BREVE
REFLEXÃO
SOBRE
O
INSTIGANTE
OBJETIVIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Ney Stany Morais Maranhão
FENÔMENO
DA
BREVE REFLEXÃO SOBRE O INSTIGANTE FENÔMENO
DA OBJETIVIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Elaborado em 02.2010.
Ney Stany Morais Maranhão
Juiz Federal do Trabalho Substituto (TRT 8a Região). Graduado e
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Professor do Curso de Direito da Faculdade do Pará (FAP). Professor
Colaborador da Escola Judicial do TRT da 8a Região.
Afirma RUI STOCO que "a noção de responsabilidade pode ser
haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere,
responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de
responsabilizar alguém por seus atos danosos" [01].
Essa idéia de responsabilidade pelos atos praticados é uma
exigência natural imposta ao homem, surgindo, pois, como algo
impregnado mesmo à natureza humana, para o bem de toda a
sociedade.
CARLOS ALBERTO BITTAR adverte que "o ser humano, porque
dotado de liberdade de escolha e de discernimento, deve responder
por seus atos. A liberdade e a racionalidade, que compõem a sua
essência, trazem-lhe, em contraponto, a responsabilidade por suas
ações ou omissões, no âmbito do direito, ou seja, a responsabilidade
é corolário da liberdade e racionalidade" [02].
Tal responsabilidade, outrora apenas moral, também pode
assumir contornos jurídicos, sendo que a violação desses preceitos
jurígenos regedores de conduta passa a configurar a ilicitude - e o
dano praticado a outrem, em razão dessa ilicitude, por certo deve ser
reparado. SILVIO RODRIGUES, então, com precisão, fixa que o
princípio informador de toda a teoria da responsabilidade é aquele
que impõe "a quem causa dano o dever de reparar" [03].
Daí se conclui que o tema pertinente à responsabilidade jurídica
está umbilicalmente vinculado à reparação de danos.
Dessarte, com inteira propriedade ensina CRETELLA JR que "a
responsabilidade jurídica nada mais é do que a própria figura da
responsabilidade, in genere, transportada para o campo do Direito,
situação originada por ação ou omissão de sujeito de direito público
ou privado que, contrariando norma objetiva, obriga o infrator a
responder
com
sua
pessoa
ou
bens.
(omissis)...
Envolve
a
responsabilidade jurídica, desse modo, a pessoa que infringe a
norma, a pessoa atingida pela infração, o nexo causal entre infrator e
infração, o prejuízo ocasionado, a sanção aplicável e a reparação,
consistente na volta ao status quo ante da produção do dano" [04].
É esse o arquétipo básico do tema.
Cabe frisar, neste momento, que, até então, toda a temática
alusiva à responsabilidade civil sempre partiu da idéia de culpa (latu
sensu).
Daí
se
afirmar
a
prevalência,
como
regra
geral, da
responsabilidade civil subjetiva.
Essa
linha
subjetiva
norteou
os
ordenamentos
jurídicos
mundiais, sendo que o direito pátrio, que sempre buscou inspiração
nas legislações francesas, mormente no Código de Napoleão, também
adotou essa direção, fincando na busca da culpa o fundamento para a
existência da obrigação de reparar o dano causado, teoria essa que,
originalmente, credita-se aos juristas DOMAT e POTHIER.
CÁIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, nesse particular, leciona que
"a doutrina da culpa assume todas as versas de uma fundamentação
ostensiva e franca com o Código de Napoleão. Sobre este preceito a
corrente exegética assentou que o fundamento da reparação do dano
causado é a culpa. Os autores franceses desenvolveram-na em seus
caracteres e construíram por todo o século passado, e ainda neste
século, a doutrina subjetiva" [05].
O Código Civil anterior, de 1916, adotou expressamente essa
concepção – da responsabilidade subjetiva – eis que no bojo de seu
artigo 159 estava expressamente prevista a idéia de conduta culposa
do agente como pressuposto para o dever de indenizar.
O novel Código Civil, de 2002, ao que tudo indica, manteve-se
fiel à visão subjetiva ora em comento, preceituando no artigo 186
que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito".
A par disso tudo, também é escorreito afirmar que, em
determinadas
hipóteses
legalmente
especificadas,
também
fora
fixada, desde os primórdios de nosso ordenamento jurídico, em
paralelo, a responsabilidade chamada por objetiva, que também
surgiu
no
direito
francês,
precisamente
com
SALEILLES
e
JOSSERAND, no século XIX.
Dita teoria tem espeque não na idéia de culpa (aspecto
subjetivo),
mas
na
idéia
do
risco
(aspecto
objetivo).
A
responsabilidade então, em determinados casos, prescindiria da
noção de culpa, bastando que se pudesse estabelecer nexo etiológico
ou de causalidade entre o ato ilícito e o dano perpetrado.
Logo a doutrina cuidou de sistematizar o assunto, enquadrando,
a título de regra geral, como já exposto, a responsabilidade civil
subjetiva, cabendo à responsabilidade civil objetiva apenas aquelas
poucas hipóteses expressamente previstas em lei, em caráter
numerus clausus, demonstrando sua manifesta feição excetiva no
seio do ordenamento jurídico.
No Direito Brasileiro, como exemplo dessas disposições que
adotaram
a
teoria
do
risco,
fincando
estacas
para
uma
responsabilidade sem culpa, posso apontar a Lei n. 8.213/91, que
assegura indenizações previdenciárias independentemente de culpa
do acidentado, Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n.
6.938/81),
o
Código
Brasileiro
de
Aeronáutica
(Decreto-lei
n.
483/38), a Lei Antitruste (Lei n. 8.884/94), a Lei de Atividades
Nucleares (Lei n. 6.453/97) e as Leis n. 6.194/74 e 8.441/92, que
cuidam do seguro obrigatório de acidente de veículos – DPVAT,
dentre outras disposições.
Também a Lex Legum de 1988 assentou hipóteses de aplicação
de responsabilidade objetiva, nos casos da reparação de danos
praticados nas esferas pública (artigo 37, parágrafo 6º), nuclear
(artigo 21, inciso XXIII, alínea c) e ambiental (artigo 225, parágrafo
3º).
A responsabilidade baseada no risco, porém, recrudesceu suas
bases com o advento do famoso Código Brasileiro de Proteção e
Defesa do Consumidor – CDC (Lei n. 8.079/90), que, decididamente,
na minha ótica, iniciou uma verdadeira "reviravolta" no campo da
responsabilidade civil ao estabelecer uma responsabilidade ampla,
objetiva e solidária, de modo a açambarcar todos os integrantes da
cadeia de consumo.
O CDC, por incorporar a noção do sistema no fault e por
concretizar vetores protetivos e de justiça social, recebeu de JORGE
PINHEIRO CASTELO o honroso apelido de "o Código Civil da PósModernidade" [06].
Mas, se o CDC iniciou mudanças significativas no campo da
responsabilidade civil, o novo CC tratou de efetivá-las...
De fato, o novel diploma positiva a responsabilidade objetiva
em diversas de suas disposições, a saber: artigos 187, 933, 936,
937, 938 e 1.299.
Porém, o dispositivo de maior importância no campo da
responsabilidade civil sem culpa está, sem sombra de dúvidas, no
parágrafo único, do artigo 927, do CC, que dispõe: "Haverá obrigação
de
reparar
especificados
o
dano,
em
independentemente
lei,
ou
quando
a
de
culpa,
atividade
nos
casos
normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos
para o direito de outrem".
O legislador, cônscio da complexidade da vida moderna e diante
da multiplicidade dos casos que se afigurava praticamente impossível
ao lesado provar a culpa do agente, acabou por acolher orientação
normativa tendente a facilitar a reparação da vítima, fundamentandose, assim, em princípios de justiça, eqüidade, solidariedade e
socialização do direito, tudo em harmonia com a Constituição Federal,
que estabelece a dignidade da pessoa humana e a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária como, respectivamente, um dos
fundamentos e um dos objetivos da República Federativa do Brasil
(artigo 1º, inciso III, e artigo 3º, inciso I).
Vê-se que o comando legal acima destacado carrega consigo
dois pontos de abertura para a responsabilidade civil objetiva. O
primeiro, já tradicional, consistente em atribuir ao legislador a tarefa
de pontuar as hipóteses autorizadoras de aplicação desse sistema no
fault. O segundo, porém, constitui a grande novidade, porquanto abre
larga porta para que o próprio juiz aponte, sabiamente, caso a caso,
a ocorrência da espécie que reclamaria a aplicação do referido
preceito.
Perceba-se, ainda, que a dicção usada revela verdadeira norma
de conceito aberto, o que amplia ainda mais a possibilidade de
reconhecimento, por parte do julgador, da responsabilidade objetiva
em face das atividades que, dentro de seu prudente arbítrio,
enquadra como de risco.
Insta registrar, também, que o texto não explicita o que
pretende dizer quando faz menção a tais "atividades de risco",
cabendo à doutrina e à jurisprudência, então, a árdua tarefa de
estudar o tema e delimitar o alcance jurídico da referida expressão.
Isso, no meu sentir, constitui uma verdadeira revolução no
estudo da responsabilidade civil no Direito Brasileiro, no que sigo na
mesma senda dos jovens juristas PABLO STOLZE GAGLIANO e
RODOLFO PAMPLONA FILHO [07].
Tanto isso é verdade que, com o advento do novo Código Civil,
mormente em razão do disposto no parágrafo único de se artigo 927,
iniciou-se outro profundo e acalorado debate entre os estudiosos:
haveria tal comando legal verdadeiramente provocado profundas
mudanças na teoria da responsabilidade civil?
RUI STOCO, tangente a tal questionamento, afirma que "a
responsabilidade objetiva estabelecida no artigo mencionado é
exceção à regra, e como tal deve ser tratada, de modo que a
aplicação dessa teoria é restrita, posto estabelecida em numerus
clausus" [08].
Diferentemente, GUSTAVO TEPEDINO entende que, com o atual
Código Civil, foi estabelecido, no plano da responsabilidade civil, um
critério dualista: a responsabilidade com culpa (subjetiva) e a
responsabilidade sem culpa (objetiva). Sustenta o insigne jurista que
o artigo 186 e o parágrafo único do artigo 927 daquele Codex criam
regras distintas e, analisados sistematicamente, perpetram nova
visão, marcada por uma dualidade de critérios (IV Fórum Brasil de
Direito, realizado em Salvador/BA, palestra no dia 30.05.03).
De semelhante modo, leciona RAIMUNDO SIMÃO DE MELO que
"hoje a responsabilidade objetiva pelo risco no nosso sistema
brasileiro, a partir do novo Código Civil, é uma outra forma de
responsabilidade ao lado da responsabilidade subjetiva, não podendo
ser considerada como mera excepcionalidade" [09].
E mais: há ainda uma terceira corrente de entendimento, no
sentido
de
que,
diante
de
uma
sociedade
cujos
riscos
se
potencializam ao extremo, a responsabilidade objetiva, nesse novo
panorama jurídico, teria invertido aquela clássica polaridade, de
modo a se trombetear a necessidade de sua fixação como verdadeira
regra geral, atribuindo-se à responsabilidade subjetiva, então, uma
aplicação excepcional, pontual mesmo. Essa a posição de GUSTAVO
PASSARELLI DA SILVA [10].
Percebe-se, de todo esse contexto, que o ordenamento jurídico
caminha,
há
um
certo
tempo,
em
direção
à
objetivação
da
responsabilidade civil.
Noutras palavras: a idéia de culpa vem sendo afastada
paulatinamente do núcleo essencial da responsabilidade civil, a ponto
de se afirmar que, hoje, a responsabilidade objetiva não constituiria
um simples sistema excetivo, mas sim um sistema paralelo, de igual
valia e de semelhante feição normativa, ou até mesmo, quiçá, teria
gravitado para se constituir, agora, em verdadeira regra geral na
atual sistemática da responsabilidade civil no direito pátrio.
Trata-se, como se vê, de instigante reflexão.
Fica o convite ao aprofundamento do tema...
Notas
1.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª Edição,
São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 118.
2.
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade Civil nas
Atividades Perigosas, in Responsabilidade Civil – Doutrina e
Jurisprudência. Coord. Yussef Said Cahali, 2ª edição, São Paulo :
Saraiva, 1988, p. 93-95.
3.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Responsabilidade Civil.
11ª Edição, São Paulo : Saraiva, 1987.
4.
CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a obrigação de
indenizar. São Paulo : Saraiva, 1980, p. 7-8.
5.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade Civil. 2ª
Edição, Rio de Janeiro : Editora Forense, 1990, p. 19.
6.
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Material e Processual do
Trabalho e a Pós-Modernidade – A CLT, o CDC e as
Repercussões do Novo Código Civil. São Paulo : LTr, 2003.
7.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo
Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil. São Paulo :
Saraiva, 2003, p. 151.
8.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ª Edição,
São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 165
9.
MELO, Raimundo Simão de. Direito Ambiental do Trabalho e
a Saúde do Trabalhador: responsabilidades legais, dano
material, dano moral, dano estético. São Paulo : LTr, 2004, p.
203.
SILVA, Gustavo Passarelli da. A responsabilidade objetiva no
direito brasileiro como regra geral após o advento do novo
Código Civil. Portal jurídico jusnavigandi – http://jus.uol.com.br.
Acesso em: 21.02.2008.
Download

Breve reflexão sobre o instigante fenômeno da