REFLETINDO SOBRE A FORMAÇÃO DO(A) ESTUDANTE DE PEDAGOGIA
E SUA ATUAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: EXPERIÊNCIAS
COM AS LINGUAGENS DO TEATRO E DA LITERATURA
Simone CINTRA1
Eliane DEBUS2
RESUMO: Esta comunicação aborda aspectos do trabalho desenvolvido em uma das aulas de uma prática de
formação realizada com estudantes do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta
prática integra a pesquisa de pós-doutorado, em andamento, “Teatro, Literatura para a Infância e Prática
Educativa: diálogo entre fazeres”. Na referida aula, as estudantes vivenciaram um processo de criação cênica a
partir do poema “Rio na Sombra”, de Cecília Meireles. Junto ao relato deste processo construímos nossas
reflexões em interlocução com estudos produzidos sobre linguagem teatral, literatura e infância, interfaces da
arte com a formação de professores e no âmbito da Pedagogia da Infância. Como resultado dessas reflexões,
apontamos a parceria entre o estudo sobre a criança e os (re)encontros do(a) estudante de Pedagogia com a
atitude poética, como uma ação necessária e de grande contribuição à construção de saberes e fazeres referentes
à sua futura atuação na educação básica.
PALAVRAS-CHAVE: formação inicial de professores; educação básica; teatro; literatura para a infância.
1. Introdução: sobre a pesquisa e nosso foco investigativo
Abordamos, neste texto, aspectos do trabalho de formação e investigação que temos
desenvolvido por meio da pesquisa de pós-doutorado, em andamento, Teatro, Literatura para
a Infância e Prática Educativa: diálogo entre fazeres3. Para tanto, focamos nosso olhar sobre
uma das aulas da prática de formação por nós desenvolvida com estudantes do curso de
Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesta aula as estudantes
vivenciaram um processo de criação cênica a partir da fruição do poema Rio na Sombra, de
Cecília Meireles (2002). Junto à narrativa dessa vivência, construímos nossas reflexões,
buscando por relações entre a experiência da fruição e da criação artística e o processo de
construção de saberes e fazeres de futura(o)s professora(e)s de crianças.
No início de 2011, iniciamos uma parceria de trabalho junto a um projeto de extensão,
no qual desenvolvemos ações de formação continuada com professoras e bibliotecárias da
Secretaria de Educação de Florianópolis. Por meio dessas ações, entre outras práticas e
estudos, propusemos atividades de fruição e criação poética a partir de obras literárias,
produzidas em Santa Catarina. Das ideias e questões suscitadas durante esse nosso primeiro
encontro e trabalho conjunto, vislumbramos outras tantas, além da perspectiva de
continuidade e ampliação de nossos estudos e reflexões, no âmbito da formação de
professores. Nesse sentindo, a continuidade deu-se junto a pesquisa de pós-doutorado, já
citada, que é constituída a partir de duas ações complementares, configurando-se como uma
proposta de formação e de investigação ao prever a realização de práticas de formação inicial
de professores e a investigação do processo formativo desenvolvido. A proposta tem, ainda, a
1
Doutora em Educação; Estágio Pós-Doutoral – Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE/USFC.
Doutora em Letras; Professora do Centro de Ciências da Educação CED/USFC.
3
Desenvolvida junto ao Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE), da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), pela Profa. Dra. Simone Cristiane Silveira Cintra, sob a supervisão da Profa. Dra. Eliane
Santana Dias Debus, com apoio do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(REUNI).
2
1
formação artístico-cultural do educador da infância, assim como as inter-relações entre esta e
a construção de práticas educativas, como tema e foco do trabalho desenvolvido em ambas as
ações.
Durante o segundo semestre letivo de 2011, desenvolvemos duas práticas de formação
com estudantes do Curso de Pedagogia. A primeira, junto aos demais procedimentos teóricometodológicos da disciplina “Literatura e Infância” e, a segunda, como parte das atividades do
Grupo de Estudos do Programa de Educação Tutorial do Curso de Pedagogia (GEPET).
Atualmente, dedicamo-nos à investigação do processo formativo desenvolvido, constituindose este texto parte deste trabalho investigativo ao abrigar a reflexão de aspectos da prática
desenvolvida junto ao GEPET.
Ao começarmos as atividades, no primeiro encontro com o grupo, formado,
inicialmente, por 28 (vinte e oito) estudantes, todas mulheres, das quais 20 (vinte)
permaneceram até o último encontro, tivemos a dimensão de que aquele se tratava de um
reencontro nosso com a maioria das participantes. Somente as estudantes da 1ª fase do curso
não haviam participado de disciplinas ou oficinas por nós ministradas em outros espaços da
Universidade. Esse nos pareceu um dado importante, pois a escolha da maioria das estudantes
em participar do trabalho estava relacionada ao desejo de dar continuidade ao que já haviam
conosco experimentado, ou seja, as vivências expressivas com o teatro e a literatura para a
infância. Pudemos observar, com o decorrer das aulas, que o desejo era realmente
significativo, e que isso imprimia ao trabalho uma atmosfera de aceitação e entrega que
contagiava as alunas mais tímidas ou menos acostumadas a realizar atividades de criação,
principalmente, as teatrais.
A prática foi realizada em sete encontros, com duas horas e trinta minutos da duração,
organizados em torno do objetivo de proporcionar às estudantes uma vivência significativa
com elementos da linguagem teatral e da literatura para a infância, potencializando, assim,
experiências de fruição e criação poéticas. Todas as atividades estiveram pautadas em
vivências com elementos da linguagem teatral (elaboradas a partir do sistema de jogos teatrais
de Viola Spolin4 e de outros exercícios corporais; de brincadeiras tradicionais e cênicas) e em
propostas de criações cênicas, além de uma criação visual a partir da fruição de narrativas e
poemas produzidos para a infância.
Trazemos, a seguir, a narração das atividades realizadas junto ao poema “Rio na
Sombra”, de Cecília Meireles, a partir das quais buscamos dar visibilidade ao processo de
aproximação das estudantes com o teatro, a obra poética produzida para infância e o processo
de criação artística.
2. Vivências da prática de formação: fazer teatral, fruição e criação poética
A criação cênica, a partir do poema “Rio na Sombra”, aconteceu em nossa segunda
aula. Realizamos, primeiramente, um trabalho corporal, em uma sequência de atividades
individuais e coletivas, instituindo, assim, uma prática específica do fazer teatral: o
aquecimento que antecede as propostas de expressão e de criação cênica.
Iniciamos o aquecimento com uma atividade individual, na qual as alunas se
espreguiçavam, ativando e, também, relaxando cada parte do corpo, pois, “ao espreguiçar,
liberamos espaço em nossas articulações e equilibramos o tônus muscular no corpo, ou seja,
ao espreguiçar, relaxamos regiões tensas do corpo e tonificamos regiões muito relaxadas”
4
Sobre esse sistema ver (SPOLIN, 2008; 2001; 1999; 1987), (KOUDELA, 1990), (JAPIASSU, 2007; 2001),
(FARIA, 2011), entre outros.
2
(VIANA e STRAZZACAPPA, 2001, p.135). Depois, passamos para a atividade de
alongamento, realizando movimentos lentos e precisos, em cada parte do corpo.
Todos os movimentos foram sendo demonstrados fisicamente, junto a frases que
procuravam estimular as estudantes a deixarem-se surpreender com os próprios movimentos,
permitindo que o corpo conduzisse o espreguiçar e o alongar e, também, que bocejos viessem
à tona, na intenção de relaxar a musculatura facial e as cordas vocais.
A última etapa do alongamento foi realizada em duplas, com o intuito de facilitar os
movimentos musculares e, também, de impulsionar o contato corporal entre as estudantes.
Esse contato continuou a ser estimulado por meio das atividades seguintes, ficando mais
evidente durante a massagem nos pés e a caminhada com os olhos fechados.
Sentadas em roda, cada estudante massageava o pé da colega ao seu lado, ao mesmo
tempo em que recebia, de outra colega, a mesma massagem em seu pé. Naturalmente, essa
não foi uma atividade que teve a adesão de todas, muito menos, a aprovação. Algumas
optaram em observar a massagem ou em massagear os próprios pés. Outras, mesmo tendo
realizado a atividade, mostraram-se inquietas e apreensivas.
Durante a execução dessa atividade, conversamos sobre o objetivo daquela massagem,
que consiste na vivência de nossas (im)possibilidades de tocar, de se deixar tocar, de estar à
vontade com o nosso corpo e com o corpo do outro, uma vez que “a realização do trabalho
teatral se dá fundamentalmente com o corpo” (FARIA, 2011, p.127), permitindo o
“conhecimento do próprio corpo e uma ampliação das possibilidades de vivência dele e com
ele” (FARIA, 2011, p.127). A conversa, porém, não foi suficiente – e nem era essa a sua
finalidade – para aplacar a polêmica em torno da massagem nos pés. Em vários outros
momentos, a atividade foi mencionada, em caráter de adesão ou de descontentamento, tanto
oralmente como por meio dos registros produzidos pelas estudantes no final daquele encontro,
e em seus diários, entregues no encerramento da prática de formação.
Como última etapa do aquecimento, as estudantes caminharam com os olhos fechados,
em um pátio vazio próximo à sala, onde as aulas eram realizadas. Nesse pátio, coberto e
bastante extenso, com saídas para os jardins do Colégio de Aplicação da UFSC, cada
estudante experienciou caminhar sem utilizar o sentido da visão, sendo acompanhada por uma
colega que, de olhos abertos, permanecia ao seu lado sem, contudo, guiar sua locomoção. A
experiência foi realizada, primeiramente, dentro de um espaço delimitado e, depois, por todo
o pátio e arredores, possibilitando a vivência de diferentes sensações. Essa vivência pode ser
observada por meio das considerações feitas pelas estudantes sobre essa aula, algumas
transcritas a seguir, e identificadas numericamente por terem sido retiradas de diferentes
registros reflexivos:
Registro 1: Durante o passeio com os olhos fechados tive a constante sensação de
que iria encontrar uma parede em minha frente, e isto me causou uma sensação de
medo, desconforto, mas gostei muito de ter um amplo espaço para caminhar.
Registro 2: A atividade da “cegueira” faz com que possamos confiar na pessoa que
está ao nosso lado. Mesmo assim, por diversas vezes, tive a impressão de que
poderia cair.
Registro 3: Adoro fazer atividades em que temos que ficar de olhos fechados, é um
momento de entrega e confiança.
Registro 4: A atividade em dupla, em que um teria que fechar os olhos, foi
complicada para mim, pois não me sentia segura, apesar de ter alguém me ajudando.
Registro 5: Quando eu caminho de olhos fechados me dá um medo, sempre tenho a
impressão de que vou cair num buraco ou bater em algo, e eu gosto de sentir esse
“medo”, tipo adrenalina.
3
As sensações descritas pelas estudantes coadunam-se com o objetivo da atividade, uma
vez que, realizada como parte do aquecimento, tinha a intenção de potencializar a exploração
e a ativação de regiões do corpo, “normalmente pouco utilizadas como veículo de expressão”
(VIANA e STRAZZACAPPA, 2001, p. 135). Assim como as demais atividades de
aquecimento, essa enfocou esta ativação – que pode vir a ocorrer, tanto no sentido físico,
como no sentido sensorial – ampliando e fortalecendo as possibilidades expressivas das
estudantes para outra exploração: a do poema de Cecília Meireles.
O livro de poemas Ou isto ou aquilo foi mostrado às estudantes, e o poema Rio na
Sombra foi, primeiramente, lido em voz alta e, depois, exposto no chão para que todas
pudessem visualizá-lo ao mesmo tempo. Essa exposição foi feita em folhas de papel sulfite,
no tamanho A4, com as estrofes do poema escritas com letras de tamanho grande.
A segunda leitura foi realizada por todo o grupo, procurando articular bem as palavras,
como se brincássemos de trava-língua. A duas primeiras estrofes foram, então, tomadas como
material para a criação de sons e gestos, realizada por duas equipes.
A equipe A, criou e apresentou uma sequência de cinco sons a partir da primeira estrofe
do poema:
Som
frio.
Para a equipe B, foi proposta a recriação dos cinco sons, tornando-os “frios”, a partir da
maneira de emitir os sons, sem usar gestos, mudando apenas a forma de produzir os sons
vocalmente.
Após a apresentação dessa recriação, realizada pelas estudantes com muita
determinação e animação, a equipe B criou uma sequência de movimentos corporais para a
segunda estrofe do poema:
Rio
sombrio.
A sequência foi apresentada e, a partir dela, a equipe A escolheu um som para cada
movimento. Feita a escolha, as equipes uniram-se e apresentaram uma obra conjunta:
movimentos e sons inspirados nas e pelas palavras rio e sombrio.
Como última atividade com o poema Rio na Sombra, as estudantes, dividas em cinco
grupos, criaram pequenas cenas, inspiradas no poema completo, utilizando-se de variados
sons e movimentos. Essa foi a estreia das estudantes na criação cênica, a partir de obras da
literatura produzida para a infância, já que estávamos no segundo dia da prática de formação,
e o encontro anterior havia sido dedicado a jogos de apresentação pessoal e a uma atividade
de acolhimento – realizada a partir de elementos das artes visuais – das expectativas das
estudantes em relação ao trabalho. Uma brilhante estreia: alegre, concentrada, interativa,
difícil e favorecedora de percepções e aprendizados significativos sobre a criação poética e,
também, sobre o que essa criação suscita e potencializa em seus criadores.
Vejamos como essa gama de sentimentos, sensações e (auto)conhecimentos foi
tangenciada por algumas das estudantes em suas reflexões, produzidas no final do encontro
em que a atividade foi realizada, como também, em seus diários. Reproduzimos, a seguir,
trechos retirados de diferentes registros reflexivos:
Registro 1: Os poemas, além de serem interpretados com a voz, também, podem ser
interpretados com o corpo e o coração (diário entregue no final da prática de
formação).
Registro 2: Expressar o poema de Cecília Meireles, “Rio na Sombra”, foi uma
dificuldade terrível. A escuridão não permite enxergar a criatividade, foi necessário
sair da caverna em direção à luz! Senti-me amarrada pela falta de criatividade,
vergonha e medo de não saber como meu corpo poderia expressar o significado das
4
palavras. Nunca imaginei que um poema poderia transmitir tantas emoções e
sensações (registro produzido no final da aula).
Registro 3: O exercício de montar uma apresentação com o poema “Rio na Sombra”
de Cecília Meireles foi ótimo. As meninas sugeriram usar uma música que meu pai
cantava para mim e meus irmãos quando éramos pequenos e isto significou muito
para mim (diário entregue no final da prática de formação).
Registro 4: Gostei da brincadeira com o poema; nela pudemos usar os movimentos
do nosso corpo para expressar sons, isso é muito bom! (registro produzido no final
da aula).
Registro 5: Montar as cenas do poema foi muito interessante, pois percebi que as
ideias se encontram e se harmonizam, mesmos em ‘pessoas diferentes’ (registro
produzido no final da aula).
Registro 6: Gostei de ter feito esta atividade em grupo, porque dá a possibilidade de
criar, improvisar, utilizando recursos como música, sons, gestos. É um exercício que
exige se soltar e se mostrar para o outro, tentando perder a vergonha e desfrutando
do momento que está apresentando. Na apresentação, senti um pouco de vergonha,
mas foi bom! (registro produzido no final da aula).
Nos dizeres das participantes fica evidenciado o quanto a atividade “mexeu” com a
sensibilidade estética. Brincar com o corpo e com a linguagem poética, descobrindo que o
poema tem movimento, um movimento que não se concretiza somente nas páginas do livro,
mas se estende pelo corpo (ultrapassa a voz e se ramifica na atitude corporal). A metáfora da
Caverna para um encontro de luz, e por que não dizer, de liberdade ao descobrir em si outro
potencial que não aquele já visível. No (in)visível, o encontro com a emoção e com sensações
desconhecidas. Descobrir, pela memória afetiva das relações cotidianas, o diálogo com o fazer
poético – a estudante que descobre na voz paterna de ontem o seu fazer de hoje.
No “desavergonhamento” provocado pelo exercício com a palavra poética – um estar
em lugar até então desconhecido – alargam-se os passos para outro itinerário, constroem-se
pontes para outras travessias.
3. Experiências de fruição e de criação artística
e a construção de saberes e fazeres de educadora(e)s da educação infantil
Consideramos, de modo mais pontual nesta reflexão, questões voltadas,
particularmente, para formação e a prática educativa daqueles que se dedicam ao trabalho na
educação infantil - primeira etapa da educação básica e responsável pela educação e cuidado
de crianças de 0 aos 6 anos de idade. Priorizamos, como nossos interlocutores, estudos que
abarcam “[...] uma concepção de criança como sujeito social de direitos, um ser completo em
si mesmo, que pensa, se expressa por meio de múltiplas linguagens, que produz cultura e é
produzido numa cultura” (ROCHA e OSTETTO, 2008, p. 104) e adotamos, como foco
reflexivo, a questão das diferentes linguagens da infância e sua importância na educação
infantil, assim como, na formação docente para a educação infantil
A linguagem que nos é próxima, a que utilizamos na maior parte do tempo, apesar de
necessária na orientação de muitas das instâncias do nosso dia a dia, também nos traz
prejuízos por sua soberania quase extrema. Essa linguagem soberana trata-se – nas palavras
de Marilena Chaui (2009) – da “linguagem-instrumento” (p.189). Retomando Sartre, a
estudiosa destaca que o distanciamento de uma linguagem instrumento se dá a partir de uma
“atitude poética”, as palavras deixam de ser “meros signos ou sinais estabelecidos” (CHAUI,
5
2009, p. 189) e são presentificadas no seu estado “selvagem”. Poderíamos aqui lembrar
Manoel de Barros quando p(r)o(f)etiza que “a poesia é a infância da língua” (2010, p. 2).
As crianças, de modo geral, e as pequenas, em especial, assim como os artistas, quando
criam suas obras, vivem a atitude poética, distanciando-se da “linguagem-instrumento”.
(CHAUI, 2009, p. 189). Essa aproximação da linguagem própria da criança pequena com a
“linguagem do poeta, do romancista, do contista, [que] é uma linguagem instituinte, criadora,
inventora de significações novas, uma ‘fala falante’” (CHAUI, 2009, p.189), foi, também,
apontada por Oliveira (2008), ao discorrer sobre educação, arte e processos imaginativos:
[a] intensidade, provocada pela novidade, pelo olhar curioso, pela “liberdade” do
criar, do combinar e ver simultaneamente “isto e aquilo” e do emocionar-se
intensamente diante das coisas do mundo, é uma forma de pensar e agir das crianças
pequenas. Assim, podemos dizer que a imaginação criadora e poética institui a
forma de ser criança, ao mesmo tempo em que por ela é instituída. É a maneira
singular e coletiva de falar do mundo, de ver, simbolizar e estar nele com seus pares,
com os adultos, com a natureza e com a cultura. É central em sua forma de produzir
cultura (OLIVEIRA, 2008, p.24) (grifos nossos).
Como sintetiza essa autora, não é possível dissociar “a imaginação criadora e poética”
dos processos de constituição da criança pequena. E essa nos parece uma questão pontual na
formação de professora(e)s da pequena infância. Porém, temos de considerar que, apesar de
pensar poeticamente, não existe na criança a intenção de fazer poesia (ALBANO, 1993, p.39).
Essa é uma intenção que só pertence à cultura e às possibilidades do adulto quando este deseja
e faz poesia, já que “uma qualidade de infância, de ser criança, com toda a potencialidade da
infância, é mais do que fazer poesia. É ser um Ser em estado de poesia” (KIRINUS, 2011, p.
32). Assim como, não podemos esperar que o adulto volte a pensar, sentir, simbolizar e
representar o mundo como uma criança. As culturas infantis pertencem ao mundo infantil,
muito embora, construam-se na relação com a cultura e o mundo adulto. O que podemos é
buscar potencializar o reencontro do adulto-educador com suas próprias dimensões criadoras
e imaginativas, na perspectiva que esse reencontro traga implicações ao seu processo de
conhecer a criança, seus modos de ser, pensar, expressar-se.
O fato de darmos pouca importância ou pouca vazão, em nossas vidas adultas, às
dimensões criadoras, lúdicas, imaginativas que nos constituem como humanos e que, por sua
vez, constituem-se na “forma central de a criança produzir cultura”, estabelecendo-se como a
sua “maneira singular e coletiva de falar do mundo, de ver, simbolizar e estar nele com seus
pares, com os adultos, com a natureza e com a cultura” (OLIVEIRA, 2008, p.24), acaba por
nos afastar das culturas infantis, chegando mesmo a causar estranhamentos no adultoeducador, quando este se depara com a criação, a imaginação, a ludicidade da criança pequena
que, como abordamos antes, vive em plena atitude poética e não só quando o educador diz
que está na hora de criar, imaginar, fantasiar. Diferentes autores (ALBANO, 1993; CINTRA e
ALBANO, 2010; DEBUS, 2006; LEITE e OSTETTO, 2004; OSTETTO, 2006; SILVA,
2006; ZANELLA et al. 2006, entre outros) têm refletido sobre a necessidade e as
possibilidades de amenizar esse afastamento entre o adulto e os modos de ser da infância.
Uma dessas possibilidades encontra-se, justamente, na realização de práticas de formação
docente que buscam, por meio das linguagens da arte, potencializar o reencontro do adultoeducador com suas dimensões criadoras, lúdicas e imaginativas.
Potencializar esse reencontro foi o que também nós procuramos fazer durante a prática
de formação aqui focalizada. A possibilidade de (re)encontro com a dimensão poética parecenos essencial ao processo de construção de saberes e fazeres de professora(e)s da educação
infantil, podendo ocorrer por meio de práticas de formação docente que visem, entre outros
procedimentos, a formação artístico-cultural de professora(e)s e de futura(o)s professora(e)s
6
de crianças. Esta formação tem sido objeto de estudo e reflexão de vários autores (DIAS,
2007; OSTETTO 2006; TRIERWEILLER, 2008, entre outros). Para Ostetto (2006), a
formação artístico-cultural de professores consiste em pensarmos
[…] uma proposta que envolva um conjunto de vivências e experiências de natureza
diversa daquela em curso na educação acadêmica (quer dizer, sob o primado do
intelecto), abrindo-se à validação de outros modos de conhecer, qualificando
sensibilidade, sentimento e intuição. Que não descarta o estranho, o
incompreensível, o inexplicável; que traz, por isso, a pluralidade, acolhe a
incompletude e deixa-se mostrar à diferença (p.232).
Nesse sentido, aproximar professora(e)s e futura(o)s professora(e)s de crianças da arte e
da cultura consiste, também, em pelearmos contra a hegemonia de ações cotidianas e de ações
de formação docente, inicial e continuada, exclusivamente centradas nas relações práticasutilitárias (ZANELLA, 2006, p.144), potencializando a aproximação e a experimentação nas
diferentes linguagens artísticas e de diversas formas: produzindo, apreciando, conhecendo,
discutindo arte e cultura com o mesmo valor atribuído às demais áreas do conhecimento. Uma
peleia para muitos e que já vem ocorrendo há algum tempo, porém, por poucos.
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