Secretaria de Estado de Saúde do Governo do Distrito Federal Hospital Regional da Asa Sul (HRAS) Programa de Residência Médica em Pediatria Hiperplasia Adrenal Congênita Revisão de Literatura Hannah Peixoto Schechtman Monografia apresentada ao Supervisor do Programa de Residência Médica da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Pediatria sob orientação da preceptora Dra. Mariangela Sampaio (Endocrinologista Pediátrica). Brasília, DF 2007 OBJETIVOS Geral: Atualizar o conceito de hiperplasia adrenal congênita (HAC), enfatizando as formas clássica e não-clássica da HAC por deficiência da 21hidroxilase. Específico: Apresentar a fisiopatologia, genética molecular, manifestações clínicas, meios diagnósticos e manejo terapêutico das diferentes formas de HAC. MÉTODOS Revisão bibliográfica da literatura nacional e internacional, abrangendo artigos originais, consensos, metanálises e artigos de revisão publicados nos últimos dez anos (de 1997 a 2007). Termos/descritores: “Hiperplasia adrenal congênita” “hiperplasia supra-renal congênita”. e MÉTODOS Pesquisa realizada nos meses de junho e julho de 2007, nos seguintes sites: -BIREME/OPAS/OMS - centro latino-americano e do caribe de informação em ciências da saúde (http://www.bireme.br) -PUBMED (http://www.ncbi.nlm.nih.gov) -PROQUEST (http://proquest.com.pqdweb) -MD CONSULT (http://mdconsult.com) -BIBLIOTECA COCHRANE (www.thecochranelibrary.com) MÉTODOS Nas seguintes bases de dados: - SciELO - Scientific Electronic Library Online - LILACS – literatura latino-americana e do caribe em ciências da saúde - MEDLINE - literatura internacional em ciências da saúde - ADOLEC - saúde na adolescência - PROQUEST (http://proquest.com.pqdweb) - MD CONSULT (http://mdconsult.com) MÉTODOS Critérios de seleção: Relevância, atualidade, publicação em revistas tradicionais, tendo prioridade: metanálises, consensos e artigos de revisão, ensaios clínicos randomizados e ensaios não-randomizados e por fim relatos de casos. Critérios de exclusão: Artigos com metodologia inadequada ou que não abrangiam a área de interesse. INTRODUÇÃO - HAC É um erro inato do metabolismo, Herança autossômica recessiva, Atividade ausente ou de uma das enzimas envolvidas na esteroidogênese. ACTH CORTISOL PRECURSORES DA ENZIMA BLOQUEADA ACTH ESTEROIDOGÊNESE VOLUME ADRENAL INTRODUÇÃO - HAC Hiperplasia refere-se ao aspecto histológico do córtex adrenal resultante dos níveis de ACTH. Há superprodução dos metabólitos intermediários anteriores ao bloqueio enzimático, subprodução dos metabólitos pós-bloqueio e conseqüente desvio na produção hormonal. FISIOLOGIA ADRENAL As glândulas adrenais sintetizam, a partir do colesterol e através de várias passagens enzimáticas interligadas, 3 tipos de hormônios esteróides: mineralocorticóides, glicocorticóides e hormônios sexuais No córtex, há três camadas com papéis funcionais distintos: Adrenais Córtex Adrenal Zona Glomerulosa mineralocorticóides Zona Fasciculata glicocorticóides Zona Reticular esteróides sexuais glicocorticóides Medula Adrenal ESTEROIDOGÊNESE ADRENAL COLESTEROL CYP 11 A1 PREGNENOLONA 3 HSD II 3 PROGESTERONA CYP 21 A2 DOCA CYP 11 B1 Corticosterona 18 OH Corticost CYP 11 B2 ALDOSTERONA 17-OH PREGNENOLONA HSD II DHEA 3 HSD II 17 HSD 17-α-OH ANDROSTENE PROGESTERONA DIONA CYP 21 A2 11-DeoxiCortisol CYP 11 B1 CORTISOL TESTOSTERONA Principais Tipos de HAC Deficiência da 21-hidroxilase (D21-OH): - 95% dos casos Deficiência da 11β-hidroxilase (D11β-OH): - 5 a 8 % dos casos Deficiência da 3β hidroxiesteróide desidrogenase (D3β-HSD): - <1 a 2 % dos casos Deficiência da 17-hidroxilase/17,20 liase (D17α-OH): - <1% dos casos Deficiência da 21-OH Causa mais comum de alteração de desenvolvimento genital (ADG) 46 XX. Formas clínicas: - Clássica: Perdedora de sal (75%) Virilizante simples (25%), - Não Clássica: Sintomática - andrógenos Assintomática (críptica), Não representam diferentes doenças, mas um espectro contínuo na severidade da D21-OH. Fisiopatologia da D21-OH Virilização intra-útero dos fetos femininos (alargamento do tubérculo genital, clitoromegalia e fusão das pregas lábio escrotais) e pósnatal em ambos os sexos. Gônadas e estruturas genitais internas (tubas uterina, útero e cérvix) se desenvolvem normalmente devido à ausência do fator de inibição dos ductos de Müller. COLESTEROL DESMOLASE 3 HSD PREGNENOLONA PROGESTERONA 21 OH DOC 11 OH B 18 OH B 18 OH DIHIDRO ALDOSTERONA 17 OH PREGNENOLONA 3 HSD 17 OH PROGESTERONA 21 OH 11 OH S DHEA 3 HSD 17 HSD ANDROS TENEDIONA TESTOSTERONA CORTISOL Genética Molecular da D21-OH Gene da 21-OH localizado no braço curto do cromossomo 6, 6p21. Dois genes com alta homologia: o CYP21, que é ativo e o CYP21P é um pseudogene porque não codifica uma proteína funcional devido à presença de várias mutações. O grau de redução da atividade enzimática causado por cada mutação está relacionado com as distintas formas clínicas da doença. Genética molecular da D21-OH Classificação das mutações: Grupo A: nenhuma atividade enzimática Grupo B: 3 a 7% de atividade enzimática Grupo C: 20 a 60% de atividade enzimática Fenótipos: AA: forma perdedora de sal BB ou AB: virilizante simples CC ou AC ou BC: forma não-clássica MELLO, et al. Bases moleculares da hiperplasia adrenal congênita, 2002. Manifestações Clínicas da D21-OH Forma Perdedora de Sal Inicialmente dificuldade de ganho ponderal, recusa alimentar, letargia, vômitos e diarréia. Evolui para insuficiência adrenocortical aguda entre 1 e 4 semanas de vida. Crises de perda de sal ( aldosterona e cortisol): Desidratação, Hiponatremia, Hipercalemia, Hipotensão, Acidose metabólica, Hipoglicemia. Manifestações clínicas da D21-OH Formas Clássica e Não-clássica Puberdade precoce periférica heterosexual Hiperandrogenismo: Virilização pré-natal em meninas e pós-natal em ambos os sexos Aceleração da maturação epifisária Tempo total de crescimento e, conseqüentemente, da altura final Meninos: Aparecimento de pêlos pubianos, odor axilar característico e pênis, sem testicular Meninas: Clitoromegalia, hirsutismo, acne e disfunção ovariana Características das diferentes formas clínicas da deficiência de 21-hidroxilase Fenótipo Perdedora de sal ♂ ♀ Diagnóstico RN – 6 m RN – 1 m Genitália Aldosterona Renina Cortisol Normal Ambígua Virilizante simples Não clássica ♂ ♀ ♂ ♀ 2–4a RN – 2 a Tardio Tardio Normal Ambígua Normal Normal Normal Pode ser Normal Normal Normal 17-OHP > 200 ng/ml > 100-200 ng/ml 15-100 ng/ml (pós ACTH) Altura final -2 a -3 DP -1 a -2 DP -1 DP? Incidência 1:20.000 1:60.000 1:1.000 Adaptado de: WHITE, PC.; SPEISER, PW. Congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency, 2000. Diagnóstico da D21-OH 17-OHP basal ou após estímulo com 0,125 a 0,25 mg de ACTH (Teste da Cortrosina). Valores basais da 17-OHP >5 ng/mL confirmam o diagnóstico e valores <2 ng/mL praticamente excluem esta forma clínica de HAC, sendo o teste de estímulo com ACTH indicado para níveis entre 2 e 5 ng/mL. Diagnóstico da D21-OH Neste teste, é considerado diagnóstico o valor de pico da 17-OHP ≥ 10ng/mL ou ≥ 3 vezes o valor basal. Há sobreposição entre os níveis da 17-OHP pós-ACTH encontrada em indivíduos heterozigotos para mutações da forma clássica e pacientes com diagnóstico da forma não clássica. TRIAGEM NEONATAL Dosagem da 17-OHP a partir do sangue de recém-nascidos colhido em papel filtro. No Brasil, a HAC não está incluída no Programa Nacional de Triagem Neonatal, sendo realizada apenas em alguns estados. TRIAGEM NEONATAL Reduz a idade do diagnóstico, e por conseqüência, a morbidade e mortalidade pelas crises de perda de sal, principalmente nos meninos. Identifica quase 100% das crianças com a forma clássica e pequeno percentual da forma não-clássica e de outras formas de HAC. TRIAGEM NEONATAL Um resultado inicial positivo tem que ser confirmado, seja por medida sérica de 17-OHP de uma amostra diferente, dosagem de esteróides urinários ou análise do gene CYP21. Excessivo no de resultados falso-positivos devido às reações cruzadas da 17-OHP com outros esteróides plasmáticos. TRATAMENTO Objetivos: Repor glico e mineralocorticóides, Reduzir a hipersecreção do ACTH (feedback negativo) e dos andrógenos das supra-renais evitando a virilização dos genitais externos, TRATAMENTO Objetivos: Prevenir a desidratação por perda de sal, Controlar o hiperandrogenismo sem afetar a velocidade de crescimento, preservando assim a função gonadal, fertilidade e estatura final. Tratamento da D21-OH 1a escolha: Hidrocortisona 10-15 mg/m2/dia ÷ 3. Não há dados na literatura para recomendaremse doses maiores pela manhã ou à noite. A redução inicial dos hormônios sexuais pode requerer doses mais elevadas (até 25mg/m2/dia). A suspensão oral não é recomendada, pois não há bioequivalência entre esta e a forma de comprimidos. JOINT LWPES/ESPE CAH WORKING GROUP. Consensus statement on 21- hydroxylase deficiency from the Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society and the European Society for Paediatric Endocrinology, 2002 Tratamento da D21-OH Forma não-clássica: glicocorticóides apenas para casos sintomáticos e/ou infertilidade. Formas perdedora de sal e virilizante simples: Reposição mineralocorticóide: Fludrocortisona, na dose de 0,05 a 0,2 mg/dia, podendo chegar até 0,3 mg/dia, dependendo da ingesta de sódio Suplementos de cloreto de sódio - 1 a 3g/dia (17 mEq/g de sódio): reposição de perdas por de aldosterona Controle e Acompanhamento da D21-OH Dosagem periódica de eletrólitos séricos, 17-OHP, androstenediona e testosterona. Mineralocorticóide: atividade plasmática de renina, sódio, potássio, aldosterona e renina. Avaliação da idade óssea anualmente. Tratamento da D21-OH Critérios de bom controle clínico: ausência de sinais de virilização ou de Cushing, Velocidade de Crescimento adequada e da maturação óssea. Normalização da 17-OHP não é objetivo do tratamento, mas indicador de dose excessiva de corticóide. Período pós-puberal: avaliar função gonadal (LH, FSH, testosterona, androstenediona, estradiol, progesterona e espermograma). Situações de Estresse A dose de glicocorticóide deve ser dobrada ou triplicada em caso de doenças febris agudas, vômitos, participação em esportes competitivos, extração dentária e trauma, retornando-se à dose de rotina assim que o organismo voltar às condições normais. Quando há intolerância à medicação oral, trauma grave ou antes de cirurgias, deve-se aplicar a hidrocortisona por via IV, IM ou retal. Carta de Urgência Relatório médico contendo o diagnóstico, tratamento habitual e orientação frente a emergências. Os familiares devem estar esclarecidos para a importância deste documento, que deve ser sempre apresentado aos médicos da emergência. Tratamento da D21OH Adolescentes e adultos: Prednisona ou prednisolona: 2 a 4 mg/m2/dia – dividida em duas doses Dexametasona: 0,25 a 0,375 mg/m2/dia – dose única ao deitar Observar sinais de síndrome de Cushing iatrogênica: rápido do peso, hipertensão arterial, estrias violáceas e osteopenia Estrogênio oral: irregularidade menstrual Tratamento da D21OH Correção cirúrgica da genitália: clitoroplastia associada à reconstrução da vagina, que pode ser feita em uma ou mais etapas. Recomenda-se que seja feita dos 2 aos 6 meses de idade pela facilidade da técnica Alternativa: adrenalectomia bilateral cirúrgica ou medicamentosa (mitotane) para meninas portadoras de mutações sem atividade enzimática e com controle hormonal difícil. JOINT LWPES/ESPE CAH WORKING GROUP. Consensus statement on 21- hydroxylase deficiency from the Lawson Wilkins Pediatric Endocrine Society and the European Society for Paediatric Endocrinology, 2000 DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO PRÉ-NATAL Gestações de risco: mães que já possuem um filho com a forma clássica de D21-OH. Objetivos: prevenir a hipertrofia, suprimir a adrenal fetal, evitando a virilização da genitália externa em fetos femininos afetados, prevenir a crise de perda de sal, proporcionar ajuste + fácil e rápido com doses de hidrocortisona no período pós-natal, mortalidade no sexo masculino. Como a diferenciação da genitália pode iniciar-se antes da 10a sem. de gestação, o tratamento deve ser iniciado assim que se confirmar a gestação (4a a 5a sem) e no máximo até a 9a semana. DIAGRAMA DE TRATAMENTO PRÉ-NATAL Mello MP, et al. Bases Moleculares da Hiperplasia Adrenal Congênita, 2002 Características das diferentes formas de Hiperplasia Adrenal Congênita Deficiência da 21-OH 11β-OH 17α-OH 3β-HSD Gene mutado CYP21 CYP11B1 CYP17 HS3DB2 Genitália ambígua ♀ ♀ ♂ ♂ Crise de perda de sal sim rara não sim Glicocorticóides Corticosterona normal Mineralocorticóides Andrógenos em ♂, em ♀ Estrógenos Relativamente em ♀ Relativamente em ♀ 17-OHP DOC, 11-DF DOC, Corticosterona DHEA, Pressão Arterial Metabólitos 17-Pregnenolona Adaptado de: WHITE, PC.; SPEISER, PW. Congenital adrenal hyperplasia due to 21-hydroxylase deficiency, 2000. HAC e CRESCIMENTO Principais fatores envolvidos no comprometimento do crescimento e da altura final na HAC por D21-OH Menezes, et al. Fatores que interferem no crescimento e na altura final de pacientes com hiperplasia congênita das supra-renais por deficiência da 21-hidroxilase, 2001 Abordagem da Alteração do Desenvolvimento Genital Avaliação inicial: história completa, exame físico, ultra-sonografia pélvica, cariótipo e dosagem da 17-OHP basal. Acompanhamento interdisciplinar: neonatologista, endocrinologista pediatra, geneticista, cirurgião pediatra, assistente social e psicólogo. Fluxograma da investigação laboratorial de recém-nascido com ADG e gônada não palpável com cariótipo 46,XX Castro M, Elias LL. Causas raras de pseudo-hermafroditismo feminino: quando suspeitar?, 2005. OBRIGADA!!!!!!!!!!!!!!!!!!