SISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
OBJETIVA E OS ACIDENTES DE TRABALHO
André Araújo Molina*
1 – INTRODUÇÃO
C
ontemporânea das civilizações mais remotas, a ideia de responsabilidade
nasceu como decorrência do delito, enquanto direito natural que tinha
o ofendido de ver reparado o dano causado ao seu direito. Ainda não se
falava em responsabilidade civil ou penal, mas apenas na admissão da autotutela como mecanismo de vingança para a retribuição do delito, admitindo-se a
prática de outro dano, sendo irrelevante a pesquisa da eventual culpa ou dolo
do seu causador, da ilicitude da sua conduta ou da sua imputabilidade. Com o
direito romano a retribuição violenta foi substituída pela pena de restituição
(Lei das XII Tábuas, 450 a.C.), enquanto intervenção estatal nas relações privadas para o fim de impor uma composição pecuniária entre ofendido e ofensor,
contribuindo para a disseminação das penas patrimoniais no seio do direito
privado. Foi também com o monopólio estatal para resolução dos conflitos
que as penas dividiram-se entre retributivas e punitivas, germe da divisão da
responsabilidade em civil e penal.
A partir da Lex Aquilia de damnum, de 286 a.C., foi quando passou a
interessar para o tema da responsabilidade civil o elemento subjetivo da culpa
ou dolo do agente ofensor, enquanto requisito para a imposição do dever de
retribuição. Observe-se que a teoria originária de responsabilidade civil nasceu secundada pela ideia de dano e não a de culpa, sendo apenas com o seu
aprimoramento que o elemento subjetivo passou a ser relevante. Interessante
*
Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP); mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP); especialista
em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ); bacharel em Direito (UFMT); professor
da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso (ESMATRA XXIII); juiz do trabalho
titular na 23ª Região.
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perceber que a expansão das hipóteses de responsabilidade objetiva em dias
atuais importa em um aceno às origens do instituto1.
A doutrina da culpa como requisito da responsabilidade civil expandiu-se
por toda a Europa nos séculos seguintes, mesmo depois da queda do Império
Romano, atingindo seu ápice com o Código Civil francês de 1804, em cujo art.
1.382 ficou consagrada a exigência de prova da culpa do agente como requisito para a reparação2, influenciando diversos diplomas normativos mundiais,
chegando ao nosso Código Civil de 1916, cujo art. 159 era uma homenagem
direta ao Código de Napoleão.
A já consagrada teoria aquiliana da responsabilidade civil foi questionada por alguns juristas a partir da revolução industrial, quando a utilização
das máquinas e das novas tecnologias ocasionou, principalmente, o aumento
significativo dos acidentes com os trabalhadores, sendo faticamente quase impossível fazer prova da culpa do industrial quanto ao incorreto funcionamento
das máquinas para poder obter a reparação. Num primeiro sopro de renovação,
a jurisprudência estabeleceu algumas presunções de culpa para as atividades
perigosas – como na produção industrial e no transporte coletivo –, na sequência
vieram as teorias que divisavam as obrigações em de meio e resultado, cisão
que deu origem à inversão do ônus da prova da culpa no segundo caso, depois
vieram as paulatinas alterações legislativas dispensando a prova da culpa em
algumas atividades especiais, instituindo-se legalmente a teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, embora a regra geral continuasse sendo a
da exigência da nota subjetiva para praticamente a universalidade das relações.
Entre nós, o Código Civil de 1916 consagrou a teoria aquiliana, havendo
a necessidade de prova do elemento subjetivo como modelo geral de responsabilidade civil, no entanto, à moda europeia, legislações especiais recolheram
algumas relações jurídicas em que a responsabilização passava a ser objetiva,
por exemplo, na proteção dos passageiros e proprietários marginais quanto
aos danos causados pelo operador das estradas de ferro (Decreto nº 2.681, de
1912), proteção previdenciária nos acidentes de trabalho (Decreto nº 3.724,
de 1919), nos danos nucleares (Lei nº 6.453, de 1977), nos danos ambientais
1
2
Anota Roberto Senise Lisboa que “o reconhecimento da responsabilidade objetiva corrobora a tese
segundo a qual o elemento nuclear da responsabilidade é o dano, e não a culpa do autor do ilícito, que
somente despontou a partir da lei aquiliana” (Manual de direito civil, p. 426).
“Art. 1.382. Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute
duquel il est arrivé, à le réparer.”
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(Lei nº 6.938, de 1981) e, também, nos acidentes aeronáuticos (Lei nº 7.565, de
1986), entre outras hipóteses, inclusive previstas no próprio Código de 19163.
Influenciado pela Constituição de 1988, que colocou a dignidade da
pessoa humana e o solidarismo social na centralidade das suas preocupações,
o Código Civil de 2002 substituiu a filosofia liberal-individualista do antigo
código pelo solidarismo contratual, assim como as anteriores legislações específicas que previam hipóteses de responsabilidade objetiva foram recepcionadas,
constituindo hoje os diversos microssistemas de responsabilidade civil, os quais
serão objeto de aprofundamento nos tópicos seguintes.
O paulatino aumento das hipóteses legislativas de responsabilização
objetiva demonstra uma mudança de foco, deixando em segundo plano a
preocupação com a censura do ofensor, que demandaria prova de sua atuação
culposa, para se ocupar principalmente com a reparação do dano causado, marcando os objetivos teleológicos dos dois ramos da ciência jurídica: enquanto
para o Direito Civil o objeto é a vítima e o seu ressarcimento, para o Direito
Penal é a conduta do agente e a sua reprovabilidade social o objeto central da
preocupação legislativa4.
No Brasil há opção legislativa em que a preocupação é com a reparação
da vítima sem a investigação da reprovabilidade do causador do dano, exatamente o que se dá nos casos de responsabilidade por atos lícitos, por exemplo,
quando alguém em legítima defesa pratica um ato jurídico lícito, entretanto,
ainda assim, deverá indenizar os prejuízos sofridos pela vítima da lesão (arts.
188, 929 e 930 do Código Civil).
A mudança de perspectiva, com os olhos da responsabilidade civil voltados à reparação do dano injusto sofrido pela vítima, acena para a tendência
futura de socialização das responsabilidades e dos riscos, garantindo-se a todo
lesado, de forma injusta, a certeza da reparação do dano, normalmente com
3
4
Responsabilidade do habitante do imóvel por danos resultantes de coisas que dele caíssem (art. 1.529)
e a responsabilidade do empregador pelo ato do empregado ou preposto (art. 1.521, III, c/c Súmula nº
341 do STF).
O correto entendimento das duas matrizes teleológicas do direito penal e civil permitiu, por exemplo,
consagrar nas legislações que na fixação das indenizações por danos morais o bem objeto de tutela
é o dano causado e a sua compensação e não a punição do agente ofensor, no que se equivoca parte
considerável da jurisprudência quando diz que entre as funções das indenizações por danos morais
estão a punição e a prevenção, importando inadvertidamente o mecanismo norte-americano dos punitive damages para o nosso sistema, sem previsão constitucional ou legal nesse sentido. Para maiores
aprofundamentos v. BODIN DE MORAES, Maria Celina. Dano moral: conceito, função e valoração.
Revista Forense, vol. 413, jan./jun. 2011, p. 361-378; e JUNKES, Sérgio Luiz. A culpa e a punição
não podem servir de critério para a fixação da indenização por dano moral, Novos Estudos Jurídicos,
vol. 11, n. 2, jul./dez. 2006, p. 291-299.
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o Estado assumindo os riscos e os redistribuindo para a sociedade por meio
de tributos, como de resto já ocorre com os modelos de acidentes de trânsito
e previdenciário, a cargo de todos os proprietários de veículos, por meio do
seguro obrigatório, e o previdenciário por acidente ou doença, a cargo de toda
a sociedade, por intermédio da seguridade social. Em países como a Nova
Zelândia e a Suécia o sistema de socialização ampla dos riscos já é realidade,
garantindo-se a reparabilidade de qualquer acidente sofrido por um cidadão
por meio de um fundo administrado pelo Estado.
De toda a evolução do instituto resumida nas linhas acima, percebe-se
que o atual sistema de responsabilidade civil brasileiro está na posição intermediária entre a preocupação de punibilidade do ofensor e a reparabilidade
da vítima, pois atualmente há coexistência dos modelos de responsabilização
subjetiva e objetiva, com tendência expansionista dessa última, na medida
em que cada vez mais o legislador aumenta as hipóteses de responsabilidade
objetiva, subtraindo-as da regra geral aquiliana.
2 – SISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O estudo do ordenamento jurídico pátrio, incluindo enquanto tal também os tratados internacionais ratificados e internalizados, revela dois grandes
sistemas de responsabilidade civil: o subjetivo e o objetivo5, havendo algumas
espécies dentro dos grandes conjuntos, formando-se diversos microssistemas,
mas nem todos eles incidem nas relações jurídicas acidentárias, de modo que
faremos um corte epistemológico para analisarmos apenas os microssistemas
de responsabilidade civil com aplicabilidade nos acidentes de trabalho, por
corolário, omitindo uma plêiade de legislações em que a responsabilidade
objetiva é válida e vigente, porém incidentes em outras relações jurídicas que
não as de trabalho6.
5
6
Não se podem confundir as duas modalidades de responsabilidade civil, pertencentes ao tronco do
direito material, com o mecanismo de inversão do ônus da prova, pertencente ao direito processual, o
qual pode ser aplicado ao direito processual do trabalho por integração supletiva pelo Código de Defesa
do Consumidor. Dessa premissa decorre que poderá haver hipótese de responsabilidade subjetiva em
que o magistrado inverte o ônus da prova antes da instrução processual, também como há responsabilidade objetiva com inversão do ônus da prova. No caso da teoria objetiva, em que o empregado deve
provar apenas dano e nexo, ainda assim poderá haver inversão do ônus da prova com a imputação ao
empregador de provar a inexistência desses dois requisitos, evidentemente se os requisitos do CDC
que autorizam a inversão estejam atendidos e o juiz adote-a antes da instrução processual, informando
as partes do ônus que cada uma possuirá, de modo a não violar o devido processo legal e o direito de
ampla defesa.
Por exemplo, no Direito do Consumidor, no qual o fornecedor responde objetivamente pelos danos
causados aos consumidores (CDC, art. 12), cujo microssistema consumerista não tem incidência nas
relações de acidente, pois os empregados não se enquadram no conceito de consumidores, destinatários
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A Constituição Federal de 1988 não elegeu expressamente nenhum dos
dois grandes sistemas enquanto regra geral de responsabilidade, mas pontuou
situações excepcionais em que a teoria adotada foi a objetiva, como nos danos
nucleares (art. 21, XXIII, d), nos causados pelo Estado e seus serviços permitidos ou concedidos (art. 37, § 6º) e quanto aos danos ambientais (art. 225, § 3º),
técnica legislativa que acena para a adoção implícita da regra geral da responsabilidade civil subjetiva, na medida em que se a teoria geral adotada fosse a
objetiva não haveria necessidade de apontar relações específicas expressas em
que essa teoria incidiria. A interpretação cuidadosa da Carta atual revela que o
poder constituinte consagrou a técnica legislativa anterior, qual seja a de a lei
civil adotar a teoria subjetiva como regra, mas a legislação especial, inclusive
de hierarquia constitucional, indicar as relações particulares em que passaria a
incidir a teoria objetiva, retirando essas relações específicas da hipótese geral.
Coerente com a opção constituinte, o Código Civil de 2002, por intermédio dos arts. 186 e 927, caput, reafirmou a teoria subjetiva como regra geral,
exigindo-se prova de dolo ou culpa do agente – por imperícia, imprudência
ou negligência – para se estabelecer a relação jurídica indenizatória. Porém,
a grande inovação foi que ao lado dos casos em que leis específicas prevejam
a responsabilidade objetiva, a nova lei civil criou uma cláusula geral de responsabilidade objetiva pelo risco da atividade, sem a indicação das atividades
específicas em que os riscos potenciais serão verificados. A técnica legislativa
é bastante elogiada, pois permite que novas situações de risco sejam recolhidas
pela teoria objetiva, conforme o assombroso avanço da tecnologia, sem que
para isso haja necessidade de aprovação de nova legislação específica. A um
só golpe, o legislador civil mantém a teoria subjetiva como regra geral, como
também permite que o Código permaneça sempre atualizado, em tempo de
alterações sociais significativas.
A técnica legislativa eleita pelo codificador civil de 2002 não foi a de
agrupar todos os dispositivos que tratam de responsabilidade civil no mesmo
título ou capítulo, mas o de positivar em dispositivos dispersos pelo Código
Civil as variadas hipóteses e requisitos de responsabilidade, por exemplo, nos
arts. 12, 20, 43, 186, 187, 206, § 3º, 398, 406, 1.278, 1.296, 1.311 e 1.385,
além do Título IX do Livro I da parte especial, o que reclama do estudioso da
responsabilidade civil uma visão não só panorâmica do Código como um todo,
da proteção objetiva. Significa dizer que um acidente na empresa que afete clientes e empregados poderá
ensejar duas modalidades de responsabilização, uma objetiva, quanto aos clientes (consumidores), e
outra subjetiva, em relação aos empregados, ressalvado o caso de a atividade ser considerada de risco
acentuado, quando os empregados também ficariam submetidos à teoria objetiva, mas, desta feita, com
fundamento no art. 927, parágrafo único, do Código Civil e não no art. 12 do CDC.
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mas também uma visão holística da Constituição, dos Tratados Internacionais
e da legislação federal extravagante.
Atualmente convivem harmonicamente os dois sistemas de responsabilidade civil, sem prevalência ou preferência de um sobre o outro; são as situações fáticas que serão, indistintamente, enquadradas em um ou outro sistema,
conforme os requisitos específicos estejam atendidos. E é esse o grande desafio
do jurista trabalhista, na nova fase após a pacificação do cabimento da teoria
objetiva quanto aos acidentes. Se antes o jurista especializado manipulava apenas o sistema subjetivo, com uniformidade de requisitos para todas as situações
de acidente, desde a Constituição de 1988, com o reforço do Código Civil de
2002, o intérprete especializado deverá transitar por todos os dois sistemas,
identificando as várias espécies em cada um deles, para somente após realizar
o enquadramento adequado do caso concreto. O principal equívoco que ainda é cometido no ramo especializado é o sincretismo inadequado de invocar
requisitos de um dos microssistemas para imputação de responsabilidade em
outro, por exemplo, na hipótese mais comum de importação dos requisitos da
lei previdenciária (pertencente ao sistema objetivo) para a imputação de responsabilidade em acidentes que não foram verificados em atividades de risco
acentuado, muito menos nas modalidades da legislação particular7.
Antes do atual Código Civil, o professor Fernando Noronha já havia
percebido que o conjunto da legislação brasileira consagrou várias das doutrinas mundiais quanto à responsabilidade civil, cujas hipóteses oscilavam
desde a responsabilidade restrita à conduta dolosa ou gravemente culposa,
até a designada por ele de responsabilidade objetiva agravada, na qual haverá
obrigação de indenizar não só independentemente de culpa, mas também de
nexo de causalidade.
Para o autor referenciado, a responsabilidade objetiva agravada insere-se
no final de uma evolução que começou quando, num primeiro momento, se reconheceu que o requisito culpa nem sempre é imprescindível para o surgimento
da obrigação de indenizar: o exercício de algumas atividades, suscetíveis de
causar lesões, implicava o ônus de suportar os danos que eventualmente fossem causados a outrem, isso em contrapartida aos benefícios que as atividades
proporcionavam aos seus agentes; foi por isso que se desenvolveu a teoria da
responsabilidade objetiva. Na sequência, entramos num segundo momento, no
qual se verifica haver hipóteses em que se prescinde também do nexo de causa7
Para o entendimento acerca do equívoco da invocação de requisitos previdenciários para a imputação
de responsabilidade civil aos empregadores v. MOLINA, André Araújo. O nexo causal nos acidentes
de trabalho. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, ano XXIV, n. 283, janeiro de 2013, p. 60-82.
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lidade, para se exigir unicamente que o dano acontecido possa ser considerado
risco próprio da atividade lesiva. Na agravada, que diz respeito unicamente a
certas e determinadas atividades excepcionalíssimas, vai-se mais longe e o
agente deve reparar os danos simplesmente acontecidos durante a atividade que
desenvolve, embora se exija que os danos estejam ligados a essa atividade e que
possam ser considerados riscos próprios, típicos dela (relação de conexidade)8.
Tomamos de empréstimo a classificação do professor referido para divisar a responsabilidade civil em dois grandes sistemas, subjetivo e objetivo,
conforme a lei dispense o elemento da culpa do agente para estabelecimento
da relação indenizatória. Na primeira espécie há três microssistemas: da responsabilidade civil subjetiva comum, da restrita a dolo ou culpa grave9 e a com
presunção relativa de culpa. Do segundo grupo fazem parte a responsabilidade
objetiva normal e a agravada10. É a legislação que indicará, expressamente, quais
são as relações sujeitas às quatro últimas espécies, de modo que não havendo
indicação legislativa, estaremos diante da subjetiva comum.
Segue que a responsabilidade civil subjetiva é residual, ou seja, primeiro o intérprete deve analisar se a situação fática se enquadra em algumas
das situações que a lei especial previu como de responsabilidade objetiva, comum ou agravada; se não, depois avançar para verificar se ela se enquadra na
cláusula geral pelo risco da atividade do art. 927, parágrafo único, do Código
Civil; havendo nova negativa, avançar para verificar se há alguma presunção
legal de culpa ou a exigência de dolo ou culpa grave; apenas havendo negativa
quanto às três primeiras tentativas de enquadramento é que se concluirá que
no caso o sistema de responsabilidade civil incidente é o subjetivo comum ou
clássico, com os requisitos do dano, nexo causal, ato ilícito e culpa. Por outro
lado, poderá ocorrer de a relação fática em estudo enquadrar-se no descritor de
dois microssistemas diferentes, quando a aparente antinomia será resolvida em
Noronha, Desenvolvimentos contemporâneos da responsabilidade civil, p. 37-38.
Exemplos da espécie de responsabilidade subjetiva restrita a dolo ou culpa grave estão a denúncia
infundada de crime que ocasione a prisão da vítima, indenizável apenas se a denúncia for falsa e de
má-fé (ou seja, dolosa), conforme o art. 954, parágrafo único, II, do Código Civil e no transporte aéreo
quando, em regra, a responsabilidade é limitada, contudo os limites não se aplicarão se for provado
que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos (art. 248 do Código
de Aeronáutica – Lei nº 7.565, de 1986).
10 O professor Fernando Noronha classifica as hipóteses de responsabilidade civil objetiva em dois grandes
grupos: objetiva normal e objetiva agravada. As do primeiro grupo, a despeito de dispensar a prova
da culpa, exigem prova do nexo causal e, por isso, admitem a comprovação pelo agente das quatro
excludentes de nexo causal (caso fortuito, força maior, fato de terceiro e fato da vítima), sendo que
na modalidade agravada a legislação resolveu afastar a possibilidade de prova de alguma das quatro
excludentes de nexo causal, chegando ao extremo de tornar irrelevante quaisquer delas em casos excepcionais, quando haverá imputação de responsabilidade sem a necessidade de nexo causal, naquilo
que os autores apontam como opção pela teoria do risco integral (Responsabilidade civil, passim).
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favor da norma mais favorável ao trabalhador; seria a hipótese de um acidente
por vazamento de gás ocorrer com um empregado público, hipótese fática que
reclama a incidência tanto do microssistema de responsabilidade objetiva do
Estado quanto do por acidentes ambientais, preferindo o interprete àquela mais
favorável, conjuntamente analisado (teoria do conglobamento).
3 – REQUISITOS GERAIS DO MACROSSISTEMA DE
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
A meditação acerca dos vários textos legais que preveem a responsabilidade civil sem culpa, no que se convencionou chamar de responsabilidade civil
objetiva, nos mostra que essa última modalidade trata-se, na verdade, de um
grande gênero, dentro do qual se inserem diversas espécies de responsabilidade
civil sem culpa, conforme cada um dos microssistemas e da cláusula geral do
art. 927, parágrafo único, do Código Civil. A inclusão das espécies no mesmo
conjunto, que se dá pelo traço comum da desnecessidade de comprovação da
culpa do ofensor, não autoriza a enunciação de que os seus outros requisitos
sejam os mesmos, muitos menos o são as hipóteses de excludentes. Dito em
termos pragmáticos, o reconhecimento de que a relação jurídica acidentária
insere-se na teoria objetiva não esgota a questão, sendo o mais importante definir
qual das várias modalidades de responsabilidade civil objetiva ela se enquadra:
se nos microssistemas das leis especiais ou na cláusula geral pelo risco da atividade; se se trata de responsabilidade objetiva normal ou objetiva agravada.
Os requisitos gerais do sistema de responsabilidade objetiva são dano e
nexo causal, dispensando prova de culpa e do ato ilícito11. Quanto à dispensa
de prova do requisito do ato ilícito, significa dizer que não se investiga se houve violação objetiva de uma norma jurídica pela conduta do agente, bastando
confirmar o resultado lesivo da atividade de risco para gerar antijuridicidade,
conhecida como “ilícito pelo resultado”. Em outras palavras, quando um
agente cria uma situação de risco potencial aos direitos de outrem, assume a
responsabilidade pelos resultados que essa atividade venha causar, independente de qualquer conduta ilícita sua, omissiva ou comissiva. Aquele que,
por exemplo, recebe autorização para exercer atividade nuclear, em razão dos
potenciais riscos que ela proporciona, é obrigado a reparar os danos causados
11 “Confrontando as duas espécies de responsabilidade, subjetiva e objetiva, pode-se dizer, em rápida
síntese, que verificado um fato danoso para uma pessoa ou para seu patrimônio, no domínio da responsabilidade subjetiva é preciso averiguar se o seu autor agiu com culpa ou dolo, porque só nestes
casos ele estará obrigado a reparar o dano; no domínio da responsabilidade objetiva, prescinde-se de
indagações sobre a culpa do agente, bastando que haja nexo causal entre o fato e o dano, para que ele
seja forçado à reparação.” (Noronha, Responsabilidade civil, p. 16)
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independentemente se agiu diligentemente, tomando todas as medidas legais
para evitar o acidente nuclear; basta ao lesado pelo acidente nuclear comprovar,
então, dano e nexo causal.
Roberto Senise Lisboa também é da posição de que apenas dano e nexo
causal são elementos da responsabilidade objetiva, sendo irrelevantes a culpa
e o ato ilícito, isso porque “a reparação do dano causado à vítima ou aos seus
bens advém da atividade em si, e não de sua licitude ou ilicitude. Torna-se
desnecessária a discussão sobre a ilicitude da atividade perigosa, já que a
responsabilidade objetiva se dá mesmo quando a atividade é lícita. O que se
cogita é o resultado provocado em razão do exercício da atividade do agente”12.
Fernando Noronha adverte com acerto que a responsabilidade civil
objetiva é independente de culpa e ato ilícito, mas não dispensa os outros dois
requisitos e, em especial, exige que haja um nexo de causalidade adequado entre
a atividade do agente e o dano. Decorre que cessa o liame de responsabilidade
civil, rompendo com o nexo causal, quando provado que o dano é devido a
fato que, em relação ao agente, seja externo, imprevisível e irresistível, isto é,
quando o agente comprovar que o dano se deve a caso fortuito externo, força
maior, fato de terceiro ou fato da vítima, nas hipóteses em que a responsabilidade é classificada como objetiva comum, ressalvando que nas excepcionais
hipóteses de responsabilidade objetiva agravada cada microssistema é que vai
impedir a possibilidade de o causador do dano demonstrar uma ou algumas
das quatro excludentes de nexo. No limite, quando o microssistema recolher
a teoria do risco integral, não socorrerá ao ofensor comprovar nenhuma das
quatro excludentes de nexo, quando haverá dever de indenizar pela mera existência de dano13.
Haverá responsabilidade civil objetiva por risco integral quando estabelecida em contrato14, ou quando a legislação vedar a possibilidade de o ofensor
demonstrar as quatro hipóteses de excludentes de nexo causal. As duas situações
previstas na lei que impõe responsabilidade civil pelo risco integral são na proteção previdenciária, quando mesmo havendo força maior, caso fortuito, fato
de terceiro e fato da vítima, remanesce o dever de indenizar pelo INSS (Lei nº
8.213, de 1991), e nos casos de seguro obrigatório de veículos automotores,
12 Lisboa, Manual de direito civil, p. 539.
13 Noronha, Responsabilidade civil, p. 33-34.
14 O art. 393 do Código Civil estabelece que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso
fortuito ou força maior, mas admite que expressamente seja responsável, inclusive nesses casos, quando
houver contratado. Nessa última hipótese estar-se-á diante de obrigação de garantia, ocasião em que
o agente responde pelos danos, independente de culpa e nexo causal, não podendo sequer invocar
nenhuma excludente de responsabilidade.
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o seguro DPVAT (Leis ns. 6.194, de 1974, e 8.441, de 1992). Observe-se que
nenhuma das duas legislações, previdenciária e de seguro obrigatório, têm
incidência nas relações de acidente de trabalho. Disso segue que, conceitualmente, há no direito atual duas hipóteses de responsabilidade por risco integral,
entretanto, nenhuma delas incidentes nas relações de trabalho. Também decorre
da premissa que não há no tema de acidentes de trabalho uma única espécie
de responsabilidade objetiva em que não possa o empregador comprovar pelo
menos uma das quatro modalidades de excludentes de nexo causal, quando
não todas as quatro.
Algumas palavras ainda são necessárias quanto às excludentes de nexo
de causalidade. O Código Civil atual recolheu as hipóteses de caso fortuito e
força maior, diferenciando-as, daí porque os civilistas deram início à incessante
estudo a respeito do tema15. A posição decantada é a que na responsabilidade
civil subjetiva, basta a comprovação de que não houve culpa do alegado ofensor
para romper o dever de indenizar; não precisa comprovar nos autos qual a razão
de sua isenção de culpa, se relacionada a fato humano ou a fato da natureza, daí
segue que a ausência de culpa, o caso fortuito e a força maior são excludentes
de responsabilidade. Já na responsabilidade civil objetiva é irrelevante a prova
de ausência de culpa do agente ofensor, pois ainda assim remanesce o dever
de indenizar. Também não o exonera o chamado caso fortuito interno, inerente
aos riscos da atividade. Em último nível, apenas o caso fortuito externo e a
força maior rompem com a relação obrigacional, na medida em que ambos são
inevitáveis e irresistíveis. O mestre Agostinho Alvim resume os dois níveis de
excludentes ao asseverar que se “a responsabilidade fundar-se na culpa, bastará o caso fortuito para exonerar o devedor”, porém, “se a responsabilidade
de devedor fundar-se no risco, então o simples caso fortuito não o exonerará.
Será mister haja força maior, ou, como dizem alguns, caso fortuito externo”.
E arremata com precisão: “A força maior, portanto, é o fato externo que não se
liga à pessoa ou à empresa por nenhum laço de conexidade. Enquanto o caso
fortuito, propriamente, traduz a hipótese em que existe aquele nexo”16.
Exemplo típico para explicar essa gradação é a do acidente de transporte.
O microssistema especial é da modalidade objetiva agravada, isto é, apenas a
força maior e o fato da vítima são excludentes de nexo causal. Disso resulta que
não socorre ao transportador comprovar que não teve culpa no acidente, como
15 No particular, conferir o trabalho do professor Carlos Alberto Dabus Maluf: Do caso fortuito e da força
maior excludentes de culpabilidade no Código Civil de 2002. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES,
Jônes Figueiredo (Coord.). Novo Código Civil. Questões controvertidas. Responsabilidade civil. São
Paulo: Método, 2006.
16 Alvim, Da inexecução das obrigações e suas consequências, p. 315-316, passim.
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também não basta provar que houve um fortuito interno, como um estouro do
pneu ou a quebra da barra de direção do veículo, na medida em que continuará
havendo uma relação de conexidade entre o dano e a sua atividade. Apenas
o evento externo, inevitável e irresistível o exonerará, configurando-se força
maior, como no caso de uma tempestade inesperada ou a ação de um assaltante que atira de fora do ônibus, ferindo um passageiro. O principal evento que
gerou discussões na jurisprudência foi justamente o assalto ou roubo, tendo
o entendimento se pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ao
classificá-lo como força maior, ou seja, externo e irresistível, e não como risco
conexo à atividade empresarial (caso fortuito interno)17.
Com acerto observou Erik Frederico Gramstrup que há tendência em
confundir responsabilidade sem culpa com responsabilidade por risco integral,
as quais são absolutamente diferentes. Afirma ele que não se pode extrair da
desnecessidade de provar culpa que não haja outros requisitos, notadamente
a possibilidade de prova das excludentes de responsabilidade, no que chamou
de “salto heroico” o que é praticado por grande parte dos autores ao derivar da
objetivação da responsabilidade a integralidade do risco18. O “salto heroico”
é também observado, com frequência, na jurisprudência trabalhista, quando
se reconhece que a atividade da empresa é de risco e a responsabilidade civil
é objetiva, já avançando para a condenação direta pelos danos sofridos pelos
empregados, sem investigar a presença do nexo de causalidade (ou quais das
excludentes de nexo causal estão demonstradas). É deveras comum os julgados
especializados não admitir o fato de terceiro como uma excludente de nexo,
justamente por confundir responsabilidade civil objetiva com responsabilidade
civil por risco integral.
A teoria geral da responsabilidade civil considera o grau de culpa das
partes da relação jurídica como relevantes para o fim de fixação do valor da
17 “Responsabilidade civil. Transporte coletivo. Assalto à mão armada. Força maior. Constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora o fato inteiramente estranho ao transporte em
si, como é o assalto ocorrido no interior do coletivo. Precedentes” (STJ, REsp 435.865/RJ, Rel. Min.
Barros Monteiro, DJ 12.05.03); “Provado o roubo da mercadoria, sob ameaça de arma, fica evidente,
na linha dos precedentes, que há força maior a excluir a responsabilidade do transportador” (STJ, REsp
110.099/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 09.12.97); e “(...) parte da jurisprudência
defende que a frequência e notoriedade desses eventos retiram-lhe o caráter de força maior capaz de
exonerar o transportador de sua responsabilidade, cabendo-lhe tomar providências para evitá-los.
Restou, no entanto, que não deve prevalecer tal entendimento. O que define tais ocorrências não é a
imprevisibilidade, mas, ao contrário, sua inevitabilidade, não devendo ser atribuído poder de polícia
a tais empresas, em substituição ao Estado a quem cabe zelar pela segurança pública” (STJ, REsp
164.155/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 03.05.99). No mesmo sentido, é a doutrina de Carlos
Alberto Dabus Maluf, Do Caso Fortuito e da Força Maior (p. 56).
18 Gramstrup, Responsabilidade objetiva na cláusula geral codificada, p. 139.
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indenização; se houve dolo ou a culpa do ofensor foi grave, leve ou levíssima,
a lei possibilita a redução equitativa do valor da indenização (CC, art. 944); se
também houve culpa do ofendido no evento, a lei possibilita a redução proporcional no valor da indenização (CC, art. 945).
No macrossistema de responsabilidade civil objetiva, que tem o traço
comum de que em todas as espécies se dispensa a investigação do elemento
culpa do causador do dano, é inaplicável a disposição do art. 944, parágrafo
único, do Código Civil19. De outro lado, quanto à participação do ofendido,
ela será relevante juridicamente, tanto quando é só dele a culpa pelo evento,
hipótese em que haverá rompimento do nexo causal (fato da vítima, impropriamente chamada de culpa exclusiva da vítima), assim como quando a vítima
contribuir em parte para o dano, ocasião em que a indenização será reduzida,
cuja inovação na lei brasileira espelhou-se na moderna legislação portuguesa
sobre acidentes de trabalho20.
Observamos nesse tópico que os diversos microssistemas do grande gênero objetivo irão prever especificidades, como a possibilidade de demonstração
das excludentes de nexo de causalidade, nas modalidades de responsabilidade
objetiva normal, ou a vedação legal expressa de se invocar uma delas, na modalidade objetiva agravada, assim como, em hipóteses alheias aos acidentes de
trabalho, há na legislação nacional duas adoções legislativas da teoria do risco
integral, quando o ofensor não pode alegar nenhuma das excludentes.
Coerente com o reconhecimento da vigência de dezenas de microssistemas de responsabilidade civil é que se faz impositiva a aceitação de que em
cada um deles há eleição legislativa de um prazo de prescrição para o exercício
da pretensão. A prescrição tem natureza jurídica material e, por isso, são nos
regramentos materiais onde os juristas irão encontrar os respectivos prazos
19 O Enunciado nº 46 da I Jornada de direito civil diz que: “A possibilidade de redução do montante
da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do art. 944 do
novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da
reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva”, cuja posição
é compartilhada por Regina Beatriz Tavares da Silva: “O parágrafo único deste artigo adota a teoria
da gradação da culpa, a influenciar o quantum indenizatório, mas somente possibilita sua diminuição
diante de desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Esse parágrafo é inaplicável nas hipóteses
de responsabilidade objetiva em que não há apuração da culpa e, portanto, descabe a diminuição da
indenização consoante o critério aqui estabelecido” (Da responsabilidade civil, p. 855).
20 Em comentários ao Código do Trabalho português de 2009 e a Lei de Acidentes de Trabalho de 1997
a professora Maria do Rosário de Palma Ramalho anota que “sendo a responsabilidade por acidente de
trabalho uma responsabilidade objectiva pelo risco, a lei não deixa de valorizar o elemento subjectivo
da culpa para efeitos de conformação concreta da reparação devida pelo facto acidentário. Assim, a
culpa do trabalhador ou de terceiro no acidente pode constituir causa de exclusão ou de redução da
responsabilidade do empregador” (Direito do trabalho, p. 833).
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prescricionais. Reafirmamos, com isso, que os prazos prescricionais para
pretensão de responsabilidade decorrente de acidente de trabalho são diversos
e especiais, não se confundindo com o prazo trabalhista genérico previsto no
art. 7º, XXIX, da Constituição, aplicável apenas às verbas de natureza jurídica
trabalhista em sentido estrito e não de natureza jurídica civil21.
4 – MICROSSISTEMAS DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
4.1 – Acidente nuclear
A Convenção de Viena, de 21 de maio de 1963, cuidou da responsabilidade por danos nucleares, fixando a diretriz de que a responsabilidade do
operador nuclear independe de prova da culpa, normativa internacional que
influenciou a aprovação de uma das primeiras legislações especiais brasileiras
que reconheceu a responsabilidade civil objetiva para determinada atividade
de risco (Lei nº 6.453, de 1977), dizendo em seu art. 4º que: “Será exclusiva
do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente
da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear
causado por acidente nuclear”. Ocorre que a citada lei excluiu a sua incidência
dos acidentes de trabalho ao estatuir que: “As indenizações pelos danos causados aos que trabalham com material nuclear ou em instalação nuclear serão
reguladas pela legislação especial sobre acidentes do trabalho” (art. 17). Enfim,
após o ano de 1977, todas as possíveis vítimas de danos nucleares gozavam
da proteção da responsabilidade civil objetiva, facilitadora para obtenção da
reparação, a exceção dos empregados dos operadores nucleares, pois não havia
uma legislação de responsabilidade civil especial para os empregados e nem
fora aprovada nos anos que se seguiram, estando, com efeito, submetidos às
regras da responsabilidade aquiliana do vigente Código Civil de 1916.
A Constituição Federal de 1988 reafirmou no art. 21, XXIII, que os danos
ocasionados por atividade nuclear sujeitam objetivamente os seus responsáveis, no que ela recepcionou a regulamentação da Lei nº 6.453, de 1977, em
essência. A questão passa a se concluir se a regra de exceção do art. 17 também
for recepcionada, na medida em que a regra constitucional não estabeleceu
restrição à aplicação da responsabilidade civil objetiva aos acidentes nucleares
com os trabalhadores. A maioria dos juristas concluiu que alguns artigos da Lei
nº 6.453, de 1997, principalmente aqueles que estabeleciam restrições – como
21 Para aprofundamento v. MOLINA, André Araújo. A prescrição das ações de responsabilidade civil
na justiça do trabalho. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, ano XVIII, n. 217, julho de 2007,
p. 79-110.
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a limitativa do valor das indenizações, a excludente da proteção aos empregados – não teriam sido recepcionados, em função do princípio interpretativo
de que possuem máxima efetividade as normas constitucionais, devendo o
intérprete optar por aquela interpretação que confira maior expansividade aos
direitos fundamentais. Também em nosso sentir, desde a Constituição de 1988
a responsabilidade pelos acidentes nucleares causados aos empregados das
operadoras é integrante do gênero objetivo.
Para encerrar qualquer resquício de discussão, a Convenção de Viena, de
21 de maio de 1963, passou a ter validade interna com o Decreto Presidencial nº
911, de 1993, de modo que as suas disposições passaram a pertencer ao direito
interno com status atual de supralegalidade22, em cuja norma internacional não
há restrição quanto à aplicação aos empregados das operadoras nucleares, por
corolário revogou diretamente o art. 17 da Lei nº 6.453, de 1977, para aqueles
que ainda o entendia recepcionado.
A normatização atual sobre os acidentes nucleares é formada pelo art.
21, XXIII, da Constituição de 1988, regulamentado pela Convenção de Viena
de 1963 e complementado, residualmente, por algumas das disposições da Lei
nº 6.453, de 1977, que passaram pelo duplo filtro da recepção constitucional e
da compatibilidade convencional com o tratado internacional23.
O fato de a responsabilidade civil por acidentes nucleares ser do gênero
objetivo apenas remete à conclusão de que a sua caracterização independe
de prova da culpa, contudo os seus requisitos específicos, as excludentes e a
prescrição estão previstos no microssistema especial.
A vítima deve provar a existência do dano e o nexo causal entre aquele
e a atividade nuclear24 para obter a condenação do operador nas indenizações,
22 A posição atual do Supremo Tribunal Federal é que os tratados internacionais sobre direitos humanos
que foram aprovados e internalizados terão hierarquia supralegal ou constitucional, conforme tenham
sido aprovados aqui pelo quórum qualificado do art. 5º, § 3º, da Constituição, respectivamente. No caso
da Convenção de Viena, ela não foi aprovada com quórum qualificado, logo possui status supralegal,
trazendo como primeira consequência a revogação de toda a legislação infraconstitucional com ela
incompatível. Para maiores aprofundamentos quanto ao tema dos tratados internacionais e o Direito do
Trabalho v. MOLINA, André Araújo. Imunidade jurisdicional das pessoas jurídicas de direito público
externo: um diálogo com Georgenor de Souza Franco Filho, Revista IOB Trabalhista e Previdenciária,
ano XXII, n. 253, julho de 2010, p. 17-30.
23 Sobre o duplo controle de constitucionalidade e convencionalidade v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira.
Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010.
24 “Lei nº 6.453, de 1977, art. 1º Para os efeitos desta Lei considera-se: (...) VII – ‘dano nuclear’, o dano
pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua
combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se
encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados; VIII – ‘acidente nuclear’, o
fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear;”
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além de a legislação imputar à União a responsabilidade subsidiária em caso
de o operador nuclear não possuir recursos suficientes.
Entre as excludentes de responsabilidade reconhecidas pelo microssistema
está o fato exclusivo da vítima25 e o acidente causado por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza26. O fato de
terceiro não exclui o dever de indenizar, pois o art. 6º da Lei nº 6.453, de 1977,
reconheceu o fato da vítima como excludente “apenas em relação a ela”, o que
significa que o dano nuclear causado por um indivíduo exonera o operador nuclear
do dever de indenizar o referido indivíduo, mas não outras vítimas do acidente.
Analisando o acidente, tendo em foco a relação jurídica entre o operador e as outras
vítimas, o fato causado pelo primeiro indivíduo é fato de terceiro e não exonera
o operador nuclear. O operador, além de indenizar as outras vítimas, ainda que o
acidente tenha origem em fato de terceiro, somente terá ação regressiva contra o
terceiro se provar o dolo desse último e não mera atuação culposa27.
No conceito de acidente nuclear, para efeito de submissão ao microssistema de responsabilidade, não se enquadram as atividades empresárias que
submetem seus empregados aos efeitos de radiações ionizantes, como hospitais,
clínicas e laboratórios de análises clínicas28, o que não afasta a possibilidade de
se enquadrar o acidente nos limites da cláusula geral por atividade de risco do
art. 927, parágrafo único, do novo Código Civil, mas, nesse caso, deverá haver
comprovação do risco acentuado, o prazo prescricional será o da lei civil e as
excludentes àquelas do Código Civil de 2002.
O prazo prescricional para o exercício da pretensão de responsabilidade
civil nos acidentes nucleares é de dez anos, contados da data do acidente nuclear29.
4.2 – Acidente ambiental
A Constituição Federal de 1988 enunciou direitos fundamentais de
todas as dimensões – direitos de liberdade, igualdade e solidariedade –, entre
25 “Lei nº 6.453, de 1977, art. 6º Uma vez provado haver o dano resultado exclusivamente de culpa da
vítima, o operador será exonerado, apenas em relação a ela, da obrigação de indenizar.”
26 “Lei nº 6.453, de 1977, art. 8º O operador não responde pela reparação do dano resultante de acidente
nuclear causado diretamente por conflito armado, hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional
fato da natureza.”
27 “Convenção de Viena, art. X. O operador só terá direito de regresso: (...) b) quando o acidente nuclear
decorrer de ação ou omissão com intento danoso, caso em que se responsabilizará quem agiu ou deixou
de agir dolosamente.”
28 “Lei nº 6.453, de 1977, art. 16. Não se aplica a presente Lei às hipóteses de dano causado por emissão
de radiação ionizante quando o fato não constituir acidente nuclear.”
29 Convenção de Viena, art. VI, 1, e Lei nº 6.453, de 1977, art. 12.
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os quais se encontra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. O estudo sistêmico do texto constitucional revela ao intérprete
a preocupação do constituinte com o meio ambiente em quatro perspectivas:
natural ou físico, artificial, cultural e do trabalho30. A eficácia do princípio geral do meio ambiente equilibrado gerou reflexos especificamente nos limites
do Direito do Trabalho com a necessidade de redução dos riscos inerentes ao
trabalho por intermédio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, Art. 7º,
XXII) e com a implementação pelo Sistema Único de Saúde da proteção do
meio ambiente do trabalho (CF, Art. 220, VIII).
O meio ambiente do trabalho é conceituado por Celso Antonio Pacheco
Fiorillo como o local onde as pessoas desempenham as suas atividades laborais, remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio
e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade psicofísica dos
trabalhadores, independente da condição jurídica que ostentem, ou seja, o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado pertence a todas as espécies de
trabalhadores, empregados, servidores públicos, autônomos, temporários, etc.31.
O art. 225, § 3º, da Constituição Federal garante a repercussão dos danos
ambientais em três esferas diferentes, quais sejam administrativa, criminal e
civil. Pela perspectiva da reparação civil o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81
impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de
terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, com a particularidade que “Sem obstar
a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,
independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”, havendo
opção pela responsabilidade civil objetiva, quando o legislador dispensou a
demonstração de culpa.
Também da interpretação do art. 225 da Constituição extrai-se os princípios inerentes ao direito ambiental: da prevenção32, da educação, do desen30 Arts. 5º, XXIII, 21, XX, 170, VI, 182, 196, 216, 220, VIII, e 225. A vertente natural engloba a terra, a
água, o ar atmosférico, a flora e a fauna, a vertente artificial abrange o espaço urbano construído, quer
através de edificações, quer por meio de equipamentos públicos, a vertente cultural abarca o patrimônio histórico, artístico, paisagístico, arqueológico e turístico, e a vertente trabalhista alberga o meio
ambiente do trabalho, que prima pela vida, pela dignidade e pela saúde do trabalhador, rechaçando a
insalubridade, periculosidade e à desarmonia no ambiente de trabalho.
31 Curso de direito ambiental brasileiro, p. 21.
32 Em relação ao princípio da prevenção em tema de direito ambiental do trabalho e a exigência das
tutelas processuais mandamentais como mecanismos processuais adequados, consultar: CESÁRIO,
João Humberto. Técnica processual e tutela coletiva de interesses ambientais trabalhistas. São Paulo:
LTr, 2012.
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volvimento sustentável, do poluidor-pagador, da participação e da ubiquidade,
aplicáveis ao Direito do Trabalho.
Por sua vez, as normas infraconstitucionais trabalhistas que materializam o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado são as
normas internacionais ratificadas e internalizadas33, que ocupam o status de
supralegalidade, a CLT (Capítulo V), a Lei nº 7.369/85 (trabalho por contato
com energia elétrica), a Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego (com as suas normas regulamentadoras – NRs) e a Portaria nº 3.393/87
(trabalho com radiações ionizantes ou substâncias radioativas). Objetivamente,
todos aqueles que estão submetidos ao meio ambiente do trabalho – gerentes,
empregados, estagiários, voluntários, autônomos – possuem o direito subjetivo
de que as normas dos tratados internacionais, das Leis ns. 6.938/81 e 7.369/85,
do Capítulo V da CLT, das NRs da Portaria nº 3.214/78 e da Portaria nº 3.393/87
sejam integralmente atendidas. Se não o forem, havendo ocorrência de danos,
estar-se-á diante de acidente ambiental do trabalho, sujeitando-se o poluidor à
reparação independente de apuração de ato ilícito ou culpa.
Existe grande cizânia doutrinária acerca da espécie de risco abraçada
pelo sistema ambiental brasileiro, pois nem a Constituição, nem a lei regulamentadora fazem a opção de forma expressa. Há aqueles que defendem a
modalidade por risco integral, quando nenhuma excludente de nexo causal
seria admitida34, assim como outros são da posição que a teoria adotada foi a
do risco criado, quando se admite as excludentes clássicas de nexo causal35.
Annelise Monteiro Steigleder, com apoio em extensa pesquisa de direito com33 Convenção nº 115 da OIT sobre a proteção dos trabalhadores contra radiações ionizantes (Decreto nº
61.151/68), Convenção nº 136 da OIT sobre a proteção contra os riscos de intoxicação provocados
por benzeno (Decreto nº 1.253/94), Convenção nº 139 da OIT sobre a prevenção e controle de riscos
profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos (Decreto nº 157/91), Convenção nº
148 da OIT sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação
do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho (Decreto nº 93.413/86), Convenção nº 152 da OIT
relativa à segurança e higiene nos trabalhos portuários (Decreto nº 99.534/90), Convenção nº 155 da
OIT sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho (Decreto nº 1.254/94),
Convenção nº 162 da OIT sobre a utilização do asbesto com segurança (Decreto nº 126/91), Convenção
nº 164 da OIT sobre a proteção da saúde e a assistência médica aos trabalhadores marítimos (Decreto
nº 2.671/98), Convenção nº 167 da OIT sobre a segurança e saúde na construção (Decreto nº 6.271/07),
Convenção nº 170 da OIT relativa à segurança na utilização de produtos químicos no trabalho (Decreto
nº 2.657/98), Convenção nº 174 da OIT sobre a prevenção de acidentes industriais maiores (Decreto
nº 4.085/02) e a Convenção nº 176 da OIT sobre segurança e saúde nas minas (Decreto nº 6.270/07).
34 Desse grupo fazem parte Sergio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade civil, p. 164), Édis
Milaré (A tutela jurídico-civil do ambiente, p. 33), Nelson Nery Jr. (Responsabilidade civil por dano
ecológico e a ação civil pública, p. 38), Antonio Herman Benjamin (Responsabilidade civil pelo dano
ambiental) e José Afonso da Silva (Direito ambiental constitucional, p. 322).
35 Entre outros estão: Toshio Mukai (Direito ambiental sistematizado, p. 61) e Andreas Joachim Krell
(Concretização do dano ambiental: algumas objeções à teoria do risco integral, p. 14-15).
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parado, defende a posição intermediária de que apenas a força maior e o fato
de terceiro seriam causas excludentes, pois consistem em fatores externos,
desvinculados ao empreendimento, nada tendo a ver com os riscos intrínsecos
à atividade ou estabelecimento36. Essa também é a nossa posição, pois a teoria
do risco integral é excepcionalíssima em nosso sistema de responsabilidade
objetiva, de modo que quando o legislador quis adotá-la o fez expressamente
(como no direito previdenciário e no seguro obrigatório para proprietários de
veículos), também pela razão de que a força maior e o fato de terceiro, quando
imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, não podem ser incluídos dentro da malha de responsabilidade do agente ambiental, por absoluta falta de conexidade
entre a atividade e o dano37.
Coerente com os pilares do macrossistema de responsabilidade objetiva,
em que não se investiga culpa ou ato ilícito do causador do dano, relembra
José Afonso da Silva que não libera o poluidor nem mesmo a prova de que
a atividade foi licenciada de acordo com o respectivo processo, já que as autorizações e licenças são concedidas com a inerente ressalva dos direitos de
terceiros prejudicados. Mesmo que o poluidor exerça a atividade dentro dos
padrões fixados pelas licenças administrativas, isso não o exonera de verificar
se sua atividade é prejudicial, se está ou não causando dano, quando é responsável objetivamente38.
Quando o dano ambiental for ocasionado por mais de um agente serão
todos eles solidariamente responsáveis pela reparação, na medida em que o
art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81 considera como poluidores as pessoas físicas ou
jurídicas que atuem, tanto direta como indiretamente, para causar a degradação
ambiental, solidariedade que atualmente foi reforçada pelo art. 942 do Código
Civil39.
Em relação à figura do Estado haverá sua responsabilidade em três diversas situações. Quando a pessoa jurídica de direito público causar diretamente
36 Responsabilidade civil ambiental, p. 182.
37 José Rubens Morato Leite aprofunda o tema ao asseverar que “o motivo de força maior, para sua
caracterização, requer a ocorrência de três fatores: imprevisibilidade, irresistibilidade e exterioridade.
Se o dano foi causado somente por força da natureza, como um abalo sísmico, sem a ocorrência do
agente poluidor, dita força maior, nestas condições, faz excluir o nexo causal entre o prejuízo e ação
ou omissão da pessoa a quem se atribui a responsabilidade pelo prejuízo. Porém, se, de alguma forma,
o agente concorreu para o dano, não poderá excluir-se da responsabilidade, prevalecendo a regra segundo a qual a imprevisibilidade relativa não exclui a responsabilidade do agente” (Dano ambiental,
p. 208-209).
38 Direito ambiental constitucional, p. 323.
39 Essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça, valendo-se consultar os recentes julgados da 2ª Turma,
REsp 1.056.540-GO, Relª Minª Eliana Calmon, DJ 14.09.09 e o REsp 647.493-SC, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ 22.10.07.
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um dano de natureza ambiental, será objetiva e diretamente responsável (CF,
art. 37, § 6º). Já na ocasião em que os danos forem causados diretamente pelas
empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, responderá
o Estado de forma solidária, pois ele é considerado o responsável indireto da
poluição ambiental, na forma do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81. Anote-se que
embora a Lei nº 8.987, de 1995, vede a imposição de responsabilidade ao Estado
nas modalidades de concessões e permissões de serviços públicos, considera
os autores e a jurisprudência a lei das concessões uma regra geral, que cede na
ocasião para a lei especial dos acidentes ambientais40. Pelo mesmo fundamento
o Estado é responsável solidário com o autor direto do dano quando se omite
na sua função de fiscalização das atividades poluidoras e na concessão sem
critério de autorizações administrativas e licenças ambientais41.
Não há na legislação específica ambiental prazo prescricional para a
pretensão reparatória. Houve longo dissenso doutrinário e jurisprudencial em
torno do tema, sedimentando-se o entendimento de que os danos ambientais
podem alcançar o coletivo e o individual. O art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81
impõe a reparação dos danos em favor do meio ambiente (direito difuso) e de
terceiros (direitos coletivos, individuais homogêneos ou individuais puros,
conforme a situação). Na primeira modalidade de danos aos direitos difusos,
a pretensão é imprescritível42 e, na segunda modalidade, o prazo é de 3 anos,
conforme art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Transportando as conclusões acima para as relações de trabalho, afirmamos que quando a vítima do dano ecológico for o trabalhador, incidirá na sua
relação jurídica, que o enlaça ao tomador de sua mão de obra, o microssistema
por danos ambientais, no qual a responsabilidade civil do poluidor é objetiva,
independente de prova de culpa e ato ilícito, podendo haver a comprovação
das excludentes de nexo causal por força maior e fato de terceiro, desde que
40 Por todos: STJ, 2ª Turma, REsp 28.222-SP, Relª Minª Eliana Calmon, DJ 15.02.01.
41 Por todos: STJ, 2ª Turma, REsp 604.725-PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 22.08.05.
42 “(...) 4. O dano ambiental, além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade
local, não indígena e para futuras gerações, pela irreversibilidade do mal ocasionado. 5. Tratando-se
de direito difuso, a reparação civil assume grande amplitude, com profundas implicações na espécie
de responsabilidade do degradador que é objetiva, fundada no simples risco ou no simples fato da
atividade danosa, independentemente da culpa do agente causador do dano. 6. O direito ao pedido
de reparação de danos ambientais, dentro da logicidade hermenêutica, está protegido pelo manto da
imprescritibilidade, por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos
povos, independentemente de não estar expresso em texto legal. 7. Em matéria de prescrição cumpre
distinguir qual o bem jurídico tutelado: se eminentemente privado, seguem-se os prazos normais das
ações indenizatórias; se o bem jurídico é indisponível, fundamental, antecedendo a todos os demais
direitos, pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer, considera-se imprescritível o
direito à reparação.” (STJ, 2ª Turma, REsp 1.120.117-AC, Relª Minª Eliana Calmon, DJ 19.11.09)
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imprevisíveis, irresistíveis e exteriores. Segue que, a depender da situação
concreta, o Estado responderá solidariamente pela reparação, devendo integrar
a relação jurídica processual43. O prazo de prescrição é de três anos, a teor do
art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
Os exemplos multiplicam-se, conforme haja o enquadramento nas normas
de proteção ao meio ambiente do trabalho. Considera-se acidente ambiental
do trabalho a doença que acometeu motorista profissional de ônibus em razão
de sua submissão às vibrações, por adequação à Convenção nº 148 da OIT,
como também é acidente ambiental o causado pela explosão de uma caldeira
em frigorífico, por adequação na NR-13, e a morte do operário pela descarga de
energia elétrica de alta tensão, por enquadrar-se na Lei nº 7.369/85, incidindo
o microssistema de responsabilidade objetiva do empregador nesses casos,
ajustando-se à figura do poluidor. Significa dizer que ainda que o empregador
tenha tomado todos os cuidados impostos pela legislação, como a entrega de
EPI, instalação de dispositivos de segurança, treinamento dos empregados, entre
outros, tais fatos não o exime da responsabilização, salvo se comprovar força
maior ou fato de terceiro, imprevisíveis, irresistíveis e exteriores, afastando a
relação de conexidade entre a atividade e o dano ambiental.
4.2.1 – Acidente ambiental biológico
A Lei nº 11.105, de 2005, regulamentou o art. 225 da Constituição de
1988 para estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados, considerando dentro da incidência legislativa as atividades de construção, cultivo, produção, manipulação, transporte, transferência, importação,
exportação, armazenamento, pesquisa, comercialização, consumo, liberação no
meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados e seus
derivados, cujos danos causados sujeitam os seus responsáveis, solidariamente
e independentemente da existência de culpa, à responsabilização civil objetiva
(art. 20), no que a legislação especial apenas reafirmou a objetividade civil da
responsabilidade, pois o acidente biológico é uma espécie de dano ambiental.
43 Essa também é a posição do Enunciado nº 38 da 1ª Jornada de Direito do Trabalho promovida pela
Anamatra e pelo TST de 2007: “RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas doenças ocupacionais
decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva.
Interpretação sistemática dos arts. 7º, XXVIII, 200, VIII, e 225, § 3º, da Constituição Federal e do art.
14, § 1º, da Lei nº 6.938/81”.
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Inserem-se no conceito de acidente biológico todos aqueles verificados
a partir das atividades com os organismos geneticamente modificados, como
nas indústrias farmacêuticas, de herbicidas agrícolas, sementes transgênicas,
alimentícias, entre tantas outras, expondo os seus empregados ao risco de
acidentes ou doenças.
A doença ocupacional contraída por empregado que manipula organismo
geneticamente modificado na atividade de pesquisa para a qual foi contratado,
sujeita o empregador na responsabilidade objetiva, devendo o empregado apenas provar dano e nexo causal, ou seja, relação de conexidade entre a doença
desenvolvida e o organismo geneticamente modificado manipulado, mesmo que
o empregador tenha tomado todas as medidas de proteção, como treinamento,
oferecimento de equipamentos de proteção e que possua licença para a atividade.
Por se tratar espécie de dano ambiental, socorre o empregador apenas a prova
de uma das duas excludentes de nexo causal admitidas: o fato de terceiro e a
ocorrência de força maior, externa, irresistível e imprevisível.
4.3 – Acidente de transporte
Já vimos no tópico introdutório que o advento do maquinismo e das diversas formas de transporte é que empolgaram os doutrinadores a desenvolver
as teorias de responsabilidade civil, na medida em que essas descobertas da
sociedade industrial potencializaram a ocorrência de acidentes, tanto com os
trabalhadores como com os usuários dos novos meios de transporte em geral;
por exemplo, a primeira legislação brasileira a recolher a teoria subjetiva com
presunção de culpa se deu no transporte ferroviário. É por essa razão que houve
caudalosa atividade legislativa, nacional e internacional, acerca dos acidentes
de transporte, em todas as suas modalidades, invariavelmente adotando a responsabilidade civil objetiva. Com a promulgação da Constituição de 1988 todos
esses microssistemas foram recepcionados, com o reforço constitucional quanto
à adoção da teoria objetiva, na medida em que o transporte aéreo, aeroespacial,
ferroviário, aquaviário, rodoviário interestadual e internacional de passageiros,
além do transporte coletivo municipal, são considerados serviços públicos (CF,
arts. 21 e 30) e as empresas privadas delegatárias que os executam respondem
objetivamente (art. 37, § 6º).
O novo Código Civil unificou a teoria objetiva para todas as modalidades
de transporte (art. 734), optando pela espécie objetiva agravada, admitindo
apenas a força maior como uma excludente de nexo causal, afastando, expressamente, a alegação de fato de terceiro como possível excludente (art. 735) e
também caso fortuito, enquanto eventos imprevisíveis, porém inerentes aos
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riscos da atividade (art. 741). Da leitura do art. 738 depreende-se que também o
fato exclusivo da vítima é relevante para a fixação da indenização, reduzindo-a
equitativamente conforme a vítima houver concorrido para o dano, a fortiori,
concorrendo sozinha a vítima para a ocorrência do dano, haverá fato exclusivo
e o rompimento do nexo causal. Rui Stoco também defende que: “se o dano
decorrer de transgressão de normas e instruções por parte da vítima e essa for a
única causa eficiente do dano, estaremos diante de hipótese de culpa exclusiva
da vítima, circunstância que rompe o nexo causal entre o transportador e o dano
e exsurge como causa excludente de responsabilidade”44.
Com percuciência observa Fernando Noronha que a empresa de transporte urbano responde pelos danos sofridos por passageiros em consequência
de colisão por terceiro (mesmo que por culpa exclusiva deste), como a empresa
ferroviária responde pelas lesões sofridas por pingentes que viagem sobre o
teto dos vagões45.
Ressalvou o Código Civil, por outro lado, a recepção dos microssistemas de responsabilização das empresas permissionárias, concessionárias e
autorizadas pelo Estado (art. 731) e as demais legislações especiais, inclusive
internacionais (art. 732). Significa dizer que as regras gerais para todas as
modalidades de transportes estão previstas no Código Civil, principalmente a
responsabilidade civil na espécie objetiva agravada – com admissão de apenas
força maior e fato exclusivo da vítima como excludentes de nexo causal –, ficando para os microssistemas especiais a pormenorização dos seus demais efeitos.
A questão passa a ser a seguinte: quem são as pessoas que se inserem na
relação jurídica prevista no Código Civil, são apenas os passageiros, ou também
empregados do transportador e terceiros? A partir dos textos dos arts. 730 e 736, a
nossa interpretação é a de que podem ocupar os polos da relação qualquer pessoa
física ou jurídica na qualidade de transportador e qualquer pessoa física ou jurídica na qualidade de contratante, cujo objeto dessa relação é o transporte de um
lugar para outro de pessoas ou coisas. A obrigação poderá ser onerosa ou gratuita,
havendo retribuição pecuniária pelo transporte ou quando o transportador a faz
graciosamente, mas obtendo vantagens indiretas. A lei exclui, expressamente, da
sua incidência o transporte gratuito, quando realizado por amizade ou cortesia.
Segue que, em nossa opinião, poderá o microssistema incidir nas relações
de trabalho, na medida em que o empregador forneça o transporte para levar seus
empregados de um lugar para outro, havendo cobrança de valores ou mesmo
44 Tratado de responsabilidade civil, p. 309.
45 Noronha, Responsabilidade civil, p. 37.
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graciosamente, nesse último amoldar-se-á ao transporte gratuito com ganhos
indiretos. São exemplos o transporte itinerário, de casa ao local de trabalho,
o transporte de empregado que presta labor fora do estabelecimento empresarial, visitando clientes. Excluiu-se, de outra banda, da incidência normativa
as relações em que os empregados são os motoristas dos veículos, pois aqui
perde ele a condição de transportado, passando a ser agente de eventual dano.
Refinando as situações é de se exemplificar o caso de uma empresa que compra
um micro-ônibus e contrata um motorista para transportar seus empregados de
casa para o local de trabalho. Havendo acidente com o veículo, causando danos
aos passageiros, a relação jurídica entre os transportados e o empregador incidirá nas malhas do microssistema civil por acidente de transporte, ressalvado o
motorista, em relação ao qual incidirá outras normas. Na última relação jurídica
poderá ser que até outro microssistema de responsabilidade civil objetiva venha
a aplicar-se, por exemplo, se comprovar o motorista que a atividade era de risco (cláusula geral codificada), ou mesmo delegação de serviço público (risco
administrativo); não havendo a incidência de nenhum outro microssistema de
responsabilidade objetiva, recolhê-lo-á na teoria subjetiva.
Excluem-se, também, do microssistema os terceiros que, não sendo transportados, possam sofrer danos com a atividade, como pedestres atropelados,
passageiros do outro veículo abalroado, etc.
Acrescentamos em alento à nossa tese que os empregados enquadram-se
no conceito de “pessoas transportadas” do art. 734, para fins de submissão ao
sistema de responsabilidade. O legislador civil quando quis pormenorizar, fez
a expressa referência aos passageiros de forma específica (art. 739), divisando
a espécie do conceito amplo de pessoas transportadas. Também uma leitura da
legislação civil à luz da Constituição Federal levaria à mesma conclusão, pois
o art. 37, § 6º, protege tanto os empregados, usuários e terceiros de forma objetiva pelos danos causados pelas empresas permissionárias e concessionárias
de serviços públicos46.
Por essas razões, aplaudimos a jurisprudência do Tribunal Superior do
Trabalho que já é remansosa na aceitação das disposições do Código Civil
para regular as relações trabalhistas em que o empregador concede transporte
aos empregados, ocupando esses a condição de pessoas transportadas, ainda
46 Não é essa, contudo, a posição de Sergio Cavalieri Filho, para quem a responsabilidade do Código Civil
aplica-se apenas em relação aos passageiros, daí que os empregados sujeitam-se à indenização aquiliana
de direito comum, havendo culpa ou dolo do empregador, conforme art. 7º, XXVIII, da Constituição
(Programa de responsabilidade civil, p. 315). Parece-nos que o autor sequer admite a aplicação da
teoria objetiva aos empregados, por entender que o elemento dolo ou culpa presente na Constituição
é indispensável.
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que de forma gratuita, pois, mesmo que não haja cobrança de tarifa, haverá
sempre proveito indireto pelo empregador, amoldando-se à previsão do art.
736, parágrafo único, do Código Civil47.
Nas oportunidades em que o empregador contrata terceiros para transportar seus empregados, assume ele a responsabilidade objetiva indireta pelos
danos que ocorrer aos transportados. A responsabilidade encontra regência no
art. 932, III, do Código Civil, na medida em que o terceiro contratado é juridicamente preposto do empregador. E o preposto da lei civil não se confunde com
o preposto representante do empregador nas audiências trabalhistas; enquanto
esse deve ostentar a condição de empregado, na forma da Súmula nº 377 do
TST, o preposto da lei civil não, bastando configurar a relação de direção com
o preponente, com subordinação hierárquica ou não, com habitualidade ou
não. Para Sílvio de Salvo Venosa, o conceito de empregado é perfeitamente
definido, mas não o é o de preposto. Nesse último, inserem-se todas as figuras
intermediárias, nas quais surge mitigada a ideia de poder diretivo; o vínculo de
subordinação é tênue. “Não é necessário que essa relação tenha caráter oneroso:
aquele que dirige veículo a pedido de outrem, ainda que de favor, tipifica a
noção de preposto. A responsabilidade surge, como mera explicação, porque
se escolheu mal o preposto, culpa in eligendo, ou porque não foram dadas a
ele as instruções devidas, culpa in instruendo, ou porque não houve a devida
vigilância sobre a conduta do agente, culpa in vigilando”48.
Rui Stoco, após revisar extensa doutrina nacional e estrangeira, conclui
que o empregador responde objetivamente pelos atos de todos aqueles que
desempenham atividades sob suas ordens, com vínculo de emprego, mera
prestação de serviços eventuais ou prepostos a quem o tomador de serviços
delegou funções que, originalmente, lhe pertencem. Dessa relação surge um
47 “RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL E ESTÉTICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
TRANSPORTE DE TRABALHADORES. ACIDENTE DE TRÂNSITO. O cerne da controvérsia
está em saber se a primeira reclamada poderia ser responsabilizada de forma objetiva pelo acidente
de trânsito que vitimou o reclamante durante o trajeto percorrido até o local de trabalho por transporte
por ela fornecido e conduzido por preposto seu, não obstante o acidente tenha sido causado por culpa
de terceiro. A modalidade de responsabilidade civil a incidir no caso é a objetiva, pois se trata de
responsabilidade do transportador, regulada de forma específica no diploma civil, aplicável ao caso
de forma subsidiária. Certo que não há falar em transporte desinteressado, ainda que o acidente tenha
decorrido de culpa de terceiro, a reclamada é responsável pela indenização pelos danos sofridos no
acidente, o que não elide eventual ação regressiva sua contra o terceiro causador do acidente. Incidência
do art. 734 do CC e da Súmula nº 187 do STF. Precedentes do STJ e da 3ª Turma do TST. Recurso de
revista não conhecido” (TST, 2ª Turma, RR 81300-68.2009.5.08.0115, Rel. Min. Guilherme Augusto
Caputo Bastos, DEJT 04.11.2011). No mesmo sentido, a seguinte decisão de outra turma do Tribunal:
(TST, 8ª Turma, AIRR 806-26.2011.5.15.0028, Red. desig. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT
14.09.2012).
48 Venosa, Direito civil, p. 69.
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vínculo de subordinação, pois o subordinado passa a agir em nome ou por
ordem do preponente49.
O artigo referido diz que são também responsáveis os empregadores pelos
atos dos seus prepostos, significando que tanto àqueles como esses são juridicamente responsáveis solidários pela obrigação, na forma do art. 942 do Código
Civil, devendo figurar ambos na relação jurídica processual indenizatória.
4.3.1 – Acidente de transporte ferroviário
A atividade de transporte ferroviário de passageiros e cargas é regulada
pelos Decretos ns. 2.681/1912, 2.089/63 e 1.832/96, contudo, os dispositivos
dos antigos decretos que ainda continuam em vigor referem-se aos danos causados às bagagens e aos proprietários marginais, tendo o regramento, quando ao
acidente com as pessoas transportadas, recebido inteira regulamentação pelas
normas gerais do Código Civil e pela teoria objetiva pelo risco administrativo
do art. 37, § 6º, da Constituição, de modo que remetemos aos tópicos 4.3 e 4.4.
O art. 47 do Decreto nº 1.832/96 reforça a regra geral da lei civil de que
o fato exclusivo da vítima rompe o nexo causal, excluindo o dever de indenizar
pela empresa transportadora.
4.3.2 – Acidente de transporte aeronáutico
Quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, tanto a
Convenção de Varsóvia de 1929 (Decreto nº 20.704/1931) quanto o Código
Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) foram recepcionados para regular
os acidentes aeronáuticos. Posteriormente, o Brasil promulgou a Convenção
de Montreal de 1999 (Decreto nº 5.910/06), que trata de unificar regras sobre
transporte aéreo internacional, substituindo a antiga Convenção de Varsóvia
e outras normas internacionais sobre a temática. Atualmente, e atendendo ao
mandamento do art. 178 da Constituição, a Convenção de Montreal regula o
transporte aéreo internacional e o Código Brasileiro de Aeronáutica o transporte
aéreo nacional ou interno.
Os julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça aplicam o Código
de Defesa do Consumidor, de forma supletiva, a ambos os sistemas de acidentes aeronáuticos, entretanto, quanto ao tema dos acidentes de trabalho, nosso
objeto específico da pesquisa, não há falar em aplicação, direta ou supletiva, do
49 Stoco, Tratado de responsabilidade civil, p. 962.
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CDC50. Mesmo assim, a aplicação da lei consumerista e do Código Civil pela
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é alvo de oposição da doutrina
especializada51 e de decisão recente do Supremo Tribunal Federal52.
O art. 1º da Convenção de Montreal diz que se aplica “a todo transporte
internacional de pessoas, bagagem ou carga, efetuado em aeronaves, mediante
remuneração. Aplica-se igualmente ao transporte gratuito efetuado em aeronaves, por uma empresa de transporte aéreo”. Com efeito, não há vedação expressa
quanto à incidência nas relações jurídicas entre os tripulantes e as companhias
aéreas – como, p. ex., havia na legislação quanto aos acidentes nucleares – pelo
que o entendimento atual é no sentido de sua aplicação para os acidentes de
trabalho sofridos pelos empregados das empresas aéreas, estando os aeronautas,
enquanto espécie, inseridos no conceito amplo de “pessoas” da Convenção53.
Acrescente-se tudo que dissemos quanto aos transportes em geral (item 4.3,
retro), principalmente o fato de a Convenção de Montreal, assim como o art.
736 do Código Civil, ser aplicável aos transportados gratuitamente, como se
dá com os empregados, e não só aos passageiros em sentido estrito, os quais
pagam contraprestação pelo serviço.
Segue que os acidentes de trabalho ocorridos com os empregados das
empresas aéreas, enquanto na realização de transporte aéreo internacional, são
recolhidos pelo microssistema de responsabilidade objetiva54, bastando apenas
50 Vide os fundamentos na nota de rodapé nº 6, acima.
51 Helena Campos Refosco elenca vários argumentos para rechaçar a aplicação do código consumerista,
reclamando a incidência da Convenção de Montreal de 1999, entre eles a observância da reciprocidade e segurança jurídica em âmbito internacional, o fato de a norma internacional ser mais moderna
(temporalidade) e mais específica (especialidade) que a lei civil e o regramento consumerista, e mesmo
a opção constitucional do art. 178 em prestigiar a Convenção quanto ao transporte internacional. (A
Convenção de Montreal e a responsabilidade no transporte aéreo internacional, passim).
52 “Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no
caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição
Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia (...).” (STF, 2ª Turma, RE 297.901/RN, Relª Minª
Ellen Gracie, DJ 31.03.06)
53 O Tribunal Superior do Trabalho invocou expressamente a Convenção de Varsóvia para condenar
empresas aéreas pela morte de empregados, conjugando-a com o Código Brasileiro de Aeronáutica.
Na época da morte dos trabalhadores no acidente aéreo ainda não vigia a Convenção de Montreal, daí
porque a aplicação da antiga norma internacional. TST, 6ª Turma, AIRR 70240-10.2006.5.01.0015,
Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 19.05.2011; e também: TST, 6ª Turma, ED-AIRR 27006357.2010.5.05.0000, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 26.08.2011.
54 Na Convenção de Varsóvia, a teoria adotada era a da presunção de culpa, pois o transportador poderia
provar que tomou todas as medidas necessárias para que se não produzisse o dano (art. 20), contudo, o
sistema evoluiu para a teoria objetiva com a Convenção de Montreal, não mais se admitindo prova de
que o transportador não agiu com culpa. O art. 17, 1, dessa última norma internacional tem a seguinte
redação: “O transportador é responsável pelo dano causado em caso de morte ou de lesão corporal de
um passageiro, desde que o acidente que causou a morte ou a lesão haja ocorrido a bordo da aeronave
ou durante quaisquer operações de embarque ou desembarque”.
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prova do dano e do nexo de causalidade, o qual pode ser rompido pelo fato
exclusivo da vítima; sequer as hipóteses de caso fortuito, força maior e fato de
terceiro excluem a relação obrigacional, motivo pelo qual se trata de responsabilidade civil objetiva agravada. O art. 21 da Convenção refina a situação
ao prever que a indenização é limitada a um teto, podendo excedê-lo apenas
se comprovada culpa da transportadora. No julgado referido na nota nº 50 acima, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que as limitações tarifárias da
norma internacional não se amoldam com o princípio da reparação integral do
art. 5º, V e X, da Constituição, havendo, então, posições divergentes quanto à
constitucionalidade da indenização tarifada55.
O prazo prescricional para responsabilidade civil no transporte aéreo
internacional é de dois anos, contados a partir da data da chegada ao destino,
ou no dia em que a aeronave deveria haver chegado, ou da interrupção do
transporte, conforme art. 35 da Convenção de Montreal. Inobstante a posição
de alguns autores quanto à aplicabilidade dos prazos prescricionais do Código
Civil, mais benéficos, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento
pela incidência do prazo específico da norma internacional56, cuja posição tem o
nosso assentimento, tanto porque as normas internacionais têm status supralegal
como porque os prazos de prescrição são sempre aqueles dos microssistemas
de direito material, havendo incidência do Código Civil apenas quando aqueles
foram omissos.
Já no transporte aéreo doméstico, o Código Brasileiro de Aeronáutica
também adotou a teoria objetiva agravada para os acidentes, rompendo-se o
nexo causal apenas se houver fato exclusivo da vítima ou se a morte ou lesão
resultar, exclusivamente, do estado de saúde do passageiro. O mesmo art.
256 do Código estende a sua incidência aos passageiros gratuitos, tripulantes,
diretores e empregados da companhia aérea. Já os arts. 246 e 257 fixam teto
indenizatório para a modalidade objetiva, à semelhança do transporte internacional, devendo a vítima comprovar culpa da empresa aérea ou seus prepostos
para lograr indenização além do limite. Aplica-se aqui tudo o que dissemos
linhas acima quanto à cizânia doutrinária a respeito da constitucionalidade da
tarifação da indenização e a posição do TST no sentido de sua não recepção.
55 Helena Campos Refosco é da posição que a Tarifação fixada pela Convenção de Montreal deve ser
respeitada, na medida em que representa ponderação legislativa quanto aos valores das indenizações,
cujos montantes são satisfatórios, inclusive havendo culpa ou dolo do transportador aéreo internacional ou seus prepostos, os limites não serão observados, construção legislativa que em nada afronta às
disposições constitucionais de reparação integral dos danos morais e materiais (Op. cit., passim).
56 STF, 2ª Turma, RE 297.902, Relª Minª Ellen Gracie, DJE 31.03.06.
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Também é de dois anos o prazo prescricional para a pretensão indenizatória quanto ao transporte doméstico, na forma do art. 317 do Código Brasileiro
de Aeronáutica.
O mesmo Código Brasileiro de Aeronáutica conceitua diversas espécies
de serviços aéreos, entre as quais estão os serviços aéreos especializados, os
públicos, regulares e irregulares, e mesmo os serviços aéreos privados, realizados sem remuneração, nas atividades de recreação, desportivas, realização de
serviços especiais ou para transporte reservado ao proprietário, inserindo todas
as espécies dentro da responsabilidade objetiva do microssistema. Significa
que tanto estão protegidos pela malha legislativa especial os empregados das
empresas aéreas regulares nacionais, das empresas não regulares (fretamentos)
ou mesmo os empregados transportados no avião particular do empregador, no
trajeto da fazenda onde trabalha para a cidade, por exemplo.
4.3 – Acidente de transporte aquaviário
O transporte aquaviário engloba as espécies marítima, lacustre e fluvial,
nacional e internacional, estando regulado pelas Leis ns. 2.180/54 (Tribunal
Marítimo), 9.432/97 (Ordenação do Transporte Aquaviário), 9.537/97 (Segurança do Tráfego Aquaviário) e 9.578/97 (Reformulação do Tribunal Marítimo),
entretanto, em nenhuma delas há regramento quanto à responsabilidade civil.
Apenas em relação ao transporte marítimo de cargas há disciplina específica
de responsabilidade, sendo o doméstico regulado pelo Código Comercial de
1850, naquilo que não revogado pelo Código Civil, e o transporte internacional
pela Convenção de Bruxelas de 1924.
Em relação ao transporte marítimo, lacustre e fluvial de pessoas, que
interessa ao tema de acidentes do trabalho, todavia, incidem integralmente as
disposições gerais do Código Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6º, da Constituição, nas ocasiões de realização de serviços
públicos57. Ressalve-se que no transporte rudimentar, pessoal ou coletivo,
que não se caracterize como serviço público regular de responsabilidade do
Estado, como barcos de passeio, recreação ou turismo, travessias dentro do
mesmo Estado, não haverá incidência do sistema de responsabilidade pelo
57 A leitura do art. 21, XII, da Constituição revela que se consideram serviços públicos o serviço aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou
Território, excetuando-se, por uma leitura a contraio sensu, aquele realizado dentro de um mesmo
Estado ou Território ou o que não liga os portos brasileiros às fronteiras nacionais. É serviço público,
sujeitando-se à normativa do art. 37, § 6º, da Constituição, o transporte internacional de passageiros
e aquele, marítimo, lacustre ou fluvial, cujos pontos de partida e destino encontram-se em Estados ou
Territórios diferentes (transporte interestadual aquaviário).
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risco administrativo, aplicando-se a regra geral civilista da responsabilidade
no transporte (vide itens 4.3 e 4.4).
4.3.4 – Acidente de transporte terrestre
Também quanto ao tema não há regramento específico de responsabilidade civil, pelo que incidem integralmente as disposições gerais do Código
Civil quanto aos transportes em geral e as disposições do art. 37, § 6º, da
Constituição, nas ocasiões de realização de serviços públicos58. O Protocolo de
São Luiz de 1996, com a errata de Assunção de 1997, celebrado entre os países
integrantes do Mercosul, foi promulgado pelo Decreto nº 3.856/01 e passou
a regular o direito aplicável e a jurisdição internacionalmente competente em
casos de responsabilidade civil emergente de acidentes de trânsito ocorridos
no território de um Estado-parte, nos quais participem, ou dos quais resultem
atingidas, pessoas domiciliadas em outro Estado-parte.
4.4 – Empregados públicos e das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos
Consentânea com todo o desenvolvimento histórico da responsabilidade
civil do Estado, que oscilou desde a irresponsabilidade, passando pela teoria
subjetiva para os atos de gestão, pela teoria subjetiva para todos os seus atos,
a Constituição de 1988 consagrou definitivamente que as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros
(art. 37, § 6º).
O constituinte consagrou a teoria objetiva da responsabilidade, na espécie
do risco administrativo, para os danos que seus agentes causarem. A primeira
conclusão é que não só as pessoas jurídicas de direito público, mas inclusive,
também, as de direito privado prestadoras de serviços públicos estão enquadradas na responsabilidade civil objetiva. Desse segundo grupo fazem parte as
fundações governamentais de direito privado, as empresas públicas, sociedades
58 No mesmo art. 21, XII, e no art. 30 da Constituição estão inseridos na categoria de serviços públicos
o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, e o transporte coletivo municipal
de passageiros.
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de economia mista, organizações sociais59, atividades delegadas60, empresas
permissionárias e concessionárias, desde que prestem serviços públicos, o que
afasta do microssistema objetivo os entes da administração indireta que exerçam
atividades econômicas de natureza privada.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quanto ao último requisito, anota que o
artigo constitucional exige que as entidades prestem serviços públicos, o que
exclui os entes da administração indireta que executem atividade econômica
de natureza privada; por isso é que, quanto às empresas públicas e sociedades
de economia mista, não incidirá a regra constitucional, mas a responsabilidade
disciplinada pelo Código Civil, quando não desempenharem serviço público61.
Para a mesma autora, serviço público é toda a atividade material que a lei atribuiu ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados,
tendo como exemplos as atividades de serviço postal, correio aéreo nacional,
telecomunicações, radiodifusão, energia elétrica, gás canalizado, educação,
saúde, previdência social, assistência social e navegação aérea, por exemplo62.
Para nós, o art. 175 da Constituição deixou bem claro que incumbe ao Estado,
diretamente ou sob regime de concessão e permissão, a prestação de serviços
públicos, os quais serão especificados pela Constituição e mediante lei.
Justamente por não se enquadrarem no conceito de prestadoras de serviços públicos63 é que a cláusula de responsabilidade civil objetiva não alcança as
59 No bojo do processo de privatização que o Governo Federal levou a cabo na década de 1990 é que foram
gestadas as organizações sociais, as quais possuem natureza jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que se habilitam perante a Administração Pública para obter a qualificação de organização social.
Obtida a qualificação podem atuar em diversas áreas, mediante contrato de gestão, desempenhando ou
não serviços públicos, conforme absorva uma atividade material que a lei atribuiu ao Estado, na forma
da Lei nº 9.637, de 1998. Por exemplo, se uma organização social habilitar-se e mediante contrato de
gestão passar a executar atividade de saúde, serviço público em essência, inserir-se-á no qualificativo
de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público do art. 37, § 6º.
60 Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal reconhece como incidente a responsabilidade civil objetiva nos casos de danos causados em atividades cartorárias e notariais. “Em se tratando de atividade
cartorária exercida à luz do art. 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário,
no que assume posição semelhante a das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos (...)” (STF, RE 201.595, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 20.04.01).
61 Di Pietro, Direito administrativo, p. 530.
62 Di Pietro, op. cit., p. 99-107. No mesmo sentido é a lição de Edmir Netto de Araújo, para quem, “serviço público é toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, para a realização
direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo
conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total
ou parcialmente público, por ele imposto” (Araújo, Curso de direito administrativo, p. 106).
63 “Essas entidades não prestam serviço público delegado pelo Estado, mas atividade privada de interesse
público (serviços não exclusivos do Estado); exatamente por isso, são incentivadas pelo Poder Público.
A atuação estatal, no caso, é de fomento e não de prestação de serviço público. Não se trata de atividade
que incumbisse ao Estado, como serviço público, e que ele transferisse para outra pessoa jurídica, por
meio de instrumento da descentralização. Trata-se, isso sim, de atividade privada de interesse público
que o Estado resolveu incentivar e subvencionar.” (Di Pietro, op. cit., p. 416)
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entidades paraestatais e do terceiro setor, como os serviços sociais autônomos
(Sesi, Senai, Sesc e Senac), entidades de apoio, organizações da sociedade civil
de interesse público (OSCIPs) e as organizações não governamentais (ONGs).
Nos primeiros anos de vigência da Constituição de 1988, o Supremo
Tribunal Federal interpretou o art. 37, § 6º, como fundamentador da responsabilidade objetiva apenas quanto aos administrados e usuários dos serviços
públicos, pois a qualificação de terceiros não alcançava os servidores ou empregados públicos64. Mas, a partir de julgamento do ano de 2005, o Tribunal
evoluiu sua jurisprudência para que a proteção constitucional da responsabilidade objetiva alcance não só os usuários e administrados, mas, também, os
servidores públicos, os empregados públicos e os empregados das pessoas
de direito privado prestadoras de serviços públicos65. Recentemente, a Corte
evoluiu uma vez mais para entender protegidos pela responsabilidade objetiva
e, também, os não usuários dos serviços públicos66.
Considerando que a teoria adotada foi a do risco administrativo e não a
do risco integral, o Supremo Tribunal Federal reconhece que a responsabilidade
do Estado pode ser afastada nos casos de excludentes de nexo causal, como a
força maior, fortuito externo, fato de terceiro e fato da vítima67. Ao admitir as
quatro clássicas excludentes de nexo causal, classificamos a responsabilidade
64 “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é
objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem
a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da CF.” (STF, RE 262.651, Rel. Min. Carlos Velloso,
DJ 06.05.05)
65 “O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções
quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado
responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não”
(STF, AI 473.381-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28.10.05). Também o Tribunal reconheceu a
responsabilidade objetiva do Estado pela infecção que acometeu servidora pública gestante que, no
desempenho de suas funções em berçário de hospital público, foi exposta à contaminação por vírus
(STF, RE 495.740-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 14.08.09).
66 “A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é
objetiva relativamente a terceiros usuários, e não usuários do serviço, segundo decorre do art. 37,
§ 6º, da CF. A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado
ao terceiro não usuário do serviço público é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade
objetiva da pessoa jurídica de direito privado.” (STF, RE 591.874, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
DJE 18.12.09, com repercussão geral)
67 “(...) o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o
abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses
excepcionais configuradoras de situações liberatórias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima” (STF, 1ª Turma, RE 109.615/RJ, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 02.08.96). O Tribunal considera o fato de terceiro como uma modalidade de
caso fortuito (STF, RE 184.118/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 18.09.98), posição que é reforçada
pelo art. 14, § 3º, II, in fine, do CDC.
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civil do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos na espécie objetiva normal.
Aplica-se, então, para os acidentes sofridos pelos empregados públicos e
os empregados das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos a responsabilidade civil objetiva normal, fundamentada no art. 37,
§ 6º, da Constituição de 1988, desde que a causa do infortúnio seja o serviço
público desenvolvido. Por exemplo, reclamam a teoria objetiva os acidentes
sofridos pelos empregados das empresas concessionárias de serviços públicos
de energia elétrica e gás canalizado; o empregado que sofrer uma descarga
elétrica ao instalar postes de transmissão de energia ou sofrer inalação de gás
canalizado, em razão de um vazamento, basta comprovar dano e nexo causal,
sem a necessidade de comprovar ato ilícito ou culpa68.
Essa mesma posição foi abraçada pelos estudiosos em torno da 1ª Jornada de Direito do Trabalho promovida pela Anamatra e pelo TST em 200769.
Nas modalidades de permissão ou concessão de serviços públicos,
após um longo debate entre os autores sobre a responsabilidade subsidiária
do Estado, com vozes autorizadas no sentido da responsabilização70, a atual
legislação afastou-a, conforme se verifica dos arts. 25 e 34 da Lei nº 8.987, de
1995, e também pelo art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666, de 1993, reconhecido como
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADC 16 (DJ
09.09.2011). Também o Tribunal Superior do Trabalho, por intermédio de decisão da SDI-1, pacificou seu entendimento de que não há responsabilidade,
solidária ou subsidiária, das pessoas jurídicas de direito público nas ocasiões
de permissões ou concessões de serviços públicos71.
68 Os exemplos se multiplicam conforme analisemos os serviços públicos que o Estado autoriza, permite
ou concede, por exemplo, nas empresas de telecomunicações (CF, art. 21, XI), radiodifusão sonora
(XII, a), energia elétrica e o aproveitamento energético de cursos de água (XII, b), navegação aérea
(XII, c), transporte ferroviário e aquaviário (XII, d), transporte rodoviário interestadual e internacional
de passageiros (XII, e), serviços locais de gás canalizado (CF, art. 25, § 2º) e o transporte coletivo
municipal (CF, art. 30, V).
69 “RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. EMPREGADO PÚBLICO. A responsabilidade civil nos acidentes do trabalho envolvendo empregados de pessoas jurídicas de Direito
Público interno é objetiva. Inteligência do art. 37, § 6º, da Constituição Federal e do art. 43 do Código
Civil.” (Enunciado nº 40)
70 “o Estado responde apenas subsidiariamente, uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora
de serviços públicos. Se o Estado escolheu mal aquele a quem atribuiu execução de serviços públicos,
deve responder subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente.” (Sergio Cavalieri Filho, Programa
de responsabilidade civil, p. 267-268)
71 “RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/07. CABIMENTO.
ART. 894, II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. SPTrans. Responsabilidade. Período
de intervenção. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. EMPRESA GESTORA. A segunda reclamada
– SPTrans – é mera gestora dos serviços gerais de transportes públicos na cidade de São Paulo e, como
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O prazo prescricional para o microssistema de responsabilidade civil
objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos está regulado no art. 1º-C da Lei nº 9.494/97 e é
de cinco anos para o exercício da pretensão.
4.5 – Acidente em razão de ruína de edifício ou construção
O art. 932 do Código Civil de 2002 impõe responsabilidade ao dono do
edifício ou construção pelos danos que resultarem de sua ruína, não se cogitando
do elemento culpa, embora condicione o liame obrigacional à prova de que a
ruína proveio da falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Os autores
pacificaram o entendimento de que se trata de modalidade de responsabilidade
civil objetiva, incumbindo ao lesado comprovar dano e nexo causal, este último temperado pela exigência de que o nexo seja verificado em razão da falta
de reparos, de necessidade manifesta, no edifício ou construção. Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, amparados nas lições de Silvio Rodrigues,
Álvaro Villaça Azevedo e Aguiar Dias, avançam para singelamente concluir que
se houve ruína é porque necessitava de reparos72. Excepcionalmente, acrescentamos nós, se houve ruína em edifício que não necessitava de reparos é porque
ocorreu fato de terceiro, fato exclusivo da vítima, caso fortuito externo ou força
maior, eventos imprevisíveis e inevitáveis, quando o nexo causal estará rompido.
Amoldam-se ao conceito legal de ruína tanto a sua destruição total como
a parcial, como nos casos de desprendimento de revestimentos das paredes,
soltura de placas de concreto da laje, queda de telhas, vidros ou outros componentes do edifício ou da construção.
Segue que os empregados vitimados pela ruína do edifício ou construção
de propriedade da empresa na qual prestem seus serviços sujeitam a última à
responsabilidade objetiva, podendo o empregador comprovar uma das excludentes de nexo causal; se houve ruína, presume-se que havia necessidade manifesta
de reparos, incumbindo ao ofensor comprovar que houve ruína em edifício que
tal, limita-se a assegurar, fiscalizar e exigir a prestação de serviços de transporte à população por parte
das contratadas, entre as quais se inclui a primeira reclamada. Resulta daí que a SPTrans não é tomadora dos serviços, não havendo como lhe imputar culpa in vigilando ou in eligendo nem condenação
subsidiária, ante a ausência de obrigação da recorrente para com os empregados da concessionária do
serviço público. Mesmo no período em que atuou como interventora da primeira reclamada, não é a
SPTrans responsável pelas verbas trabalhistas, visto que a intervenção administrativa não caracteriza a
sucessão de empregadores, ante a ausência de mudança na estrutura jurídica da empresa concessionária
e diante do fato de que tal ação tem por objetivo evitar a interrupção dos serviços públicos de transporte.
Recurso de embargos conhecido e provido.” (RR-202900-76.2006.5.02.0067, Rel. Min. Lelio Bentes
Corrêa, DEJT 08.10.2010)
72 Gagliano e Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, p. 197-198.
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não necessitava de reparos, ou seja, que ela se deu em razão de fortuito externo,
força maior, fato de terceiro ou fato exclusivo da vítima. Poderá ocorrer ruína
do edifício da sede da empresa, quando o empregador responde objetivamente,
como poderá ocorrer ruína de uma construção de terceiro – como na construção
civil –, local no qual o empregador designou o empregado para desempenhar
suas atividades. Nesse segundo caso, a responsabilidade é exclusiva do terceiro,
não se cogitando de responsabilidade do empregador, o qual não se amolda ao
conceito legal de “dono de edifício ou construção”. Não se deve confundir, com
efeito, a responsabilidade civil objetiva direta do dono da obra nos casos de
ruína com a irresponsabilidade do dono da obra quanto aos direitos de natureza
jurídica trabalhista violados pelo empregador (OJ nº 191 da SDI-1 do TST).
4.6 – Acidente em razão de objetos candentes
Semelhante à hipótese do tópico anterior, o art. 938 do Código Civil impõe ao habitante do prédio, inserindo-se nessa figura não apenas o proprietário,
mas também os possuidores (comodatário, locatário, etc.), a responsabilidade
objetiva pelos danos causados por objetos candentes ou lançados em lugar
indevido. Difere da modalidade anterior porque aqui o objeto candente não era
parte integrante da estrutura construtiva do edifício, mas qualquer adorno ou
objeto utilizado pelo habitante. Se o filho do empregador arremessa inadvertidamente uma garrafa de vidro do sobrado onde mora e lá embaixo atinge o
jardineiro da residência, o empregador, pai do menor, responderá objetivamente
pelos danos, não se cogitando de culpa, ou seja, não haverá investigação se
se comportou culposamente, se não vigiou adequadamente seu filho (culpa in
vigilando). Também aqui poderá o habitante provar uma das quatro excludentes
de nexo causal.
4.7 – Acidente causado por animais
Principalmente nas regiões mais interioranas do país, é comum a ocorrência de acidentes de trabalho com animais, notadamente nas atividades de
pecuária, como queda de cavalos, ataque de bovinos durante procedimentos
veterinários, entre outros, situações que se inserem no microssistema de responsabilidade civil objetiva. Na vigência do Código de 1916, o revogado art.
1.527 previa hipótese de responsabilidade civil subjetiva, com presunção de
culpa, pois ao ocorrer o acidente a culpa do seu dono era presumida, contudo
esse poderia demonstrar que guardava e vigiava o animal com cuidado preciso,
invertendo a presunção legal e, por corolário, afastando o seu dever de indenizar.
Poderia, com efeito, o dono do animal provar durante a instrução processual que
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não agiu com culpa, demonstrando que tomou todos os cuidados exigidos para
evitar o dano. O atual art. 936 do Código de 2002 reproduz em essência àquele
antigo, porém migra da modalidade subjetiva com presunção de culpa para a
objetiva e agravada. Isso porque o texto atual diz que o dono, ou detentor, do
animal ressarcirá o dano causado, sem cogitar de culpa, inclusive avança para
dizer que entre as quatro modalidades de excludentes de nexo, apenas duas são
admitidas, quais sejam a culpa da vítima e a força maior.
Quando o legislador impôs ao dono ou detentor do animal a responsabilidade civil pelos danos que esse causar, implicitamente está reconhecendo
que somente em relação aos animais domésticos, domesticados ou capturados
para domesticação é que poderá cogitar de sua propriedade. Segue que nos
sinistros causados por animais não domesticados ou selvagens não há responsabilização civil, amoldando a hipótese aos casos de força maior (evento
inevitável da natureza). Se dado empresário domestica abelhas com a intenção
de produzir mel para consumo próprio ou para venda, eventual acidente com
elas, caso ataquem seu empregado, gerará a responsabilidade civil objetiva
agravada, muito diferente da situação de outro trabalhador, vaqueiro, que é
surpreendido no campo por um enxame de abelhas selvagens; ainda que se
investigue e confirme que as abelhas selvagens habitam uma mata incrustada
na propriedade do empregador, não há relação de propriedade entre este e os
animais. Faltará, nesse segundo caso, nexo de causalidade, rompido pela força
maior, entre a atividade do vaqueiro e o dano causado pelas abelhas (evento
natural inevitável e imprevisível), afastando a responsabilidade civil, ainda
que haja relação previdenciária acidentária73, a qual é marcada pela teoria do
risco integral, não suscetível, pois, de excludentes de nexo causal, sequer caso
fortuito e força maior.
Em estudo específico, José Fernando Simão diferencia os conceitos de
dono e detentor do animal previstos na legislação ao concluir que, em regra,
responderão pelos danos causados por animais seus donos em razão da guarda
e direção do animal, não respondendo os seus prepostos ou empregados. Excepcionalmente, responderá o detentor e não o dono. Detentor é o locatário,
comodatário, depositário, arrendatário, usufrutuário ou o usuário, ou seja, toda
pessoa que tem o animal sob sua guarda, com poder de direção sobre o mesmo, ainda que não seja seu dono, como nos exemplos de animais deixados em
clínicas veterinárias ou pet shops74.
73 Art. 21, II, e, da Lei nº 8.213, de 1991.
74 Simão, Responsabilidade civil pelo fato do animal, p. 356.
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4.8 – Acidente nas atividades de mineração
A atividade de mineração está regulamentada desde o ano de 1940, estando vigente o Código de Mineração de 1967 (Decreto-Lei nº 227), que substituiu
àquela primeira regulamentação e que foi recepcionado pela Constituição de
1988. No sistema atual, o art. 1º atribui à União a competência para administrar os recursos minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o
comércio e o consumo de produtos minerais, qualificando a atividade como
serviço público essencial, cujo enquadramento legal já atrai a responsabilidade
civil objetiva do Estado ou das empresas privadas autorizadas, permitidas ou
concedidas (v. tópico 4.4.), em reforço ao art. 47, VIII, da legislação de regência
que já previa a responsabilidade civil sem cogitar de culpa.
Aplica-se aos empregados das empresas que explorem atividade de
mineração a responsabilidade civil objetiva do explorador da jazida ou da
mina, tendo como exemplos as atividades de garimpo, extração de mármores
e granitos, extração e beneficiamento de calcário, fábricas de cimento, extração
e beneficiamento de petróleo e seus derivados, entre tantas outras. O decisivo
é que o acidente de trabalho ou doença ocupacional guarde relação de conexidade com a atividade mineraria. São os exemplos do operário soterrado em
mina de extração de diamante e a empregada que contraiu doença ocupacional
por respirar partículas em suspensão nas fábricas de calcário, respondendo os
empregadores de forma objetiva, independente de investigação de culpa ou de
prática de ato ilícito; significa que mesmo que ele tenha obtido todas as licenças administrativas para a atividade, que tenha fornecido EPI, treinamentos e
fiscalização, mesmo assim se houver conexidade entre o sinistro e a atividade
haverá sua responsabilidade direta, bastando o laudo médico pericial constatar
que a doença apresentada é decorrência da exposição da trabalhadora à substância, por exemplo.
4.9 – Acidente nas atividades de risco (cláusula geral codificada)
A disposição do art. 927, parágrafo único, do Código Civil atual é considerada a maior inovação legislativa no tema de responsabilidade civil, na medida
em que firmou cláusula de recepção expressa quanto às legislações especiais
que preveem hipóteses de responsabilidade sem culpa e, principalmente e ao
lado dela, criou uma nova norma de responsabilidade objetiva pelo risco da
atividade, sem indicar atividades específicas.
Comentando acerca da cláusula geral de responsabilidade civil objetiva
por atividade de risco, Miguel Reale afirma que em princípio responde-se
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apenas por culpa, mas “se aquele que atua na vida jurídica desencadeia uma
estrutura social que, por sua própria natureza, é capaz de por em risco os interesses e os direitos alheios, a sua responsabilidade passa a ser objetiva e não
mais subjetiva”75.
Ao interpretar a nova disposição legal, Leonardo de Faria Beraldo atenta
ao conceito de atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano. Defende que a palavra atividade é entendida como sendo equivalente aos serviços
praticados por determinada pessoa, natural ou jurídica, de forma organizada,
habitual, reiterada e profissional, e não de forma isolada. E ainda é preciso que
a atividade seja normalmente desenvolvida pelo autor do dano, significando,
então, que ela não pode ser apenas esporádica ou momentânea, devendo, ainda,
guardar ligação direta com o objeto social por ela desenvolvido. Exemplificando, anota que quem explora uma atividade habitual com uma grande máquina
de escavação e terraplanagem, gera uma permanente situação de risco para
operários e terceiros que convivam com a atividade, porém, por outro lado,
quem usa eventualmente um trator para alguma tarefa, não se pode dizer que
desempenhe atividade normalmente desenvolvida76.
Também atenta o mesmo autor à palavra por sua natureza inserida no
tipo legal, o que para ele significa que não é o risco ordinário, inerente a toda
e qualquer atividade, não é o risco empresarial ordinário em se imiscuir no
mercado, que reclamará o enquadramento na cláusula objetiva, mas que deve
haver na atividade normalmente desenvolvida uma intrínseca potencialidade
lesiva, ou seja, que na sua essência exista uma potencialidade fora dos padrões
normais. Conclui seu raciocínio para afirmar que as “atividades de risco são,
portanto, aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade, ou, ainda mais, a probabilidade de receber um dano, probabilidade
esta maior do que a normal derivada das outras atividades”77.
Flávio Tartuce também estudou com profundidade a nova disposição civil
e a partir dela faz um trabalho de desmonte ou destrinche dos qualificativos
legais. Segue para o autor que a palavra “atividade” deve ser compreendida
como vários atos que mantêm entre si uma correlação temporal, lógica e coordenada, excluindo do raio de alcance da cláusula geral de responsabilidade
objetiva os atos isolados praticados. E quanto ao conceito de “risco” diz que
ele decorre da própria natureza da atividade, da sua essência, configurando um
risco excepcional, extraordinário, acima da situação corriqueira de normalidade,
75 Reale, O projeto de Código Civil, p. 10.
76 Beraldo, A responsabilidade civil, p. 219-220.
77 Beraldo, op. cit., p. 224.
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englobando as atividades – para além dos riscos – que são comprovadamente
perigosas. Para o autor, inserem-se no conceito legal as atividades de fabricação e armazenamento de fogos de artifício, serviços de diversão, como salto
de paraquedas, voo de asa-delta, bungee jump, esportes como artes marciais
e lutas de combate, motoboy nos grandes centros, trabalhos insalubres e perigosos, trabalho com menores infratores e presidiários, construção civil, com
a utilização de ferramentas pesadas, perigosas ou nas alturas (local elevado),
transporte rodoviário em estradas em péssimo estado de conservação ou quando
a carga é valiosa e no transporte de valores78.
A tese de Flavia Portella Püschel é a de que toda atividade humana envolve riscos, como dirigir automóvel, praticar esportes, andar a pé, porém os
riscos relevantes para o enquadramento no sistema objetivo são aqueles extraordinários que podem ser determinados pela grande probabilidade da ocorrência
de danos, pelo valor elevado dos prejuízos potenciais ou pelo desconhecimento
do potencial danoso da situação ou atividade regulada. No entanto, caberá ao
Poder Judiciário definir o que, na hipótese, se deve considerar como atividade
naturalmente perigosa de modo a imputar responsabilidade ao sujeito que
normalmente a exerça79.
Algumas jornadas de estudos jurídicos promovidas no âmbito do Tribunal
Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça auxiliam na definição
das hipóteses de incidência80.
Na mesma toada é a interpretação do professor trabalhista Raimundo
Simão de Melo acerca da previsão genérica da parte final do parágrafo único
do art. 927 do Código. Considera atividade de risco aquela em que pressupõe
maiores probabilidades de danos para as pessoas, quando os danos são esta78 Tartuce, A cláusula geral de responsabilidade objetiva nos dez anos do Código Civil de 2002, passim.
79 Püschel, Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil, p. 98-100.
80 “RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE
RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º,
XXVIII, da Constituição da República não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto
que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores” (Enunciado nº 37 da 1ª Jornada de Direito na Justiça do Trabalho). Na I Jornada de Direito
Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça foi aprovado o
Enunciado nº 38 com o seguinte texto: “Risco da atividade. Caracterização. A responsabilidade fundada
no risco da atividade, como prevista na segunda parte do CC, art. 927, parágrafo único, configura-se
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um
ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. Já na V Jornada de Direito Civil de 2011
houve um refinamento do conceito para prever que: “A regra do art. 927, parágrafo único, segunda
parte, do CC aplica-se sempre que a atividade normalmente desenvolvida, mesmo sem defeito e não
essencialmente perigosa, induza, por sua natureza, risco especial e diferenciado aos direitos de outrem.
São critérios de avaliação desse risco, entre outros, a estatística, a prova técnica e as máximas da experiência” (Enunciado nº 448).
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tisticamente esperados, pelas suas características. Não é um risco qualquer,
específico e normal a qualquer atividade produtiva, mas a atividade cujo risco
específico, acentuado e agravado em razão da natureza do trabalho é excepcional e incomum, como nos exemplos das atividades perigosas, insalubres,
com o uso de arma de fogo, o trabalho em minas, nas alturas, subaquático e
nas atividades nucleares81.
Uma atividade que gera acesa discussão doutrinária e jurisprudencial é a
de motorista de veículos automotores. Para os ordenamentos jurídicos italiano e
português, nos quais o legislador brasileiro inspirou-se para a positivação do art.
927, parágrafo único, in fine, a posição é uniforme em não enquadrar a atividade
de motorista como de risco potencial. Nas atividades especiais de transporte
de produtos perigosos, inflamáveis, explosivos ou de cargas valiosas, por essas
circunstâncias e não pela atividade de dirigir em si, pensamos estar preenchido
o descritor da norma jurídica especial, incidindo o microssistema objetivo.
Em nossa opinião também se inserem na atividade de risco àquelas que,
normalmente e desde que obedecidas as determinações legais e administrativas,
não exporiam os empregados a risco acentuado, porém a violação das imposições de proteção acabam por, naquelas situações concretas, potencializar os
riscos para a ocorrência de acidente. A atividade de manipulação de carnes
em açougues, desde que com a utilização das luvas metálicas anticorte, não
geraria riscos potenciais aos açougueiros, porém a não disponibilização desses
equipamentos pelos empregadores, coagindo os empregados a manipular as
carnes sem a proteção, potencializa os riscos de acidentes, por corolário atraindo
a incidência do microssistema objetivo pelo risco da atividade no caso de o
açougueiro cortar seus dedos durante a atividade.
A utilização da tabela de riscos do Ministério do Trabalho e Emprego
deve ser feita com cuidado, na medida em que ela escalona o risco da atividade
geral da empresa, enquanto para o direito civil o decisivo é o risco da atividade
específica do empregado acidentado. A empresa que explora a atividade de
fabricação de explosivos é considerada de risco acentuado, mas a secretária
lotada no escritório administrativo da empresa, localizado em edifício no centro
da cidade, não estará pessoalmente submetida ao potencial lesivo da atividade
principal da empresa, com isso não se enquadrando na cláusula geral codificada.
O decisivo quanto ao risco da atividade – e objeto de muita confusão
jurisprudencial especializada – é a imprescindibilidade de que os danos guardem relação de conexidade com o risco específico da atividade, excluindo-se
81 Melo, Ações acidentárias na justiça do trabalho, p. 79-82.
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da esfera de proteção civil objetiva os outros danos oriundos de causas diversas. Muito embora a atividade dos frentistas exponha-os ao risco potencial
de explosão (periculosidade por contato com inflamáveis e explosivos), os
acidentes causados por esses agentes importarão em responsabilidade objetiva
do empregador, mas não será objetiva a responsabilidade no caso de alegada
doença ocupacional por problemas na coluna, por absoluta falta de conexidade
entre o alegado dano físico-postural e o risco potencial específico da atividade.
5 – REVISÃO CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA
O estudo profundo da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho
acerca da responsabilidade civil objetiva e os acidentes de trabalho revela a
existência de sincretismo equivocado, mormente porque muitos dos julgados
confundem os requisitos de um microssistema com outro. Também observamos
que os julgados derivam da simples atividade de risco a certeza da condenação,
sem perquirir quanto às excludentes de nexo causal que a legislação admite,
transformando, por interpretação inadvertida, responsabilidade objetiva comum
em responsabilidade por risco integral, a qual, recordemos, não tem incidência
nas relações de trabalho.
Um julgado paradigmático reconheceu que a atividade de motoboy é de
risco, fazendo incidir nessa hipótese a cláusula geral codificada do art. 927,
parágrafo único, do Código Civil82. Até aqui não dissentimos da conclusão
do julgado. Os equívocos tiveram início quando o julgado derivou desse enquadramento a certeza da indenização, desconsiderando a excludente de nexo
causal presente no caso, qual seja o assalto seguido de morte. Se o motoboy
transportasse valores, cargas preciosas, etc., até poder-se-ia assentir com a teoria
de que os assaltos não são imprevisíveis e externos à atividade, antes seriam
riscos conexos a ela. Contudo, no caso dos autos, a hipótese fática passou ao
largo dessa especificidade, na medida em que se tratava de motoboy entregador
82 “RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MOTOBOY. ASSALTO
SEGUIDO DE MORTE. AÇÃO DE TERCEIROS. Embora hoje haja verdadeira controvérsia na doutrina e na jurisprudência com o fim de afastar a responsabilidade do empregador, por fato de terceiro,
ainda que em atividade de risco, a matéria merece uma reflexão mais cuidadosa, na medida em que
tal afastamento decorre da possibilidade de o autor vir a ajuizar ação de regresso ao terceiro, causador
do dano. Tal entendimento, todavia, no direito do trabalho, não pode ser recepcionado, quando é certo
que a responsabilidade pela atividade econômica é do empregador, e não do empregado. A leitura a
ser feita da norma inscrita no art. 2º da CLT c/c art. 927, parágrafo único, do CC, em conjunção com
os princípios que regem a relação jurídica trabalhista, é no sentido de que a indenização é devida ao
empregado e que, eventual ação de regresso, a ser intentada, deverá ser feita pelo empregador, contra
aquele cuja conduta ensejou a sua responsabilidade na reparação do dano. Recurso de revista conhecido
e provido.” (TST, 6ª Turma, RR 795-38.2010.5.04.0351, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT
10.08.2012)
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de encomendas comuns. Outro equívoco do acórdão foi invocar disposições
da legislação previdenciária especial (Lei nº 8.213, de 1991) para o fim de caracterização de acidente de trabalho, misturando as consequências de natureza
jurídica previdenciária com as de natureza civil83.
Em outra situação, analisando acidente de trabalho em que se discutia a
responsabilidade do dono da obra e do empregador do trabalhador vitimado,
asseverou com acerto que a irresponsabilidade do dono da obra, prevista na
OJ nº 191 da SDI-1, é restrita às verbas de natureza jurídica trabalhista, nada
dizendo quanto à responsabilidade civil. Contudo, em nosso sentir, equivocouse a decisão ao manter a responsabilidade solidária entre o dono da obra e a
empregadora no caso concreto ao argumento de que ambas concorreram para
o acidente. A atuação concorrente do dono da obra teria se dado porque se
“esquivou de fiscalizar o cumprimento das obrigações” quanto à segurança
e saúde do trabalhador, assim “agiu com culpa e deve ser responsabilizada
solidariamente”84. A questão central é saber se o contratante de uma empreiteira
tem a obrigação legal de fiscalizar e exigir que essa última adote as medidas
de prevenção de acidentes de trabalho, como o uso de EPI. Inobstante o senso
comum direcione a conclusão da existência dessa obrigação, na verdade ela
não existe, ressalvados os casos de contratações pelo Poder Público mediante
procedimento formal de licitação. Por outras palavras, não há obrigação legal
alguma – daí porque não se cogita de omissão culposa do dono da obra – de
fiscalização quanto às medidas de prevenção de acidentes de trabalho inseridas
na relação jurídica entre o trabalhador e o empregador. Não havendo obrigação
de fiscalização, decorre que não há omissão e muito menos participação ilícita
na ocorrência do dano, requisito indispensável à imposição da condenação
solidária, na forma do art. 942 do Código Civil, incorretamente invocado pela
decisão.
Noutro caso idêntico85, a decisão também perfilhou a distinção entre
a responsabilidade do dono da obra quanto às verbas trabalhistas e civis, admitindo a responsabilidade no último caso. Entretanto, também avançou para
condenar, dessa feita subsidiariamente, o dono da obra pelas indenizações
civis. Sequer o acórdão debateu o fundamento da responsabilidade do dono
da obra; não investigou se era objetiva ou subjetiva no caso dos autos, para
discutir sua eventual culpa. Invocou, como meros topos argumentativos, que
83 Para o entendimento acerca do equívoco da invocação de requisitos previdenciários para a imputação
de responsabilidade civil aos empregadores v. MOLINA, André Araújo. O nexo causal nos acidentes
de trabalho. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, ano XXIV, n. 283, janeiro de 2013, p. 60-82.
84 TST, 6ª Turma, RR-133500-73.2008.5.04.0511, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJE 23.03.2012.
85 TST, 1ª Turma, RR-75600-59.2005.5.03.0061, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DJE 25.11.2011.
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houve atuação culposa do dono da obra, sem apontar qual, bem como enunciou
alguns princípios para concluir que condenava “como forma de tornar efetivos
os princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho em
ordem a afastar o uso abusivo do direito daquele em benefício do qual o serviço
fora prestado (dono da obra)”86.
Também é divergente a posição no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho quanto à atividade de motorista ser de risco ou não, havendo decisões
recentes em ambos os sentidos87. Embora em nossa opinião não consideremos
a atividade de motorista como de risco, essa não é a questão principal, na medida em que a correto enquadramento é um problema interpretativo judicial.
O decisivo é, mesmo para aqueles que entendem que a atividade de motorista
seja de risco, enquadrando-a no microssistema do art. 927, parágrafo único,
do Código Civil, compreender que a modalidade é objetiva comum, ou seja, a
legislação admite que o réu prove uma das quatro excludentes de nexo causal
(fortuito externo, força maior, fato de terceiro e fato exclusivo da vítima), o que
tem ficado fora de debate nas decisões da Corte; para os acórdãos, têm bastado
dizer que a atividade é de risco, inserindo-a na cláusula geral codificada, para,
em “salto heroico”, derivar a condenação, sem a necessária investigação do
requisito do nexo causal e das hipóteses de seu rompimento.
A Corte Superior também reconheceu corretamente que a atividade de
vigilante transportador de valores é de risco, incidindo a cláusula geral codificada88, mas não avançou na hipótese para debater se o dano causado por assaltantes importa no rompimento do nexo causal. Admite-se a defesa, com refinada
argumentação jurídica, que o risco de assalto nessa atividade específica não é
considerado externo e inevitável, mas integra, por relação de conexidade, os
riscos normais do empreendimento; também é defensável a posição, como faz o
Superior Tribunal de Justiça, que os assaltos e roubos, mesmo nas atividades de
risco em que a ocorrência desses eventos sejam mais comuns, ainda assim são
inevitáveis, classificados como força maior. A grande questão é a necessidade de
as decisões do Tribunal Superior do Trabalho e, por conseguinte, dos tribunais
especializados, estarem analiticamente fundamentadas em relação a qual macrossistema o acidente se insere – se no subjetivo ou objetivo –, depois avançar
86 A respeito do tema da força normativa dos princípios e a sua incidência nas relações de trabalho v.
MOLINA, André Araújo. Teoria dos princípios trabalhistas. A aplicação do modelo metodológico
pós-positivista ao direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013.
87 No sentido de não considerá-la como de risco: TST, 7ª Turma, AIRR-0001406-45.2010.5.08.0006,
Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DEJT 24.02.2012; e no sentido de considerá-la: TST, 3ª Turma,
RR-148100-16.2009.5.12.0035, Rel. Min. Alberto Bresciani, DEJT 25.02.2011.
88 TST, SDI-1, E-RR-84700-90.2008.5.03.0139, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 11.12.09.
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para identificar qual dos microssistemas objetivos é incidente, se da espécie
comum ou agravada, uma vez mais avançar para verificar as modalidades de
excludentes de nexo causal admitidas pela legislação, jamais esquecendo que
não há microssistema algum que preveja responsabilidade por risco integral.
Na prova de sentença do XIII concurso público para juiz do trabalho do
TRT da 18º Região, que foi realizada em 21.04.2013, a questão de mérito principal a ser discutida envolvia a morte de um trabalhador e o tema dos acidentes
de trabalho. Tratava-se de um motorista empregado de empresa de transporte
coletivo urbano municipal que morreu em razão de incêndio provocado no
veículo pelos colegas motoristas que integravam o movimento grevista. Alguns
motoristas, entre os quais o sinistrado, resolveram trabalhar durante o período
de greve e, após o início das atividades e no itinerário, o motorista foi interceptado por piquete dos grevistas, os passageiros foram retirados do veículo, mas
o motorista recusou-se a tanto, quando foi provocado o incêndio e o motorista
faleceu. Havia alegação de que o motorista trabalhou com medo de perder o
emprego e por coação indireta do diretor da empresa, além de alegações de
responsabilidade civil objetiva.
Para resolver a questão, o primeiro passo é verificar em qual microssistema de responsabilidade a relação fática se insere, tendo início pelos da espécie
objetiva, enquanto excepcionais. Não houve acidente de natureza ambiental,
nuclear, por objetos candentes, ruína de edifício, com animais e na atividade de
mineração. Resta a possibilidade de incidência nos microssistemas do acidente
de transporte, da cláusula geral codificada e da responsabilidade administrativa
das pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos. Não houve também acidente de transporte, ao contrário do que possa parecer em uma análise
descuidada, na medida em que apenas os passageiros, empregados ou clientes,
podem ser vítimas dessa modalidade de acidente, mas o próprio motorista não
(vide tópico 4.3. supra). Também não se insere na cláusula geral codificada,
pois a atividade de motorista de ônibus municipal não é atividade que o submeta a risco potencial maior que os demais membros da coletividade. Por fim,
há enquadramento no microssistema por risco administrativo, na forma do art.
37, § 6º, da Constituição, na medida em que a atividade de transporte público
municipal é considerada serviço público e a responsabilidade das pessoas jurídicas privadas é objetiva, na modalidade do risco administrativo. Para resolver
a questão submetida à análise, poder-se-ia argumentar fundamentadamente que
a atividade é de risco acentuado, até porque há jurisprudência do TST nesse
sentido, mas ainda assim tratar-se-ia, como na modalidade por risco adminis112
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trativo, de responsabilidade civil objetiva normal89. Significa dizer que dispensa
a prova de ato ilícito e culpa, mas exige-se prova de dano e nexo, inclusive
quanto ao nexo admite-se a prova dos quatro excludentes. E é exatamente o
caso prático do concurso, em que o nexo causal foi rompido pelo fato dos terceiros que, em evento inevitável, imprevisível e irresistível, não se inserindo
nos riscos normais da atividade, provocaram o incêndio criminoso que gerou a
morte. Enfim, por qualquer ângulo do enquadramento, seja inserindo a relação
fática no macrossistema objetivo, tanto da cláusula geral codificada como nos
acidentes por risco administrativo, ou mesmo considerando a responsabilidade
subjetiva genérica, o nexo causal é indispensável para estabelecer a relação
jurídica indenizatória e, no caso concreto, foi rompido pelo fato de terceiro,
fortuito externo, inevitável, imprevisível e irresistível. Sequer, por interpretação relaxada, poderia dizer que o empregador responderia então pelos atos
dos grevistas que causaram o incêndio, invocando-se o art. 932, III, do Código
Civil, na medida em que a responsabilidade objetiva indireta do empregador,
nesses casos, dar-se-á apenas quando os danos causados pelos empregados ou
prepostos se derem no exercício do trabalho ou em razão dele, o que não se
verificou também.
A mesma relação fática será recolhida nas malhas da responsabilidade
previdenciária, que adota a teoria do risco integral, na qual mesmo a atitude
criminosa dos causadores do incêndio não isentará o INSS da sua obrigação
de pagar os benefícios aos dependentes do motorista vitimado, amoldando-se
a situação no conceito de acidente de trabalho previdenciário, cujos requisitos
são muito diferentes dos da responsabilidade civil.
6 – CONCLUSÕES
– O ordenamento jurídico revela dois grandes sistemas de responsabilidade civil: o subjetivo e o objetivo, conforme a lei dispense o elemento da
culpa do agente para estabelecimento da relação indenizatória, havendo algumas
espécies dentro dos dois grandes conjuntos, formando-se microssistemas, os
quais convivem harmonicamente, sem preferência de um sobre o outro; são
as situações fáticas que serão, indistintamente, enquadradas em um ou outro
sistema, conforme os requisitos específicos estejam atendidos.
89 Importante rememorar que o risco da atividade para enquadramento na cláusula geral codificada insere
o acidente no microssistema objetivo apenas quanto aos danos causados pelo próprio risco potencial,
dispensando-se prova da culpa e ato ilícito. No caso em debate, ainda que se considere a atividade
de motorista como de risco, tais riscos são aqueles de acidentes, inerentes à atividade, mas não em
relação a outros possíveis danos, como a atitude imprevisível de terceiros, sem conexão alguma com
a atividade, ainda que de risco.
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– Na espécie subjetiva há três microssistemas: responsabilidade civil
subjetiva comum, da restrita a dolo ou culpa grave e a com presunção relativa
de culpa. Do grupo objetivo fazem parte a responsabilidade normal e a agravada. É a legislação que indicará, expressamente, quais são as relações sujeitas
às quatro últimas espécies, de modo que não havendo indicação legislativa,
estaremos diante da subjetiva comum. Segue que a responsabilidade civil
subjetiva é residual, ou seja, primeiro o intérprete deve analisar se a situação
fática se enquadra em algumas das situações que a lei especial previu como
de responsabilidade objetiva, comum ou agravada; se não, depois avançar
para verificar se ela se enquadra na cláusula geral pelo risco da atividade do
art. 927, parágrafo único, do Código Civil; havendo nova negativa, avançar
para verificar se há alguma presunção legal de culpa ou a exigência de dolo ou
culpa grave; apenas havendo negativa quanto às três primeiras tentativas de
enquadramento é que se concluirá que no caso o sistema de responsabilidade
civil incidente é o subjetivo comum ou clássico, com os requisitos do dano,
nexo causal, ato ilícito e culpa.
– As hipóteses fáticas acidentárias ou de doenças ocupacionais poderão
amoldar-se a dois ou mais microssistemas de responsabilidade objetiva, quando a aparente antinomia será resolvida em favor da norma mais favorável ao
trabalhador, globalmente analisada (teoria do conglobamento). É exemplo da
sobreposição de microssistemas o acidente generalizado ocorrido em mina de
exploração de minerais radioativos, cujo acidente amoldar-se-á nos microssistemas por acidentes nucleares, acidentes ambientais, acidentes nas atividades de
mineração e na responsabilidade administrativa das pessoas jurídicas de direito
público ou das de direito privado prestadoras de serviços públicos, optando-se,
no caso concreto, pelo microssistema nuclear, mais benéfico, pois não se admite
excludente de nexo causal mesmo que haja fato de terceiro ou caso fortuito,
além de o sistema específico admitir a responsabilização subsidiária do Estado,
caso o devedor principal não tenha recursos.
– Os requisitos gerais do sistema de responsabilidade objetiva são dano
e nexo causal, dispensando prova de culpa e do ato ilícito. Porém, os diversos
microssistemas do gênero objetivo irão prever especificidades, como a possibilidade de demonstração das excludentes de nexo causal, nas modalidades de
responsabilidade objetiva normal, ou a vedação legal expressa de se invocar
uma delas, na modalidade objetiva agravada, bem como em cada sistema
especial há eleição legislativa de um prazo de prescrição para o exercício da
pretensão. Os prazos prescricionais para pretensão de responsabilidade decorrente de acidente de trabalho são diversos e especiais, não se confundindo
com o prazo trabalhista genérico previsto no art. 7º, XXIX, da Constituição,
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aplicável apenas às verbas de natureza jurídica trabalhista em sentido estrito e
não de natureza jurídica civil.
– É indispensável que as decisões judiciais fundamentem analiticamente
em qual macrossistema a relação acidentária se insere, depois avançar para
identificar qual dos microssistemas objetivos é incidente, se da espécie comum
ou agravada, analisando as modalidades de excludentes de nexo causal admitidas pela legislação, significando que só o fato de dizer que a responsabilidade
é objetiva passa ao largo da correta fundamentação e não resolve a questão.
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MOLINA, André Araújo. Sistemas de responsabilidade civil