RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A VISÃO DOS
TRIBUNAIS SUPERIORES
I
RELATIVI1Y OF RES /UDICATA AND THE PRECEDENTS OF THE SUPERIOR
COURTS
Raquel Stein1
Mestranda em direito privado
RESUMO: Trata-se de artigo que discute
a polêmica em torno da possibilidade
de relativizar a coisa julgada, expondo
as principais teorias sobre o tema.
Foi realizada uma análise sob a ótica
constitucional
e principiológica
do
instituto, bem como do sopesamento
de direitos em conflito. O artigo ainda
trabalha com alguns casos práticos
e decisões paradigmáticas. Ao final,
apontam-se algumas diretrizes para
análise da coisa julgava sob o viés
da razoabilidade
por equidade
e
proporcionalidade.
PALA VARAS-CHAVE: coisa julgada,
relativização, processo civil, princípios
- UFRGS
constitutional and principIe viewpoint, as
well as addressedthe matter of weighing
rights against eachother. The article also
works with a few practical exampIesas
well asimportant precedentson thematter.
LastIy,afew directivesfor anaIyzingtheres
judicata in accordance
with reasonabilityby
equity andproportionality.
KEYWORDS: resjudicata, reIativity, civil
procedure,principIes
SUMÁRIO: Introdução. 1 Coisa julgada
na constituição e legislação ordinária. 2
Relativização atípica da coisa julgada. 3
Diretrizes para análise da coisa julgada.
Conclusões. Referências.
ABSTRACT: The paper discusses the
SUMMARY: Introduction. 1 Resjudicata
controversy regarding the possibility of
overlookingor relativity of theresjudicata,
through the anaIysisof the main theories
on the subject.The study was madein a
in the constitution and ordinary legisIation.
2 Atypical relativization of res judicata.
3 Guidelines for anaIysis of res judicata.
Conclusion. References.
-
1 Mestranda em direito privado
UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Especialista em
direito processual civil ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil). Advogada .
-
162
-
Doutrina Nacional
"Crês, porventura,
que um Estado possa subsistir e deixar de se afundar,
se as sentenças proferidas nos seus tribunais não tiverem valor algum
e puderem ser invalidadas e tornadas inúteis pelos indivíduos?"
Sócrates2
INTRODUÇÃO
A
discussão acerca da relativização da coisa julgada desperta
tanto na doutrina como na jurisprudência sentimentos quase
religiosos - "eu acredito", "eu não acredito", podendo ser
comparada a temas polêmicos tais como a pena de morte, eutanásia e aborto. Já
falava MARINONP que a discussão em torno de decisões injustas acobertadas
pela coisa julgada surge "com um apelo quase que sensacionalista, pretendese fazer crer que os juristas nunca se preocupam com a justiça das decisões
jurisdicionais, ao mesmo tempo em que em que se procura ocultar que o
problema sempre foi alvo de reflexão". A coisa julgada ganha relevo no meio
jurídico como tema a ser seriamente enfrentado, de acordo com uma visão
sistêmica do ordenamento.
A questão da manutenção ou a possibilidade de desconsideração atípica
da sentença transitada em julgado está intimamente ligada ao princípio da
segurança jurídica, na acepção da previsibilidade e estabilidade das relações
apreciadas pelo judiciário. Os defensores da relativização da coisa julgada
o fazem sob a bandeira da resolução do conflito entre segurança e a justiça
das decisões. Mas existe realmente uma antinomia entre segurança jurídica e
justiça? Segundo os ensinamentos do próprio Aristótoles4, seria justo o próprio
ato de seguir as leis, já que o Estado de direito pressupõe a fundamentação
das decisões e da argumentação jurídica e não uma mera previsibilidade vazia
das leis. Assim, falar em uma contraposição a priori da justiça das decisões e
2 SÓCRATESapud RADBRUCH,Gustav. Filosofiado direito. Coimbra: A. Armado, 1979, p.l84.
3MARINONI, Luis Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização
da coisa julgada material). Revista jurídica, n.317, mar. 2004, p.31.
4 "We said that the violator of Law is Unjust, and the keeper of the Law Just: further, it is plain that all
Lawful things are in a manner Just, because by Lawful we understand what have been defined by the
legislative power and each of these we say is Just. The Laws too give directions on all points, aiming
either at the common good of all, or that of the best, or that of those in power (...)" ARISTOTLE. Ethics:
Book v.Disponível em: http://www.gutenberg.org/dirs/etext05/8ethc10.txt.
Acesso em: 02 agosto
2008.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
RELA TIVIZAÇÃODA COISAJULGADAEA.u
-
163
da segurança jurídica (materializada pela coisa julgada) é uma falácia, pois a
segurança é um instrumento da realização de justiça.
A dificuldade enfrentada ao analisar o tema é justamente buscar um
debate doutrinário racional e coerente, e não simplesmente defesas ou narrativas
apaixonadas, que sopese os critérios impostos pela ciência do direito e pela
filosofia. A coisa julgada surge como uma bandeira a ser carregada ou, no outro
oposto, queimada, valendo a doutrina de visões, muitas vezes míopes do sistema
normativo, simplesmente desconsiderando previsões legais expressas, e não se
desincumbindo do seu ônus argumentativo. Por fim, deve-se ter cuidado em
não deixar o pragmatismo e temas de "política judiciária" assumirem ares de
razão de decidir, fora dos critérios norma tivos adequados.
O presente ensaio buscará, em primeiro lugar, enquadrar a coisa julgada
no sistema jurídico brasileiro, a partir de uma análise das normas vigentes.
Nesse âmbito, serão brevemente analisadas as formas de quebra típica da
coisa julgada, buscando em seu bojo princípios e regras aptas a sua regulação.
Será especialmente analisada a questão da rescisão do julgado por violação à
Constituição Federal. A seguir, será analisada a natureza jurídica da coisa julgada,
se preponderantemente processual ou material, e por consequência as eficácias
das sentenças transitadas em julgado, se declaratórias ou constitutivas.
A segunda parte do artigo colocará em relevo o debate acerca de
relativização da coisa julga da, ou seja, a sua quebra atípica em sintonia com o
princípio da segurança jurídica e a própria natureza do julgado acobertado pelo
trânsito em julgado. Inicialmente, será a analisada a doutrina e a jurisprudência
buscando sistematizar seu modus operandie principais teses defendidas para o
tratamento da coisa julgada. Por fim, serão empregados critérios coerentes para
eventual afastamento da coisa julgada, tais como o princípio da razoabilidade
como equidade e hipóteses de ponderação pela proporcionalidade.
1 COISA JULGADA NA CONSTITUIÇÃO E LEGISLAÇÃO
ORDINÁRIA
Como ponto de partida, vale transcrever a previsão constitucional que
resguarda a coisa julgada:
"Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
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164
-
Doutrina Nacional
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurançae à
propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXVI- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisajulgada." (grifonosso)
Observa-se no artigo inaugural do capítulo que trata dos direitos e
deveres fundamentais a previsão expressa do resguardo da segurança, e no
que interessa ao presente estudo, nos incisos do art. 5°, a previsão específica
de como instrumentalizar esse princípio. No caso do inciso XXXVIdesse artigo
quinto, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada surgem como
a tríade essencial para assegurar a previsibilidade, a certeza e a estabilidade do
ordenamento.
Ainda encontra-se alusão à coisa julgada em sede constitucional nos
incisos XIX e LVII do art. 5° e arts. 15, 41 e 55. Nota-se que a coisa julgada
aparece como instrumento de certeza para concretização de medidas extremas,
tal como a consagração da culpabilidade de um indivíduo, a perda do cargo por
servidor público, Deputado ou Senador. Portanto, a coisa julgada aparece para
resguardar a lei geral (aquela consagrada pelo Poder Legislativo) e a lei ditada
no caso concreto (especialmente
através do Judiciário
- sentença
transitada
em
julgado).
Mediante a leitura do texto constitucional, ainda que em uma acepção
literal, não se pode concordar com a pretensão de alguns doutrinadores,
notadamente DelgadoS, Theodoro jr.6 e Wambier7, de que o instituto da coisa
julgada não teria assento na Lei Maior, pois o endereçamento do inc. XXXVIdo
art. 5° seria tão-somente ao legislador ordinário. Argumenta DELGADOS:
"Consoante se observa da leitura do dispositivo, a regra
nele insculpida se dirige ao legislador ordinário. Tratase, pois, de sobredireito, na medida em que disciplina a
própria edição de outras regras jurídicas pelo legislador,
ou seja, ao legislar é interdito ao Poder legisferante
S
DELGADO, José Augusto. Pontos polêmicos nas ações de indenização de áreas naturais protegidas:
efeitos da coisa julgada
6 THEODORO
instrumentos
e os principios
constitucionais.
Revista de processo, n.103, p.9-36, juI./set.
JÚNIOR, Humberto CORDEIRO DE FARIA, Juliana. A coisa julgada
para o seu controle. Revista dos tribunais, v.95, p.21-40, jan. 2002.
inconstitucional
7 W AMBlER, Teresa Arruda Alvim; GARCIA MEDINA, José MigueI. O dogma da coisa julgada:
de relativização.
São Paulo: Revista dos tribunais, 2003.
8 DELGADO,
2001.
e os
hipóteses
op. cit., p.14.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
-
r
RELATIVIZAÇÃODA COISAJULGADAE A.u -
165
'prejudicar' a coisa julgada. É esta a única regra sobre
coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo
o mais no instituto é matéria objeto da legislação
ordinária./I
De acordo com essa fundamentação, pretendem os defensores da tese
da relativização minorar a importância da coisa julgada, a tal ponto que tendo
previsão /Isomente/l na lei infraconstitucional tudo seria possível, inclusive a
sua desconsideração. Ainda que se entenda que o instituto da coisa julgada não
tenha previsão na Constituição, no que tange à vinculação dos Magistrados, não
se pode simplesmente afastá-Ia ao invocar a (in)justiça de uma determinada
decisão. Isso porque, do princípio da segurança jurídica, o qual inegavelmente
tem caráter constitucional, pode-se extrair facilmente, pelo método indutivo, a
necessidade de resguardo da coisa julgada, pois é regra que visa à previsibilidade
e estabilidade do ordenamento, atributos esses indissociáveis da segurança
jurídica.
Neste sentido são os ensinamentos de Leite9,que afirma:
/I (...) tem-se que atribuir uma interpretação capaz de
extrair a maior eficácia da garantia constitucional no
sentido da preservação das decisões já consolidadas,
uma vez que a garantia constitucional de que se cuida
é um consectário da segurança jurídica. Por isso, crêse que seu âmbito de proteção não se circunscreve
apenas à lei, mas a qualquer ato jurídico atentatório à
estabilidade das relações sociais conferida pela decisão
com atributo de coisa julgada./I
Ainda que se entenda que o resguardo da sentença transitada em julgado
não tenha amparo constitucional, não se pode simplesmente afastar a lei ordinária
como se fosse uma pedra no caminho, tendo o intérprete que se desincumbir
de forte ônus argumentativo. Inclusive, segundo alguns doutrinadores, sequer
poderia ser ponderada a coisa julgada com o valor justiça, nas palavras de
Marinonilo, a /Icoisa julgada não pode ser colocada no mesmo plano do direito
9
LEITE, Glauco Salomão. Coisa julgada inconstitucional: relativizando a 'relativização'.
constitucional
e internacional.
Revista de direito
n.57, out./ dez. 2006, p.159.
10 MARINONI, Luis Guilhenne. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais
coisa julgada material). Revista jurídica. n.317. mar. 2004. p.30.
(a questão da relativização
da
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166
-
Doutrina Nacional
que constitui o objeto da decisão à qual adere. Ela é elemento integrante do
conceito de decisão jurisdicional, ao passo que o direito é apenas seu objeto."
Para arrematar o ponto, vale transcrever o art. 468 do CPC o qual
preleciona que: "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, temforça de
lei nos limites da lide e das questões decididas.". Na hipótese de restar superada
toda a argumentação já deduzi da acerca da interpretação dada ao inciso XXXVI,
do art. 5° da CF, cabe frisar que a legislação específica que regula a coisa julgada,
in casuo Código de Processo Civil, equipara o julgamento acobertado pela coisa
julgada à lei (entre as partes).
O uso do vocábulo lei pelo CPC tem o condão de complementar o sentido
da norma constitucional, ampliando a significação do termo ao incluir a sentença
transitada em julgado ao lado do sentido corrente de lei consequente do processo
legislativo. Ocorre aqui um exemplo clássico de fundamentação recíproca
normativa, termo empregado por Avilall para descrever a forma de reforçar
a coerência dos argumentos empregados, conferindo ao sistema um caráter
circular e não apenas linear. No presente caso, a norma constitucional que afirma
que a lei não prejudicará a coisa julgada reforça a norma infraconstitucional
que consagra a natureza da coisa julgada como lei entre as partes, a qual está
de acordo com o comando contido na Lei Maior, e assim por diante (eis aí sua
circularidade).
Estabelecida a natureza constitucional da coisa julgada, vale analisar
brevemente as regras específicas consagradas no diploma processual civil
que tratam desse instituto. A primeira norma que consagra a expressão" coisa
julgada" é o art. 267, V, do CPC, que está dirigida ao julgador, determinando
a extinção do processo, ainda que de ofício, se verificada a ocorrência de coisa
julgada sobre a lide proposta. Logo a seguir é atribuído ao réu no art. 301, VI, do
CPC o dever de alegar a existência de coisa julgada sobre a lide posta.
A previsão é primeiramente direcionada aos atores do processo de forma
esparsa, e a seguir a coisa julgada ganha específica regulamentação a partir do art.
467 do Cpc. Os artigos contidos no capítulo acerca da coisa julgada consagram
a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença, cabendo sua alteração ou nova
11 Nesse sentido, afinna o doutrinador gaúcho que:
combinadas uma com a outra: a fundamentação de
(fundamentação dedutiva) e a fundamentação de
(fundamentação indutiva)." (Á VILA, Humberto.
p.37).
"(...) quando duas linhas argumentativas diversas podem ser
mais de um enunciado específico por um enunciado mais geral
um enunciado mais geral por um enunciado mais específico
Sistema constilucionallribU/ário.
São Paulo: Saraiva, 2004,
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
RELATIVIZAÇÃODACOISAJULGADAEA... -167
decisão somente quando houver inexatidões materiais (art. 463, I, do CPC) e
"nos demais casos previstos em lei" (art. 471, 11,do CPC).
Ainda, o art. 474 do CPC consigna uma presunção de que todas as
alegações que poderiam ter sido repelidas e deduzi das o foram no curso do
processo, não consagrando qualquer ressalva a esse respeito. Por exemplo, caso
alguém não tenha juntado um documento aos autos que já possuía, transitada
em julgado a decisão terá precluído a possibilidade de discutir essa prova, ainda
que "injusta" a decisão que deixou de considerar esse documento. Ressalta-se
que não se trata de documento novo, e sim de documentos já existentes à época
da propositura da demanda, pois em se tratando de novel documentação caberá
a quebra da coisa julgada mediante a propositura de ação rescisória (art. 485,
VIII, do CPC).
1.1 NATUREZA JURÍDICA DA COISA JULGADA
Antes de adentrar nas hipóteses de quebra típica da coisa julga da, vale
analisar a sua especial natureza jurídica, pois o seu enquadramento teórico trará
consequências importantes para as hipóteses de relativização.
A coisa julgada não corresponde à sentença em si considerada, mas no
julgamento (acertamento) nela contido. Segundo os ensinamentos de SAVIGNY12,
o julgado somente poderá ser analisado com referência a determinado período,
"não pretende nem pode jamais decidir senão com respeito à época em que foi
pronunciada. Todas as modificações que as relações jurídicas possam sofrer
posteriormente estão fora de sua abrangência." . Não se pode falar, portanto, em
infração à coisa julgada quando, por exemplo, se requer uma nova avaliação ou
perícia de um bem13,pois os "limites temporais da coisa julgada visam a precisar
o momento ao qual sua formação e eficáciaestão relacionadas"14.
Ainda, sobre a natureza jurídica da coisa julgada, os processualistas
se agrupam principalmente em duas correntes: a teoria material e a teoria
12
SA VIGNY, apud
p.199.
ARAGÃO,
Egas Dirceu
Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro:
Aide, 1992,
13 Neste sentido, vide jurisprudência
dos Tribunais
Superiores:
RE 93412/SC,
Relator: Min. Clovis
Ramalhete, j. 04.05.1982, 1" Turma do STF; REsp 37085/SP, ReI. Ministro Demócrito Reinaldo, 1" Turma
STJ, j. 16.05.1994; REsp 283321/SP, ReI. Ministro Francisco Peçanha Martins, 2" Turma STJ, j. 12.12.2000;
REsp 765.566/RN,
ReI. Ministro Luiz Fux, 1" Turma ST], j. 19.04.2007.
14ARAGÃO,
Egas Dirceu Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro:
Aide, 1992, p.199.
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168
-
Doutrina Nacional
processual. O debate gira em torno da possibilidade da sentença ser total ou
parcialmente justa ou injusta. Vellani15a este respeito, assim dispôs:
"(...) a sentença pode ser substancialmente injusta,
porque chegou a resultado incompatível com o direito
aplicável à espécie, e ao mesmo tempo pode ser
processualmente justa porque em vista do material
probatório proporcionado pelos litigantes (e apurado
de ofício, convém acrescentar) era essa a solução que o
litígio comportava."
Os defensores16 do caráter material da coisa julgada consagram que a
sentença justa terá eficácia declarativa, pois o direito aplicado ao caso coincide
com o anteriormente existente. Já na hipótese de uma sentença injusta, a sua
eficácia preponderante será a constitutiva, porquanto as normas aplicadas não
estão de acordo com o previamente existente. Independentemente da eficácia
da sentença (conforme ou não com o previamente estabelecido), segundo essa
tese, sofrerá a sentença efeito preclusivo. A sentença transitada em julgado
criaria então um novo direito e este tomaria o lugar da original situação jurídica
preexistente. A sentença não vai adquirir força de lei, mas passa a tomar o lugar
da lei (do caso concreto) prevalecendo sobre a norma abstratal7.
Os opositores dessa tese materialista consagraram a chamada teoria
processual da coisa julgada, a qual afasta qualquer influência da sentença sobre
o direito material em questão, pois a essência da preclusão sentencial seria a
exclusão da possibilidade de novo debate sobre a solução ofertada. Não se
analisa a sentença sob o prisma do acerto ou erro, da justiça ou injustiça.
Como forma de buscar um meio termo entre ambas essas teses, surge a
teoria processual atenuada, preconizada por Alloriol8. Segundo sua acepção, a
coisa julgada teria uma dupla finalidade, a de vincular ao juiz e a de atuar sobre
a situação substancial. A matéria submetida a juízo não poderá receber uma
regulamentação judicial diversa.
15 VELLANI, apud
ARAGÃO, op. cit., p.208.
16 Dentre outros, vide ANGELO FALZEA e ALFONSO CATANÍA ambos referidos por ARAGÃO,
Egas Dirceu Moniz de. Sentença e coisajulgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p.209.
ARAGÃO,
17 GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e suas funções. In: ALVARO DE OLIVEIRA,
Carlos A. Eficácia e coisajulgada. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.189.
18ALLORlO, apud GASTAL, Alexandre Fernandes. A coisa julgada: sua natureza e suas funções. In: ALVARO DE
OLIVEIRA, Carlos A. Eficácia e coisajulgada. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.191.
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...
II
RELATIVIZAÇÃODA COISAJULGADAE A... -
169
Analisando o art. 485 do CPC, o legislador pátrio parece ter se inclinado por
essa posição processual atenuada, pois, nos termos do art. 471 do Cpc, nenhum
Juiz poderá julgar novamente (ainda que no mesmo sentido) causa já decidida.
A relação material ficará com isso também afetada, pois jamais poderá receber
outro regramento que não aquele já trânsito em julgado. Ao assim estabelecer,
o legislador optou por afastar eventual discussão sobre justiça ou injustiça
da decisão, porquanto a teoria processual torna preclusa a possibilidade de
sustentar em um processo futuro que o direito preexistente não fora respeitado
na sentença.
Sobre o tema, Ávila19ao dissertar sobre a aplicação da igualdade no
tempo:
"A proteção à coisa julga da, mais do que amparar um
ideal de segurança jurídica sem predefinir seu modo de
realização, é uma forma de regramentodo conflito entre
a segurança e a igualdade particular, não podendo
ser afastada mediante um mero procedimento de
ponderação por meio do qual se atribua um peso maior
ou menor a ela. A proteção da coisa julgada só pode ser
relativizada em situações absolutamente extraordinárias
de excessividade e de irrazoabilidade (...)"
A pretensão de relativização da coisa julgada passa por cima desse
regramento prévio do conflito entre segurança jurídica e igualdade, ou justiça
particular e realiza nova ponderação em âmbito Constitucional. Para eventual
modificação da natureza jurídica da coisa julgada, ou seja, a modificação desse
sopesamento anterior consagrado pelo ordenamento, somente poderia ser
admitida em face de alteração legislativa superveniente, e não através de mera
ponderação desse instituto com a justiça em sede constitucional. Isso porque,
justamente ao optar por essa configuração da coisa julgada, o legislador já
fez uma ponderação prévia, não cabendo agora afastá-Ia por razão por mero
procedimento de ponderação. Para eventual reconfiguração dessa ponderação,
devem se fazer presentes outros elementos, tal como o caráter anormalf
excepcional do caso analisado, ponto este que será aprofundado adiante no
ponto 3 do presente artigo.
19
Á VILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p.l23-I24.
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.........
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-
Doutrina Nacional
1.2 HIPÓTESES TÍPICAS DE QUEBRA DA COISA JULGADA
Na grande maioria dos casos a manutenção da coisa julgada gera
injustiças? Certamente que não, e por este motivo o choque entre segurança
jurídica e determinado princípio constitucional pende para o lado da estabilidade
(benefício maior na previsibilidade das relações do que ferir outro princípio).
Todavia, o próprio sistema estatui hipóteses típicas da quebra da coisa julgada,
ou seja, já foi feita a ponderação pelo legislador, e, nesses casos, entendeu-se
ser mais importante a garantia de outros direitos fundamentais ou diretamente
a constituição (no caso de decisão fundada em lei inconstitucional) do que a
garantia da segurança jurídica e estabilidade das decisões20.
Nesta senda, o art. 485 do CPC consagra nove hipóteses de ação
rescisória, nas quais se observa um fio condutor, qual seja, situações que podem
descaracterizar e prejudicar a prestação jurisdicional a tal ponto que esta
fique desfigurada (erro de fato ou falsidade de prova), ou perca o seu sentido
(prevaricação ou impedimento do juízo prolator da decisão). Nas palavras
de Marinoni21 "(...) os casos de ação rescisória não abrem margem para a
desconstituição da coisa julgada em razão da especial natureza de determinado
direito, mas sim em virtude de motivos excepcionais capazes de macular a
própria razão de ser da jurisdição".
Além do mais, a ação rescisória vem expressamente prevista na Constituição
Federal em seus artigos. 102, I, "j" e art. 105, I, consagrando o cabimento dessa
demanda perante os Tribunais Superiores. A quebra típica da coisa julgada vem
amparada em norma constitucional, encontrando legitimação dentro do sistema
jurídico brasileiro em normas de todas as hierarquias.
Não se pode deixar de mencionar os artigos 475-L, lI, §1° e 741, § único
do CPC, que consagram a inexigibilidade de título judicial fundado em lei
ou ato normativo, declarados inconstitucionais pelo STF. Nessas hipóteses,
o título judicial pressupõe uma decisão transitada em julgado, a qual será
desconsiderada, ou relativizada, pois fundada em norma inconstitucional.
Também nesse caso haverá a quebra típica da coisa julgada, ainda que fora do
20"São casos em que o legislador considerou que os vícios de que se reveste a decisão transitada em julgada são tão
graves que justificam abrir mão da segurança em beneficios da garantia da justiça e de respeito aos valores maiores
consagrados na ordem jurídica." (THEODORO op. cit., p.29.)
21MARINONI, op. cit., p.30.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
,....-
RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A.u
-
171
âmbito da ação rescisória, a impugnação ou embargos à fazenda pública terão
natureza desconstitutiva.
Vale frisar que essas decisões poderiam ser igualmente rescindidas por
força do disposto no inciso V, do art. 485 do CPC- violação literal disposição
de lei. Todavia, a grande diferença será o prazo para propositura da ação,
enquanto que o prazo decadencial para a propositura da ação rescisória
esgota-se em dois anos contados do trânsito em julgado da decisão, o manejo
dos embargos ou impugnação obedecerão aos prazos próprios da fase de
cumprimento de sentença e executiva.
1.3 RESCISÃO DO JULGADO POR VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO
FEDERAL
A ação rescisória fundada em violação a literal dispositivo de lei (art.
485, V, do CPC) envolve um grande debate nos Tribunais e na doutrina,
especialmente em razão do disposto na súmula 343 do STF, que afasta o
cabimento de rescisória quando a interpretação da norma tida por violada for
controvertida nos Tribunais. A questão ganha requintes de dissonância quando
a lei tida por violada for a própria Constituição Federal. Sobre essa questão, vale
analisar interessante precedente do STJ acerca de ação rescisória manejada pela
Fazenda Nacional fundada em violação à Constituição, tendo por objeto decisão
que não conheceu da demanda com fulcro na Súmula 343 do STF22.
A discussão no âmbito do recurso especial cindia-se à análise do cabimento
ou não de rescisória quando da existência de entendimentos dissonantes na
jurisprudência e declaração posterior de constitucionalidade de lei que deixou
de ser aplicada por entenderem tratar-se de norma inconstitucional. O objeto
da demanda era a desconstituição, com fundamento no art. 485, V, do CPC, de
acórdão do TRF da Ia Região que havia aplicado o entendimento do STF, no RE
150.755jPE, no sentido da inconstitucionalidade da majoração das alíquotas do
FINSOClAL, relativamente às empresas prestadoras de serviço.
No julgamento do recurso pela Ministra Relatora Eliana Calmon23,esta
acabou por manter a decisão recorrida, confirmando o descabimento de ação
22"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em
texto legal de interpretação controvertida nos tribunais."
23 "PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - ART. 485 DO CPC - CABIMENTO - SÚMULAS 343/STF
E I34/TFR. I. Se a interpretação do Tribunal recorrido, quanto a dispositivo infraconstitucional,
é contrária à
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
....
172
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Doutrina Nacional
rescisórianahipótesedeinterpretaçãocontrovertidanos
Tribunais eespecialmente
porque não havia decisão em controle abstrato de constitucionalidade da questão
pelo Supremo. Manejados embargos de divergência pela Fazenda Nacional
sustentando a necessidade de rescisão da sentença que deixou de aplicar lei
ordinária ao caso por entender que era inconstitucional, a qual posteriormente
foi considerada constitucional pelo STF.
A matéria ensejou evidente polêmica entre os Ministros integrantes da
1a Seçãodo STJ,sendo que ao final prevaleceu o voto do Ministro RelatorTeori
Albino Zavascki24,assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA (CPC,
ART. 485, V). MATÉRIA CONSTITUCIONAL.
INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 343jSTF.
EXISTÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO STF, EM
CONTROLE DIFUSO, EM SENTIDO CONTRÁRIO
AO DA SENTENÇA RESCINDENDA.(...)
3. Ocorre, porém, que a lei constitucional não é uma lei
qualquer, mas a lei fundamental do sistema, na qual
todas as demais assentam suas bases de validade e
de legitimidade, e cuja guarda é a missão primeira do
órgão máximo do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal
Federal (CF, art. 102).
4. Por essarazão, ajurisprudência do STF emprega tratamento
diferenciado à violação da lei comum em relação à da norma
constitucional, deixando de aplicar, relativamente a esta, o
enunciado de sua Súmula 343, à consideracão de que, em
matéria constitucional, não há que se cogitar de interpretacão
apenas razoável, mas sim de interpretacão juridicamente
correta. (...)
7. Assim sendo, concorre decisivamente para um tratamento
diferenciado do que seja 'literal violação' a existência de
jurisprudência sumulada na instância extraordinária, descabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,
porque não ocorrida declaração de inconstitucionalidade das normas em exame pelo STF Aplicação das Súmulas
343/STF e I34/TFR. 2. Recurso especial improvido." (REsp 608 I22/RJ, ReI. Ministra Eliana Calmon, 2' Turma
do STJ, julgado em 04.05.2004, DJ 30.06.2004 p.324)
-
24 EREsp 608. I22/RJ, ReI. Ministro Teori Albino Zavascki,
p.280
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
I' Seção STJ, julgado em 09.05.2007,
DJ 28.05.2007
r
RELATlVIZAÇÃODA COISAJULGADAE A... -
173
precedente do STF, guardião da Constituição. Ele é que
justifica, nas ações rescisórias, a substituição do
parâmetro negativo da Súmula 343 por um parâmetro
positivo, segundo o qual há violação à Constituição na
sentença que, em matéria constitucional é contrária a
pronunciamento do STF.Precedente da Ia Seção: EREsp
391594jDF, Min. José Delgado, DJ de 30.05.2005.(...)
9. Embargos de divergência providos." (grifo nosso)
As razões de decidir do Ministro e daqueles que o acompanharam25 dão
relevo à aplicação da norma constitucional, especialmente para fins de ação
rescisória, não admitindo interpretações meramente razoáveis, mas somente a
mais correta (aquela ditada pelo STF -" A constituição é aquilo que o STF diz que
ela é"). Qualquer decisão contrária ao precedente do Supremo, portanto, violaria
a Constituição e seria passível de rescisão. Além do mais, entendeu o Ministro
que havia violação à Constituição quando a decisão rescindenda tivesse deixado
de aplicar determinado dispositivo de lei por considerá-Io inconstitucional, e
sobreviesse decisão do STF atestando sua constitucionalidade (ainda que em
controle difuso).
O voto divergente lavrado pelo Ministro Luiz Fux, ao contrário,
afirma que as hipóteses para manejo de ação rescisória são taxativas, não
cabendo a desconstituição do julgado por "violação" à jurisprudência
dominante. Reforçou a aplicabilidade da Súmula 343 do STF para manter o
não-conhecimento da ação rescisória manejada, e ainda consagrou que há uma
diferença substancial entre a decisão que aplica lei inconstitucional e o julgado
que deixa de aplicar lei ordinária por motivos de ordem constitucional. Afirmou,
por fim, que somente sobrevindo uma decisão em sede de controle concentrado
pelo STF ou se a lei declarada inconstitucional no controle difuso tivesse sua
eficácia suspensa pelo Senado Federal, teria o condão de ensejar rescisória por
violação à constituição.
A rescisória fundada em violação de disposição constitucional contaria,
segundo o entendimento vencedor, da ampliação indireta de seu cabimento
através do afastamento da Súmula 343 do STF.Abrindo, com isso, a possibilidade
do manejo da demanda desconstitutiva ainda que o entendimento esposado
na decisão rescindenda fosse controvertido à época de sua prolação, e fosse de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei que se pretendia aplicar.
25Ministra Denise Arruda e os Ministros João Otávio de Noronha e Francisco Falcão (voto de desempate)
Revista
da AJURIS
- v. 37 - n. 119- Setembro 2010
174
-
Doutrina Nacional
Com a devida vênia ao Ministro Relator, o entendimento que ao final
prevaleceu acaba por erigir os padrões de correção de Magistrados ao Juiz
Hércules descrito por DWORKIN26,segundo quem não poderia apenas haver
interpretações razoáveis da lei, mas apenas a melhor. No caso em discussão,
havia súmula do STJ num sentido e decisão em sede de controle difuso pelo
STF no outro. Sem dúvida há uma hierarquia entre os Tribunais superiores,
prevalecendo os ditames do Supremo. O que não se pode admitir é que seja
afastada a coisa julgada quando havia entendimento sumulado pelo STJ no
mesmo sentido da decisão rescindenda, e a divergência surgida somente após o
trânsito em julgado da decisão.Comisso,conceder-se-iauma eficáciaergaomnes
à decisão proferida em controle difuso, o que acaba por contrariar os ditames da
própria Carta Magna.
Ainda, reforçando a visão ora propugnada, Ávila27ressaltou que:
"(...) o Poder Público não pode ingressar com uma
ação com finalidade de anular decisão já transitada em
julgada, apenas e tão-somente, porque o Poder Judiciário
declarou posteriormente a constitucionalidade do
tributo em controle difuso de constitucionalidade.
Ele só pode ingressar com essa ação, se, e somente
se, comprovar mediante provas pertinentes que a
permanência dos efeitos da decisão anterior provoca
um estado de excessiva e irrazoável desigualdade. Sem
isso, mantém-se a coisa julgada."
Nos precedentes analisados, sequer se adentrou na questão da igualdade
dos contribuintes em questão, nem restou demonstrado que a manutenção da
sentença rescindenda causaria irrazoável situação de desigualdade.
Conclui-se, portanto, que somente caberá a rescisão do julgado ou a sua
declaração de ineficácia (executiva) por violação direta ao texto constitucional,
se a sentença fundou-se em norma tida por inconstitucional pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de controle concreto ou a norma vier a ser suspensa
pelo Senado. Além do que, será cabível rescisória somente se a interpretação
dada ao texto constitucional não for razoável, ou ainda não houver divergência
jurisprudencial acerca de sua aplicação.
26
DWORKIN,
27 Á VILA,
Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.I64-203.
Teoria
da igualdade
tributária.
São Paulo:
Malheiros,
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
2008,
p.126.
RELATIVIZAÇÃODA COISA JULGADA E A... -
175
2 RELATIVIZAÇÃO ATÍPICA DA COISA JULGADA
Fixados os parâmetros normativos para o afastamento da coisa
julgada, vale analisar as principais teses defendidas pela doutrina para a sua
relativização atípica. Delineam-se dois caminhos para afastar o obstáculo
resultante da coisa julgada: (i) negar a própria existência de coisa julgada
material, conforme entendimento de Dinamarco28,Tescheiner29e Wambier3Dou
(ii) reconhecerexistênciada coisajulgada material, mas entender que é possível
negar a imutabilidade à sentença em razão dos graves vícios que a maculam
(desconsiderar coisa julgada), conforme prelecionam Delgad031e Theodoro Jr.32.
2.1 NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DA COISA JULGADA
No bojo do artigo desenvolvido por Dinamarco33,mediante o recurso à
tese das impossibilidades empregada por Pontes de Miranda, consagra-se que
uma sentença que compQrta efeitos juridicamente impossíveis não transitaria
em julgado. Afirma o doutrinador paulista que" (...) a impossibilidade jurídica
dos efeitos substanciais programados pela sentença impede a formação de coisa
julgada material porque essa é uma autoridade incidente sobre os efeitos e não
pode incidir quando não houver efeito algum que se possa produzir". Esse
mesmo jurisconsulto consagra também que somente em situações extraordinárias
poderá ser afastada a decisão acobertada pela coisa julgada quando ocorrerem
"injustiças graves, transgressões constitucionais etc"34.
Nesta mesma esteira, TescheinerJ5 descreve a existência de vícios
transrescisórios que tornam a sentença ineficaz ou inexistente, especialmente
28 DINAMARCO,
Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista de processo.n.l09, p.9-39,
jan./mar.2003.
29 TESHEINER,
José Maria
http://www.tex.pro.br/Obras
30W AMBIER, op. cito
31DELGADO,
Rosa. Pressupostos
/ pressupostos
34DINAMARCO,
em:
op. cito
32THEODORO JÚNIOR, Humberto
instrumentos
para o seu controle.
33DINAMARCO,
op. cit., p.27.
35TESHEINER,
Processuais e Nulidades no Processo Civil. Disponível
processuais. pdf. Acesso em: 30 de julho de 2008.
CORDEIRO DE FARIA, Juliana. A coisa julgada
Revista dos tribunais, v.95, p.21-40, jan. 2002.
inconstitucional
e os
op. cit., p.32.
op. cit., p.283-284.
Revista da AJURIS - V. 37 - n. 119 - Setembro 2010
176
-
Doutrina Nacional
na ausência de pressupostos de existência processuais. O autor traz um rol de
hipóteses nas quais prescindiria o manejo de rescisória a declaração de ineficácia
sentencial nos casos em que não houve citação, a demanda foi formulada em
nome ou face de pessoa já falecida ou inexistente, em suma, em casos nos quais
a relação processual não chegou a aperfeiçoar-se.
Por derradeiro, quanto a esse entendimento, deve-se analisar a tese
descrita por WAMBIER36,segundo quem há sentenças que não transitam em
julgado. Afirma a autora que existem requisitos clássicos para que se considere
um processo como sendo juridicamente existente, "que se identifica com a
relação jurídica que se estabelece entre autor, juiz e réu. Portanto, sem que haja
um pedido, formulado diante de um juiz, em face de um réu (potencialmente
presente, ou seja, citado) não há, sob o ângulo jurídico, propriamente um
processo"37. A doutrinadora cita alguns exemplos de sentenças inexistentesj
ineficazes, tais como processo no qual não houve citação válida, sentença ultrapetita, sentença ininteligível ou que acolhe pedido juridicamente impossível.
A tese defendida por Wambier, especialmente no que tange à inexistência,
repercutiu fortemente no meio jurídico, já se observando hoje algumas decisões
do STJ que empregaram essa tese como razão de decidir. Para ilustrar decisão
na qual tenha sido utilizada essa tese, vale analisar o caso que julgou a ação de
desapropriação do parque Jaburu em SP.
In casu38,foi requerida a antecipação de tutela pela Fazendo de São Paulo
em ação declaratória de nulidade de ato jurídico combinada com repetição de
indébito, sendo que o juiz originário concedeu dita antecipação para suspender
a continuidade do pagamento (indenização pela desapropriação). A principal
tese defendida pela Fazenda era de que a área indenizada já pertencia ao estado,
e a sentença não poderia criar direitos reais inexistentes. A decisão inicial foi
revogada pelo TJSP e através de medida cautelar foi dado efeito suspensivo ao
recurso especial sobre a questão. Por fim, o Ministro Delgado acaba por reformar
a decisão e confirmar a antecipação de tutela em atenção aos princípios da
segurança jurídica, moralidade, e proteção das partes, mantendo a suspensão do
pagamento da indenização até o julgamento da sentença de primeiro grau, cujo
valor total era de R$ 79.000.000,00(setenta e nove milhões de reais) em 1994.
36
W AMBIER,
37W AMBIER,
op. cito
op. cit., 2003, p.28.
38REsp 240712/SP,
ReI. Ministro
José Delgado,
Ia Turma
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
S1}, julgado
em 15.02.2000, DJ 24.04.2000 p.38.
I'"
RELATIVIZAÇÃODA COISAJULGADAE A... -
177
o feito prosseguiu na origem e a ação foi julgada improcedente, diante da
ausência de interesse processual, pela inadequação do meio processual escolhido,
qual seja,o da querelanullitatis.Em sede de apelação o TJSPdeu provimento ao
recurso para afastar as preliminares de impossibilidade jurídica e ausência de
interesse de agir, por se tratar de caso de nulidade absoluta. Ato contínuo, foi
manejado recurso especial pelos réus, cujo âmbito ainda não foi sobre o mérito
da demanda, mas tão somente sobre a (im)possibilidade de afastar a carência
de ação e permitir o julgamento do mérito. Em nova manifestação do STJ, desta
vez em recurso relatado pela Ministra Denise Arruda39, esta consignou em seu
voto que:
"Não se está afirmando aqui que não tenha havido coisa julgada em relação
à titularidade do imóvel, mas que determinadas decisões judiciais, por conter
vícios insanáveis, nunca transitam em julgado (...) A manutenção do acórdão
recorrido tem o efeito, tão-somente, de afastar a carência de ação (...) Não resta
dúvida, portanto, que o ajuizamento da presente ação dec1aratória de nulidade
de ato jurídico é um dos meios adequados à eventual desconstituição da coisa
julgada."
2.2 A RELATIVIZAÇÃO OU FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA
PROPRIAMENTE DITA
A posição defendida doutrinariamente e no Poder Judiciário, segundo a
qual a coisa julgada poderá ser afastada a qualquer tempo, ganhou chancela
do Ministro e doutrinador Delgado4O.Os seus principais fundamentos para a
desconstituição da sentença seriam aquelas que perpetrassem grave injustiça
(contrárias à moralidade, à realidade dos fatos e da Constituição), pois seriam
uma afronta ao princípio democrático. Assevera, mais adiante, que: "A sentença,
ato do juiz, não obstante atuar como lei entre as partes, não pode ter mais
força que a constituição." 41.Ao citar exemplo de sentença em investigação de
paternidade e a possibilidade de afastar-se a coisa julgada mediante prova de
exame de DNA, afirma que o antagonismo entre a segurança (coisa julgada) e a
39
REsp 710599/SP, ReI. Ministra DENISE ARRUDA, Ia TURMA, julgado em 21.06.2007, DJ 14.02.2008
p.I44.
40
DELGADO,
op. cito
41Idem, p.20.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
""""""'lI
178
-
Doutrina Nacional
justiça (preponderância da verdadeira paternidade) resultaria na sobreposição
desse valor àquele.
Delgad042prossegue elencando (em caráter exemplificativo e não exaustivo)
33 (trinta e três) casos de sentenças que poderiam ser desconstituídas a qualquer
tempo, tais como, sentença ofensiva à soberania estatal, a que não permita o
gozo de férias anuais remuneradas, que não garanta direito de herança, etc.
Depreende-se das hipóteses arroladas uma certa amplitude de matérias tratadas,
além de uma vagueza que permitiria o enquadramento de diversas situações de
coisa julgada a ser relativizada.
Theodoro Jr. sustentará, nesta senda, que a coisa julgada, por não ter
assento constitucional sempre cederá diante da Constituição. Afirma que:
"(...) a coisa julgada será intangível enquanto tal apenas quando conforme
com a Constituição"43. Além do mais, o doutrinador refere que a coisa julgada
inconstitucional não se submete ao prazo de dois anos para o manejo de ação
rescisória, pois importaria em equiparar inconstitucionalidade à ilegalidade, o
que violaria os próprios valores constitucionais44.
Quanto à tese ora ventilada, reporta-se aos termos do tópico 1.3 supra.
Mas não se pode deixar de frisar que a pretensão da doutrina com essa tese
submeteria a coisa julgada aos efeitos do tempo posteriores à sua prol ação, o que
não pode ser admitido pela lógica nem pelo ordenamento. Não se quer dizer que
uma afronta direta à Constituição que tenha dado interpretação irrazoável não
possa ser rescindida, mas não se pode instituir um regime que permita apenas a
interpretação mais correta.
O que já restou demonstrado é que somente nos casos do art. 485, V, do
CPC, bem como nas hipóteses de títulos executivos judiciais fundados em lei
inconstitucional (controle concentrado), dentro de seus respectivos prazos,
poderá haver sua desconstituição. Caso assim não fosse, jamais poderia se falar
da "resolução" de conflitos ou pacificação social, pois a todo momento poderia
ser suscitada a desconformidade do julgado com a Constituição, ou com a justiça,
critérios esses que não oferecem a mínima segurança45por serem extremamente
amplos e dotados de alto grau de vagueza.
42Idem, p.24-25.
43THEODORO
44Idem, p.35.
JÚNIOR,
op. cit., p.31.
45"Condicionar
a prevalência
da coisa julgada, pura e simplesmente,
à verificação da justiça da sentença
redunda em golpear de morte o próprio instituto. Poucas vezes a parte vencida se convence de que sua
Revista
da AJURIS
- v. 37 -
n. 119 - Setembro 2010
..
RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A... -
179
Neste sentido, refere Leite46que:
"O valor 'justiça' não é parâmetro seguro para orientar
a flexibilização da coisa julgada, por força de seu caráter
extremamente vago e impreciso. Por isso, a busca pela
decisão 'justa' poderia se arrastar eternamente, com o
consequente esvaziamento normativo dessa garantia
constitucionaL"
Vale ressaltar que a doutrina da relativização da coisa julgada, na forma
como vem sendo defendida, completamente ignora a eficácia preclusiva da
coisa julgada e a teoria processual de sua natureza jurídica adotada pelo código
vigente. A própria legislação já consignou hipóteses excepcionais nas quais
poderá ser afastada a coisa julga da, mas nos demais casos, ares iudicata cria
uma espécie de "cortina opaca"47sobre a eventual injustiça da decisão, tornando
irrelevante tal questão por força do seu caráter preclusivo.
3 DIRETRIZES PARA ANÁLISE DA COISA JULGADA
Todos os casos que se submeteriam à quebra atípica da coisa julgada
devem ter um fio condutor, qual seja de seu caráter excepcional. E não se trata
de uma excepcionalidade analisada em abstrato, mas uma verdadeira medida
em relação aos casos médios, que ainda devem conter uma singularidade tal que
imponha o seu exame com um outro olhar. Da análise da doutrina sobre o tema,
colhem-se alguns elementos para a construção de um modelo que enseje não uma
mera relativização da coisa julgada, mas sim a sua afirmação na grande maioria
dos casos, e somente em hipóteses de disparidade absoluta, ou superveniência
de decisão do STF (em controle concentrado), que poderia ser analisado o seu
afastamento.
Para a consecução do objetivo ora delineado, é imprescindível a análise da
razoabilidade sob o prisma da equidade. Conforme lição de Aristóteles, citada
por ÁVILA48,a equidade será o corretivo da lei quando e onde ela é omissa por
ser geral. Equidade também pode ser vista como congruência com a realidade
derrota foi justa." (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações
sobre a chamada
coisa julgada material". Revista dialética de direito processual, n.22, jan. 2005, p.100)
46LEITE, op. cit., p.187.
47MOREIRA, op. cit., p.96.
48Á VILA, Humberto. Teoria dos princípios.
"relativização
da
7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.152-155.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
180
-
Doutrina Nacional
e a equivalência entre medida e critério que a dimensiona. Dito postulado exige
que haja uma relação entre as normas gerais e as individuais do caso concreto.
A norma geral, in casu,da manutenção da coisa julgada deixará de ser aplicada
somente quando apresentar-se um caso anormal, pois nem sempre a norma será
aplicável quando as condições previstas em sua hipótese forem satisfeitas49.
O escopo da razoabilidade como equidade será o de levar em consideração
aspectos individuais do caso, o qual acaba ficando soterrado pela generalização
imposta pela lei. Nas palavras de Marinoni5O:
"Isso quer dizer que não é um direito em específico,
mas sim uma dada situação excepcional que pode
exigir que se dê maior atenção ao tema da coisa julgada.
Nesse caso, entretanto, como não tratará de considerar
o direito material objeto da decisão acobertada pela
coisa julgada material, mas sim uma circunstância que
impede a idoneidade da decisão jurisdicional acerca do
direito."
Tal é o caso, por exemplo, do art. 485, VII, do CPC, que consagra a hipótese
de ação rescisória em razão de documento novo. Não há dúvidas de que a lei
(geral) determina que o prazo para a rescisão dessa sentença seja o de dois anos
contados do seu trânsito em julgado. Todavia, existem casos em que se deve
afastar essa regra do termo inicial para a ação rescisória, pois poderá implicar na
extinção de um direito de ação antes que surja interesse no manejo da demanda.
Essa é a hipótese que a doutrina51 vem empregando para o exame de DNA,
equiparando a descoberta dessa prova irrefutável da paternidade como termo
inicial para a ação rescisória de ação de investigação de paternidade. Neste
caso, satisfeitos certos requisitos, tais como a inexistência ou impossibilidade
de realização de dito exame à época da ação, a diligência da parte em propor
a demanda em prazo razoável, deverá, em tese, prevalecer os direitos de
personalidade do indivíduo de saber e ter declarado quem é o seu verdadeiro
genitor.
O exame calcado na razoabilidade deve ser associado à ponderação
pela proporcionalidade na argumentação a ser realizada52. Neste âmbito, será
49 Á VILA,
op. cit., p.154.
50 MARINONI,
51 Neste
op. cit., p.30.
sentido,
52 Conceitos
vide WAMBIER,
extraídos
de Á VILA,
op. cit.. p.207
Teoria
da igualdade
tributária.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
São Paulo:
Malheiros,
2008,
p. I 60-173.
RELA TIVIZAÇÃODA COISAJULGADAEA...
-
181
analisada a adequação da medida, ou seja, qual é aquela que mais promove
o fim almejado (plausível/justificável). Ainda, qual a necessidade de valer-se
dessa medida (desconsideração da coisa julgada), ou seja, verificar a existência
de meios alternativos àqueles inicialmente escolhidos que possam igualmente
promover o mesmo fim sem restringir tanto direitos fundamentais. Por fim,
será feito um exame da proporcionalidade em sentido estrito, considerando
a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos
fundamentais.
Empregando-se essa estrutura ao problema em discussão, tem-se que: (a)
o meio a ser adotado será o da desconsideração da coisa julgada; (b) o fim a
proteção de princípio constitucional (que seja promovido de forma mais intensa
do que a manutenção da estabilidade do ordenamento mediante a coisa julgada);
(c) a adequação vai inquirir se a relativização da coisa julgada vai resguardar
outro direito constitucional e promove o seu fim; (d) o exame da necessidade
fica um pouco prejudicado, pois dificilmente haverá outro meio que não outra
decisão para desfazer a coisa julgada; (e) O cerne da questão será realmente a
análise da proporcionalidade em sentido estrito, verificando, por exemplo, se a
promoção de determinado direito constitucional justificaria uma grave restrição
à segurança jurídica, sendo examinada a hierarquia axiológica do caso concreto
(levando em consideração a ponderação já previamente feita pelo legislador
nesse caso).
Talamini analisou o ponto referindo que" a proporcionalidade não é um
fundamento adicional, um argumento de reforço, em favor da 'relativização'
da coisa julgada. Antes, é o único caminhopara o legítimoexameda questão".
Embora faça referência também à razoabilidade53, percebe-se que o autor inclui
a razoabilidade no âmbito da proporcionalidade e trabalha com esta última. O
doutrinador desenha o caminho a ser traçado pelo operador, afirmando que:
"O erro, em si, e ainda que objetivamente constatado,
não é suficiente para autorizar a quebra da coisa
julgada. A constatação objetiva do erro reveste-se de
caráter instrumental. É apenas o bilhetede ingressono
âmbito da consideração dos valores fundamentais
envolvidos. Caberá primeiro identificar exatamente os
princípios em conflito: um deles será o da segurança
jurídica; deverão ainda ser individualizados os demais,
53
TALAMINI, Eduardo. Coisajulgada
e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.26.
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182
-
Doutrina Nacional
tanto os acorbertados quanto os prejudicados pela
coisa julgada. Em segundo lugar, já de se atribuir a
cada um deles a correspondente importância, em vista
das peculiaridades do caso. Apenas depois se decidirá
a respeito da prevalência de um ou alguns sobre os
demais. 54"
Assim, tem-se que não se pode valer de uma visão do ordenamento que
leve apenas em consideração alguns de aspectos para a realização de uma
eventual relativização da coisa julgada. Deve-se dar relevo a um desdobramento
analítico de cada princípio e direito posto em jogo e não simplesmente afastar de
antemão a coisa julgada ao fazer chocar-se em abstrato com a justiça. Conforme já
dito, a garantia da segurança jurídica é uma das formas de resguardo da justiça,
não podendo ser descartada como um valor antinômico em relação à justiça da
decisão. Além do que a própria ponderação prévia já delineada pelo legislador
deve ser levada em conta para o sopesamento no caso concreto.
CONCLUSÕES
Em conclusão, apontam-se alguns pontos que merecem atenção quando
se analisa a questão da relativização da coisa julgada:
(i) a coisa julgada é corolário da segurança jurídica, tendo ambas assento
constitucional, sendo a primeira instrumento do segunda;
(ii) há uma sistematização circular entre a regra processual que equipara a
coisa julgada à lei (entre as partes) e a norma constitucional acerca desse instituto,
sendo reciprocamente reforçadas;
(iii) a não-violação à coisa julgada é norma dirigi da igualmente ao
legislador, às partes e aos julgadores;
(iv) a coisa julgada somente poderá ser afastada na hipótese de erro
material ou nos casos previstos em lei (quebra típica da coisa julga da);
(v) o sopesamento previamente feito pelo legislador consagrou uma
preponderância do valor segurança em detrimento aos argumentos que
poderiam ser arguidos e deduzidos pelas partes (eventual injustiça da decisão)
em razão da adoção da teoria processual atenuada;
54Idem, p.585.
Revista da AJURIS - v. 37 - n. 119 - Setembro 2010
...-
RELATlVIZAÇÃODA COISAJULGADAE A.u -
183
(vi) o cabimento da ação rescisória está associado a hipóteses que
prejudicam ou desfiguram a prestação jurisdicional;
(vii) somente caberá a rescisão do julgado ou a sua declaração de ineficácia
(executiva) por violação direta ao texto constitucional, se a sentença fundou-se
em norma tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de
controle concreto ou a norma vier a ser suspensa pelo Senado;
(viii) a ação rescisória por violação literal de lei (art. 485, V, do CPC)
somente poderá ser manejada se a interpretação dada ao texto constitucional
não for razoável, ou ainda não houver divergência jurisprudencial acerca de sua
aplicação;
(ix) a pretensão de relativização da coisa julgada fundada em antinomia
com a eventual injustiça da decisão não é um critério seguro nem coerente, pois
além de vago, ensejaria uma perpetuação do conflito instaurado;
(x) a regra da intangibilidade da coisa julgada somente poderá ser
superada se houver adequada argumentação, especialmente pautando-se por
critérios de razoabilidade por equidade e a ponderação por proporcionalidade.
Assim, haverá a identificação de casos excepcionais (anormais) que permitam o
afastamento da regra, bem como a análise do grau de restrição e promoção dos
direitos que gera.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Sentençae coisajulgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
ARISTOTLE.Ethics:Book V. Disponível em: http://www.gutenberg.org/dirs/etext05/
8ethc10.txt. Acesso em: 02 agosto 2008.
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