XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 27 O COORDENADOR PEDAGÓGICO E AS PRÁTICAS DE SALA DE AULA Magali Aparecida Silvestre – UNIFESP Vera Maria Nigro de Souza Placco – PUC/SP Este artigo trata sobre as contribuições do trabalho do coordenador pedagógico na transformação da prática de sala de aula. Dessa forma, apresenta em que condições a formação continuada de docentes é desenvolvida nas escolas, que princípios têm subsidiado as práticas dos coordenadores pedagógicos e quais os impactos desses processos formativos nas ações pedagógicas dos professores. O texto apresenta considerações sobre estas questões, tendo por base dados que compõem uma pesquisa nacional, realizada no ano de 2010/2011, em cinco regiões do Brasil, cujo objetivo principal foi identificar qual o papel do coordenador pedagógico das escolas de educação básica na formação continuada de professores. Com a intenção de subsidiar políticas públicas de formação docente e organização dos sistemas escolares a pesquisa identificou e analisou aspectos relevantes sobre a atuação do coordenador pedagógico, o que possibilitou traçar um panorama abrangente sobre a importância desse profissional no contexto da escola brasileira. Com o objetivo de aprofundar aspectos sobre esta atuação apresentamos nesse artigo parte da análise de dados coletados na cidade de São Paulo, composta pelos depoimentos de quatro coordenadores e oito professores. Ao investigarmos mais profundamente a compreensão que os coordenadores pedagógicos possuem sobre a relação teoria e prática, o nível de importância dada à experiência e ao conhecimento sistematizado, entre outros aspectos, concluímos que as bases que sustentam os processos formativos pelos quais passaram – nos cursos de formação inicial - ou passam - nos encontros promovidos pelas Secretarias de Educação, incidem decisivamente na concepção de formação que possuem e nos modelos de formação continuada que desenvolvem junto aos professores. Por outro lado, acreditamos que as condições de trabalho desses profissionais, que interferem diretamente nas formas de organização dos espaços de formação, precisam ser reconsideradas no âmbito das formulações de políticas públicas. Palavras-chave: Formação Continuada; Autonomia do Professor; Coordenação Pedagógica; Condições de Trabalho Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003118 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 28 INTRODUÇÃO Atualmente, vários setores da sociedade brasileira clamam por uma escola pública de qualidade. Sem distinção do que, ideologicamente, possa diferenciar a concepção da qualidade desejada, o que se toma como meta comum é que crianças, jovens e adultos que frequentam essa escola desenvolvam, ao término de seus ciclos de estudos, competências para ler, escrever e calcular. Nessa direção, circula um discurso, evidenciado pelos meios de comunicação social, de que todo o sucesso ou o fracasso da escola está intimamente relacionado à qualidade da formação do professor que nela atua. Impossível afirmar que não haja relação entre qualidade e formação de professores, mas necessário insistir que associações dessa natureza desconsideram as “complexas inter-relações entre educação, ensino e aprendizagem” e a “diversidade de outros fatores vinculados à questão educativa (e à qualidade da educação) que não passam pelo ensino” (TORRES, 2001, p. 45). Em outras palavras, almejar e construir uma educação escolar de qualidade requer uma análise que coloque em relação o conteúdo das políticas públicas produzidas pelos sistemas de ensino, as influências dos agentes internacionais, a própria instituição escolar, o aluno, a comunidade e o professor, este último envolvendo sua formação, sua profissionalidade e sua ação pedagógica. Tendo por base essa complexidade do fenômeno educativo que acontece na instituição escolar e os diversos atores nele envolvidos, pretendemos nesse artigo indicar alguns elementos que assinalam a contribuição do trabalho do coordenador pedagógico com a formação continuada de professores para a melhoria da escola pública. Como Placco, Almeida e Souza (2011, p.7) acreditamos que: [...] compete ao Coordenador Pedagógico: articular o coletivo da escola, considerando as especificidades e as possibilidades reais de desenvolvimento de seus processos: formar os professores, no aprofundamento em sua área específica e em conhecimentos da área pedagógica, de modo que realize sua prática em consonância com os objetivos da escola e esses conhecimentos; transformar a realidade, por meio de um processo reflexivo que questiona as ações e suas possibilidades de mudança, e do papel/compromisso de cada profissional com a melhoria da Educação escolar. (grifo dos autores) Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003119 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 29 Assim, o trabalho do coordenador pedagógico, seja da rede municipal ou da rede estadual de ensino, está intrinsecamente envolvido com as práticas de sala de aula. A questão que se coloca é que tipo de formação é, ou deveria ser oferecida aos professores, para que estes possam questionar suas ações e promover mudanças significativas não só em sua prática de sala de aula, mas em toda prática pedagógica que desenvolve no interior da escola visando, de fato, a melhoria da qualidade da educação escolar. O texto apresenta, sumariamente, algumas considerações sobre esta questão, tendo por base dados de pesquisa, realizada no ano de 2010/2011, na cidade de São Paulo, que indicam em que condições a formação continuada de professores é desenvolvida nas escolas, que princípios têm subsidiado as práticas dos CPS e quais os impactos desses processos formativos nas ações pedagógicas dos professores. O TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E A CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DE QUALIDADE Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.117), uma educação escolar de qualidade é aquela que: [...] promove, para todos, o domínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas indispensáveis ao atendimento de necessidades individuais e sociais dos alunos, bem como sua inserção no mundo e a constituição da cidadania também como poder de participação. Para a construção e consolidação de uma escola que leve a cabo essas finalidades, necessário se faz, como há muito se discute, a existência de um projeto político pedagógico (PPP). Acreditamos que é o PPP que possibilita o desenvolvimento da autonomia da escola, assegurada pela LDB, impondo sua singularidade ao sistema, ao mesmo tempo em que recupera sua função social respondendo às necessidades da comunidade em que está inserida. É o PPP que possibilita a reunião dos profissionais da escola em torno de um objetivo comum, mas para isso é necessário que se transforme em um canal de participação. Nesse contexto, a coordenação do trabalho pedagógico da escola é fundamental e a figura do coordenador pedagógico torna-se estratégica, pois sua função articuladora, como explica Pinto (2011, p. 151-152), é a expressão máxima do trabalho coletivo. Para o autor, se a coordenação pedagógica não desenvolver seu trabalho envolvendo todos os profissionais da escola, Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003120 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 30 [...] ela se destitui daquilo que a constitui. Em termos efetivos, se ela não expressar a síntese do trabalho coletivo, deixa de ser coordenação à medida que a entendemos como esse somatório dos esforços individuais na busca dos fins educacionais do trabalho escolar. Temos, portanto, um dos compromissos que o coordenador pedagógico pode assumir para a construção de uma escola de qualidade. De acordo com Placco, Almeida e Souza (2011), é recorrente na literatura a defesa de que a função principal do CP é a formação continuada dos professores, o que, no nosso entendimento, significa a materialização desse compromisso. Contudo, não cabe ao CP somente garantir espaços de formação continuada na escola, mas, antes de tudo, indagar-se sobre os pressupostos que fundamentam as práticas de formação que nela desenvolve. Essa deliberação depende do papel que o CP assume frente ao seu trabalho junto à comunidade escolar e, ao mesmo tempo, junto ao sistema de ensino a que tem que responder. Entre a autonomia da escola, ainda que relativa, e as determinações políticas e da legislação vigente, estas últimas mais ou menos incisivas quanto ao papel do CP como disseminador das políticas públicas, a depender que quem está no comando, cabe a este profissional posicionar-se sobre qual o tipo de formação que pretende oferecer ao coletivo da escola. Não se trata de uma decisão individual e solitária, pois compõe a equipe diretiva da escola, mas, como responsável direto pela formação, precisa conhecer motivos e significados que caracterizam seu trabalho com a formação dos docentes. Imbernón (2004) explica quais características devem adquirir os processos formativos no interior da escola para que contribuam efetivamente com a qualidade das práticas pedagógicas e, consequentemente com a melhoria da qualidade da escola pública. Para o autor, a formação é um dos elementos, embora não seja o único, que contribui com o desenvolvimento profissional do professor, mas só será legítima se auxiliar esse desenvolvimento no âmbito do trabalho e de melhoria das aprendizagens profissionais. Além disso, continua o autor, deve ser concebida na perspectiva de uma formação permanente. Em outras palavras, a formação do professor, desenvolvida pelo CP não pode se apoiar na ideia de que se trata de uma mera atualização científica e pedagógica, mas constituir-se num processo que possibilita ao professor “descobrir, organizar, fundamentar, revisar e construir a teoria” (IMBERNÓN, 2004, p. 48), rever-se como profissional ao rever sua própria prática. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003121 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 31 O trabalho do CP frente aos momentos de formação deve sugerir um exercício em que os professores possam perceber, antes de tudo, a finalidade de seu trabalho, assim como sua natureza teórico-prática. O que está em jogo, não é somente a construção da autonomia da escola, por meio de seu PPP, mas o desenvolvimento da autonomia de cada um dos sujeitos que a compõem, um processo de construção permanente que conjuga e equilibra valores, interesses, princípios e conhecimentos. Acreditamos, portanto, que o trabalho do coordenador pedagógico frente à formação continuada dos professores deve considerar dois princípios elementares. O primeiro, como Contreras (2002, p. 150) acredita, é que “os professores não são seres passivos que interiorizam as tradições e as práticas escolares sem maior capacidade de resposta”. Ocorre no contexto escolar “um processo de negociação ou interação entre os interesses e valores pessoais e do contexto institucional e social”. O segundo princípio, também baseado nas ideias do autor, é que o CP necessita entender de que maneira os docentes podem orientar estes processos de negociação, para poder “entender melhor que possibilidades de reflexão crítica podem ser criadas” nos espaços de formação. O TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NO COTIDIANO DA ESCOLA PÚBLICA A discussão que apresentamos nesse artigo é resultado de análise de parte de um conjunto de dados que compõem uma pesquisa nacional, realizada no ano de 2010, em cinco regiões do Brasil. Esta investigação teve como objetivo principal desvelar qual o papel do coordenador pedagógico das escolas de educação básica na formação continuada de professores. As informações, coletadas por pesquisadores locais, compõem um conjunto de vinte escolas, duas escolas públicas municipais e duas estaduais de cada região. Na primeira fase da investigação empírica, coordenadores, diretores e professores responderam a questionários específicos. Na segunda fase, os coordenadores foram entrevistados com o objetivo de aprofundar alguns dados relevantes, analisados previamente nas respostas dos questionários. Com a intenção de subsidiar políticas públicas de formação docente e organização dos sistemas escolares, no Relatório Qualitativo Final, apresentado ao público em 2011, foram identificados e analisados aspectos relevantes sobre a atuação Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003122 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 32 do coordenador pedagógico, o que possibilitou traçar um panorama abrangente sobre a importância desse profissional no contexto da escola brasileira. Com o objetivo de aprofundar alguns desses aspectos, sem a pretensão de esgotar a discussão, apresentamos nesse artigo parte da análise dos dados coletados na cidade de São Paulo. Elegemos expor o conteúdo encontrado nos depoimentos de um coordenador e dois professores por escola, totalizando 12 sujeitos. O foco da análise localiza-se na contribuição do trabalho do coordenador pedagógico para a transformação da prática de sala de aula. Cumpre ressaltar que o coordenador pedagógico recebe diferentes nomenclaturas, de acordo com a rede de ensino em que atua. Nesse artigo, trataremos indistintamente todos esses profissionais como coordenador pedagógico, que serão identificados com a sigla CP. As escolas serão identificadas com a letra E seguida dos números 1, 2, 3 e 4. CONDIÇÕES DE TRABALHO E FORMAÇÃO CONTINUADA A compreensão que coordenadores e professores possuem sobre as atividades que compõem a rotina diária da coordenação pedagógica da escola são semelhantes. Para os CP, essas atividades se resumem a: atendimento a pais, alunos e professores; formação de professores; acompanhamento do horário do intervalo; visita às salas de aula; acompanhamento do desenvolvimento de cada aluno e demandas da direção. Os professores diferenciam formação, que significa oferecer embasamento teórico para a reflexão sobre a prática e atendimento, que significa orientação relacionada a aspectos pedagógicos, auxílio em suas dificuldades com os alunos, com o planejamento, e no diálogo com a direção. Esperam que o CP ofereça novas teorias para discussão, compartilhe conhecimento, seja aberto ao diálogo; troque informações sobre os problemas da escola; apóie o professor em diferentes situações; organize o planejamento; que haja parceria, auxiliando-os em questões sobre a indisciplina; conheça bem os alunos; que seja envolvido com as questões pedagógicas da escola; que sane dúvidas em relação a como lidar com pais, família e comunidade. Essa série de demandas, de naturezas distintas, para serem atendidas exige do CP aquilo que Pinto (2011, p. 75-76) tem enfatizado em seus estudos: “[...] o pedagogo escolar como profissional da Educação, que atua nas escolas, fora da sala de aula, tem que pautar sua ação a partir de uma sólida formação pedagógica”, por este motivo deve se tornar “um estudioso da educação de um modo geral” e “ter clareza das articulações Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003123 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 33 entre os processos educativos escolares e aqueles que acontecem em outras instâncias sociais”. Nesse caso, cumpre analisar uma afirmação unânime entre os CP. Ao discutirem suas condições de trabalho, comparam as duas redes de ensino. Citam o fato de que, na rede municipal, a situação do CP é bem melhor do que na rede estadual, pois nessa última a coordenação é uma função e não um cargo, assumido por meio de indicação e não concurso, por um professor e não por um pedagogo. Os dois CP da rede estadual acentuam o problema, ao afirmarem que essa situação funcional cria algumas dificuldades e que há certa descrença em relação à função do professor que assume a coordenação, o que pode ser entendido como falta de legitimação de seu papel. No entanto, a falta de legitimidade e a ausência de uma base de formação necessária para uma prática transformadora são dois elementos que vem interferindo na constituição identitária do conjunto de coordenadores entrevistados, independente da rede de ensino em que estão lotados, o que faz com que este profissional encontre em seu cotidiano escolar dificuldades em desenvolver seu trabalho. Embora declarem que o atendimento a pais e alunos é o que mais demanda tempo, ao serem indagados sobre suas principais atribuições, por ordem de prioridade, os quatro coordenadores respondem que a Formação de Professores vem em primeiro lugar. As menos prioritárias são participação em atividades da Secretaria de Educação, organização burocrática e organização e coordenação de eventos. Contudo, mesmo classificando como menos prioritárias as demandas da Secretaria da Educação, encontramos em seus depoimentos declarações que evidenciam como essas atividades acabam fazendo com que este profissional fique muito tempo ausente da escola. Além disso, um dos CP considera que o trabalho a ser desenvolvido na escola se torna difícil na medida em que: [...] cada administração olha para a coordenação de uma forma diferente. E, aí, o que a gente tem durante quatro anos? Uma prática que é complemente diferenciada em relação à gestão anterior. Então, esse coordenador é meio esquizofrênico: nem ele sabe direito o que ele é. Hora é para uma função mais técnica, de controle; hora é mais pedagógica, assim, mais reflexiva. De qualquer forma, a legislação vigente assinala que uma de suas funções é a organização e execução de espaços de formação. Nesse caso, cada rede de ensino possui uma forma de organização alinhada à jornada de trabalho do professor. Na rede Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003124 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 34 municipal essa formação ocorre nos horários coletivos previstos na JEIF – Jornada Especial Integral de Formação e, na rede estadual, existe a HTPC - Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo. Sem aprofundar a discussão sobre esses dois espaços coletivos, destacamos que a forma como são organizados gera dois obstáculos para o trabalho do CP. O primeiro deles se refere ao número de grupos de professores a que o CP deve responder e o segundo, à impossibilidade de desenvolver o seu trabalho com o coletivo da escola. O depoimento de um dos coordenadores desvela as duas dificuldades: Só que o coletivo, no nosso caso, por exemplo, ele é parcialmente coletivo. Porque eu tenho, todas as quintas-feiras, um grupo de manhã, das 11h30 às 13h30, que são os professores do grupo que trabalham pela manhã. E por conta de, à tarde, uma grande maioria de professores acumular [...] Então, eu tenho um HTPC das 17h30 às 19h30. Então, o coletivo, aí, você vê que quebra um pouquinho. É coletivo de período, mas não é coletivo grupo. Frente a essas inúmeras dificuldades, os CP reconhecem, ainda, que as ações de formação com os professores demandam conhecimentos prévios, organização de uma pauta, estudo minucioso do conteúdo, visitas à sala de aula; pesquisa de atividades que atinjam às expectativas e dificuldades dos professores, entre outras e que, portanto, o tempo gasto com o preparo da formação deveria ser computado em sua jornada de trabalho na escola, o que nunca acontece. CONTRIBUIÇÕES DO TRABALHO DO CP PARA A TRANSFORMAÇÃO DAS PRÁTICAS DOCENTES Mesmo em condições de trabalho pouco favoráveis, os coordenadores entrevistados valorizam a formação continuada dos professores, ao apontá-la como uma das principais ações a ser desenvolvida na escola. Acreditam, sobretudo, que essa formação provoca mudanças em sala de aula e na aprendizagem dos alunos. No entanto, a análise do conjunto das informações coletadas permitiu-nos considerar que os princípios que subsidiam a prática de formação de cada um dos CP são bastante diferenciados, o que incide diretamente nas possibilidades de transformação das práticas dos professores. Para o CP da E1, seu papel é desenvolver a formação em serviço, auxiliando o professor a pensar sua prática, por meio de um repertório teórico que subsidie a reflexão Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003125 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 35 sobre ela. Afirma que: “o coordenador pode ser o questionador das práticas de sala de aula, pode trazer pressupostos teóricos que ‘iluminem’ as dificuldades de aprendizagem, as dificuldades de relacionamento interpessoal”. Para este coordenador a base de seu trabalho é: [...] acima de tudo, a ética. É o compromisso ético com a humanização, o compromisso ético, consequentemente, com um mundo mais justo. E a formação. Tanto que a formação que faço com os professores e que espero que eles trabalhem com os alunos, também tenha essa referência, de outro mundo possível: um mundo mais justo e mais humano. Este coordenador, tendo por base um compromisso com a transformação social, explicita como concebe a relação entre o conhecimento mais sistematizado e a prática do professor, deixando claro que não é qualquer base teórica, mas aquela que possibilita uma reflexão crítica sobre a condição do professor, de seus alunos e da própria escola. Para Contreras (2002, p. 148), não basta se preocupar em formar um profissional reflexivo, mas sim revelar quais os conteúdos dessa reflexão. Para o autor, os processos reflexivos podem tanto ajudar a construir práticas emancipatórias, como estar “a serviço da justificativa de normas e princípios vigentes em nossa sociedade” que não caminham na direção da autonomia do professor e emancipação do aluno. Nessa perspectiva, o mesmo CP constata que as mudanças ocorridas desde a sua permanência na escola como coordenador estão relacionadas à compreensão dos professores sobre os horários coletivos e sobre seu próprio processo de formação. O coordenador justifica seu argumento, ao afirmar que, quando ele assumiu o cargo, anunciou que tentaria construir com eles um processo para que houvesse uma reflexão teórica sobre a prática, a partir de autores e não de textos superficiais como normalmente vem ocorrendo nos horários coletivos. Segundo ele, os professores não estavam acostumados e, por isso, inicialmente resistiram, sendo necessário o estabelecimento de algumas regras, normas, principalmente em relação a atrasos. Sua relação com os professores foi sendo construída paulatinamente e o resultado pode ser constatado pela declaração do CP: [...] uma professora falou mais ou menos o seguinte: que ela agradecia, entre aspas, o fato de eu não ter desistido delas e de ter mantido a minha posição. Que, agora, elas começavam a fazer outras leituras, a perceber outras coisas, a fazer outras relações, que era uma coisa impossível até então. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003126 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 36 Essa percepção do CP sobre os princípios que orientam o seu trabalho também é identificada na fala de duas professoras que responderam ao questionário na mesma escola. Para uma delas, o trabalho do coordenador contribuiu para a formação intelectual e, também, para não “tirar o pé da razão”, porque o cotidiano leva o professor ao desequilíbrio e o CP pode ajudá-lo a entender que “a culpa pelo fracasso não está no aluno, nem no professor, e o racional, a razão, a ciência ajuda a entender, a compreender o problema”. O trabalho do CP, nas palavras da professora, auxiliou-a a “entender o aluno como ele é”. A outra professora declara que a grande contribuição dos estudos desenvolvidos nos horários coletivos é entender que o aluno é fruto de uma história, de uma sociedade, “é olhar para a criança, seja ela mais esperta ou aquela que exige mais do professor”. Para ela, a mudança no professor vem primeiro, depois vem a mudança na aula: “a leitura modifica o ser professor e depois, como consequência, o trabalho com o aluno”. Declara, ainda, que “quando você se encontra como intelectual, o professor começa, ele mesmo, a selecionar algumas leituras e buscar algumas informações”. Almeida e Placco (2006, p. 36) explicam que um coordenador comprometido com seu papel de educador, cujos princípios da educação democrática constituem sua concepção do que deve ser a educação, investirá na construção de uma autoridade que exclui a coerção como meio de conquista, exercitando a responsabilidade, o autorespeito, a autonomia.” Nessa direção, o coordenador em questão acredita na importância de constituir um grupo, de investir na capacidade dos professores; sua ação leva em consideração a construção da autonomia intelectual desse profissional, contribuindo, assim, com a constituição identitária e o desenvolvimento profissional não só de cada professor, mas dele próprio. Para o CP da E4, a formação continuada de professores deve estar associada ao compromisso com a aprendizagem dos alunos e com a qualidade do ensino, o que requer muita responsabilidade: “são dois trabalhos de suma importância: formar o professor, orientá-lo, ajudá-lo e também estar envolvido com a qualidade de ensino, garantindo a aprendizagem”. Segundo esse profissional, a constituição de um grupo é fundamental para se alcançar essa qualidade e para isso é necessário “[...] saber ouvir, saber falar em momentos apropriados. Não dá para você desmerecer ninguém. Então, você tem um grupo de professores, você tem que procurar observar as diferenças, observar a potencialidade de cada professor [...]”. Essa atitude também é esperada por um dos professores da escola: Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003127 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 37 Se há uma falha no 1º. Ano, a dificuldade permanece e vai pesar para os outros anos. A CP deve unir a equipe e tentar ajudar a solucionar os problemas. A equipe tem que estar envolvida nisso. Mesmo constatando seu compromisso com um trabalho de qualidade e o respeito que possui em relação às características do corpo docente, foi possível constatar que suas ações de formação não necessariamente desencadeiam processos em que os professores percebam que devem ser autores de sua própria prática. A concepção que possui sobre a relação teoria e prática pode ser um indicativo: “Você forma o professor e ele vai aplicar na sala de aula”. Afirmação que denota uma concepção de que prática se resume a um conjunto de aplicações teóricas disponíveis a priori que visam à resolução instrumental dos problemas apresentados na situação de ensino. Outro indicativo é o conteúdo das falas de dois professores da escola: O CP ajuda muito a selecionar as atividades [...] trazendo experiências que aprende no curso da Diretoria de Ensino. [...] trazendo sugestões de como trabalhar com os alunos; fornecendo material; sempre que a professora precisa a CP está disposta. Verificamos que o CP da E2, ao explicar o seu papel junto aos professores, também acaba desvelando que concepções subsidiam seu trabalho junto a eles: Mas eu acho que você precisa ter, é a coisa da teoria, você tem que ter a questão do estudo, saber o que está acontecendo de novo lá fora, o que está pensando com relação à educação. E trazer, você traduz tudo isso e coloca para eles de uma forma mais light. Porque de repente você trazer aqueles textos, sabe, super difíceis e tudo, ah, eles não lêem, não. Tem que dar uma mastigada, uma traduzida e você coloca. Fica bem melhor. Este profissional, ao desenvolver seu trabalho com a formação continuada dos professores, parte do pressuposto de que o conhecimento teórico, sistematizado, científico é distante da prática do professor, por isso precisa ser traduzido, simplificado. Além disso, acredita que os professores não possuem capacidades necessárias para compreender, refletir e interpretar os assuntos a serem discutidos, ao desconsiderar sua capacidade intelectual e a perspectiva de um trabalho para o desenvolvimento da autonomia. Em outros trechos de seu depoimento justifica que o que realmente dá subsídio para ação é a experiência, o dia a dia, o cotidiano, em outras palavras, ele privilegia a Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003128 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 38 experiência em detrimento de uma análise teórica sobre a prática. Parece-nos que, por este motivo, defende que os programas de formação continuada oferecidos pela secretaria de Educação ajudam bastante, pois neles “são dadas pautas de encontros, vídeos, textos diferentes, boas dicas”. Finalmente, ao analisarmos os dados relatados na escola E3, verificamos que o tempo dedicado à formação dos professores é preenchido por questões emergenciais do cotidiano da escola. Os depoimentos dos professores e do coordenador não revelam a existência de processos reflexivos sobre as práticas de sala de aula. A forma como o CP declara que os professores concebem seu trabalho pode ser indicado com uma consequência decorrente dessa ausência: “alguém que vai resolver os problemas imediatamente, num passe de mágica e que tem uma fórmula para tudo”. O tipo de relação verticalizada e hierarquizada que estabelece com os professores pode ser outro indicador: Para ele, a própria denominação da função descreve sua ação: “O que significa? O próprio nome está falando: coordenar, agrupar, reunir, instruir. Não diria nem instruir, mas é, realmente, coordenar um grupo de professores”. A organização do trabalho junto aos professores se dá de forma espontânea, sem planejamento, porque, segundo ele, são os acontecimentos diários que orientam o seu trabalho: “a gente procura ver algum assunto que esteja em evidência, principalmente ligado à educação. Não necessariamente, mas de preferência que esteja ligado à educação, que está na mídia. As dificuldades do grupo com alunos aqui. A gente faz trabalho burocrático, também, com eles”. O resultado desse trabalho pode ser conferido na análise das respostas de um dos professores da escola. Para ele, cabe ao CP: “organização de listas de alunos; organização do reforço; passar instruções aos professores sobre a vida na escola; informações da Diretoria Regional de Ensino; resolver problemas que surgem no dia a dia com os alunos”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo buscou apresentar alguns indicadores sobre quais condições e pressupostos a formação continuada de professores vem sendo desenvolvida nos horários coletivos das escolas e como o trabalho do CP tem provocado transformações nas práticas de sala de aula. Ao levar em consideração a análise indicada no texto, constatamos que, à exceção do CP da escola E3, os coordenadores demarcam seu compromisso com a Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003129 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 39 formação do grupo de professores que coordenam e demonstram compreender que é durante os encontros de formação que as práticas podem ser repensadas e aperfeiçoadas. No entanto, ao investigarmos mais profundamente a compreensão que possuem sobre a relação teoria e prática, o nível de importância dada à experiência e ao conhecimento sistematizado, entre outros aspectos, concluímos que as bases que sustentam os processos formativos pelos quais passaram – nos cursos de formação inicial - ou passam - nos encontros promovidos pelas Secretarias de Educação, incidem decisivamente na concepção de formação que possuem e nos modelos de formação continuada que desenvolvem junto aos professores. Por outro lado, acreditamos que as condições de trabalho desses profissionais, que interferem diretamente nas formas de organização dos espaços de formação, precisam ser reconsideradas no âmbito das formulações de políticas públicas. Diante do exposto, defendemos que a qualidade da escola pública exige, entre outras ações urgentes, contar com um profissional, o pedagogo, que exerça seu papel mediador entre conhecimentos e práticas, que consiga efetivamente interferir no desenvolvimento da autonomia do professor, sendo, portanto, decisivo no processo de transformação das práticas escolares. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. M. N. O coordenador pedagógico e questões da contemporaneidade. São Paulo: Loyola, 2006. CONTRERAS, José. A autonomia de Professores. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2002. IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional. São Paulo: Cortez, 2004. LIBÂNEO, J. C; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. PINTO, U. de A. Pedagogia Escolar Coordenação Pedagógica e Gestão Educacional. São Paulo: Cortez, 2011. PLACCO, V. M. de S., ALMEIDA, L. R., SOUZA, V.L.T. Relatório O Coordenador Pedagógico e a Formação de Professores: intenções, tensões e contradições. Disponível em: http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/2010/perfil-coordenadorespedagogicos-605038.shtml. Acesso em 02/02/2012. TORRES, R. M. Educação para todos: a tarefa por fazer. Porto Alegre: ArtMed, 2001. Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.003130