CASO CLÍNICO Púrpura na Infância Jeanne Braz da Silveira Larissa Rávila Sacch de Oliveira INTERNATO EM PEDIATRIA Escola Superior de Ciências da Saúde - ESCS HRAS/HMIB/SES/DF www.paulomargotto.com.br Brasília, 5 de outubro de 2012 IDENTIFICAÇÃO PRRM, 9 anos, natural do Gama, procedente de Luziânia Peso: 46,5 Kg Informante: mãe QP/HDA Menor previamente hígida abriu quadro de pápulas eritematosas e pruriginosas em região de tornozelo de MID há 2 semanas. As lesões evoluíram para pústulas e crostas. A mãe iniciou banho com permanganato de potássio nas lesões, porém sem melhora. Há 7 dias a menor começou a apresentar edema dos pés com hiperemia no local das lesões, associados a hiporexia. Há 3 dias a menor evoluiu com o aparecimento de púrpuras em MMII até coxas, bilateralmente, simétricas e pruriginosas. A mãe nega ao longo de todo processo a presença de febre, tosse, adenomegalias, assim como oligúria e outras queixas. Refere dor abdominal leve quando questionada. ANTECEDENTES Nascida de parto normal, a termo, AIG. A mãe refere que ao longo da gestação apresentou ITUs de repetição e DHEG. No entanto, o parto ocorreu sem intercorrências e a menor e a mãe receberam alta após 24 horas do parto. AME até os 6 meses de vida e complemento até os 5 anos. Trata-se da primeira internação hospitalar. Nega alergias medicamentosas e transfusões prévias e cirurgias. Vacinação em dia. Alimentação variada, porém muito rica em carboidratos. HISTÓRIA FAMILIAR Pai: hígido Mãe: asma Irmão (parte de pai): asmático HISTÓRIA SOCIAL Menor reside com os avós, a bisavó e a tia em casa de alvenaria com 6 cômodos, com saneamento básico e água encanada. A família ingere água filtrada. Tem contato com dois cães devidamente vacinados contra raiva. Presença de tabagismo passivo (avós). Mãe refere controle ambiental inadequado – no domicílio possui cortinas e poeira. EXAME FÍSICO BEG, ativa, reativa, eupneica, hidratada, corada, acianótica, anictérica, afebril. Pele e fâneros: presença de púrpuras em MMII, simétrica, que não desaparecem à digitopressão. Algumas apresentam crostas no centro. Vizualizo lesões até as coxas. Presença de lesões crostosas, enegrecidas em tornozelo de MID. Oroscopia e Otoscopia: sem alterações. AR: MV +, sem ruídos adventícios. Sem sinais de desconforto respiratório. FR: 26 irpm/ SatO2 em aa: 99%. ACV: RCR, em 2T, BCNF, sem sopros. FC: 108 bpm. ABD: plano, depressível, normotenso, indolor, sem massas ou visceromegalias palpáveis. RHA+ e normais. Traube livre. Extremidades: bem perfundidas, sem edemas. Pulsos palpáveis e cheios. EXAMES COMPLEMENTARES 23/09/2012 Bioquímica: Ur: 18/ Cr: 0,6/ Glicemia: 87 Cl: 101/ Na: 141/ K: 4,4 TGO: 23/ TGP: 23 Hemograma: Hg: 13,1/ Ht: 38,4%/ VCM: 88,9 Leuco: 7.400/ Seg: 56/ Bast: 0/ E:0/ B:0/ M:5/ L:38 Plaquetas: 338.000 VHS: 50 mm/h EAS: sem alterações. PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA IMUNE [PTI] Doença hematológica frequente que se caracteriza pela produção de autoanticorpos dirigidos contra glicoproteínas da membrana plaquetária que leva à sua destruição pelo sistema macrofágicomonocitário, à plaquetopenia e ao distúrbio hemorrágico. Epidemiologia Incidência de 4 a 6 casos por 100.000 crianças menores de 15 anos. Igual entre meninos e meninas. Pico nas idades de 2-6 anos. Principal causa de trombocitopenias em crianças. Fisiopatologia A gravidade da trombocitopenia é reflexo do balanço entre a produção de plaquetas e sua elevada destruição Diagnóstico Trombocitopenia sem causa aparente... Investigar na história: Sangramentos (tipo, gravidade e duração) Sintomas sistêmicos, doença viral recente ou exposição a viroses, imunização recente por vírus vivo, infecções recorrentes Equimoses, petéquias e ocasionalmente epistaxes de início súbito em crianças previamente saudáveis. Tratamento A maioria das crianças não requer tratamento. Não reduz mortalidade ou o curso da doença. Objetivo: “prevenir” sangramento no SNC e reduzir perdas sanguíneas em casos prolongados de epistaxes, menorragias, hematúrias e sangramentos do TGI. MENINGOCOCCEMIA Neisseria meningitidis Colonização nasofaríngea Pneumonia Invasão da corrente sanguínea 55% Meningites 15% 30% Meningite + Meningococcemia Meningococcemia fulminante 6 meses a 5 anos de idade Forma mais rapidamente letal de choque séptico Endotoxina Deposição de fibrina Trombose intravascular S. Waterhouse-Friderichsen – choque irreversível + CIVD com hemorragias cutânea e de mucosa Exantema – 42 - 70% LCR pode ser normal e com cultura negativa Exantema Tronco/Membros Róseomaculopapular Purpúrico, Bolhosohemorrágico, Ulcerado NECROSE CIVD – FMO Choque Petéquias Tornozelos – Pulsos – Axilas - Mucosas Conjuntivas palpebrais e bulbares Espectro de apresentação Bacteremia oculta autolimitada Sepse severa Morte Diagnóstico Cultura – sangue / LCR / aspirado da lesão cutânea PCR – detecção do DNA do meningococo (especialmente em pacientes que fizeram uso de antibióticos) Gram stain of buffy coat preparations of blood, CSF60 or skin lesion biopsy/aspirate Mau Prognóstico Idade ≥ 60 anos Inexistência de meningite Sem resposta da fase aguda VHS normal PCR reduzida Leucócitos – normais ou reduzidos Erupções purpúricas ou equimóticas Choque Coma Tratamento DOENÇA MENINGOCÓCICA É UMA EMERGÊNCIA MÉDICA! Isolamento respiratório nas primeiras 24h de tratamento Suporte Ceftriaxona 100mg/Kg/dia (12/12h) por 5 a 7 dias PÚRPURAS + FEBRE CEFTRIAXONA ANTIBIOTICOTERAPIA PRECOCE DIMINUI EM 2,5 VEZES A CHANCE DE MORTE! Profilaxia Primária Vacinação Meningocócica C conjugada 2 doses – 3 meses e 5 meses de idade 1 reforço entre 12 e 18 meses de idade Após os 12 meses de vida - dose única Profilaxia Secundária Caso índice, caso não tenha sido tratado com ceftriaxona Comunicantes de risco Residentes no mesmo domicílio Comunicantes de creches/ berçários/ escolas expostos Exposição direta a secreções Proximidade > 8h Rifampicina Ceftriaxona - gestantes Ciprofloxacino Até 7 dias antes do início dos sintomas PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN (PHS) (PÚRPURA ANAFILACTOIDE) Infecção Vacinação (viral, bacteriana, parasitose) Autoimunidade Drogas Imunocomplexos antígeno-anticorpo (IgA) Depósito em tecidos e nas paredes dos vasos Ativação da via alternativa do complemento Pele Inflamação TGI Rins VASCULITE DE PEQUENOS VASOS Articulações Vasculite sistêmica mais comum na infância <17 anos (pico: 4 – 6 anos de idade) 1,2 H : 1,0 M 10–20 casos/100.000 crianças/ ano Autolimitada Bom prognóstico Etiologias associadas a PHS Manifestações Clínicas e Evolução ACOMETIMENTO MANIFESTAÇÃO EVOLUÇÃO Sistêmico Febre e mal-estar em até 50% dos casos Melhora em poucos dias Cutâneo Púrpura palpável gravitacional (nádegas, coxas, pernas) simétrica. Indolor, aspecto urticariforme. Lesões mais raras: vesículas hemáticas, úlceras e eritema polimorfo. Duração de poucos dias a 1 ou 2 meses. Recorrente: 30% Articular Artrite e artralgia. Poucas articulações (joelhos, tornozelos, cotovelos e punhos), dor de forte intensidade. Precede a púrpura em 25% dos casos. Autolimitada. Não sequela. Mimetiza febre reumática quando precede a púrpura. Gastrintestinal Dor abdominal periumbilical, cólica, forte intensidade, piora pós-prandial. Náuseas, vômitos, hematêmese, melena/metrorragia. Raras: pancreatite, esteatorreia, colite ulcerativa. Precede a púrpura em até 35% dos casos. Autolimitada. Complicações: invaginação intestinal, gangrena e perfurações. Renal Hematúria (+ comum), HAS, proteinúria, síndrome nefrótica, obstrução ureteral, GEFS, insuficiência renal (pode ser manifestação tardia em paciente assintomático). PROGNÓSTICO Recorrente: 20% Crônica: 8% Outras manifestações (raras) Orquiepididimite com dor escrotal, vasculite do SNC, epistaxe, hemorragia subconjuntival, serosites, hemorragia pulmonar, linfadenomegalia e hepatoesplenomegalia. Variável Critérios Diagnósticos Sociedade Européia (2006) Colégio Americano de Reumatologia (1990) Critério mandatório: Púrpura palpável Pelo menos um: Dor abdominal difusa Qualquer biópsia com deposição de IgA Artrite / Artralgia Envolvimento renal (hematúria e/ou proteinúria) Três ou mais: Idade de início ≤ 20 anos Púrpura palpável Dor abdominal aguda com sangramento gastrointestinal Biópsia de camadas cutâneas superficiais mostrando granulócitos nas paredes de pequenas arteríolas ou vênulas Paciente 1 – A. Admissão [Bolhas, úlceras e necrose em ambas as pernas]. B. Perna direita após 45 dias [Púrpuras palpáveis]. Paciente 2 – C. Admissão [Múltiplas lesões bolhosas e hemorrágicas]. D. Após 45 dias [Máculas eritematosas]. Exames complementares [Inespecíficos] Anemia Leucocitose VHS, PCR – elevadas ou normais Plaquetas – elevadas ou normais IgA – pode estar elevada EAS – hematúria micro (dismorfismo eritrocitário) / macro; proteinúria Creatinina sérica / clearance US abdominal – invaginação intestinal Tratamento SITUAÇÃO ORIENTAÇÃO/TRATAMENTO OBSERVAÇÕES Fatores desencadeantes Devem ser tratados (infecções) ou afastados (medicamentos...) Devem ser pesquisados na presença de recorrência Vasculite cutânea Se ulceração ou necrose: prednisona Se recorrente/persistente: dapsona Artrite e Artralgia Repouso relativo + analgésicos/AINE Vasculite gastrintestinal Pausa alimentar até melhora da dor. Corticoide + Ranitidina Se dor intensa/complicações: pulsoterapia metilprednisolona Glomerulonefrite Se proteinúria, hematúria macroscópica persistente e/ou queda da função renal: corticoide (+azatioprina / ciclofosfamida) Biópsia renal: proteinúria maciça, queda da função renal OBRIGADAS!! "E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom..." Gênesis 1:31 Larissa Rávila Sacch de Oliveira e Jeanne Braz da Silveira