ESCS/FEPECS – SES-DF Síndrome de Werdnig-Hoffmann Ana Cláudia de Aquino Dantas Giselle Duailibe Zanchetta Gláucia Vieira Ferreira Lenira Silva Valadão Marina Rodrigues Bezerra Orientador: Dr. Paulo Roberto Margotto RELATO DE CASO Identificação Guilherme, filho de M.A.S.M. (Reg: 211271-2), sexo masculino, branco, , nascido em 11/01/2005, 3 meses e 25 dias, procedente do Núcleo Bandeirante. História Clínica (11/01/05) Paciente nasceu de parto normal, no HRAS, com 34 semanas de gestação; Peso de 1635 gramas, estatura de 42 cm e perímetro cefálico de 32,5 cm (PIG simétrico); Apresentação pélvica ao nascimento, com extração demorada do polo cefálico; Ao nascer, não chorou, estava cianótico e hipotônico, apresentando Apgar 1’ de 2 e 5’ de 6; Foi realizada aspiração de vias aéreas (secreção sanguinolenta), CFR, intubaração orotraqueal e ventilação mecânica; O RN respondeu bem as intervenções contudo com manutenção da hipotonia. História Clínica (16/01/05) Paciente apresentou parada respiratória às 07:10; Foi feita reanimação com massagem cardíaca externa e administração de adrenalina; O tubo orotraqueal foi substituído; O RN evoluiu com boa resposta. História Gestacional Pais são primos de 1º grau; Mãe, 33 anos, G1 P1 A0; 4 consultas pré-natais; Sorologias negativas para sífilis e HIV; IgG+ e IgMpara toxoplasmose; Utilizou corticosteróides durante a gestação; A mão refere que só percebeu movimentos fetais a partir do 5º mês de gestação e que estes eram infrequentes; Tempo de bolsa rota de 59 horas; Retenção placentária após o parto. Exame Físico (04/05/05) Paciente em mau estado geral, anictérico, acianótico, normocorado, hidratado, afebril, eupnéico; Atitude passiva e pouco reativo, posição tipo batráqueo; Características sindrômicas como fronte ampla, orelhas mal formadas e de baixa implantação, blefarofimose, microstomia, micrognatia, hipertelorismo ocular e mamário, criptoquirdia com micropenis, hisurtismo, pregas palmares incompletas e contraturas nas mãos, pernas em genuvaro e pés em equinovaro; Entubado e traqueostomizado; FC = 142 bpm, FR = 35 irpm; Exame Físico (04/05/05) Tórax sem abaulamentos ou retrações, alargado em bases, respiração abdominal, MVF sem ruídos adventícios; RCR 2T BNF, sem sopros; Abdome plano, normotenso, RHA normoativos, sem visceromegalias ou massas palpáveis, Traube livre. Exames Complementares Hemograma e Leucograma 12/01 16/01 19/01 24/01 27/01 11/02 16/03 21/04 Ht 58.1 53.5 45.7 51.9 49 32.1 36.7 37.3 Leu 9800 7000 10600 15500 11900 16100 25900 16500 Seg 65% 66% 57% 49% 59% 54% 58% 55% Linf 32% 26% 38% 36% 34% 34% 35% 39% Bast 0 0 0 4 2 3 1 2 Mono 2 2 3 5 2 4 5 3 Eos 0 0 2 - 3 1 1 - Plaq 170000 - - 366000 279000 388000 279000 354000 Exames Complementares Leucograma 12/01 16/01 19/01 24/01 27/01 11/02 16/03 21/04 NT 6560 5372 6042 8268 7259 9170 16317 9405 NI 200 158 - 620 238 480 1235 330 I/T 0.02 0.02 - 0.07 0.03 0.05 0.07 0.03 Exames Complementares Avaliação Bioquímica 16/01 19/01 24/01 27/01 24/02 01/03 07/03 Glicose - - - - 101 178 106 Lactato - - - - - 21 16 BT 15.1 11 16.3 7.2 - - - BD 0.43 0.7 0.8 0.2 - - - BI 14.67 10.3 15.5 7.0 - - - Exames Complementares Eletrólitos 16/01 24/01 27/01 24/02 01/03 07/03 21/04 Na 135 150 130 152 132 146 136 K 5.6 6.9 5.0 4.7 5.8 4.9 4.4 Ca 9.2 10.2 11.9 10.2 1.41 4.1 1.5 Mg - 1.9 - - - - - Cl - 112 98 104 - - 105 Exames Complementares Gasometria Arterial Exame 11/01 12/01 21/01 01/02 13/02 23/02 07/03 23/03 06/04 pH 7,41 7,40 7,39 7,25 7,45 7,11 7,37 7,20 7,42 pCO² 30,5 35,3 50 72,9 41,4 94,8 33 42,9 35,8 pO² 74,1 98,4 88 70 74,7 51 56 43,4 47,3 HCO³ 18,2 21,7 30 31,2 28,6 22,9 20 15,8 23,3 BE -3,8 -1,9 +4,0 +4,5 +4,2 +0,5 +4,7 -10,2 -0,1 Sat O² 94,9 97,5 96 91 95,3 81,6 92,6 77,6 Data 84,1 Exames Complementares Culturas Sangue (13/01): negativa LCR (20/01): negativa Sangue (11/02): negativa LCR (11/02): negativa Sangue (09/03): Staphylococcus homini Sangue (07/04): Staphylococcus epidermidis Exames Complementares Raio X de Tórax Realizado em 11/01, evidenciando eventração diafragmática direita e fratura da clavícula direita. Ecocardiograma Realizado em 01/02, evidenciando persistência do canal arterial de 2,6 mm, sem repercussões hemodinâmicas. Exames Complementares Ecografia Transfontanelar Realizado em 19/01, 26/04 e 03/05, evidenciando dilatação biventricular com afastamento da fissura intrahemisférica (sinal de atrofia cerebral) Exames Complementares Eletroneuromiografia Realizada em 22/02, com resultado normal. Biópsia Muscular Realizada em 03/03, evidenciando tecido muscular esquelético revelando fascículos inteiros tomados versus fibras de calibre pequeno, com forma arredondada; ausência de resposta celular inflamatória, áreas de necrose ou fagocitose; e vasos sanguíneos com arquitetura preservada. Alterações do padrão neurogênico, sugestivos de Síndrome de WerdnigHoffmann (AME-Atrofia Muscular Espinhal - tipo 1). Exames Complementares Enzimas Dia 28/01/05: DHL = 934 U/ml CPK = 52 U/l Dia 17/02/05: DHL = 997000 U/ml CPK = 55 Parecer da Cardiologia (01/02/05) Situs sólitus, concordância atrioventricular e ventrículo arterial; Ausência de de shunts extracardíacos; Função ventricular preservada e câmaras cardíacas de dimensões normais; Presença de pequeno PCA (2,6 mm), sem repercussões hemodinâmicas; Recomendação: acompanhamento ambulatorial após alta hospitalar. Parecer da Neurologia (11/02/05) Não reagiu a qualquer estímulo sensitivo, incluindo o doloroso; Hipotonia importante, hiporreflexia; Pés com postura atípica, fixa; Sem preensão palmar; Opacificação de córneas; Diagnóstico: Neuromiopatia a esclarecer Estigmas sindrômicos. Parecer da Genética (18/01/05; 15/02/05; 25/02/05) Lactente apresentando hipotonia severa, fáscies inexpressiva, blefarofimose, microstomia, palato ogival, postura em batráquio, implantação baixa das orelhas com fendas palpebrais oblíquas, hipertelorismo ocular, ponte nasal baixa, distribuição acentuada de pêlos, criptorquidia com micropênis e pregas palmares incompletas; Força muscular grau II em MMSS, reflexo de preensão palmar diminuído e simétrico; Restrição articular em MMII principalmente, força muscular grau 0 em MMII, pés equinovarum e preensão plantar ausente; Parecer da Genética (18/01/05; 15/02/05; 25/02/05) Apresenta movimentos mastigatórios débeis, não apresenta reflexo de busca nem reflexo de Moro; Cariótipo 46xy; Indicativo de doença com artrogripose neurogênica autossômica recessiva; Diagnóstico: Cerebro-oculo-fascio-esquelético Marden Walker Pompe (pouco provável). Demais Pareceres Aguardando o parecer da Oftalmologia, solicitado em 28/01/05; Aguardando avaliação biomolecular solicitada em 04/05/05. Diagnósticos Sindrômico; Eventração diafragmática direita; Fratura de clavícula direita; Apnéia prolongada; Cardiopatia; Icterícia; Persistência do canal arterial; Neuromiopatia; Síndrome de Werdnig-Hoffmann; Sepse. Condutas Assistência Ventilatória Paciente iniciou ventilação mecânica logo após o nascimento permanecendo sob VPM até então; Foi realizada traqueostomia em 26/04. Transfusões Sanguíneas Feito concentrado de hemácias nos dias 11/02, 23/02, 09/03 e 21/04. Fototerapia Realizada entre os dias 14/01 a 22/01 e 24/01 a 28/01. Conduta Antibioticoterapia Droga Ampicilina Gentamicina Tienan Amicacina Vancomicina Meronem Ciprofloxacina Vancomicina Vancomicina Duração do uso 12/01 a 20/01 12/01 a 20/01 20/01 a 31/01 20/01 a 31/01 11/02 a 22/02 11/02 a 22/02 16/03 a 21/03 18/03 a 06/04 12/04 a 26/04 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Atrofia Muscular Espinhal (AME) Definição Desordem neuromuscular hereditária caracterizada pela atrofia muscular secundária à degeneração seletiva de neurônios motores localizados no corno anterior da medula espinhal e núcleos motores de alguns nervos cranianos (V, VII, IX, X, XI e XII), sem evidência de envolvimento primário de nervos periféricos e tratos longos. Etiopatogenia Doença de herança predominantemente autossômica recessiva, ligada ao cromossomo 5 e relacionada ao gene da proteína de sobrevivência do neurônio motor (SMN) e ao gene da proteína inibidora da apoptose neuronal (NAIP). Epidemiologia Afeta cerca de 1 em cada 16.000 nascimentos; Uma em cada 40 pessoas é portadora do gene defeituoso da AME; Maior incidência no sexo masculino. Atrofia Muscular Espinhal Classificação Tipo I (Werdnig-Hoffmann): Forma severa e aguda; Início das manifestações até 6 meses de vida; Quadro clínico abrange hipotonia e fraqueza graves e generalizadas, levando à incapacidade de deglutição e respiração adequadas; As crianças não conseguem nem mesmo sentar sem apoio; A morte normalmente ocorre antes de 4 anos de idade. Atrofia Muscular Espinhal Classificação Tipo II (AME intermediária): Forma moderada; Sintomatologia desencadeada entre 6 e 18 meses; Os sintomas são menos evidentes mas a progressão da debilidade muscular costuma provocar o desenvolvimento posterior de dificuldades de sugar, deglutir e respirar, bem como de escoliose grave; As crianças são incapazes de ficar de pé ou andar sem ajuda; Normalmente vão a óbito durante a adolescência. Atrofia Muscular Espinhal Classificação Tipo III (Kugelberg-Welander ou AME juvenil): Forma leve e crônica; Aparece após 18 meses de vida; Raramente há problemas na deglutição ou respiração, contudo a progressão da doença leva ao confinamento do paciente à cadeira de rodas no final da infância ou início da adolescência As crianças têm capacidade de ficar de pé sozinhas Podem viver até a idade adulta Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Etiopatogenia Decorrente da presença de deleção ou mutação no gene SMN e no gene NAIP, localizados no cromossomo 5, região q 11.2-13.3. Tal defeito determina a continuação patológica de um processo de morte celular programada que é normal na vida embrionária. O locus do SMN consiste de dois genes homólogos: uma cópia centromérica (SMN c) e uma cópia telomérica (SMN t). Na presença de deleção de alguns éxons do gene telomérico – situação em que a doença se expressa – a quantidade do gene centromérico é o fator determinante da gravidade do quadro. As alterações celulares essenciais são: depleção do número de neurônios e sua degeneração funcional, neuronofagia e infiltração glial e astrocitose Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffman Manifestações Clínicas Movimentos fetais intra-útero diminuídos; Contraturas congênitas (de pé torto a artrogripose generalizada); Atrofia muscular e hipotonia severas e generalizadas; Fraqueza severa, generalizada ou proximal > distal; Arreflexia ou grave depressão dos reflexos; Severo acometimento do tronco e pescoço; O peito apresenta-se colapsado, as costelas são finas e a respiração é diafragmática; Dificuldade de deglutição e alimentação Extremidades inferiores são normalmente mais afetadas que as superiores; Postura de pernas de rã com os membros superiores abduzidos e com rotação externa ou interna no nível dos ombros; Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Manifestações Clínicas Ausência do reflexo da tosse, predispondo ao acúmulo de secreções e aspiração e, consequentemente, a infecções respiratórias; Fasciculação da língua; Poliminimioclonia (tremores finos e rítmicos nos dedos); Choro fraco; Inabilidade de levantar a cabeça e sentar sem apoio, bem como adquirir outras capacidades psicomotoras mais avançadas; Funções sensitivas e esfincterianas preservadas; Movimentos faciais relativamente preservados; Movimentos oculares normais; Respostas visuais e auditivas normais Inteligência normal ou acima da média; Curso progressivo com deterioração e morte. Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Diagnóstico Clínico: Início da sintomatologia antes dos 6 meses – atrofia, hipotonia e fraqueza muscular Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Diagnóstico Laboratorial: Dosagem sérica de creatinofosfoquinase (CPK): normal ou elevada < 5 X o valor superior. Eletroneuromiografia: presença de potenciais de fasciculação ou fibrilação e sinais de desnervação (redução do número de unidades motoras e aumento da amplitude e duração do potencial de ação). Velocidade de Condução Nervosa: diminuída em casos severos Biópsia Muscular: pronunciada atrofia panfascicular de ambos os tipos de fibras; hipertrofia das fibras tipo I; aumeto do tecido conectivo em substituição do tecido atrofiado. Biologia molecular (PCR): identificação de defeito nos genes SMN ou NAIP na região q11.2-13.3 do cromossomo 5 (extração de DNA de leucócitos em 5 ml de sangue periférico). Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Diagnóstico Diferencial Doença de Pompe: há envolvimento cardíaco, hepático e do SNC, além do corno anterior da medula espinhal, e hipertrofia da língua. Artrogripose Multiplex Congênita: acometimento adicional de nervos periféricos; pode estar associada à AME tipo 1. Poliomielite Neonatal: a paralisia é normalmente assimétrica e o comprometimento cerebral pode levar a convulsões. Síndrome de Marden-Walker: características sindrômicas (microcefalia, baixa implantação de pavilhão auricular, blefarofimose, microstomia, micrognatia, contraturas); oftalmoplegia; escoliose ou cifose; nanismo e retardo mental. Atrofia Muscular Espinhal Tipo I Síndrome de Werdnig-Hoffmann Tratamento O tratamento consiste em oferecer suporte clínico paliativo à criança e emocional à família, uma vez que atualmente não estão disponíveis meios de retardar a progressão da desnervação motora. Ventilação mecânica Fisioterapia motora e respiratória para estimular os músculos e evitar complicações pela fraqueza muscular Utilização de sonda nasogástrica ou tubo gátrico como auxílio a nutrição Vigilância para infecções repiratórias – antibioticoprofilaxia Utilização de aparelhos ortopédicos or cirurgia ortopédica Fonoaudiologia A terapia genética (estimulação da expressão do gene SMN “reserva”) e a terapia com células tronco (substituição de neurônios motores no corno anterior da medula) mostram-se promissoras. Bibliografia Araújo, A. P. Dificuldades diagnósticas na atrofia muscular espinhal. Arquivos de Neuro-Psiquiatria. Março, 2005; 63(1) SCIELO Behrman, R. E. Nelson: Tratado de Pediatria. 16º ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2002 Munset, T. L. The Spinal Muscular Atrophies. Current Neurology. 1994; 14: 55-71 MUSCULAR DISTROPHY ASSOCIATION Orrell, R.W. The relationship of spinal muscular atrophy to motor neuron disease: investigation of SMN and NAIP gene deletions. Journal of Neurology Science. 1997, Jan; 145: 55-61 NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE Panigrahi, I. Clinical and molecular diagnosis of spinal muscular atrophy. Neurology India. 2002; 50: 117-122 NEUROLOGY INDIA Volpe, J. J. Neurology of the Newborn. 3º ed. Philadelphia: WB Saunders Company, 1998 Sanvito, W. L. Síndromes Neurológicas. 2º ed. São Paulo: Atheneu, 1997 Tsao, B. Spinal Muscular Atrophy. E-Medicide. 2003 E-MEDICINE Watterson, J. H.; et al. Rapid detection of single nucleotide polymorphisms associated with spinal muscular atrophy. Nucleic Acids Research. 2004; 32(2): 18 OXFORD JOURNALS Zanoteli, E. Biologia Molecular das Doenças do Neurônio Motor. Revistas Neurociências. 2004; 12(1) UNIFESP Margotto PR. Dificuldade Respiratória no RN.In.Margotto PR.Assistência ao RecémNascido, 2a Edição (no prelo), 2005 (disponível em www.paulomargotto.com.br) Obrigada!