Internato em pediatria 12/06/07 Caso Clínico: Púrpura Internos: Mariana Regis Jansen Mathias Palácio John Coordenação: Luciana Sugai Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS)/SES/DF paulomargotto.com.br História Clínica Informante: Mãe do paciente 1- Identificação: G. M. V. , masculino, 7 anos, (D.N.: 21-0899), natural de Brasília-DF, procedência Ceilândia- DF. 2- QP: “Manchas no corpo há 4 dias.” História Clínica 3- HDA: Mãe referiu que, há aproximadamente 2 semanas, seu filho iniciou quadro de tosse produtiva com expectoração esverdeada; não soube relatar se houve febre. Associado ao quadro, referiu cefaléia frontal, ocasionalmente, no mesmo período. Negou secreções nasais, dispnéia, dor torácica ou vômitos. Evoluiu com melhora do quadro, sem uso de medicação. Há 4 dias evoluiu com surgimento de petéquias em membros inferiores e região glútea, que coalesceram, evoluindo para equimoses. Com essa sintomatologia, procurou assistência médica no Hospital São Francisco (Ceilândia), sendo solicitados exames (em anexo). Evoluiu com edema em mão esquerda e petéquias em membro superior esquerdo. Como não houve elucidação diagnóstica, foi encaminhado ao HRAS para investigação. Mãe negou quadro semelhante previamente. História Clínica 4- Revisão de sistemas: Mãe negou perda de peso, febre, dispnéia. Negou alterações cardio-pulmonares. Eliminações fisiológicas presentes e sem alterações. Negou dor abdominal, vômitos, diarréia ou hemorragia digestiva. Negou alterações em Aparelho Locomotor ou em Sistema Nervoso. 5- Antecedentes sobre gestação, nascimento e período neonatal: G2P0C2A0. Mãe negou intercorrências na gestação. Nascido de parto cesariana, a termo, chorou ao nascer. Peso: 3100g Estatura: 51cm. Mãe negou intercorrências no parto ou período neonatal. Desenvolvimento neuropsicomotor normal. História Clínica Alimentação: Seio materno exclusivo até o 4°/5° mês, com introdução do leite de vaca no 5° mês (leite ninho). Dieta atual variada, pobre em verduras e frutas; consome carne, arroz, feijão. Mãe negou alergia alimentar. Vacinação: Sem o cartão. Completa (sic). 6- Antecedentes Patológicos: Mãe negou doença ou internações prévias (apenas quadros gripais e resfriados). Negou cirurgias, hemotransfusões ou uso de medicação atual. Negou alergia medicamentosa. História Clínica 7- Antecedentes Familiares: Mãe sadia, 30 anos, ex-tabagista há 1 ano, por 15 anos (15 cigarros/dia), não etilista. Pai sadio 35 anos, não tabagista e não etilista. Irmã, 14 anos, teve Hepatite (?) aos 11 anos. Não soube informa sobre tratamento. Avó materna, com doença reumatológica (?). Não soube informar sobre Avô materno. Avós paternos hipertensos, com uso de medicação. 8- Habitação: Reside em casa de 5 cômodos com pais e irmã, com rede de esgoto, sem fossa séptica, com animais no domicílio (1 cão vacinado). História Clínica 9- Exame Físico: BEG, ativo e reativo, eupneico, corado, anictérico, acianótico, hidratado, afebril ao toque. AR: MVF sem ruídos adventícios. Expansibilidade preservada bilateralmente. FR: 22irpm. ACV: RCR em 2 tempos, BNF, sem sopros. FC: 82 bpm. ABD: plano, RHA +, normotenso, indolor à palpação, sem visceromegalias ou massas palpáveis. Giordano + à direita. EXT: bem perfundidas, edema (+/4+) em mão esquerda, Pele: Presença de petéquias e equimoses em antebraço E, em região glútea bilateralmente, e em MMIIs. Orofaringe: hiperemia leve, sem pus ou secreção. Otoscopia: Não realizada. SNC: Sem alterações. História Clínica 10- Exames complementares: Hemograma completo (05/06/07): Hemácia: 4,68; Hematócrito: 40,1%; Hemoglobina: 13,2; VCM: 86,7; HCM: 28,2; CHCM: 32,9; Leucócitos: 9200 (Eosilófilo: 1%; Bastões: 0%; Segmentados: 67%; Linfócitos: 27%; Monócito: 5%); Plaquetas: 466000. Coagulograma completo (05/06/07): Normal. Prova do laço: Negativa. Glicemia (05/06/07): 87mg/dl. EAS (05/06/07): Densidade: 1025; pH: 6; Proteína: ausente; Hemoglobina: ausente; Nitrito: negativo; Hemácias: ausentes; Piócito: 3p/c; Filamento de muco: ++; Bactéria: escassa. EAS (06/06/07): CED: raros; Leucócitos: 3a5 p/c; Flora bacteriana: escassa; Muco: +++; Cristais de Urato amorfos: ++. EPF (05/06/07): Negativo. Radiografia de tórax (06/06/07): Normal. História Clínica História Clínica Evolução Criança evoluiu com leve dor abdominal sem diarréia e/ou vômitos. Iniciado sintomáticos e corticoterapia por 5 dias; Apresentou boa evolução, recebendo alta médica com orientações para acompanhamento ambulatorial. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) Púrpura de Henoch-Schönlein- PHS (Púrpura Anafilactóide) 1- Introdução: Vasculite Sistêmica que acomete preferencialmente pequenos vasos; É a vasculite mais comum da infância (2 a 8 anos); com idade média de início aos 5 anos. É incomum em adultos; Incidência estimada em 9 casos por 100000 habitantes; Tem predominância no sexo masculino (2:1); Ocorre mais freqüentemente no inverno. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 2- Etiologia: Ainda não foi esclarecida; Mais de 50% dos casos são precedidos por uma infecção do trato respiratório superior (vírus, micoplasma, estreptococos e outras bactérias); Em um estudo, verificou-se que 50% dos pacientes apresentava ASLO+; Drogas (Penicilinas, Eritromicina, Quinidina); vacinação contra inúmeros agentes; alimentos; picadas de insetos e até exposição ao frio podem ser fatores desencadeantes; Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) Histopatologicamente, é uma vasculite mediada por IgA; À Imunofluorescência, evidencia-se deposição (pequenos vasos e glomérulos renais) de IgA e C3*; Elevação de TNF-α e IL-6 (atividade da doença); Elevação do HLA-DRB1*07. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 3- Manifestações Clínicas: O início é em geral agudo, mas pode ser insidioso. Tétrade: 1- Púrpura palpável (nádegas e MMII) 2 - Artralgia ou artrite 3 - Dor abdominal 4 - Nefropatia por IgA: glomerulite Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) A púrpura palpável ocorre em 100% dos casos em algum momento, sendo mais comum abaixo da cintura, nas nádegas (ou no dorso e couro cabeludo em bebês), em áreas de maior distensibilidade dos tecidos (pálpebras, lábios, escroto ou dorso das mãos e pés) ou membros inferiores; Edema ocorre nos locais do eritema. Máculo-pápulas róseas, brancas à digitopressão que evoluem para angioedema local e, posteriormente, para petéquia ou púrpura palpável (vermelho, purpúrico, ferrugem até o desaparecimento); Ocorrem em surtos durando 3 a 10 dias e com intervalos de alguns dias até 4 meses, podendo recorrer em 1 ou mais anos. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) Poliartralgias acometem mais de 2/3 dos pacientes assim como a artrite, mais comum nos joelhos e tornozelos (grandes articulações), concomitante com o edema; Nos lactentes, principalmente, é comum ocorrer edema subcutâneo no dorso das mãos e pés, região periorbital, fronte, couro cabeludo, períneo e bolsa escrotal. Os derrames são serosos, não-hemorrágicos, melhorando em poucos dias, sem deformidade residual ou dano articular. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) O envolvimento do trato gastrintestinal, freqüente, ocorre com dor abdominal tipo cólica, náuseas, vômitos e diarréia com muco e sangue, decorrentes da vasculite mucosa (edema e hematomas); Hemorragia digestiva significativa (5%), principalmente hematêmese; Intussuscepção, geralmente íleo-ileal (2%); Sangue oculto nas fezes podem ocorrem em 50%; Pode simular abdome agudo (exsudato peritoneal, aumento dos linfonodos mesentéricos, edema segmentar e hemorragia de alça intestinal). Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) Lesão renal (25-50%), geralmente branda e assintomática; Os achados renais podem ir desde alterações nefríticas discretas no sedimento urinário até a glomerulonefrite crescêntica rapidamente progressiva; A lesão básica é a deposição de IgA e vários componentes do complemento, mais freqüentemente no mesângio; *A doença de Berger ou nefopatia por IgA pode ser considerada como uma forma limitada ao rim, que incide em uma faixa etária média mais elevada. A doença renal raramente evolui para insuficiência renal crônica. (Esta propensão é proporcional à idade do paciente). Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) O típico eritema e os sintomas da PHS são conseqüências da localização usual da lesão aguda nos pequenos vasos primariamente na pele, no TGI e nos rins; Hepatoesplenomegalia e linfadenopatia podem ocorrer; Febre baixa e fadiga ocorrem em mais da metade das crianças afetadas; Manifestações pouco freqüentes: Orquite, miocardite, hemorragia pulmonar ou intramuscular, neuropatia periférica e envolvimento do SNC - grave (convulsões, paresias ou coma); nódulos tipo reumatóide, pancreatite, envolvimento ocular; A PHS costuma ter um curso auto-limitado, normalmente de 4-6 semanas, sendo comum haver recidivas, especialmente no primeiro ano após o surto inicial. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 4-Diagnóstico: Clínico, principalmente pela tétrade: púrpura, artralgia/artrite, dor abdominal e hematúria; Laboratório: Não são específicos nem diagnósticos Anemia (HD), leucocitose leve, trombocitose são comuns; VHS pode estar elevado; Testes de coagulação são normais; EAS: albuminúria, hematúria, leucocitúria e cilindrúria Complexos imunes geralmente estão presentes; 50% tem elevação da IgA sérica e alguns tem IgM elevada; ANA, ANCA e FR são geralmente negativos; Anticorpo anticardiolipina e antifosfolípide podem estar presentes (Coagulopatia intravascular); Complemento sérico está normal. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) O diagnóstico definitivo é confirmado por biópsia das lesões cutâneas revela uma típica angiite leucocitoclástica com degeneração nuclear (“poeira nuclear”); Biópsia renal é realizada em casos selecionados, apresenta-se com depósito mesangial de IgA, e, ocasionalmente, IgM, C3 e fibrina; Pacientes com nefropatia por IgA podem apresentar títulos elevados de anticorpos contra H. parainfluenzae. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 5-Diagnóstico diferencial: Condições que cursam com vasculite cutânea, (reações a drogas); Causas de glomerulonefrite (pós-estreptocócica); Doenças associadas à artrite, como febre reumática, artrite reumatóide juvenil (eritema róseo-salmão máculo-papular com edema articular); Leucemias; Colagenoses; Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) A PHS pode ocorrer com uma vasculite similar à da febre familiar do mediterrâneo ou doença inflamatória intestinal; Na Poliarterite nodosa, as lesões são diferentes e manifestações cardíacas e neurológicas são mais comuns; Púrpura palpável pode ocorrer na meningococcemia, se houver deficiência do fator V de Leiden, proteína S ou C; Doença de Kawasaki- Febre persistente, eritema máculo- papular contínuo nas extremidades e artrite periférica. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 6-Tratamento: Doença autolimitada e benigna; excelente prognóstico; Na maioria dos casos: repouso, dieta leve e analgésicos (acetaminofeno); Em caso de acometimento abdominal mais intenso (dor acentuada, hemorragias, obstrução e intussuscepção*), nefrite grave ou envolvimento do SNC: *Prednisona 12mg/Kg/dia por 2 semanas, reduzindo-se gradualmente a dose num curto período de tempo; O tratamento do envolvimento renal é semelhante ao de outra causas de glomerulonefrite aguda. Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) Se os anticorpos anticardiolipina e antifosfolípide forem positivos, na presença de eventos trombóticos: aspirina81mg, em dose única; Nódulos reumatóides podem responder à Colchicina em dias alternados (0,6mg/ 24h); *Azatioprina, Ciclofosfamida, Ciclosporina, Gamaglobulina e Plasmaferese; Púrpura de Henoch-Schönlein (Púrpura Anafilactóide) 7-Complicações: Comprometimento renal (Síndrome Nefrótica e Perfuração intestinal. Raro: Torção testicular; 8-Prognóstico: Autolimitada, excelente prognóstico. A doença renal crônica pode ser persistente (1%) ou grave (0,1%); O óbito é raro (durante a fase aguda) - infarto intestinal, envolvimento do SNC ou doença renal. Fim