consecuencias en Doctrina y Legislación Actuales).
Barcelona: Bosch, 1953; W ATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1987; FLACH, Daisson. A verossimilhança no processo civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 79/80.
3
CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo Studio Sistematico dei Provvedimenti
Cautelari. Padova: Cedam, 1936. p. 15.
4
Idem, p. 55/58.
3
execução ou quando quaisquer dessas atividades se encontrem prestes a
iniciar. O provimento cautelar é, nessa linha doutrinária, dependente e
acessório do provimento do processo de conhecimento ou de execução 5.
Constitui proteção provisória emprestada aos processos de conhecimento e
de execução 6. É um instrumento do instrumento 7.
O critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, de
um lado, dos provimentos satisfativos, de outro, não é o da atividade do
juiz. Sob esse ponto de vista, o provimento cautelar é uma "unidade" 8. O
critério que fundamenta a separação do provimento cautelar, em uma
ponta, dos provimentos de conhecimento e de execução, em outra, é o
critério da estrutura dos provimentos de cognição, execução e cautelar 9.
Enquanto os provimentos de conhecimento e de execução são definitivos,
os provimentos cautelares são provisórios. Essa a nota conceitual que
singulariza o provimento cautelar, na ótica de Calamandrei
10
.
5
Idem, p. 21/22.
Idem, p. 9/12. Na doutrina de Calamandrei, entra igualmente no conceito de
provisoriedade o conceito de temporariedade. A provisoriedade funciona ao mesmo
tempo como gênero e espécie. Provisório é aquilo que tem duração limitada em função
de algo que irá necessariamente lhe substituir. Temporário, simplesmente aquilo que
não dura para sempre, independentemente da superveniência de algo que o substitua
(Idem, p. 10).
7
Idem, p. 21/22: "La tutela cautelare è, nei confronti del diritto sostanziale, una tutela
mediata: più che a far giustizia, serve a garantire l'efficace funzionamento della
giustizia. Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto
sostanziale che attraverso essi si attua, nei provvedimenti cautelari si riscontra una
strumentalità qualificata, ossia elevata, per così dire, al quadrato: essi sono infatti,
immancabilmente, un mezzo predisposto per la miglior riuscita del provvedimento
definitivo, che a sua volta è un mezzo per l'attuazione del diritto; sono cioè, in relazione
alla finalità ultima della funzione giurisdizionale, strumenti dello strumento". Para análise
da origem dessa compreensão da tutela cautelar como tutela do processo e não como
tutela do direito material, consulte-se ______. Sulla Provvisoria Esecuzione delle
Sentenze e sulle Inibitorie. In: Saggi di Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffrè, v. II,
1993. p. 301/322 (na p. 312 consta expressamente: "L'inhibitio è un rimedio generale a
difesa della giurisdizione"); Instituições de direito processual civil. Tradução de J.
Guimarães Menegale e notas de Enrico Tullio Liebman. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. I,
1969, § 11, p. 272/284.
8
LIEBMAN, Enrico Tullio. Unità del Procedimento Cautelare. In: Problemi del Processo
Civile. Napoli: Morano Editore, 1962. p. 104/110, porque mistura cognição e execução
em um único provimento.
9
CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 8/9.
10
Idem, p. 9/12.
6
4
Nessa linha, pouco importa a satisfatividade ou não do provimento
para caracterização da função cautelar. Os provimentos cautelares podem
ser para Calamandrei tanto assecuratórios como satisfativos
11
. O que
interessa é a provisoriedade para delineamento das espécies que entram
no grupo da tutela cautelar.
Dentro desse quadro teórico, a tutela jurisdicional prestada sob
cognição sumária sempre foi afeiçoada à tutela cautelar. Semelhante
alvitre foi reforçado pelo fato de Calamandrei não perceber qualquer
diferença entre tutela cautelar e tutela satisfativa - já que, diante do critério
da provisoriedade, em ambos os casos poder-se-ia cogitar de tutela
cautelar. Daí se passou a compreender toda tutela sumária como tutela
cautelar e, como tal, vinculada à proteção contra o periculum in mora
("condizione tipica e distintiva dei provvedimenti cautelari", na conhecida
lição de Calamandrei
12
).
As lições de Piero Calamandrei ecoaram com força na doutrina. A
sua premissa central - provisoriedade dos provimentos cautelares -, aliada
à pretendida vocação da tutela cautelar para neutralização de danos
jurídicos potencialmente causáveis pelo perigo na demora da prestação
jurisdicional, marca a grande maioria dos estudos a respeito da tutela
cautelar.
Para ficarmos apenas com um dos mais respeitados teóricos
contemporâneos do tema. É conhecida a doutrina de Andrea Proto Pisani
11
Tanto é assim que Piero Calamandrei entendia como cautelares os provimentos
antecipatórios da decisão final de mérito do processo de conhecimento (idem, p. 31/51,
especialmente p. 38/44). Como é notório, Calamandrei arrolava como típica espécie de
tutela cautelar, ao lado dos provimentos "istruttori anticipati", dos provimentos voltados
a "assicurare la esecuzione forzata" e das "cauzioni processuali", os provimentos de
"antecipazione di provvedimenti decisori", em que o "provvedimento cautelare consiste
proprio in una decisione anticipata e provvisoria del merito, destinata a durare fino a che
a questo regolamento provvisorio del rapporto controverso non si sovrapporà il
regolamento stabilmente conseguibile attraverso il più lento processo ordinario" (idem,
p. 39).
12
Idem, p. 15.
5
concernente ao assunto, para quem a tutela cautelar deve ser enquadrada
no âmbito dos "rimedi diretti a neutralizzare i danni che possono derivare
all´attore che ha ragione a causa o anche a durata del processo a
cognizione piena"
13
, marcada pela "provvisorietà del provvedimento"
tomado sob cognição sumária
14
. Vale dizer: para Proto Pisani, a tutela
cautelar visa a neutralizar o "danno marginale"
15
que decorre tanto da
"durata fisiologica" como da "lentezza patologica" do processo
16
.
Também foi grande o impacto das ideias de Calamandrei sobre a
legislação processual civil. Além da atipicização da tutela cautelar,
proposta por Calamandrei ainda sob a égide do Codice di Procedura Civile
de 1865 e acolhida expressamente no Codice de 1942, art. 700
17
,
legisladores do mundo todo nas suas ideias buscaram guarida. O caso
brasileiro - do emblemático Código Buzaid
18
- é eloquente, mas está longe
de ser notado nesse particular por sua originalidade, já que vários outros
ordenamentos seguiram igualmente o mesmo alvitre
19
.
13
PROTO PISANI, Andrea. Appunti sulla Tutela Cautelare. Rivista di Diritto Civile,
Padova: Cedam, 1987. p. 113; Lezioni di Diritto Processuale Civile. 4. ed. Napoli:
Jovene, 2002. p. 595.
14
Appunti sulla Tutela Cautelare, cit., p. 117; Lezioni di Diritto Processuale Civile, cit.,
p. 599.
15
A expressão "danno marginale" é de Enrico Finzi, cunhada em comentário à decisão
de 31 de janeiro de 1925 da Corte de Apelação de Florença, publicado na Rivista di
Diritto Processuale Civile. Padova: Cedam, 1926, p. 50, sempre lembrada pela doutrina
a propósito da tardança do processo e de seus efeitos na esfera jurídica do demandante
que tem razão em seu pleito (CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 18; ANDOLINA, Italo.
"Cognizione" ed "Esecuzione Forzata" nel Sistema della Tutela Giurisdizionale. Milano:
Giuffrè, 1983. p. 17). A locução, portanto, embora amplamente empregada por Andrea
Proto Pisani (Appunti sulla Tutela Cautelare, cit., p. 111; Lezioni di Diritto Processuale
Civile, p. 593), não foi por ele cunhada (aliter, BEDAQUE, José Roberto dos Santos.
Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de
sistematização). 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 22).
16
Appunti sulla Tutela Cautelare, cit., p. 111/112; Lezioni di Diritto Processuale Civile,
cit., p. 593 e 595.
17
CALAMANDREI, Piero. Op. cit., p. 147.
18
Sobre a influência de Calamandrei na construção do Código Buzaid, MITIDIERO,
Daniel. O processualismo e a formação do Código Buzaid. Revista de Processo, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 183, 2010. p. 165/194.
19
Atesta-o José Carlos Barbosa Moreira, observando que o exame comparado das
legislações processuais latinoamericanas revela a inspiração comum na notória doutrina
de Piero Calamandrei a respeito do assunto (Le Misure Cautelari nel Processo LatinoAmericano. In: Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 175, Sexta
Série).
6
É inquestionável a importância de Calamandrei para o estudo da
tutela
cautelar,
assim
como
constitui
mérito
seu
a
introdução
da
possibilidade de concessão de tutela cautelar atípica, importante meio para
universalização do alcance da tutela jurisdicional. No entanto, sua doutrina
dá azo a duas questões que devem ser desde logo enfrentadas para
adequada compreensão do âmbito das tutelas sumárias: primeira, confunde
de forma equivocada tutela cautelar com tutela satisfativa; segunda, liga a
tutela sumária tão somente à urgência.
1.2 A necessidade de adequada compreensão da tutela cautelar: tutela
satisfativa e tutela cautelar. A técnica antecipatória como meio para
prestação da tutela jurisdicional dos direitos
É fácil perceber que toda a teorização de Calamandrei e de Proto
Pisani - e de muitos outros autores que seguem suas lições mundo afora
20
-
tem por objeto não propriamente a tutela cautelar, mas, antes, a técnica
antecipatória que pode levar à prestação de tutela jurisdicional dos direitos
sob cognição sumária. Quando Calamandrei afirma que o periculum in
mora é nota distintiva da tutela cautelar, e quando Proto Pisani assevera
que essa mesma tutela deve ser enquadrada como espécie de proteção
que visa a combater os danos que podem emergir da duração do processo,
resta absolutamente claro que o objeto de consideração desses autores é a
20
Como é o caso de José Roberto dos Santos Bedaque (op. cit., p. 29, nota de rodapé
n. 47). A seguinte passagem é eloquente: "A necessidade da tutela cautelar está ligada
a uma normal disfunção do processo, incapaz de dar solução imediata aos problemas de
direito material. Representa, na verdade, antídoto contra a demora para entrega da
tutela jurisdicional" (Op. cit., p. 123). Na mesma linha de Bedaque, Cândido Rangel
Dinamarco afirma: "Conquanto suscetíveis de uma distinção conceitual mais ou menos
clara, as medidas cautelares e as antecipatórias de tutela integram uma categoria só,
mais ampla, que é a das medidas aceleratórias de tutela jurisdicional" (O regime jurídico
das medidas urgente". In: Nova era do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
p. 99/100). Também Márcio Carpena, ao destacar a "finalidade precípua idêntica" entre
tutela cautelar e tutela antecipada: "impedir que o tempo, inexorável à entrega da
prestação jurisdicional, aliado à possibilidade de ocorrência de determinados fatos, seja
fator de corrosão de direitos" (Do processo cautelar moderno. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 100).
7
necessidade de aceleração da prestação da tutela jurisdicional - ou, em
outras palavras, de antecipação da tutela
21
. É preciso perceber, contudo,
que constitui requintada extravagância da doutrina colocar sob o mesmo
gênero tutelas jurisdicionais diferentes apenas pela circunstância técnica
de ambas se prestarem à realização de forma antecipada sob cognição
sumária.
Coube a Ovídio Baptista da Silva mostrar que não é possível
confundir os dois conceitos
22
. A tutela cautelar não pode ser confundida
com a tutela antecipatória - a tutela cautelar apenas assegura a
possibilidade de fruição eventual e futura do direito acautelado, ao passo
que a tutela antecipatória desde logo possibilita a imediata realização do
direito. A satisfatividade é um "requisito negativo da tutela cautelar"
23
.
Segundo Ovídio Baptista, a tutela cautelar é a tutela sumária que visa a
combater o perigo de infrutuosidade da tutela jurisdicional de forma
temporária
24
. Não tem por objetivo atacar o perigo na demora da prestação
jurisdicional. Já a tutela antecipada tem por função combater o perigo de
tardança do provimento jurisdicional compondo a situação litigiosa entre as
partes provisoriamente. Lança-se Ovídio da estrutura à função: tira o foco
21
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de processo civil. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. III, 2000. p. 66.
22
A bibliografia de Ovídio Baptista da Silva a respeito do assunto é amplíssima. Dentre
outras obras versando a temática, consultem-se As ações cautelares e o novo processo
civil. Porto Alegre: Sulina, 1973; A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio de
Janeiro: Forense, 1979; Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001;
Curso de processo civil, cit. Dando conta do ponto, ainda, SILVA, Jaqueline Mielke da.
Tutela de urgência: de Piero Calamandrei a Ovídio Araújo Baptista da Silva. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p. 28/40.
23
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1992. p. 75/79.
24
Para uma didática exposição dos elementos que compõem o conceito de tutela
cautelar para Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p. 49/82. Na linha
de Ovídio, compreendendo a tutela cautelar a partir do conceito de temporariedade,
entre outros, ZAVASCKI, Teori. Antecipação da tutela. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
p. 35; a partir do conceito de situação cautelanda e de dano irreparável ou de difícil
reparação, RIBEIRO, Darci Guimarães. Teoria geral da ação cautelar inominada. In: Da
tutela jurisdicional às formas de tutela. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p.
148/152.
8
da provisoriedade e coloca-o na satisfação ou simples asseguração de um
direito
25
.
É preciso, contudo, aprofundar e desenvolver o assunto. A tutela
cautelar não é temporária nem pode ser caracterizada a partir da cognição
sumária. A tutela satisfativa antecipada também não está sempre vinculada
à urgência - vale dizer, vocacionada a combater o perigo na tardança do
provimento jurisdicional.
A tutela cautelar e a tutela satisfativa não são distinguíveis pela
estrutura de seus provimentos - como supõe a doutrina em peso
26
. Tanto a
tutela cautelar como a tutela satisfativa são tutelas finais que visam a
disciplinar de forma definitiva determinada situação fático-jurídica. Vale
dizer: a tutela cautelar não é temporária.
A tutela cautelar é tão definitiva quanto a tutela satisfativa. Nas duas
formas de tutela jurisdicional, as decisões finais estão submetidas à
cláusula rebus sic standibus - que marca os limites temporais de atuação e
autoridade dos respectivos provimentos
27
. Mesmo quando à tutela cautelar
não se segue a tutela satisfativa e aquela perde a sua eficácia, não se
pode falar em temporariedade, já que a não propositura da demanda para
realização do direito acautelado constitui condição resolutiva que, não
concretizada, apaga ex tunc a eficácia da tutela cautelar. Do ponto de vista
da estrutura do provimento, portanto, ambos são definitivos. A diferença
entre a tutela cautelar e a tutela satisfativa sob esse ângulo de apreciação
25
Como perceberam igualmente Daisson Flach, A verossimilhança no processo civil, cit.,
p. 88, e Guilherme Recena Costa, Entre função e estrutura: passado, presente e futuro
da tutela de urgência no brasil. In: ARMELIN, Donaldo (Coord.). Tutelas de urgência e
cautelares - Estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 666.
26
Por todos, José Roberto dos Santos Bedaque, op. cit., p. 149/153.
27
Sobre a cláusula rebus sic standibus e a eficácia da tutela jurisdicional, amplamente,
CAPONI, Remo. L'Efficacia del Giudicato Civile nel Tempo. Milano: Giuffrè, 1991.
Adroaldo Furtado Fabrício é enfático: "Todas as sentenças contêm implícita a cláusula
rebus sic standibus" (A coisa julgada nas ações de alimentos. In: Ensaios de direito
processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 314/315).
9
está em que as situações fático-jurídicas submetidas à primeira são
naturalmente mais instáveis do que aquelas submetidas à segunda.
A tutela cautelar visa à proteção de um direito submetido ao perigo
de dano irreparável ou de difícil reparação. Dura enquanto durar o perigo ou, mais precisamente, dura tendencialmente enquanto durar o perigo.
Dura, em outras palavras, enquanto não se alterarem os pressupostos
fático-jurídicos que suportaram a sua prolação. A tutela satisfativa visa à
realização de um direito. Dura enquanto não se alterarem os pressupostos
fático-jurídicos que determinaram a sua prestação. Dura enquanto durar a
necessidade inerente à sua proteção
28
. A distinção entre ambas é
funcional e não estrutural. A instabilidade natural à situação de perigo de
dano irreparável ou de difícil reparação dá a falsa impressão de que a
tutela cautelar não é definitiva, mas aí não há mesmo nada além disso: o
arresto dura enquanto durar a situação de perigo, assim como a sentença
de alimentos vincula apenas enquanto se verificarem os pressupostos para
sua concessão.
Se a tutela cautelar e a tutela satisfativa são definitivas, então é
forçoso admitir que as decisões que prestam tutela cautelar também são
idôneas para adquirir a qualidade de coisa julgada. A diferença está em
que o objeto da coisa julgada na tutela cautelar - como é óbvio - não está
no direito acautelado. O direito declarado existente é simplesmente o
direito à cautela, instrumentalmente ligado ao direito acautelado
28
29
. Isso
DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito
processual civil. 5. ed. Salvador: JusPodivm, v. II, 2010. p. 459, observam,
corretamente, que a tutela cautelar constitui hipótese de tutela definitiva. No entanto,
nela veem apenas eficácia temporária. A eficácia, porém, não é temporária. Ela dura
enquanto durar a situação de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Vale
dizer: enquanto não houver alteração no quadro fático-jurídico que a justificou. Ora, se a
alteração dos elementos da causa autoriza a afirmação de que o provimento sobre ele
incidente é temporário, então mesmo os provimentos de conhecimento são temporários,
já que também têm sua eficácia restrita à permanência da situação fático-jurídica que os
justificou.
29
Daí a razão pela qual é perfeitamente possível afirmar, com Ovídio Baptista da Silva
(Do processo cautelar. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 67/76), a existência de
um direito material à cautela. Na mesma linha, embora com variações em relação à
posição de Ovídio, afirma José Joaquim Calmon de Passos (Comentários ao Código de
10
mostra, igualmente, que o processo que visa à prestação de tutela cautelar
se desenvolve mediante cognição exauriente do direito à cautela - apenas
o direito acautelado é que é conhecido de forma sumária.
O problema, portanto, não está em separar tutela cautelar de técnica
antecipatória. Essa impostação da matéria está equivocada
30
, porque não
é possível tratar no mesmo plano de uma tutela e de uma técnica - são
31
conceitos distintos
. É claro que a tutela cautelar não se confunde com a
tutela satisfativa antecipada. Mas esse já um problema superado pela
melhor doutrina
32
. O problema agora está em perceber que a técnica
antecipatória é apenas um meio para realização da tutela satisfativa ou da
tutela cautelar e que essas formas de tutela jurisdicional devem ser
pensadas a partir do direito material - mais propriamente à luz da teoria da
tutela dos direitos
33
.
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. X, t. I, 1984), que a tutela cautelar
visa a satisfazer uma pretensão cautelar. E, também na mesma linha, assinalam com
razão Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, op. cit., p. 462, a
definitividade da decisão que aprecia o direito à cautela.
30
Como já observamos noutro lugar, MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo: Memória Jurídica Editora, t. III, 2006. p. 45.
31
Corretamente, ensina Alvaro de Oliveira que é impossível "confundir as formas de
tutela jurisdicional com as técnicas que podem ser empregadas para uma melhor
realização da própria tutela jurisdicional. A tutela emanada do juiz constitui exercício de
poder, representando assim valor, pois implica efeito jurídico, e todo efeito jurídico é
valor jurídico condicionado. Por isso, afirma-se correntemente não constituir o direito
numa técnica, mas numa estrutura complexa, integrada também dos elementos do
direito não escrito: os valores, os costumes, os institutos, o próprio ius involuntarium,
tudo a compor uma morfologia da práxis social. As técnicas, porém, embora sirvam ao
valor, não podem ser com ele confundidas. A esse respeito, observa acertadamente Del
Vecchio que as regras técnicas constituem os meios obrigatoriamente empregados para
se conseguir um propósito, mas não prejulgam se é lícito, obrigatório ou ilícito propor-se
o fim de que se trate. A técnica nada tem a ver com o valor das finalidades a que serve,
pois, como meio e instrumento, concerne exclusivamente aos procedimentos que
permitem realizá-las, sem se preocupar em esclarecer se são boas ou más. Apreciar o
mérito dos fins do indivíduo constitui um problema ético, não técnico" (Teoria e prática
da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 91/92).
32
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 11. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009. p. 67/140.
33
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2010; Antecipação da tutela, cit. Obviamente, afirmar que
a tutela jurisdicional deve ser pensada à luz da tutela dos direitos não importa retirar de
cena os elementos normativos próprios à conformação da tutela jurisdicional
(segurança, efetividade, igualdade, participação, liberdade). Esses elementos,
argutamente identificados por Alvaro de Oliveira, Teoria e prática da tutela jurisdicional,
11
A tutela cautelar é uma proteção jurisdicional que visa a resguardar o
direito à outra tutela do direito ou à outra situação jurídica tutelável
visa a resguardar o processo
34
. Não
35
. Apenas assegura para que possa
eventualmente ocorrer satisfação. Há segurança-para-execução
36
. Já a
tutela satisfativa é uma proteção jurisdicional que desde logo realiza um
direito, sem qualquer ligação com outro direito. Se a tutela satisfativa é
realizada de forma antecipada motivada pela urgência, então há execuçãopara-segurança.
Ambas podem ser prestadas de forma antecipada com o fim de
litisregulação
37
- vale dizer: tanto é possível obter antes do final do
cit., p. 111/137, são imprescindíveis para adequada identificação da tutela jurisdicional
que deve servir à prestação da tutela do direito.
34
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. IV, 2008. p. 19/42; MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz
Guilherme. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 763. Observe-se, porém, que nesses lugares ainda se alude à tutela
cautelar como tutela temporária, entendimento aqui posto de lado.
35
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p. 49.
36
Provém de Ovídio Baptista da Silva, ao contrário do que normalmente se supõe, a
distinção
entre
"segurança-para-execução"
e
"execução-para-segurança".
As
expressões foram cunhadas a partir da interpretação que Ovídio fez da seguinte
passagem de Pontes de Miranda a propósito do arresto: "Com a generalidade que tomou
a medida cautelar do arresto, é muito importante distinguir do arresto cautelar o
embargo, às vezes chamado 'arresto', na execução para segurança. Os casos do Código
Comercial, art. 239, são de pretensão à execução. Ação contra o dono da obra,
exercível pelo fato do empreiteiro ou do subempreiteiro. Não se refere à segurança da
pretensão ou da prestação, mas à execução mesma. Os seus efeitos são os da penhora.
É penhora. A pretensão a que se refere o art. 527 do Código Comercial também leva a
uma ação, que não é cautelar" (Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.,
atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, t. XII, 2003. p. 94).
A mesma passagem consta, com brevíssimas modificações, nos comentários de Pontes
ao Código de 1939 (Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Revista Forense, t. VIII, 1959. p. 332/333). Como se vê, as eloquentes expressões não
constam em Pontes, posto que dele seja possível extraí-las. Nos dois primeiros livros de
Ovídio a respeito da tutela cautelar não há qualquer alusão às expressões (As ações
cautelares e o novo processo civil, cit.; Doutrina e prática do arresto ou embargo. Rio de
Janeiro: Forense, 1976). A primeira vez que as expressões aparecem - sem hifens - é
na obra A ação cautelar inominada no direito brasileiro, cit., p. 96. O hífen é incorporado
posteriormente ao Do processo cautelar, cit., p. 66 ("a isso é que damos o nome de
'execução-para-segurança', seguindo, aliás, a arguta conceituação de Pontes de
Miranda (Comentários, 1939), t. VIII, p. 332-333; Comentários (Código de 1973), t.XII, p.
125") e ao Curso de Processo Civil, cit., v. III, p. 28, 53, 105/106.
37
Para usarmos uma expressão de José Tesheiner, Medidas cautelares. São Paulo:
Saraiva, 1974; Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993.
p. 155/162.
12
processo tutela cautelar quanto tutela satisfativa, mas isso não autoriza
qualquer
confusão
a
respeito
do
escopo
dessas
tutelas
nem
dos
pressupostos inerentes às respectivas concessões. A técnica antecipatória
diz respeito apenas ao momento em que a tutela é prestada e ao módulo
de cognição a ele vinculado
38
. A tutela satisfativa realiza desde logo o
direito antecipado (combate o perigo na tardança), fazendo-o, inclusive,
tanto para prevenir ilícitos como para reprimir ilícitos e/ou danos
39
. A
tutela cautelar apenas assegura a possibilidade de fruição futura do direito
acautelado (combate apenas o perigo de infrutuosidade) - e em nada
prejudica o resultado do processo que visa à prestação da tutela satisfativa
("as medidas cautelares são neutras diante do resultado do processo
principal"
40
). Atua repressivamente com intuito de simples conservação
38
41
.
Acentuando o momento cronológico, MANDRIOLI, Crisanto. Per una Nozione
Strutturale dei Provvedimenti Anticipatori o Interinali. Rivista di Diritto Processuale,
Padova: Cedam, 1964. p. 555 e seguintes. A propósito, Ferrucio Tommaseo (I
Provvedimenti d'Urgenza - Strutura e Limiti della Tutela Anticipatoria. Padova: Cedam,
1983. p. 13/14) equivoca-se ao refutar o pensamento de Mandrioli justamente por supor
que a tutela anticipatoria é uma tutela, quando na verdade constitui simples técnica
processual que visa à prestação da tutela jurisdicional dos direitos.
39
A técnica antecipatória, quando aplicada à tutela satisfativa, pode tanto prestar tutela
preventiva (impedir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito) quanto tutela
repressiva (remover um ilícito, reparar um dano ou ressarci-lo). Daí não ser o alvitre
mais adequado, segundo pensamos, sustentar que a tutela antecipada (leia-se, tutela
satisfativa antecipada) serve apenas para "autêntica e típica prevenção de dano, capaz
de comprometer o próprio direito, eventualmente reconhecido a final, ou o seu gozo e
desfrute", com o que atua exatamente para "prevenção do dano ou do prejuízo:
antecipa-se efeito bastante e suficiente para impedir a lesão, mediante a tomada de
medidas práticas, a se consubstanciarem em ordens ou mandados do órgão judicial"
(ALVARO DE OLIVEIRA, Perfil dogmático da tutela de urgência, cit., p. 222). Observese que a concessão do arresto, por exemplo, não impede a alienação do bem
constritado. Ele apenas conserva a sujeição do bem à execução a fim de garantir o
ressarcimento por determinado dano. Prevenir significa impedir a prática, a reiteração
ou a continuação de um ato ilícito. Na verdade, a tutela cautelar pressupõe a violação
do direito e com ela, no fundo, consente. O arresto, para continuarmos no mesmo
exemplo, apenas assegura que, eventualmente ocorrida a situação jurídica temida, ela
será tida por ineficaz diante da ordem jurídica. A tutela é repressiva. Atua pressupondo
o dano e como resposta posterior a ele.
40
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. 18. ed. São Paulo: LEUD, 1999.
p. 66.
41
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000. p. 192/210; Antecipação da tutela, cit., pp. 88/90; aliter, vendo na tutela cautelar
escopo preventivo, Alvaro de Oliveira, Perfil dogmático da tutela de urgência, cit., p.
223/224; Ovídio Baptista da Silva, Do processo cautelar, cit., p. 9/11.
13
Daí que se um dia se supôs que todas as decisões liminares eram
cautelares
42
, hoje, sem dúvida, é possível afirmar que todas as decisões
liminares são oriundas da técnica antecipatória e serão satisfativas ou
cautelares conforme o objetivo que delas se espera diante do direito
material.
Cumpre-se
aí
o
caminho:
da
tutela
cautelar
à
técnica
antecipatória.
Se é verdade que tutela cautelar e tutela satisfativa não se
confundem - como é pouco mais do que evidente -, também é verdade que
a técnica antecipatória não tem por função simplesmente compor o perigo
de tardança do provimento jurisdicional. Na verdade, não é esse o objetivo
da técnica antecipatória. Coube a Luiz Guilherme Marinoni dar esse passo
decisivo para adequada compreensão da técnica antecipatória
43
.
A técnica antecipatória tem por função distribuir de forma isonômica
o ônus do tempo no processo
44
. Essa distribuição pode ocorrer tanto em
face da alegação de urgência - leia-se, de perigo de ilícito ou de perigo de
dano - como em face da necessidade de outorgar o devido valor à
evidência do direito posto em juízo
45
.
42
LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, v. VIII, t. I, 1998. p. 53.
43
Tutela antecipatória, julgamento imediato e execução imediata da sentença. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997; Tutela antecipatória e julgamento antecipado - Parte
incontroversa da demanda. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002; Abuso de
defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
44
Antecipação da tutela, cit., p. 23.
45
É por essa razão que não é possível afirmar que "tutelas cautelar e antecipatória
compartilham do mesmo gênero, gênero esse destinado à prevenção do dano ao
provável direito da parte" e que ambas as espécies podem ingressar no gênero "tutela
de urgência" ou "processo de urgência" (Alvaro de Oliveira, Perfil Dogmático da Tutela
de Urgência, cit., p. 237; com expressa adesão, José Roberto dos Santos Bedaque, op.
cit., p. 162/163; Paulo Afonso Brum Vaz, Manual da tutela antecipada. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002. p. 88/89). Perceba-se que não se trata de um simples
problema terminológico: quando se fala em tutela de urgência como gênero no qual se
inserem as espécies tutela satisfativa sumária e tutela cautelar acentua-se a finalidade
comum - a urgência. Esse elemento, contudo, não está presente na tutela satisfativa
sumária fundada na evidência, de modo que não é possível a partir dele sistematizar o
fenômeno em toda a sua inteireza. Para que se pudesse sustentar semelhante proposta
seria necessário encontrar uma finalidade comum à tutela satisfativa sumária fundada
na evidência e a tutela cautelar. Daí a razão pela qual nos parece apropriado trabalhar o
14
A técnica antecipatória pode prestar tutela satisfativa ou cautelar em
face da urgência. Nessa linha, visa a realizar ou acautelar um direito diante
do perigo de tardança da tutela jurisdicional final. O perigo de ilícito pode
ser prevenido ou reprimido mediante tutela satisfativa antecipada (tutela
inibitória ou tutela de remoção do ilícito). O perigo de dano pode ser
reprimido mediante tutela satisfativa antecipada (tutela reparatória ou
tutela ressarcitória) ou reprimido mediante tutela cautelar antecipada. O
exame do direito em uma perspectiva comparada revela que, de um modo
geral, as legislações albergam a possibilidade de obtenção de tutela
imediata diante da urgência, nada obstante não façam, na maioria das
vezes, as distinções aqui sugeridas
46
.
A técnica antecipatória pode prestar tutela jurisdicional ao direito em
face da evidência do direito postulado em juízo. Aí a tutela antecipada vem
prevista despregada totalmente do perigo, fato que deixa à vista importante
mudança na sua função, não mais assimilável simplesmente à tutela de
tema focalizando-o a partir da técnica antecipatória e de sua finalidade comum de
equacionamento do ônus do tempo no processo.
46
Assim, no quadro europeu, Alemanha, ZPO, §§ 935 (Einstweilige Verfügung bezüglich
Streitgegenstand) e 940 (Einstweilige Verfügung zur Regelung eines einstweiligen
Zustandes); Espanha, LEC, arts. 726 (Características de las Medidas Cautelares) e 728
(Peligro por la Mora Procesal. Apariencia de Buen Derecho. Caución); França, NCPC,
arts. 808 e 809, primeira parte (les ordonnances de référé d'urgence); Inglaterra, RCP,
rule 25 (interim remedies - interim injunctions e freezing injunctions); Itália, CPC, art.
700 (provvedimenti d´urgenza); Portugal, CPC, art. 381 (providências cautelares não
especificadas). No quadro americano, Brasil, CPC, arts. 273, 461 e 798 (tutela
antecipada satisfativa e tutela cautelar inominada); Estados Unidos da América, FRCP,
rules 64 (seizure of person or property) e 65 (injunctions - preliminary injunction,
temporary restraining order e security); México, CDCDF, art. 239; Peru, CPC, art. 611
(poder general de cautela); Uruguai, CGP, art. 311 (medidas cautelares con
universalidad de aplicación). Na Argentina, vários Códigos das Províncias preveem
tutelas sumárias de forma atípica (por exemplo, Código da Província de La Pampa e de
San Juan). No Chile e na Colômbia inexiste previsão de tutela sumária atípica nas
respectivas codificações. Para amplo panorama, José Rogério Cruz e Tucci (Coord.).
Direito processual civil americano contemporâneo. São Paulo: Lex, 2010; José Rogério
Cruz e Tucci (Coord.). Direito processual civil europeu contemporâneo. São Paulo: Lex,
2010; Oscar Chase e Helen Hershkoff (Coord.). Civil Litigation in Comparative Context.
St. Paul: Thomson-W est, 2007. p. 294/326; Mabel de los Santos e Petrônio Calmon,
Informe General sobre Tutelas Urgentes y Cautela Judicial. In: Tavolari Oliveros, Raúl
(Coord.). Derecho Procesal Contemporáneo - Ponencias de las XXII Jornadas
Iberoamericanas de Derecho Procesal. Santiago: Thomson Reuters Punto Lex, 2010. p.
365/396.
15
47
urgência
. O objetivo da tutela da evidência está em adequar o processo
à maior ou menor evidência da posição jurídica defendida pela parte no
processo, tomando a maior ou menor consistência das alegações das
partes como elemento para distribuição isonômica do ônus do tempo ao
longo do processo
48
.
Poucas legislações preveem a técnica antecipatória fundada na
simples evidência. Entre elas, sem dúvida se destacam o Nouveau Code de
Procédure Civile francês com a possibilidade do référé provision (arts. 809,
segunda parte, e 849, segunda parte, 873, segunda parte, e 894, segunda
parte)
49
e o nosso Código de Processo Civil com a previsão da tutela
antecipatória à vista de defesa inconsistente (art. 273, inciso II, "abuso de
direito de defesa" ou "manifesto propósito protelatório do réu")
50
.
47
Como observa, com razão, Cécile Chainais, La Protection Juridictionnelle Provisoire
dans le Procès Civil en Droit Français et Italien. Paris: Dalloz, 2007. p. 510.
48
Sobre o assunto, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit.;
Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, cit.;
Tutela antecipatória e julgamento imediato - Parte Incontroversa da Demanda, cit.;
Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, cit.; Daniel Mitidiero, Tutela
antecipatória e defesa inconsistente. In: Armelin, Donaldo (Coord.). Tutelas de urgência
e cautelares - Estudos em homenagem a Ovídio A. Baptista da Silva, cit., p. 333/341;
Direito fundamental ao julgamento definitivo da parcela incontroversa: uma proposta de
compreensão do artigo 273, § 6º, do CPC, na perspectiva do direito fundamental a um
processo sem dilações indevidas. In: Processo civil e estado constitucional. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 41/57; Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
Mitidiero, Código de processo civil comentado, cit., p. 270/271; Daisson Flach, A
verossimilhança no processo civil, cit., p. 93/107; Guilherme Rizzo Amaral, Verdade,
justiça e dignidade da legislação: breve ensaio sobre a efetividade do processo,
inspirado no pensamento de John Rawls e de Jerem y W aldron. In: KNIJNIK, Danilo
(Coord.). Prova judiciária - Estudos sobre o novo direito probatório. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2007. p. 129/152; Adroaldo Furtado Fabrício, Breves notas sobre
provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. In: Ensaios de direito processual,
cit., p. 187/199; Luiz Fux, Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo:
Saraiva, 1996.
49
Sobre o assunto, Cécile Chainais, La Protection Juridicitionelle Provisoire dans le
Procés Civil en Droit Français et Italien, cit., p. 510/542; Alessandro Jommi, Il Référé
Provision - Ordinamento Francese ed Evoluzione della Tutela Sommaria Anticipatoria in
Italia. Torino: Giappichelli Editore, 2005.
50
O art. 273, § 6º, do CPC também pode ser encarado como técnica processual que visa
à prestação de tutela jurisdicional diferenciada a situações em que há direito evidente.
Todavia, como aí há cognição exauriente e não simples cognição sumária, seu exame
escapa do nosso propósito nesse ensaio. Sobre o tema, por todos, Luiz Guilherme
Marinoni, Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, cit., p. 141/216.
16
Sobre a tutela antecipatória fundada na evidência grassa, no entanto,
controvérsia de monta na doutrina a propósito da finalidade, da natureza e
dos pressupostos para sua aplicação.
A tutela antecipatória fundada no art. 273, inciso II, CPC visa a
promover
a
igualdade
substancial
entre
as
partes
51
.
Trata-se
de
expediente que tem como objetivo distribuir o peso que o tempo representa
no processo de acordo com a maior ou menor probabilidade de a posição
jurídica afirmada pela parte ser fundada ou não. Quando o legislador
instituiu a tutela antecipatória baseada em abuso do direito de defesa ou
contra o manifesto propósito protelatório do réu, seu objetivo estava em
evitar que o demandante fosse prejudicado e o demandado beneficiado em
idêntica medida, pelo tempo do processo. O legislador tratou o tempo do
processo como fonte potencial de dano às partes, sugerindo a sua
distribuição
isonômica
a
fim
de
que
não
represente
prejuízo
ao
demandante que tem razão - que seria obrigado a suportá-lo integralmente
- e benefício para o demandado que não a tem.
A premissa desse raciocínio está em que quem deve suportar o
tempo que o processo normalmente leva para o seu desenvolvimento e
desenlace é aquele litigante que dele necessita para mostrar que tem
razão. Só aí a tutela jurisdicional será realmente adequada à maneira como
o direito material se apresenta em juízo. Aquele litigante que desde logo
apresenta uma posição de maior evidência com relação à situação litigiosa,
sendo provavelmente o titular do direito litigioso, deve fruir do bem da vida,
enquanto o seu adversário busca provar que a sua posição é merecedora
de tutela jurisdicional.
Essas observações forçam reconhecer que a finalidade da tutela
antecipatória baseada no art. 273, inciso II, CPC não está em sancionar
51
Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, Curso de processo civil. São Paulo: Atlas, v. I,
2010. p. 35.
17
eventual comportamento inadequado de uma das partes
52
. Para punir o
comportamento do litigante de má-fé, a propósito, a legislação alça mão de
outras técnicas processuais - como, por exemplo, a sanção por ato
atentatório à dignidade da jurisdição (art. 14, parágrafo único, do CPC) e a
responsabilização por dano processual (art. 16 do CPC)
53
.
Isso quer dizer que a tutela antecipatória fundada no art. 273, inciso
II, CPC não pode ser tomada como tutela antecipatória sancionatória. Não
é essa a sua natureza. A tutela antecipatória fundada em abuso do direito
de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu constitui mais
propriamente tutela antecipatória fundada na maior probabilidade de
veracidade da posição jurídica de uma das partes
54
. Trata-se de tutela
antecipatória da simples evidência.
Semelhante impostação da matéria tem imediata repercussão sobre
os pressupostos de aplicação do art. 273, inciso II, do CPC. Tem-se dito
que "a simples probabilidade de existência do direito, desacompanhada do
abuso do direito de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu,
não é suficiente para autorizar a antecipação"
55
e que "o ato, mesmo
abusivo, que não impede nem retarda os atos processuais subsequentes
não legitima a medida antecipatória", com o que "a invocação, pelo réu, na
contestação, de razões infundadas, por si só não justifica a antecipação de
tutela"
56
.
Assim não nos parece. Nada obstante respeitáveis, pensamos que
basta para antecipação da tutela fundada no art. 273, inciso II, do CPC a
maior consistência de uma das posições jurídicas assumidas pelas partes
no processo. Vale dizer: se a versão mais provável é a do demandante,
52
Contra, LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipatória sancionatória. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 55.
53
Alvaro de Oliveira, Perfil dogmático da tutela de urgência, cit., p. 222.
54
Luiz Guilherme Marinoni, Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, cit., p.
56/57.
55
LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Op. cit., p. 56.
56
ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 81.
18
esse merece tutela imediata, ainda que provisória, a fim de que o tempo do
processo não seja um peso exclusivamente por ele suportado.
Na realidade, basta para concessão de tutela antecipatória com base
no art. 273, inciso II, do CPC que o demandado exerça o seu direito de
defesa de maneira não séria, inconsistente
57
. Visto nessa perspectiva, o
art. 273, inciso II, do CPC assemelha-se ao art. 809, segunda parte, do
NCPC, há pouco lembrado, expediente de há muito reclamado inclusive
pela doutrina italiana para inserção em seu ordenamento jurídico
58
,
devendo ser encarado o abuso do direito de defesa ou o manifesto
propósito protelatório do réu como manifestações de contestações ou
defesas não sérias ao longo do processo.
Diante de tudo isso, é claro que a tutela de cognição sumária
prestada mediante a técnica antecipatória não pode mais ser vista tão
somente na perspectiva da urgência, tendo por mote unicamente a
neutralização do perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional. A
técnica antecipatória tem uma função mais profunda: realizar a igualdade
no processo diante do ônus que o tempo representa na vida dos litigantes.
Por seu intermédio, o processo civil estrutura-se de modo a prestar uma
tutela adequada, efetiva e tempestiva aos direitos.
2 A ESTRUTURAÇÃO DOGMÁTICA: O PERFIL DA TUTELA SUMÁRIA
Estabelecido o conceito de tutela sumária, prestada mediante a
técnica antecipatória, cumpre traçar o seu perfil, vale dizer, cumpre
trabalhar os elementos dogmáticos que compõem a sua estruturação:
impõe-se a análise dos seus fundamentos, da sua abrangência, dos seus
57
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Curso de processo civil. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. I, 2000. p. 142/143.
58
Assim, entre outros, Antonio Carrata, Profili Sistematici della Tutela Anticipatoria.
Torino: Giappichelli Editore, 1997. p. 36.
19
requisitos, do momento para sua concessão, da motivação da decisão que
dela se serve, da sua efetivação e da responsabilização pela sua fruição.
2.1 Fundamentos
A
necessidade
de
o
legislador
infraconstitucional
organizar
o
processo civil alçando mão da tutela sumária assenta na própria ideia de
Estado
Constitucional.
O
Estado
Constitucional
constitui
Estado
Democrático de Direito - Estado de Direito e Estado Democrático são seus
"dois corações políticos"
59
. Por ora, interessa-nos precisamente o primeiro
aspecto dessa sintética e expressiva fórmula
60
.
Para que exista Estado de Direito, é preciso que existam juridicidade
e segurança jurídica.
A juridicidade visa a constituir o Estado a partir do Direito
61
,
tomando-o como medida para sua organização político-social e colocando
todos abaixo do seu império
62
. A juridicidade do Estado - por conter em si
a ideia de Direito - remete à ideia de justiça, que, de seu turno, impõe a
necessidade de igualdade de todos perante a ordem jurídica
63
.
59
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 98/100.
60
Sintética e expressiva, na medida em que, com ela, se resume todo o contexto em que
submersa em geral a cultura jurídica contemporânea, conforme, entre outros, anotam
Gustavo Zagrebelsk y, Il Diritto Mite. 13. ristampa. Torino: Einaudi, 2005. p. 39/50, e
Paolo Ridola, Diritto Comparato e Diritto Costituzionale Europeo. Torino: Giappichelli
Editore, 2010. p. 22.
61
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 243.
62
MACCORMICK, Neil. Institutions of Law - An Essay in Legal Theory. Oxford: Oxford
Press University, 2008. p. 60.
63
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 245; CANARIS, Claus-W ilhelm.
Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução de
Antônio Menezes Cordeiro. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 20.
20
Mas não basta a juridicidade para que se conforme o Estado de
Direito. Sem segurança jurídica, esse também não se realiza
segurança
jurídica
tem
como
elementos
confiabilidade e efetividade do Direito
certeza,
64
. A
previsibilidade,
65
. Apenas quando esses dois
elementos se concretizam é que se pode falar em Estado de Direito e, pois,
em Estado Constitucional.
O direito ao processo justo é o direito ao processo civil no Estado
Constitucional. O exercício de poder no Estado Constitucional só é legítimo
se por ele pautado
jurisdicional
66
. Um de seus elementos é o direito à tutela
adequada,
efetiva
e
tempestiva.
O
legislador
infraconstitucional, ao prever a técnica antecipatória, realiza a um só
tempo todo o cabedal conceitual ligado ao Estado Constitucional: a tutela
sumária visa a distribuir de forma isonômica o ônus do tempo no processo,
adequando-o às necessidades nele evidenciadas a fim de que a tutela
jurisdicional seja prestada de forma efetiva aos direitos e em prazo
razoável. É a Constituição como um todo, portanto, que assegura o direito
à técnica antecipatória
67
. O direito fundamental à tutela adequada, efetiva
e tempestiva dos direitos é apenas a sua manifestação mais palpável
64
68
.
Embora tomando a segurança jurídica como um valor (value), Neil MacCormick
igualmente observa a sua fundamentalidade para o Estado de Direito (rule of law),
fazendo expressa referência à certeza jurídica (legal certainty) e à segurança do
cidadão diante de arbitrariedades estatais (safety of the citizen from arbitrary
interference by governments and their agents) como condições para que os cidadãos
possam se autodeterminar e viver em circunstâncias de mútua confiança (mutual trust)
(Rhetoric and the Rule of Law - A Theory of Legal Reasoning. Oxford: Oxford University
Press, 2005. p. 16).
65
A decomposição da segurança jurídica nos elementos apontados é de Humberto Ávila,
Segurança jurídica no direito tributário - Entre permanência, mudança e realização,
2009. p. 61/62. Outorgando acentuado peso à segurança jurídica na organização do
formalismo processual, a nosso ver acertadamente, Alvaro de Oliveira, Do formalismo
no processo civil - Proposta de um formalismo-valorativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2010. p. 100/107.
66
GUINCHARD, Serge et alli. Droit Processuel - Droit Commun et Droit Comparé du
Procès Équitable. 4. ed. Paris: Dalloz, 2007. p. 407.
67
Embora com fundamentação diferente, também essa é a conclusão de Alvaro de
Oliveira, O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: ALVARO DE
OLIVEIRA, Carlos Alberto (Org.). Processo e constituição. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 12; e ZAVASCKI, Teori. Op. cit., p. 60.
68
Sobre o assunto, Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit., p. 133/140.
21
Um ordenamento processual civil só pode ser concebido como
completo do ponto de vista do Estado Constitucional se predispõe ao
jurisdicionado a técnica antecipatória de forma atípica e voltada não só a
combater a urgência, mas também para prestigiar a evidência das posições
jurídicas postas em juízo. Trata-se de conclusão de há muito conhecida na
doutrina, mas infelizmente formada a partir de bases teóricas mais
acanhadas e, por isso mesmo, apenas parcialmente idônea a densificar de
forma efetiva o direito ao processo justo
69
.
2.2 Abrangência: da tipicidade à atipicidade
A ação é um direito compósito que visa à prestação de tutela
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva mediante processo justo
70
. A
fim de que o processo possa proteger da forma mais completa possível as
mais
diversas
situações
substanciais,
a
doutrina
tem
69
apontado
A doutrina, principalmente a italiana, sempre raciocinou nesses termos para concluir
pela imprescindibilidade de tutela de urgência atípica, normalmente associada tãosomente à tutela cautelar (por todos, Andrea Proto Pisani, Appunti sulla Tutela
Cautelare nel Processo Civile, cit., p. 114/115). O que interessa, porém, é inserir a
técnica antecipatória nesse discurso com os contornos aqui lembrados, a fim de que o
processo civil tenha condições de concretizar o Estado Constitucional - e obviamente os
seus princípios da igualdade e da segurança jurídica - em toda sua plenitude na vida
dos jurisdicionados. Corretamente, Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit.,
p. 23/24; Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda, cit., p. 13/49.
70
Afirmar a ação como direito compósito significa defini-la não pelo simples ato de
exigência de tutela jurisdicional (demanda), mas como um complexo de posições
jurídicas coordenadas e reduzidas à unidade pelo vínculo que o procedimento
representa na vida do processo. Como já tivemos o ensejo de observar, "tanto as teorias
abstratas quanto a teoria eclética preocupam-se exclusivamente com o momento inicial
do processo (direito ou poder a uma sentença de mérito). Essa visualização do
problema só considera a ação como situação inativa ou estática, típica de quem é
destinatário de um comportamento imperativo de outrem, vale dizer, como posição
subjetiva de vantagem ou preeminência em relação a um bem (no caso, em relação à
decisão jurisdicional de tutela), realizada pelo dever de fazer nascer comportamentos
positivos. Em tal perspectiva, ficam na sombra as posições jurídicas atribuídas ao
demandante ao longo de todo o processo, visto que o perfil necessariamente dinâmico
da situação subjetiva vai aí colocado em segundo plano pelo relevo atribuído ao perfil
estático-sancionatório do dever de prestar justiça. Por isso, a idéia de conceber a ação
como poder solitário de iniciar o processo conduz a uma indesejável identificação da
ação com o direito de obter uma decisão. Mas a ação, entendida como poder de
iniciativa, não representa o outro lado do dever de decidir do juiz, constituindo apenas o
seu pressuposto, o suporte fático ao qual o ordenamento vincula tal dever" (MITIDIERO,
Daniel; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Curso de processo civil, cit., p. 139).
22
decididamente para necessidade de atipicidade da tutela jurisdicional
predisposta pelo Estado. Vale dizer: parte-se da existência de uma
"generale tutelabilità" de todas as situações substanciais carentes de tutela
no plano do direito material
71
.
Embalado por esse objetivo de "cobertura geral"
72
, pode o legislador
processual civil desincumbir-se de seu dever de organizar um processo
capaz de
prestar tutela adequada mediante
a previsão de
tutelas
jurisdicionais diferenciadas para cada situação substancial digna de tutela
73
ou pode prever técnicas processuais mediante normas abertas a fim de
que, a partir do caso concreto, possam as partes e o juiz dimensionarem as
reais necessidades da situação substancial posta em juízo
74
. Decidindo-se
pela segunda alternativa, tem o legislador de prever a possibilidade de o
juiz tutelar o direito material alegado em juízo por meio de técnicas
processuais por ele pré-dispostas atipicamente, isto é, sem qualquer
ligação a priori a uma única espécie de direito (em uma verdadeira "duttilità
variabile"
75
concreta das técnicas processuais em conformidade com as
tutelas jurisdicionais dos direitos).
O exame do direito processual civil na perspectiva comparada
suporta a assertiva de que a técnica antecipatória, para ser realmente um
fator de geral tutelabilidade dos direitos, tem de ser prevista de forma
71
DI MAJO, Adolfo. La Tutela Civile dei Diritti. 4. ed. Milano: Giuffrè, 2003. p. 76.
YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo: Atlas, 1999. p. 59.
73
Sobre essa perspectiva, consulte-se o clássico ensaio de Andrea Proto Pisani, Sulla
Tutela Giurisdizionale Differenziata. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam,
1979, p. 536/591. Na doutrina brasileira mais recente, liga a tutela jurisdicional
diferenciada aos procedimentos especiais individualizados pelo legislador Ricardo de
Barros Leonel, Tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
p. 79.
74
É a proposta de Luiz Guilherme Marinoni, quando descreve a necessidade de irmos
"da ação abstrata e uniforme (ação única) à ação adequada à tutela do direito material e
do caso concreto" (Teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.
227/303).
75
A expressão é de Luigi Paolo Comoglio, Note Riepilogative su Azione e Forme di
Tutela, nell'Ottica della Domanda Giudiziale. Rivista di Diritto Processuale, Padova:
Cedam, 1993, p. 489.
72
23
atípica pelo legislador
76
. Tal é a tônica que hoje une tanto ordenamentos
de common law - como a Inglaterra e os Estados Unidos da América como ordenamentos da tradição romano-canônica - como a Itália, a França
e a Alemanha
77
. Em todos esses ordenamentos, ao menos quando fundada
na urgência, a técnica antecipatória é predisposta para tutela geral de toda
e qualquer situação jurídica no plano do direito material, ainda que por
vezes funcione como cláusula de encerramento de um sistema em que se
preveem simultaneamente técnicas antecipatórias típicas. Trata-se de
imposição inafastável de um sistema realmente preocupado com a
realização efetiva dos direitos - e, portanto, que não se compraz com uma
proclamação vazia e despreocupada das situações substanciais.
2.3 Requisito: da plausibilidade do Direito e do risco de atuação
A técnica antecipatória atua mediante a aferição da plausibilidade de
existência do direito satisfeito ou acautelado provisoriamente. A sua
realização depende de um juízo a respeito dos riscos inerentes à
realização provisória de todo e qualquer direito.
A técnica antecipatória atua mediante cognição sumária. Muito se
discute a respeito do conceito apropriado para retratar o grau de intimidade
em relação à verdade que se revela ao juiz quando esse conhece
sumariamente a causa
78
. Descontadas as polêmicas em torno dos
conceitos de verossimilhança e probabilidade, importa deixar claro que a
cognição
sumária
possibilita
ao
juiz
convencer-se
a
respeito
da
plausibilidade das alegações fático-jurídicas que as partes realizam no
76
Para uma análise do tema, em muitos pontos ainda atual, consulte-se COMOGLIO,
Luigi Paolo; FERRI, Corrado. La Tutela Cautelare in Italia: Profili Sistematici e Riscontri
Comparativi. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1990. p. 967/972.
77
Para referência pormenorizada da legislação, ver nota 45, retro.
78
AMARAL, Guilherme Rizzo. Verdade, justiça e dignidade da legislação: breve ensaio
sobre a efetividade do processo, inspirado no pensamento de John Rawls e de Jeremy
W aldron, cit., p. 148.
24
processo
79
. Não se exige do juiz certeza sobre a verdade (relativa e
objetiva) das alegações processuais
80
. Contenta-se a ordem jurídica com a
fundada possibilidade de a parte ter razão nas suas alegações.
Obviamente, todo juízo de cognição sumária importa assunção de
riscos. A lógica da técnica antecipatória está na assunção do risco a favor
do direito provável em detrimento do direito improvável
81
. Um sistema
processual civil sem previsão de técnica antecipatória é um sistema
indiferente à igualdade no processo, porque invariavelmente coloca sob as
costas do autor todo o peso que o tempo nele representa. É um sistema
que trata de forma igual situações desiguais - direito provável e direito
improvável - e, por isso, certamente pode ser tido como violador do direito
ao processo justo.
É preciso perceber, por esse ângulo de visão, que a omissão judicial
na tutela de um direito provável constitui concessão de tutela ao direito
improvável. Nessa perspectiva, a assunção do risco processual deve ser
suportado pela parte que provavelmente não tem razão na sustentação de
sua posição jurídica.
Aliás, é ilógico vedar a técnica antecipatória pelo simples fato de
existir risco de irreversibilidade do resultado do provimento antecipado -
79
Sobre o debate a respeito dos conceitos de verossimilhança e probabilidade, Piero
Calamandrei, Verità e Verosimiglianza nel Processo Civile. In: Opere Giuridiche. Napoli:
Morano Editore, v. V, 1972. p. 615/640; Michele Taruffo, La Prova dei Fatti Giuridici.
Milano: Giuffrè, 1992; La Semplice Verità - Il Giudice e la Costruzione dei Fatti. Roma:
Laterza, 2009, p. 85/92; Daisson Flach, A verossimilhança no processo civil, cit., p.
66/73; Guilherme Rizzo Amaral, Cumprimento e execução da sentença sob a ótima do
formalismo valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 73/78; Luiz
Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Prova. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 33/42; Lucas Baggio, Tutela jurisdicional de urgência e as exigências do direito
material. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 96/104.
80
Separando adequadamente o problema da certeza (ligado ao convencimento) do
problema da probabilidade (ligado à verdade), Michele Taruffo, La Semplice Verità, cit.,
p. 85/92; Jairo Parra Quijano, La Probabilidad. In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES,
Maurício Zanoide de (Org.). Estudos em homenagem à Professora Ada Pellegrini
Grinover. São Paulo: DPJ Editora, 2005. p. 828/829.
81
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e técnica antecipatória, cit., p. 146.
25
como faz, por exemplo, o art. 273, § 2º, do CPC brasileiro. Note-se que, ao
fazê-lo, o legislador prefere tutelar o réu que ostenta uma posição
processual improvável em detrimento do autor que provavelmente tem
razão nas suas alegações, quebrando obviamente a lógica de distribuição
de riscos que preside a técnica antecipatória
82
. Não admitir tutela
antecipatória de urgência, por exemplo, apenas porque o direito do réu
pode ser lesado, é um grande equívoco de lógica, pois aquele que pede a
tutela antecipatória deve demonstrar que o seu direito é provável e que há
perigo na demora da prestação jurisdicional. Desse modo, se a tutela
antecipatória
não
for
concedida
quando
presentes
esses
dois
pressupostos, estará sendo admitida uma lesão ao direito, que é provável,
apenas para o que direito do réu, que é improvável, não seja exposto à
irreversibilidade, o que é rigorosamente fora de propósito
83
.
2.4 Segue: da urgência e da evidência
Além da plausibilidade do direito, a técnica antecipatória requer a
demonstração de uma situação de urgência ou de uma situação de
evidência do direito postulado pela parte.
A técnica antecipatória fundada na urgência sempre visa a combater
um perigo na demora da prestação jurisdicional. Esse perigo pode
consubstanciar-se na possibilidade de um ilícito, na sua reiteração ou
continuação, pode visar à remoção de um ilícito ou a reparação de um fato
danoso. Quanto ao dano, a técnica antecipatória pode desde logo
satisfazer o direito ou simplesmente acautelá-lo, se exposta a tutela do
direito a um perigo de infrutuosidade.
82
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de Processo Civil comentado, cit.,
p. 274.
83
É a lição vencedora na doutrina: Alvaro de Oliveira, Perfil dogmático da tutela de
urgência, cit., p. 239; Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit., p. 196/201.
26
O ideal é que o legislador, ao prever a situação de urgência, alce
mão de expressão processual com suficiente abertura ao direito material.
"Perigo na demora" e "receio de ineficácia do provimento final" são boas
locuções para desempenhar semelhante finalidade, já que permitem o uso
da técnica antecipatória para prestação tanto de tutelas contra o ilícito
como contra o dano. Tudo leva a excluir do rol de opções viáveis a
expressão "dano irreparável ou de difícil reparação", ao menos como
alternativa com pretensão exclusivista, porque aí desde logo se ignora inconstitucionalmente, é certo - a possibilidade de viabilização de tutelas
contra o ilícito
84
.
A fim de que inexistam dúvidas a respeito da possibilidade de técnica
antecipatória fundada na evidência, o legislador processual também tem o
dever de utilizar expressões adequadas para descrição do suporte fático no
texto legal quando dela se ocupa. O legislador francês alude, para previsão
do référé-provision, à "existence de l'obligation n'est pas sérieusement
contestable" (art. 809, segunda parte, do NCPC). O legislador brasileiro
fala em tutela antecipatória quando fique caracterizado o "abuso de direito
de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (art. 273, inciso II,
do CPC).
É desejável que se evitem ambiguidades na legislação. O mais
adequado, portanto, está em ligar a tutela da evidência tão somente àquilo
que realmente importa - a maior ou menor probabilidade de um direito em
detrimento de outro. Daí que a redação francesa se mostra superior à
brasileira. Em termos ideais, tem o legislador de ligar a possibilidade de
tutela da evidência à existência de defesa inconsistente do demandado
85
.
Com isso, respeita-se a lógica da técnica antecipatória fundada na
evidência, segundo a qual tem de pagar pelo tempo do processo o litigante
que dele necessita para mostrar que tem razão.
84
MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. O projeto do CPC - Crítica e
propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 106/108.
85
Idem, p. 109/110.
27
2.5 Momento de concessão
A técnica antecipatória visa à concessão de tutela jurisdicional
satisfativa ou cautelar sob cognição sumária à vista de perigo de tardança
do provimento jurisdicional ou de defesa inconsistente. O momento próprio
para utilização da técnica antecipatória varia de acordo com o substrato
que
a
motiva.
Em
qualquer
caso,
a
marca
essencial
da
técnica
antecipatória nesse particular é a mobilidade - a invocação da técnica
antecipatória pertine tanto que configurada a situação de urgência ou de
evidência.
Se a técnica antecipatória tem por objetivo fazer frente à urgência,
pode muito bem ser o caso de ser necessária a instauração de um
processo preliminar para sua prestação. É o que a doutrina italiana
costuma denominar de tutela urgente ante causam. Nesse caso, o
processo
preliminar
funciona
como
verdadeiro
pedaço
do
processo
posterior, que visa a exaurir a cognição do direito à tutela do direito ou do
direito à segurança do direito. Nada obsta igualmente a que tal possa
ocorrer
inclusive
diante
do
juízo
recursal,
enquanto
eventualmente
pendente de remessa o recurso para instância competente para o seu
exame ou mesmo enquanto pendente o próprio prazo para interposição do
recurso cabível
86
.
Ao longo do processo, a técnica antecipatória pode ser utilizada
sempre que configurado o perigo na demora da prestação jurisdicional initio litis ou mesmo ao longo de todo o procedimento. O que interessa para
sua concessão é a caracterização da situação de urgência acompanhada
dos demais requisitos que a legitimam. Isso se deve ao fato de a técnica
86
Sobre essas duas últimas situações, diante do recurso de apelação e dos recursos
especial e extraordinário, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Código de
processo civil comentado, cit., p. 527/530 e p. 551/552.
28
antecipatória fundada na urgência ser naturalmente móvel - atua aonde
quer e no momento em que se faz necessária.
Já a técnica antecipatória fundada na evidência normalmente deve
ser prestada depois da contestação do demandado. Isso porque a
configuração da defesa inconsistente é realizada mediante cotejo entre as
posições jurídicas defendidas pelas partes no processo. Pode ocorrer,
todavia, de a matéria discutida em juízo prestar-se à compreensão sem
necessidade de apoio em provas. Nesse caso, pode a técnica antecipatória
fundada na evidência ser prestada liminarmente, desde que seja provável o
oferecimento de defesa inconsistente. Trata-se de situação que pode
ocorrer, por exemplo, quando determinado demandante visa à prestação de
tutela jurisdicional fundado em precedente firme de Corte Superior, em que
normalmente a defesa do demandado tem como único escopo dilatar a
realização da tutela do direito do demandante. Daí a razão pela qual
também é possível afirmar a mobilidade da técnica antecipatória fundada
na evidência do direito posto em juízo - se e quando configurada a defesa
inconsistente,
tem
lugar
a
técnica
antecipatória
para
equilibrar
a
distribuição do ônus do tempo no processo.
2.6 Motivação da decisão
A decisão que concede ou nega tutela jurisdicional ao direito
mediante a técnica antecipatória tem de ser motivada. Não há processo
justo se os atos jurisdicionais não são motivados adequadamente.
A fundamentação da decisão antecipatória, embora não tenha que
ser extensa, tem de ser completa. No Estado Constitucional, a direção do
processo pelo juiz é pautada pela colaboração - o juiz é paritário na sua
29
condução e assimétrico apenas quando prolata sua decisão
87
. Isso quer
dizer que o órgão jurisdicional, em face do dever de diálogo, tem o dever
de responder a todos os fundamentos levantados pelas partes em seus
arrazoados para tomar qualquer decisão
88
.
Para que a motivação possa ser qualificada como completa, tem o
órgão jurisdicional, levando em consideração necessariamente todos os
fundamentos arguidos pela parte interessada - fundamentos são todas as
proposições que por si só podem levar ao acolhimento do pedido -, de
explicitar em sua decisão: a) os enunciados das escolhas realizadas para,
a1) a individualização das normas jurídicas aplicáveis ao caso, a2) a
compreensão dos fatos da causa, a3) a qualificação jurídica do suporte
fático, a4) as consequências jurídicas decorrentes da qualificação do fato;
b) o contexto dos nexos de implicação e coerência entre os enunciados da
87
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil - Pressupostos sociais, lógicos e
éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 72. Sobre a colaboração
(Kooperationsmaxime) e o dever de diálogo judicial (Erörterungspflicht des Richters),
ainda, Rudolf W assermann, Der soziale Zivilprozess - Zur Theorie und Praxis des
Zivilprozess im sozialen Rechtsstaat. Darmstadt: Luchterhand, 1978. p. 97/128. Sobre o
contexto cultural em que aparecem essas idéias na Alemanha, também, Nicolò Trocker,
Processo Civile e Costituzione - Problemi di Diritto Tedesco e Italiano. Milano: Giuffrè,
1974. p. 34/64. Sobre a colaboração no processo civil em geral, Eduardo Grasso, La
Collaborazione nel Processo Civile. Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam,
1966, p. 580/609. No Brasil, falam em colaboração desde há muito, ainda que apenas de
passagem, José Carlos Barbosa Moreira, A função social do processo civil moderno e o
papel do juiz e das partes na direção e na instrução do processo. In: Temas de direito
processual. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 56, Terceira Série; e Ada Pellegrini Grinover,
Defesa, contraditório, igualdade e par condicio na ótica do processo de estrutura
cooperatória (1984). In: Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1990. p. 2/3. Com maior ênfase e desenvolvimento, a excepcional
contribuição de Alvaro de Oliveira para o tema, que introduziu efetivamente assunto na
doutrina brasileira, O juiz e o princípio do contraditório. Revista de Processo, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 73, 1993. p. 7/14; Poderes do juiz e visão cooperativa
do processo. Revista da Ajuris, Porto Alegre, n. 90, 2003; Do formalismo no processo
civil, cit. (1. ed. de 1997), p. 184/196. Recentemente, Fredie Didier Júnior, Fundamentos
do Princípio da cooperação no direito processual civil português. Coimbra: Coimbra,
2010.
88
Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil, cit., p. 137/140. Também, Luiz
Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, Direito de ação, contraditório e motivação das
decisões judiciais. In: SARLET, Ingo; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos
fundamentais no Supremo Tribunal Federal - Balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2011. p. 557/564.
30
decisão; e c) a justificação dos enunciados com base em critérios que
evidenciem a correção do seu raciocínio
89
.
Não basta para adequada motivação, obviamente, constar da decisão
o esquema lógico-jurídico com que o juiz logrou chegar à decisão
90
.
Semelhante maneira de aferir a motivação da decisão certamente era
suficiente quando a doutrina não via a necessidade de ter o juiz como um
dos sujeitos do contraditório. A partir do exato momento em que se
reconheceu o dever de diálogo judicial como componente essencial do
direito ao contraditório, esse critério deixa de satisfazer como metro
eficiente para aquilatar o cumprimento do dever de motivação das decisões
judiciais. Como toda decisão judicial, aquela que presta tutela mediante a
técnica antecipatória não pode deixar de ser fundamentada de forma
adequada, sob pena de configurar exercício arbitrário de poder.
2.7 Efetivação da tutela sumária
A efetivação da decisão que concede tutela antecipada mediante
cognição sumária depende da natureza do direito material que é dela
objeto. Tendo em conta essa necessidade de aderência da técnica
processual de efetivação da decisão à tutela do direito, destaca a doutrina
a necessidade de reconhecer-se aí a maior plasticidade possível
91
.
No Direito brasileiro, a efetivação da decisão antecipada obedece,
para concretização de imposições de fazer, não fazer e para realização do
direito à coisa, a um sistema atípico de técnicas processuais executivas
89
92
.
TARUFFO, Michele. La Motivazione della Sentenza Civile. Padova: Cedam, 1975. p.
467. Ainda, Alvaro de Oliveira e Daniel Mitidiero, Curso de processo civil, cit., p. 47/49.
90
Com razão, Michele Taruffo, La Motivazione della Sentenza Civile, cit., p. 417.
91
Luiz Guilherme Marinoni, Antecipação da tutela, cit., p. 208.
92
Para análise, em perspectiva comparada, das técnicas processuais executivas, por
todos, Michele Taruffo, L'Attuazione Esecutiva dei Diritti: Profili Comparatistici. In:
MAZZAMUTO, Salvatore (Org.). Processo e Tecniche di Atuazione dei Diritti. Napoli:
Jovene Editore, v. I, 1989. p. 63/106.
31
A decisão que concede tutela antecipada que visa a impor um fazer ou um
não fazer ou concretizar o direito à coisa do demandante deve ser
cumprida mediante a fixação de multa coercitiva (astreintes), expedição de
mandado de busca e apreensão, imissão na posse ou pela imposição das
"medidas necessárias" para obtenção da tutela jurisdicional do direito da
parte, tais como a remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial (arts. 461, §§ 3º, 4º e 5º, e 461-A, § 3º, do CPC).
Apenas para realização do direito ao pagamento de soma em
quantia, a princípio, tem-se execução limitada à técnica processual
executiva típica em que se consubstancia a expropriação (art. 647 do
CPC). A tutela antecipada que visa à obtenção de quantia certa em favor
do demandante deve seguir, segundo o art. 273, § 3º, do CPC, o rito para
execução das decisões provisórias condenatórias em geral (art. 475-O do
CPC).
Nem sempre, todavia, o cumprimento da tutela antecipatória de soma
em dinheiro deve observar o disposto no art. 475-O do CPC. Existem casos
em que esse artigo não se aplica. Observe-se que, quando se pensa na
tutela antecipatória em face da sentença condenatória ao pagamento de
soma em dinheiro, somente é possível pensar em tutela que possa ser
efetivada no curso do processo de maneira imediata, já que de outra forma
teremos uma tutela concedida, mas que não pode ser utilmente efetivada,
o que é o mesmo que transformar a tutela antecipatória em uma "tutela
pela metade" ou em uma tutela que não traz nenhum resultado útil. Nesse
caso, apenas podemos supor a antecipação da soma em dinheiro em si
mesma, já que o demandante evidentemente não pretende apenas penhora
do bem do devedor (para assegurar o recebimento futuro da soma) ou
assegurar a efetividade da sentença condenatória. O que deseja o autor é
obter desde logo soma em dinheiro para que outro bem seu não seja
irreparavelmente lesado.
32
O problema é o de que a execução por quantia certa, prevista no
Direito brasileiro, é sabidamente muito demorada. Assim, se é certo que o
credor de alimentos tem ao seu dispor uma forma de execução que lhe é
própria, quando a soma antecipada destina-se a evitar dano grave a um
bem digno de proteção (ou melhor, a um bem que pode ser equiparado,
diante da sua finalidade, aos alimentos que tem por base o direito de
família), é possível admitir - uma vez que hipóteses que merecem meios
executivos efetivos iguais não podem ser tratadas de forma diferenciada a aplicação dos meios de execução previstos nos arts. 732 a 735 do CPC.
Nesses casos, temos tutela antecipatória de soma efetivada por meio de,
por exemplo, desconto de rendas periódicas. Analogamente, já se decidiu
que é possível o bloqueio de verbas públicas para cumprimento de tutela
antecipatória
que
determina
à
Fazenda
Pública
o
fornecimento
de
medicamentos ao demandante, malgrado a existência de regras diversas
para execução por quantia certa contra a Fazenda Pública
93
(arts. 100 da
CRFB e 730 do CPC). Já se decidiu igualmente que é possível, na espécie,
a imposição de multa coercitiva
94
.
Sendo o caso, todavia, de o crédito ser realizado por meio do
procedimento que expropria um bem do réu, temos que lembrar que o art.
273, § 3º, afirma que "a efetivação da tutela antecipada observará, no que
couber e conforme a sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461,
§§ 4º e 5º, e 461-A". O art. 475-O, inciso III, do CPC (que sucedeu o art.
588 do CPC, hoje revogado), estabelece que só é possível "o levantamento
de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de
propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado" se o
exequente oferecer "caução suficiente e idônea". Ora, essa chamada
"execução provisória" é, na realidade, uma execução fundada em título
93
STJ, 1ª T., REsp 900.458/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, J. em 26.06.2007, DJ
13.08.2007, p. 338.
94
STJ, 1ª T., REsp 836.913/RS, Rel. Min. Luiz Fux, J. em 08.05.2007, DJ 31.05.2007, p.
371.
33
provisório que não permite a realização do direito exatamente por ser
incompleta. Admitir que a execução da tutela antecipatória pudesse ser
incompleta fere a razão de ser da própria tutela antecipatória e, portanto, a
racionalidade do sistema. Nesse sentido, é correto afirmar que a regra do
art. 475-O, inciso III, do CPC somente deve ser observada "no que
couber", como, aliás, está escrito no § 3º do art. 273 do CPC. Pode ser
admitida, portanto, a alienação de bem no cumprimento da tutela
antecipatória.
2.8 Responsabilização pela fruição
A técnica antecipatória envolve a assunção de riscos. Pode ocorrer
de o direito a priori provável revelar-se inexistente depois da cognição
exauriente. Pode ocorrer igualmente de a parte privada do bem da vida
provisoriamente experimentar dano em face da fruição indevida de decisão
antecipada pela parte contrária.
Em geral, um breve exame do direito comparado revela a existência
de responsabilidade civil por danos oriundos pela fruição indevida de tutela
sumária. De um lado, há a vertente alemã, que prevê responsabilização
objetiva
subjetiva
95
; de outro, a vertente italiana, que prevê responsabilidade
96
. O Direito brasileiro vigente inclinou-se pela solução alemã
(arts. 273, § 3º, e 811 do CPC).
Esse é um ponto da disciplina da técnica antecipatória que merece
ser
pensado
com
muito
cuidado.
Note-se
que
no
sistema
de
responsabilização objetiva o demandante responde, independentemente de
dolo ou culpa, pela obtenção de tutela ao seu direito provável em
95
ZPO, § 945 (Schadensersatzpflicht). Seguindo a solução alemã, o Direito espanhol
(LEC, art. 728, n. 3).
96
CPC, art. 96 (Responsabilità Aggravata). Seguindo nesse particular o direito italiano,
o direito português (CPC, art. 390, n. 1).
34
detrimento da posição jurídica improvável do réu acaso ao final se chegue
à conclusão pela improcedência do pedido. De outro lado, se é negada
tutela de cognição sumária ao autor - o que significa, na prática, que o
órgão jurisdicional entendeu mais provável a posição do réu - e, exaurindose a cognição, chega-se à procedência do pedido do demandante, não há
qualquer previsão de responsabilidade objetiva por eventual dano por ele
experimentado em face de não se encontrar, enquanto pendente o
processo, fruindo do bem da vida que nele foi buscar. Ora, é evidente que
aí há tratamento desigual entre as partes.
Para que cesse esta afronta à igualdade, de duas, uma: ou se
estende o regime de responsabilidade objetiva para o demandado, nos
casos em que a tutela sumária deveria ter sido concedida e não foi e o
demandante experimenta dano por conta da sua denegação, ou institui-se
regime de responsabilidade subjetiva para o demandante em face da
fruição de tutela sumária. Daí a razão pela qual nos parece de melhor
alvitre a solução italiana - responsabilidade civil pela fruição indevida de
tutela sumária apenas quando o demandante "ha agito senza la normale
prudenza".
3 AS TENDÊNCIAS
Perfilhada conceitualmente a técnica antecipatória e visitados os
pontos dogmáticos básicos de sua estruturação, é oportuno arrolar nessa
altura as principais tendências que se podem colher a respeito do tema a
partir
do
exame
realizado.
Elas
podem
ser
assim
resumidas
apertadamente: i) fundamentalidade; ii) atipicidade; iii) mobilidade; iv)
plasticidade; v) prestação à vista da urgência ou da evidência; vi) disciplina
diferenciada; e vii) compreensão à luz da tutela jurisdicional dos direitos.
35
3.1 A fundamentalização
O direito à técnica antecipatória constitui técnica processual inerente
ao processo civil do Estado Constitucional. Como o direito à tutela
jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva dos direitos compõe o direito
ao processo justo, é correto enquadrar o direito à técnica antecipatória
como direito fundamental.
E note-se o ponto: não se trata apenas de reconhecer estatura
constitucional ao direito à técnica antecipatória. A tendência está em
colocá-lo como direito fundamental, o que implica reconhecer todo regime
potencializado à técnica antecipatória próprio aos direitos fundamentais,
entre eles a autoaplicabilidade (art. 5º, § 1º, da CRFB), isto é, a
possibilidade de concretização pelo juiz independentemente de legislação
infraconstitucional mediatizadora
97
.
3.2 A atipicização
A
atipicização
da
técnica
antecipatória
constitui
importante
movimento para universalização da tutela jurisdicional dos direitos. Não é
furtivo o fato de as principais legislações processuais civis preverem direito
à técnica antecipatória sem qualquer ligação necessária a essa ou àquela
espécie de tutela do direito.
97
Sobre as diferenças entre a primeira constitucionalização do processo civil (época das
garantias constitucionais) e a sua segunda constitucionalização (época dos direitos
fundamentais), Daniel Mitidiero, Colaboração no processo civil, cit., p. 42/43; Alvaro de
Oliveira e Daniel Mitidiero, Curso de processo civil, cit., p. 17/18. Para uma consistente
teoria dos direitos fundamentais, Ingo Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais - Uma
teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2009; para uma consistente teoria das normas no Estado
Constitucional, Humberto Ávila, Teoria dos princípios - Da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
36
Bem pesadas as coisas, trata-se de solução inevitável. Como bem
observa a doutrina a propósito da atipicidade das tutelas sumárias dos
Direitos italiano e francês, "cumpre reconhecer que não seria mesmo
possível ao legislador prever de modo casuístico todas as situações
concebíveis e prescrever para cada qual uma solução específica. Apenas
in concreto, tomando em consideração as variáveis peculiaridades do caso,
é que se poderá escolher o caminho adequado"
98
.
3.3 A mobilidade
A técnica antecipatória constitui importante fator de adequação do
processo às necessidades do direito material e à maneira como as
posições jurídicas das partes se apresentam em juízo. A fim de promover
essa natural variabilidade da técnica antecipatória, tem-se que reconhecer
ao instituto a maior mobilidade possível, de modo que a urgência e a
evidência possam ser tratadas em juízo de forma idônea no exato momento
em que se fizer necessária a atuação da técnica antecipatória.
3.4 A plasticidade
Como são várias as situações substanciais passíveis de tutela pela
técnica antecipatória, tem o legislador infraconstitucional de dotá-la de
plasticidade, a fim de que possa recobrir de forma aderente a toda e
qualquer tutela do direito que com ela se pretenda realizar ou salvaguardar
judicialmente. A plasticidade importa para fins de reconhecer o dever de o
legislador
infraconstitucional
instituir
técnicas
processuais
executivas
atípicas para efetivação da tutela jurisdicional do direito mediante a técnica
antecipatória.
98
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela de urgência e efetividade do direito. In:
Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 98, Oitava Série.
37
3.5 A urgência e a evidência
Embora inicialmente ligada tão somente à urgência, a técnica
antecipatória hoje também tem lugar para sumarizar verticalmente a
cognição a fim de outorgar adequado tratamento aos direitos evidentes no
processo civil. Com isso, redimensiona-se inclusive o papel mais fundo da
técnica antecipatória - a distribuição isonômica do ônus do tempo entre as
partes no processo civil.
3.6 A disciplina diferenciada
Com o reconhecimento de que a técnica antecipatória tanto serve
para tutela satisfativa como para tutela cautelar, bem como para fazer
frente à urgência ou para atender à evidência das posições jurídicas das
partes no processo civil, resta claro que a disciplina legal do tema não
pode ser a mesma. Isso porque não se pode confundir o ato de satisfazer
um direito com o de simplesmente acautelá-lo, ainda que se o faça, em
ambos os casos, provisoriamente. Bem pode ocorrer de ser necessária
prova própria à cognição do direito à cautela, cuja produção no processo
ligado à cognição para tutela do direito acautelado seja rigorosamente
impertinente, a sugerir procedimento próprio para a cognição do direito à
segurança
99
. Pode bem ocorrer, igualmente, que o provimento cautelar
tenha que sobreviver à sentença de primeiro grau que declara inexistente o
direito acautelado (nada obstante existente o direito à simples segurança),
a determinar a perfeita separação entre os provimentos ligados à tutela
jurisdicional de conhecimento e à tutela jurisdicional cautelar
100
. Tudo
aconselha, portanto, que dois problemas diferentes recebam tratamento
99
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela cautelar e tutela antecipatória, cit.
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, cit., p. 169/179; Luiz Guilherme
Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Curso de processo civil, cit., p. 29/31.
100
38
diferente pela ordem jurídica. Tratar o assunto unitariamente dá lugar à
confusão conceitual e, por conseguinte, a dificuldades pragmáticas.
3.7 A compreensão a partir das formas de tutela jurisdicional e das
espécies de tutela dos direitos
A percepção de que a técnica antecipatória constitui simples forma
de limitação vertical da cognição - e, portanto, constitui assunto puramente
técnico-processual - impõe a necessidade de dimensionarmos o seu uso a
partir das espécies de tutela dos direitos
101
(tutela inibitória, tutela de
remoção do ilícito, tutela reparatória, tutela ressarcitória) e das formas de
tutela
jurisdicional
102
(tutela
satisfativa
e
tutela
cautelar,
tutelas
declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva) a fim de
que a técnica processual possa cumprir adequadamente com os fins
visados pela ordem jurídica. A tutela de cognição sumária é neutra e, como
tal, deve ser conformada e direcionada pelo direito material (tutela dos
direitos) e pelo direito processual (tutela jurisdicional) a fim de que produza
os resultados esperados pela ordem jurídica. Pensá-la de forma isolada
significa tomá-la como nau sem rumo e, portanto, sem qualquer sentido
efetivo para tutela dos direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
técnica
antecipatória
constitui
ferramenta
decisiva
para
organização de um processo justo. Seu perfil conceitual e sua estruturação
dogmática devem ser bem apreendidos a fim de que se possa tutelar de
forma realmente idônea os direitos. Deixada de lado, pouco se pode
101
Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit.; Técnica processual e tutela dos
direitos, cit.; Sérgio Cruz Arenhart, A tutela inibitória da vida privada. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000; Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.
102
Alvaro de Oliveira, Teoria e prática da tutela jurisdicional, cit.
39
esperar do processo civil - ao menos como instrumento para adequada,
efetiva e tempestiva proteção das situações substanciais.
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