XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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ATIVIDADE MATEMÁTICA NO PROCESSO FORMATIVO DO
PROFESSOR
Marisa da Silva Dias
Faculdade de Ciências - UNESP
Resumo. O enfoque deste texto é apresentar as reflexões teóricas e as primeiras análises
de uma pesquisa que tem como tema geral a apropriação dos modos de ação docente
para a organização do ensino e cujo objetivo é investigar a atividade matemática do
licenciando, quando este se envolve em uma atividade orientadora de ensino. No
desenvolvimento da pesquisa, considerou-se a articulação das disciplinas Prática de
Ensino e Estágio Curricular Supervisionado como um ambiente didático-pedagógico
favorável para esta investigação. Os sujeitos são estudantes do terceiro ano do curso de
licenciatura em matemática de uma universidade pública do estado de São Paulo. Os
aportes teóricos fundamentam-se na perspectiva histórico-cultural e no materialismo
histórico e dialético, notadamente a teoria da atividade, os quais definem a dialética na
qual o ser humano se constrói. A pesquisa é qualitativa com princípios colaborativos,
por esse motivo o professor-pesquisador considera-se também sujeito. Os
procedimentos teórico-metodológicos guiam-se principalmente pela atividade
orientadora de ensino, tanto na organização da proposta de ensino quanto da coleta de
dados. Os primeiros resultados referem-se à apropriação e à objetivação do conceito de
base numérica, inicialmente manifestos por meio da solução encontrada a partir de uma
situação-problema envolvendo tal conceito na escrita numérica. Nas ações da atividade
matemática dos sujeitos estão presentes os conceitos de regularidade, contagem, sistema
posicional, numeral, algarismo, correspondência, sequência numérica, generalização,
função, ordenação e cardinalidade. Os aspectos principais da análise referem-se à
dialética da matemática a ensinar e à matemática aprendida pelos sujeitos. Com isso,
busca-se contribuir com a formação inicial do futuro professor de matemática
considerando o processo de humanização e a criação e desenvolvimento das funções
psíquicas superiores.
Palavras-chave: Atividade matemática; Base numérica; Atividade orientadora de
ensino; Prática de ensino; Didática da matemática.
1. Introdução
Este texto refere-se aos primeiros resultados de uma pesquisa em
desenvolvimento interligada ao projeto do grupo de pesquisa GEPAPe – Grupo de
Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica. A problemática de investigação do
grupo está em pensar os limites e as possibilidades de realização da atividade
pedagógica, na escola e em outros espaços formativos, que efetivamente promova o
desenvolvimento humano dos sujeitos que dela fazem parte. Tal problemática é reflexo
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de estudos e experiências dos membros do grupo que, como educadores, trabalham para
qualidade do ensino, uma vez que ter acesso à escola não garante a apropriação da
cultura herdada.
Um dos objetivos do projeto do grupo é a investigação dos processos de
apropriação realizados por professores, relacionados aos modos de ação docente para a
organização do ensino. Insere-se, nesse objetivo mais amplo, a pesquisa a que se refere
este texto, com a especificidade na formação inicial de professores de matemática.
No desenvolvimento da pesquisa, considerou-se que a articulação das disciplinas
Prática de Ensino e Estágio Curricular Supervisionado é um ambiente didáticopedagógico favorável para esta investigação, uma vez que, os objetivos das disciplinas
contemplam discussões e reflexões sobre a ação docente na dialética teoria e prática.
Além disso, possibilita o planejamento e a execução de intervenções para o ensino de
matemática. É nesse ambiente que professor e licenciandos desenvolvem ações que
subsidiam elementos para organização do ensino. Assim, o objetivo da pesquisa é
investigar a atividade matemática do licenciando, quando este está envolvido em uma
atividade orientadora de ensino.
Os sujeitos são professor e estudantes do terceiro ano do curso de licenciatura
em Matemática de uma universidade pública de São Paulo (Brasil). Os primeiros
resultados referem-se a uma proposta desenvolvida para abordagem do conceito de base
numérica em aulas da disciplina Prática de Ensino.
A pesquisa é qualitativa com princípio colaborativo (MOURA, 2004), o
pesquisador é sujeito no processo de investigação, uma vez que é docente da disciplina
e, como tal, desenvolve uma atividade orientadora de ensino, que organiza,
intencionalmente, o espaço de aprendizagem. Essa abordagem metodológica tem como
objeto o movimento de formação do professor na coletividade e tem por princípio que
O método de apreensão dos fenômenos da formação não pode
ser aquele que congela o objeto-formação ou que o toma como
uma fotografia. Devemos apreendê-lo em movimento, pois o
sujeito muda de qualidade a cada troca de significados nas ações
educativas (MOURA, 2004, p. 265).
Moura (2004) também resignifica alguns conceitos abordados por Caraça (1998)
para o estudo da formação, são eles o de isolado, o de interdependência, o de fluência e
a dialética qualidade-quantidade. O isolado caracteriza o recorte da realidade que
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possibilita o estudo de um fenômeno. A delimitação do isolado prevê a análise das
interdependências que direcionam o fenômeno, que são responsáveis pelo seu
movimento, sua fluência.
A análise das interdependências é dada pela qualidade na relação, por exemplo,
[...] a aula é para o professor a intenção de educar o aluno. Já
para este, a aula tem a qualidade de ser um conteúdo de
aprendizagem na direção da intenção do professor. A aula para o
dono da escola pode significar despesa porque para o professor
significa receita (MOURA, 2004, p. 268).
Esses princípios organizam a coleta de dados, uma vez que ao longo do
desenvolvimento da pesquisa poder-se-á analisar vários isolados. O isolado aqui é
delimitado por uma atividade matemática que se insere em uma atividade orientadora de
ensino com enfoque no conceito de base numérica sintetizado no numeral. Além disso,
há uma subdivisão metodológica na coleta de dados descrita ao longo do texto que
esclarece o recorte necessário considerando a delimitação exigida para este texto.
2. Perspectiva histórico-cultural
A prática no senso comum muitas vezes está relacionada a ações e até ao
utilitarismo. No âmbito dos cursos de licenciatura, sobretudo nas disciplinas de Prática
de Ensino, há vertentes que consideram práticas educativas, muito próximas a um
ativismo, um saber como se faz, um “saber fazer”, predominantemente com a busca de
exploração de materiais, supervalorizando a manipulação, o lúdico. Essa concepção
aparece nos cursos de licenciatura, pois os licenciandos, sujeitos da pesquisa, ao
iniciarem em tais disciplinas, expressam de alguma forma essa expectativa, aliada a
busca de um modelo de aula que os permitam alcançar o sucesso na relação ensinoaprendizagem escolar. Esse é o primeiro desafio do professor de Prática de Ensino
quando trabalha na perspectiva histórico-cultural, buscar não somente verbalizar o que
compreende essa perspectiva, mas atuar na prática de sala de aula de forma a
experenciar a relação teórico-prática.
Tal posicionamento teórico compreende o outro e a si mesmo como seres
humanos inacabados, em processo constante de apropriação e objetivação. Em
particular, na aula, professores a estudantes desenvolvem processos específicos.
As categorias de humano e atividade referidas aqui não são as do senso comum,
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ser humano não significa nascer homem ou mulher, ser humano requer um processo de
humanização.
Embora haja várias explicações e significados para esse processo,
considerando as diversas áreas que estudam o ser humano, filosofia, sociologia,
biologia, antropologia, psicologia; neste trabalho toma-se o posicionamento que tem por
base o materialismo histórico e dialético e a psicologia histórico-cultural, cujos
expoentes são Marx e Vigotsky respectivamente. Vale lembrar que a teoria históricocultural tem sua formulação fundamentada na epistemologia do materialismo histórico e
dialético.
Nessa perspectiva, o homem vai se humanizando a partir das apropriações
culturais desenvolvidas pelos seus antecedentes. Não iremos transcrever os primórdios
do processo de humanização já desenvolvido pelos seus autores, porém destaca-se o
fato desse processo ser histórico e mediado. Por esse motivo, o ser que nasce hoje não
necessita inventar a faca, ou outros instrumentos, materiais ou teóricos, criados pelos
seus antecedentes, porém necessita apropriar-se deles, para que possa objetivá-los.
A apropriação não é simplesmente aprender a fazer, nem a objetivação é
reprodução no sentido de cópia de procedimentos. Apropriação e objetivação são
conceitos que expressam a dinâmica dialética na qual o ser humano se constrói.
Apropriação é um processo ativo do homem com o objeto ou fenômeno, capaz de
reproduzir os traços essenciais da atividade humana acumulada no objeto ou fenômeno
LEONTIEV, 1964?). Considera-se reprodução uma formação, uma atividade mental e,
por isso, não é passiva, é uma produção. Na reprodução está o pensar, este que capta o
conteúdo, generaliza-o, sistematiza-o, aperfeiçoa-o e reconstrói-o. Por isso a reprodução
é o resultado de sua própria elaboração do reproduzido, cuja essência é ideológica
(RUBINSTEIN, 1976, p. 47).
Isso quer dizer que não basta saber copiar procedimentos perceptíveis de um
fenômeno, ou contemplar um objeto para apropriar-se dele, é necessário desenvolver
uma atividade. Da mesma forma que o homem se humaniza apropriando-se do produto
da história social de gerações precedentes, ele se objetiva no interior da mesma. A
objetivação é um processo no qual o homem se (re)produz e produz cultura.
O conceito de atividade neste trabalho fundamenta-se, sobretudo, na Teoria da
Atividade de Leontiev (1964?, 1983, 1988). Leontiev ao estudar
a origem, o
funcionamento e a estrutura do reflexo psíquico da realidade, para sistematizar a
psicologia como área de conhecimento, buscou compreender quais categorias seriam
essenciais, tomando como base o materialismo histórico e dialético. Para esse fim,
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definiu como principais categorias a atividade, a consciência e a personalidade, as quais
não são independentes, porém nesse trabalho enfoca-se somente a categoria da
atividade.
Na atividade se articulam necessidade, motivo, objeto, ação e operação do
indivíduo. A necessidade é o princípio da atividade, é ela que movimenta o ser humano
em busca da obtenção do objeto dessa necessidade. Esta não se refere somente às
condições básicas para sobrevivência, mas como salientou Marx, o ser humano cria
necessidades para si, e, por sua vez, as necessidades criadas e reproduzidas pela cultura
tornam-se primordiais para o homem humanizado.
As ações da atividade podem ser externas ou internas (psíquicas), e estão
dirigidas a obtenção do objeto que irá satisfazer a necessidade. As ações desenvolvemse nas e dependem das condições objetivas, ou seja, estas definem operações possíveis.
O motivo existe por que há uma ligação entre a necessidade e a existência do objeto que
a satisfaz, pois na ausência deste não há atividade e não há motivos para executar ações.
Desse modo a atividade é a própria condição de o homem humanizar-se.
Tomar a psicologia histórico-cultural por base no ensino escolar, não significa
tratar-se de uma perspectiva psicolonizante, mas sim a compreensão de que o ensino
não existe sem a aprendizagem compreendida como o desenvolvimento das funções
psíquicas superiores (VYGOTSKI, 1995).
3. Atividade matemática
A noção de atividade matemática (DIAS, 2010) fundamenta-se na Teoria da
Atividade, bem como nos princípios da psicologia histórico-cultural como já descritos.
É uma atividade particular da atividade humana e se caracteriza neste trabalho na
confluência de duas outras, a do professor, a atividade orientadora de ensino (MOURA,
1996, 2001, 2010) e a do estudante, atividade de estudo (DAVÍDOV, 1988).
A atividade orientadora de ensino tem como objeto a organização do ensino, a
fim de atender a necessidade de ensinar, e como ação (ou conjunto de ações), o modo de
colocar os conhecimentos a ensinar no espaço educativo. Ao longo da atividade estão os
processos de análise e síntese os quais permitem, tanto ao professor quanto aos
estudantes, avaliarem o ensino e a aprendizagem. A intencionalidade desta atividade é
mobilizar o estudante, na orientação de suas ações, para que ele se aproprie do
conhecimento novo e objetive seus conhecimentos, ou seja, que ele entre em atividade
de estudo. É por meio do estudo que o estudante propicia as relações inter e
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intrapsíquicas capazes de gerar e desenvolver funções psíquicas superiores relacionadas
ao conhecimento científico, propósitos da educação escolar.
Neste texto, o enfoque é analisar as ações dos estudantes de licenciatura em
matemática, a partir dos conceitos teórico-metodológicos do professor-pesquisador,
capazes de identificar a atividade matemática que possibilite a apropriação da
matemática a ensinar.
Supõe-se muitas vezes que a matemática a ensinar é a mesma que o licenciando
sabe, que aprendeu no decorrer da escolarização e que, por isso, as disciplinas de Prática
de Ensino não precisam discutir conceitos matemáticos. Porém, o conhecimento
matemático de estudantes universitários, e mesmo concluintes, tem revelado (DIAS,
2007) não ser suficiente para proporcionar o desenvolvimento conceitual de estudantes
da Educação Básica, considerando propósitos que ultrapassam somente o saber fazer.
Para compreender um conceito matemático como atividade
humana não basta conhecer uma definição e operacionalizá-la
na resolução de problemas, mas sim compreender os traços
principais que originaram tal conceito, sua essência, bem como
àqueles que determinaram seu desenvolvimento. É nesse sentido
que se caracteriza a aproximação da atividade matemática
desenvolvida pela humanidade à sua apropriação pelo sistema
educacional. (DIAS, 2010, p. 6)
No processo de criação de um conceito matemático há uma necessidade humana,
um motivo e condições determinadas que o constituiu. A matemática a ensinar não
segue passos idênticos à história da matemática, porém é uma síntese dessa, que está
objetivada na nossa cultura. Nesse sentido, a atividade matemática escolar busca
compreender os aspectos essenciais da história da matemática com a finalidade de
apropriação do conhecimento nela constituído. Dias (2007, 2010, 2011) tem indicado o
movimento lógico-histórico como contributo para organização do ensino da matemática,
com essa finalidade. Este texto não se dirige à análise da elaboração de propostas
didáticas e sim uma fase posterior, à dos resultados de uma proposta específica.
3.1 Atividade matemática: conceito de base numérica
Sabe-se pela história do número (IFRAH, 1998) que sua escrita, os numerais,
tiveram sua diversidade e também sofreram muitas transformações. A proposta a que se
refere este trabalho não se direciona ao conhecimento das escritas desenvolvidas pelas
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civilizações ao longo da história, e sim, a compreensão de como o numeral sintetiza o
conceito de base num sistema numérico posicional. As operações numéricas
fundamentam-se no conceito de base, por isso a defesa da apropriação desse conceito
pelo professor. Assim, este poderá desenvolver situações didáticas a fim de que seu
futuro aluno da Educação Básica também se aproprie desse conceito.
Considerando os sujeitos, a intencionalidade foi envolvê-los em uma situação
didática na qual teriam que pensar em uma base diferente da utilizada no nosso sistema
numérico, ou seja, diferente da base dez. A base dez, ou decimal, está sintetizada no
pensamento deles de tal forma que uma proposta com essa abordagem dificultaria a
percepção de aspectos essenciais que a formam. Aspectos também essenciais para a
apropriação das crianças da Educação Básica, e, por isso pertencentes à matemática a
ser ensinada.
As ações foram planejadas para dois momentos, primeiro a apresentação de um
problema desencadeador denominado “carta Caitité” (MOURA, 1992) com a devida
carta-resposta. A opção de usar uma carta teve a intenção de colocar em prática o uso de
recurso didático capaz de permitir ao estudante, futuro professor, uma análise para sua
própria prática. A forma em que foi organizada a proposta da carta foi pensada
considerando tanto o conteúdo matemático quanto o gênero discursivo. O segundo
momento foi a discussão das produções do ponto de vista didático e matemático com a
reescrita da carta-resposta.
A carta é uma simulação do professor dirigida aos seus estudantes universitários.
Nela o professor conta que ao participar de um seminário, dois outros professores
apresentaram um trabalho sobre o sistema de numeração da comunidade Caitité
(fictícia). Nesta apresentação, eles disseram que a comunidade representava as
quantidades de um a doze, nessa ordem, com a seguinte escrita:
, +, N,
I,
,
+,
N, +I, + , ++, +N, NI. Descobriram também que já tinha um símbolo para o zero: I.
O professor na carta desafia os estudantes a descobrir a lógica do sistema de
numeração daquela comunidade como também duas outras questões. A primeira solicita
aos estudantes que traduzam para o nosso sistema o preço de um animal que na escrita
Caitité era +N
e, a segunda, que transformem 23 e 203 para escrita Caitité.
As respostas deveriam ser escritas considerando o gênero discursivo de uma
carta. A intencionalidade didática do uso da escrita para a resposta, por um lado, foi de
favorecer o desenvolvimento da organização de idéias e produção de sistematizações na
explicação de conceitos matemáticos, procedimento necessário para a formação do
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professor. Por outro lado, foi trabalhar com a própria escrita numérica de um sistema
que não é conhecido, mas que possui a mesma lógica do nosso sistema de numeração.
Com isso, é possível ao futuro professor compreender e discutir algumas produções de
escrita numérica dos estudantes da Educação Básica, bem como de dificuldades na
aprendizagem das operações.
Os sujeitos se organizaram em cinco grupos de, em média, cinco integrantes,
totalizando vinte e cinco. Cada grupo recebeu uma cópia da carta, eles leram, discutiram
e escreveram sua resposta. As cartas produzidas foram analisadas e discutidas (segundo
momento), em seguida os grupos refizeram a carta. Dos cinco grupos formados
inicialmente, três deles participaram dos dois momentos; um teve alteração dos seus
membros sendo que somente um estudante compareceu nos dois momentos e, os
integrantes do outro grupo não compareceram mais na disciplina.
Das cinco respostas produzidas no primeiro momento, duas iniciaram pela busca
da generalização do sistema de numeração da comunidade Caitité e três pelas
transformações dos numerais 23, 203 e +N
de um sistema a outro. Este texto mostra
as análises de duas respostas, uma, denominada K, que iniciou por uma generalização e
outra, denominada W, que iniciou pela transformação de numerais. Essas são
representativas das principais idéias desses dois grupos de respostas.
A resposta W inicia com a afirmação de que a comunidade Caitité “trabalha em
função da base 4” e essa conclusão foi obtida pela análise das representações de um a
doze do sistema da comunidade. Em seguida há as transformações de base dos números
23, +N
e 203, nessa ordem. No fim, há uma tabela com os cabeçalhos: sistema
decimal, símbolos e sistema Caitité. Na primeira coluna estão dispostos em sequência
os numerais de 0 a 23, na segunda os numerais de I a
N e na terceira os numerais 0,
1, 2, 3, 10, 11, 12, 13, 20, 21, ..., 113, ou seja, os numerais indo-arábicos considerando
base quadro. No topo da tabela há a indicação de ser essa uma generalização da
mudança de base “segue abaixo a linha de raciocínio de como fazer a mudança de base”
(W).
Observou-se que a tabela, embora apresentada no final da carta, serviu para
responder como seria o numeral Caitité correspondente ao nosso 23, última linha da
tabela. Na organização da resposta, primeiro há a afirmação “23 na base 4 corresponde
ao número 113”, em seguida aparece a correspondência dos algarismos indo-arábicos 1,
1 e 3 com os respectivos no sistema Caitité:
da tabela: 23,
,
e N. Isso confere com a última linha
N, 113.
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O raciocino da correspondência de algarismos de um sistema a outro é mediado
pela transformação de base utilizando os algarismos do nosso sistema. Da mesma forma
segue a transformação de +N
em 231, “correspondendo na base 10 ao número 45”.
Não há maiores informações em W de como o grupo fez essa transformação, porém,
quando lhe foi questionado (segundo momento) afirmou ter sido da mesma forma que
consta na tabela.
Quanto ao 203, aparece somente a afirmação “203 na base 4 corresponde a
3023” (W), e com a correspondência de algarismos finaliza com a escrita NI+N. O
grupo afirmou (segundo momento) que para esse item também utilizou a lógica da
tabela, porém fazendo alguns saltos na sequência numérica ao perceber a regularidade.
Tanto na resposta W quanto na K a escrita do número é tratada como símbolo ou
representação, ou simplesmente número, a palavra numeral não aparece. Neste texto,
quando se trata da interpretação da escrita numérica utiliza-se a palavra numeral.
Embora o numeral contenha a síntese do conceito de número, este é mais amplo.
Utiliza-se também o termo posição para mostrar que no numeral 12, 2 está na primeira
posição e 1 na segunda.
A resposta K inicia com a análise da regularidade em que os algarismos
aparecem nos numerais na sequência apresentada na carta, “A partir do quarto número
N=3, consiste em utilizar o número um com o zero ( I) = 4...” (K). O raciocínio segue
na busca de encontrar a quantidade de numerais com dois algarismos, ao afirmar que
essa sequência termina em NN. Para isso, deduz que a regularidade chega “a fórmula
função f(x) = 4x”. Não há explicação do significado das variáveis nem o domínio da
função. Porém, a expressão “como temos três números então temos: f(x) = 4.3 =12” (K)
indica que x varia de 1 a 3, correspondendo a quantidade de numerais da sequência
numérica
, + e N.
Embora tenha utilizado o registro algébrico de função, a não explicitação dos
outros elementos necessários para defini-la indica que a idéia principal está relacionada
à Análise Combinatória, pois o objetivo do grupo foi encontrar a quantidade de
associações dos algarismos com duas posições no numeral. Isso acarreta em três
possibilidades para segunda posição (excluindo-se o zero) e quatro para a primeira.
A conclusão apresentada em K é que esses doze numerais, resultantes da
combinação, somados aos três, de um algarismo, resulta na identidade NN = 15.
Continuando com esse raciocínio, afirma que há dezesseis numerais com três
algarismos cuja terceira posição é
. Para saber o número correspondente na base dez,
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K apresenta a soma quinze obtida na sequência anterior com dezesseis, resultando trinta
e um. Como trinta e um é maior que vinte e três, está escrito em K: “então fazemos
manualmente a partir do número 15”. Compreende-se por manual que o grupo fez a
contagem um a um.
A lógica se manteve para as transformações de sistema de numeração dos
numerais +N
e 203, ou seja, utilizar a análise combinatória para avançar na sequência
numérica mais rapidamente e a contagem um a um para avanços ou retrocessos mais
próximos. Para isso, além de registros aritméticos, mais duas vezes são utilizados os
registros algébricos, “f(a) = 48” e “f(x) = 4.16 = 64”, também para a contagem da
quantidade de numerais na sequência numérica.
Ambas as respostas enfocaram a regularidade da sequência numérica, ou seja, o
conceito de ordenação. Nenhuma das respostas apresentou uma generalização para o
sistema numérico da comunidade considerando a síntese teórica do conhecimento
científico.
Inicialmente, foram considerados dois grupos de respostas decorrentes da forma
inicial de apresentação do texto. Porém, observou-se que, conceitualmente, a
generalização da resposta K não se trata do sistema de numeração e sim uma
generalização da regularidade, que permitiu associar a ordenação e a cardinalidade. Esse
fato também foi percebido por W, porém não foi sintetizado em uma fórmula e somente
pôde ser verificado no segundo momento. Embora a regularidade tenha sido percebida
pelos dois grupos, é provável que não tenha ocorrido da mesma forma, tampouco
considerada com a mesma relevância entre eles.
O nosso sistema de numeração foi mediador para o entendimento do sistema
Caitité. Em outras palavras, o conhecimento que os sujeitos possuíam (o que foi
apropriado) foi objetivado a fim de se apropriarem do outro sistema (sistema Caitité).
Desta relação destacou-se dois aspectos, um relacionado a matemática a ensinar e outro
a matemática aprendida.
No segundo momento, discutimos que eles utilizaram o nosso sistema numérico
como mediador, porém, no sistema de ensino, os alunos da Educação Básica não
possuem qualquer referência da estrutura do sistema numérico posicional, tampouco a
objetivação da base no numeral. Foi-lhes perguntado também o que é base numérica
devido a ausência de apresentação de sua generalização na escrita dos números que
pertencem a um sistema posicional. Essa discussão mobilizou os sujeitos a perceberem
que a matemática que conhecem não é suficiente para ensinar, no sentido de propiciar a
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apropriação. Para o segundo momento a proposta foi que eles redigissem a explicação
do sistema Caitité como se fossem ensinar a seu aluno da Educação Básica.
4. Considerações
Quanto à matemática apropriada, notou-se que representação geral de um
número em uma base qualquer dada pela potenciação e a técnica (algoritmo) de
mudança de base não estiveram presentes nas respostas. Na discussão percebeu-se que,
de alguma forma, os sujeitos já haviam realizado mudança de base, principalmente da
base dez para a base dois, como também conheciam a representação genérica de um
número em uma base. A questão é por que esses conhecimentos não foram
mobilizados? A hipótese inicial é que os sujeitos não se apropriaram nem do conteúdo
sistematizado na técnica, nem realizaram a reflexão dos aspectos principais do sistema
de numeração posicional.
Os sujeitos durante e após a discussão coletiva puderam novamente entrar no
movimento de análise-síntese. Embora neste texto não seja possível apresentar e discutir
a nova síntese dos grupos, salienta-se que esse procedimento deu oportunidade de
reflexão sobre a matemática a ensinar.
Quanto à matemática objetivada, foi possível o professor-pesquisador estar em
constante avaliação e identificar, por meio da análise das respostas e discussões,
problemas do campo da didática da matemática. Além dos já citados, considerou-se
também o uso incorreto de termos matemáticos no desenvolvimento de uma explicação.
Este pode gerar dúvidas de interpretação, ou mesmo interpretações não coerentes com o
conteúdo que se buscou comunicar, o que acarretará reflexos na educação básica. Outro
ainda, trata da organização do pensamento em uma explicação considerando o
interlocutor e o objetivo. As respostas analisadas não apresentaram com clareza o que os
grupos consideraram, se consideraram, como generalização do sistema numérico. Por
esse motivo, no decorrer das discussões coletivas houve intervenção do professorpesquisador explorando esses aspectos.
Por meio da atividade orientadora de ensino no processo formativo do futuro
professor de matemática buscou-se contribuir na formação de uma concepção de ensino
que prioriza o desenvolvimento humano.
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Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.002369
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atividade matemática no processo formativo do professor