Pancreatite Crônica Hereditária Escola Superior de Ciências da Saúde Medicina - 6ª Série Unidade de Pediatria do Hospital Regional da Asa Sul/SES/DF Alexandre J. S. Silva (interno) Orientação: Dra Luciana Sugai e Dr. Paulo R. Margotto Brasília, 18 de janeiro de 2011 www.paulomargotto.com.br Identificação • P.H.M.C., 12 anos, sexo masculino, pardo; • residente no Bairro Vila Nova de São Sebastião – DF; • procedente de BSB; • Informante : pai. Queixa Principal • “Dor na barriga há 2 dias.” HDA (admissão no dia 06/01/11): Há 3 dias com quadro de diarréia líquida (fezes não esteatorréicas e sem sangue), 7-8 evacuações/dia, não explosiva; Há 2 dias com dor abdominal em faixa, moderada intensidade, sem relação com alimentação (nega transgressão da dieta hipograxa habitual), com pequena resposta ao uso de analgésico comum. Nega febre, calafrios e vômitos. • Medicação em uso: enzimas pancreáticas (pancrelipase) 12000 UI – 1 caps VO às principais refeições, desde 2005. Antecedentes Pessoais • Nascido de parto normal, a termo, sem intercorrências e pesando 2409g; • Diagnóstico de pancreatite em 2005, com cálculo em ducto de Wirsung; • 3 internações prévias por pancreatite; • Nega colecistectomia; História Familiar: • único irmão faleceu aos 6 anos de idade por pancreatite; • Pais saudáveis; • Tia e bizavó (parte da mãe), portadoras de Diabetes. Exame Físico • Ectoscopia: Criança em BEG, acianótico, anictérico, hipocorado (++/4+), hidratado, afebril, lúcido e orientado; • ACV: RCR 2T, sem sopros e desdobramento de bulhas; • AR: MVF, sem ruídos adventícios; • Abdome: plano, flácido, doloroso à palpação de hipocôndrio D, região epigástrica e hipocôndrio E, sem tumorações palpáveis e sem sinais de irritação peritoneal. Giordano (-); • Extremidades: sem edemas e bem perfundidas (2 seg); • Genitália: masculina, típica. Não apresenta sinais de hiperemia anal. Exames Complementares US Abdome (07/01/11) : Calcificação pancreática ductal, levando a dilatação do Wirsung (3,4 mm), pâncreas com volume normal. Obs.: Não foi realizada pesquisa de alterações genéticas características. http://blog.saudegeriatrica.com.br/page/3/ A figura mostra o pâncreas com o ducto pancreático principal (seta vazada) com dilatação e cálculos em seu interior. A seta cheia mostra o esfincter de Oddi. Hipótese Diagnóstica: • Pancreatite por anomalias congênitas do sistema pancreático ou do ducto biliar(?) • Pancreatite idiopática (?) • Pancreatite familiar crônica agudizada (?) • Trauma (Síndrome do Tanque) (?) Evolução/Conduta: Paciente permaneceu internado na enfermaria de pediatria do HRAS por 6 dias, inicialmente em dieta zero, progredindo para hipograxa, recebendo hidratação venosa 82% holliday, além de analgesia. Evoluiu com melhora das dores, com diminuição importante dos episódios de diarréia, permanecendo sem febre e vômitos, além de diurese abundante. Recebeu alta hospitalar no dia 11/01/11 com sintomáticos, além de retorno às consultas ambulatoriais de rotina com gastroenterologista que o acompanha no HBDF, para posterior conduta. PANCREATITE CRÔNICA HEREDITÁRIA Definição: Doença autossômica dominante rara, caracterizada por episódios recorrentes de pancreatite aguda em 2 ou mais membros de várias gerações da família; A maioria dos pacientes possui mutações nos genes PRSS1, SPINK1 ou CFTR; Representa um subgrupo raro de pancreatite crônica. Epidemiologia Maioria dos pctes desenvolvem os sintomas antes dos 20 anos de idade (entre os 10-12 anos); Pancreatite é extremamente rara na idade pediátrica (3,510/100.000 habitantes/ano); Etiologia hereditária é responsável por cerca de 2% dos casos; Penetrância: 80% desenvolvem PC até os 20 anos de idade. Brasil 1973, Mott et al. Descreveram a 1ª família (2 irmãs), apresentando esta afecção. Classificação e Etiologia 1. Pancreatite crônica calcificante Tipo mais comum caracterizado por calcificações no parênquima pancreático. Causas: álcool, hereditária, idiopática, nutricional e mateabólica; 2. Pancreatite crônica obstrutiva Tipo mais raro caracterizada por obstáculos geralmente na porção cefálica, dificultando a drenagem do sulco pancreático(atrofia glandular); Causas: câncer de papila, câncer intraductal, etc. Anatomia Fisiologia Patogenia Tripsinogênio catiônico auto-ativado em tripsina em locais não necessariamente sensíveis de forma descontrolada autodigestão do pâncreas • Obs.: O inibidor da tripsina atua como estabilizador para evitar auto-ativação não-controlada da tripsina. Mutação do SPINK1* perda do mecanismo estabilizador. • Outros 2 genes estão implicados na etiopatogenia da doença: PRSS1** e CTFR*** , embora nem todos os genes responsáveis já tenham sido descobertos. * serine protease inhibitor Kazal type 1 ** serine protease 1gene *** cystic fibrosis transmembrane conductance regulator Quadro Clínico A apresentação clínica mais comum é uma pancreatite aguda severa caracterizada por: Episódios recorrentes de dor abdominal de forte intensidade; Náuseas; Vômitos. Higidez por longos períodos de tempo após a recuperação; Ocasionalmente, crianças podem apresentar pancreatite crônica sem episódios de pancreatite aguda. Achados histopatológicos • Compatíveis com pancreatite crônica calcificada, incluindo fibrose e cálculos nos ductos pancreáticos. Diagnóstico Diferencial Pacientes com dor abdominal aguda ou crônica, de etilogia indeterminada (pancreatite idiopática); Obs.: Elevação sérica de amilase e lipase, não são específicos, podendo ocorrer em situações como isquemia mesentérica, desordem da árvore biliar, úlcera péptica complicada, insuficiência renal. Complicações Há períodos de acalmia e complicações surgidas precocemente, tais como: - Cistos pancreáticos; - Derrames cavitários; - Diabetes; - HDA; - Fistulização pancreática; - Aumento do volume do órgão. Obs.: Doentes com pancreatite hereditária têm um risco superior de adenocarcinoma pancreático ductal comparado com as outras formas de pancreatite crônica. Diagnóstico Clínico: paciente apresenta episódios de pancreatite aguda recorrente - com uma das mutações do gene PRSS1 implicadas ou na pancreatite aguda recorrente ou crônica, com historia familiar de dois ou mais indivíduos acometidos, independente da geração, com pelo menos um deles sem fatores etiológicos definidos e com início da doença antes dos 40 anos de idade. Avaliação minunciosa em todas as crianças com mais de 1 episódio de pancreatite: Níveis séricos de lipídios, cálcio e fósforo; Avaliação das fezes para áscaris; Teste do suor; Radiografia de abdome; CPRE; Endoscopia; USG – S = 70% / E = 90% ; TC. Diagnóstico molecular De acordo com o Consensus Committees of the European Registry of Hereditary Pancreatic Diseases, o Midwest Multi-Center Pancreatic Study Group e a International Association of Pancreatology, as indicações para teste molecular de uma criança com menos de 16 anos para as mutações, com associação conhecida a pancreatite hereditária são: 1º – Um episódio de pancreatite documentada de etiologia desconhecida e grave o suficiente para exigir hospitalização; 2º – Dois ou mais episódios de pancreatite documentada de etiologia desconhecida; 3º – Um episódio de pancreatite documentada ocorrendo numa criança com um familiar com mutação associada a pancreatite hereditária; 4º – Dor abdominal recorrente de etiologia desconhecida em que o diagnóstico de pancreatite hereditária é uma possibilidade provável e, 5 º – Pancreatite crônica de etiologia desconhecida em que o diagnóstico de pancreatite hereditária é uma possibilidade provável. A decisão de efetuar o teste deve ser discutida com a família e obtido o respectivo consentimento. Tratamento Não existem estudos prospectivos aleatorizados sobre a melhor abordagem terapêutica nestes doentes. É recomendado que o tratamento seja semelhante ao das formas mais frequentes de pancreatite crônica. Focaliza-se no controle da dor e das complicações; Aborda-se a insuficiência pancreática com pequenas refeições de baixo conteúdo lipídico; Insuficiência digestiva pode ser controlada com suplementação de enzimas pancreáticas. Tratamento Clínico Pancrelipase Extraída do pâncreas de suínos contendo as enzimas: amilase, tripsina, lipase, ribonuclease e protease; Reações adversas: inflamações anais e perianais (principalmente em pacientes pediátricos), reações de hipersensibilidade como espirros, lacrimejamento e urticária. Requer o acompanhamento dos níveis de ácido fólico do paciente ou então uma suplementação do mesmo; Alguns autores à contra-indicam durante a gestação e lactação. Tratamento Endoscópico Tratamento Cirúrgico www.aafp.org/afp NELSON, W. E. et al. Tratado de pediatria. 18 ed., Rio de Janeiro, Elsevier, 2009; MARCONDES, Eduardo et al. Pediatria Básica. 9 ed., São Paulo, Sarvier, 2004; MOORE, K. L. et al. Anatomia Orientada para a clínica. 4 ed., Rio de Janeiro, 2001. PESQUISA NA INTERNET - URL: http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2009-22/3/313-317.pdf em 13.01.2011; - URL: http://www.acm.org.br/revista/pdf/artigos/745.pdf em 13.01.2011 em 13.01.2011; - URL: http://www.aafp.org/afp/2007/1201/p1679.html em 14.01.2011. Estudar na ESCS faz a diferença!